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INSOLVÊNCIA CIVIL, A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO E O MÍNIMO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS

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VICTÓRIA GIOVANNA DE SOUZA COSTA

INSOLVÊNCIA CIVIL, A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO E O MÍNIMO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS

São Paulo

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VICTÓRIA GIOVANNA DE SOUZA COSTA

INSOLVÊNCIA CIVIL, A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO E O MÍNIMO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS

Monografia pertencente ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade São Judas Tadeu como requisito para obtenção do título de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Roberto Bolonhini

São Paulo 2022

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INSOLVÊNCIA CIVIL, A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO E O MÍNIMO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo curso de Direito pela Universidade São Judas Tadeu, Instituição de Ensino Superior (IES) da Ânima Educação.

______________________, ________ de ____________________ de 2022.

Local dia mês ano

_____________________________________________________________

Professor e Orientador Roberto Bolonhini Universidade São Judas Tadeu

_____________________________________________________________

Professor

Universidade São Judas Tadeu

_____________________________________________________________

Professor

Universidade São Judas Tadeu

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Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso primeiramente a Deus e à minha fé, por ter me sustentado nos momentos mais difíceis. E aos meus familiares, que estiveram ao meu lado em todos os momentos. Obrigada.

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Agradeço a conclusão desta etapa em minha vida à minha fé, ao meu Deus, que me sustentou perante as mais diversas dificuldades que enfrentei ao longo de minha graduação.

Agradeço também à Universidade São Judas Tadeu e a Ânima Educação, que ao obter uma de suas bolsas de estudos pelo ENEM, pude concluir minha graduação gratuitamente, em meio às diversas dificuldades, quando me encontrava sem esperanças, eu tinha garantido meu estudo. Isso me proporcionou portas que talvez eu não poderia ter aberto com as forças de minhas mãos. Agradeço pela confiança e por existirem em minha vida.

Agradeço à minha família. Em especial, meu pai, Henrique, minha mãe, Renata e meu irmão, Pietro. sem vocês para me aconselhar no amparo de minha alma, nada seria possível. Sem seu amor, sua dedicação ao me criar, seus abraços e as reiteradas lágrimas que secaram, não poderia prosseguir. Além de meus tios, primos e minha querida avó Cida.

Agradeço também ao Gabriel, que acima de tudo, é meu melhor amigo.

Alguém que em palavras não poderia descrever como me ajudou e me aconselhou quando mais precisei, que pegou em minha mão e me protegeu. Seu amor me fez (re)viver.

Agradeço a todos os amigos e colegas que fizeram parte dessa jornada junto comigo. Pelas risadas ao longo do curso e pelas lágrimas também, como Giovanna, Camilly e Laura. Nossos dias de convivência diária fazem parte de uma das lembranças mais felizes de minha vida. Cada café e cada abraço de manhã significaram muito.

E aos que não citei especificamente, deixo minha gratidão eterna por cada conversa que tivemos, e que espero ter cada dia mais. Só sou eu, porque sou a junção de fragmentos que todas as pessoas deixaram em mim. Muito obrigada.

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“No man is above the law and no man is below it: nor do we ask any man’s permission when we ask him to obey it.” (Theodore Roosevelt)

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O presente trabalho de monografia trata da Lei do Superendividamento, o Mínimo Existencial e a correlação entre o endividamento e a insolvência civil. Primeiramente é feita uma abordagem materialista e histórica quanto ao direito do consumidor no mundo e no Brasil, seu desenvolvimento, proteção, sua amplitude e necessária modificação perante as mudanças sociais detidas no século XXI, e a afirmação de conceitos que levaram a efetividade de sua projeção e inovação. Posteriormente, define-se a insolvência civil e sua correlação perante a lei do superendividamento, que trouxe proteção ao consumidor superendividado, analisando sua aplicabilidade no contexto social brasileiro e a desenvoltura dos conceitos ali compreendidos para a população frágil e vulnerável de consumidores. Então, desenvolve-se o questionamento perante o conceito de mínimo existencial, pertencente à Constituição Federativa Brasileira, aos pilares fundamentais da legislação e o consumidor na sociedade atual, interligando os conceitos abordados no decorrer do trabalho. Concluindo com a efetividade da lei n° 14.181/22 e sua desenvoltura no momento atual da competência legislativa brasileira.

Palavras-chave: Código de Defesa do Consumidor. Insolvência Civil. Lei do Superendividamento. Mínimo Existencial. Inaplicabilidade.

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ABSTRACT

This monograph deals with the Law of Over-indebtedness, the Existential Minimum and the correlation between indebtedness and civil insolvency. Firstly, a materialistic and historical approach is taken regarding consumer rights in the world and in Brazil, its development, protection, its scope and necessary modification in the face of the social changes held in the 21st century, and the affirmation of concepts that led to the effectiveness of its projection and innovation. Subsequently, civil insolvency is defined and its correlation with the over-indebtedness law, which brought protection to the over-indebted consumer, analyzing its applicability in the Brazilian social context and the resourcefulness of the concepts understood there for the fragile and vulnerable population of consumers. Then, the questioning is developed before the concept of existential minimum, belonging to the Brazilian Federative Constitution, to the fundamental pillars of the legislation and the consumer in the current society, interconnecting the concepts approached in the course of the work. Concluding with the effectiveness of law n° 14.181/22 and its resourcefulness in the current moment of the Brazilian legislative competence.

Keywords: Consumer Protection Code. Civil Insolvency. Law of Over-indebtedness.

Existential Minimum. Inapplicability.

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art. - artigo n° - número

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LISTA DE SIGLAS

CF - Constituição Federal CC - Código Civil

CDC - Código de Defesa do Consumidor CPC - Código de Processo Civil

USJT - Universidade São Judas Tadeu

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1. INTRODUÇÃO ……….. 12

2. CAPÍTULO 1 - A HISTÓRIA DO CONSUMO E SUA EVOLUÇÃO

……….. 15 2.1 HISTÓRICO CONSUMERISTA E CRIAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ………. 15 2.2 O CONSUMIDOR, O FORNECEDOR, OS PRODUTOS E OS SERVIÇOS

……….. 17 2.3 PRINCÍPIOS ABARCADOS PELO CDC (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) ……… 19 2.4 A NECESSIDADE DE SUPLEMENTAÇÃO DO CÓDIGO MEDIANTE A

FRAGILIDADE DO CONSUMIDOR

……….. 21

3. CAPÍTULO 2 - A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO (LEI N° 14. 181/2021)

……… 24 3.1 A COMPLEMENTAÇÃO DO CDC PELA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO

………. 24 3.2 DIFERENÇA ENTRE A INSOLVÊNCIA CIVIL E A LEI N°14.181/2021

………. 26

4. CAPÍTULO 3 - A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO E O MÍNIMO EXISTENCIAL ……….. 31 4.1 A APLICAÇÃO CONCRETA E JURISPRUDENCIAL DA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO ………. 31

4.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL

………. 32 4.3 A PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL CONFORME O ARTIGO

54-A, §1° DA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO

……….. 35

4.4 A PROBLEMÁTICA DO DECRETO LEI N° 11.150/2022

……….. 38

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5. CONCLUSÃO ………. 41 REFERÊNCIAS ………. 43

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1. INTRODUÇÃO

O desenvolvimento deste trabalho surgiu com a ideia e questionamentos sobre o consumo na sociedade brasileira atual, sua regulamentação e dificuldades perante a sociedade. Surgiu da necessidade de uma compreensão ampla do que seriam as inovações no campo do Direito do Consumidor, o Superendividamento e a garantia do Mínimo Existencial.

A história do consumo nasce no Século XVII, após as grandes revoluções (francesa, industrial…). No Brasil, emerge com a vinda da família real ao Brasil, em 18081, onde o país, que até então havia sido pouco colonizado, sofre as grandes transformações das máquinas e formas de produção de itens de vestuário, alimentos e é invadido por costumes até então não conhecidos, pondo fim, ao que chamava Bauman, da revolução paleolítica do consumo:

Seguindo-se à “revolução paleolítica” que pôs fim ao modo de existência precário dos povos coletores e inaugurou a era dos excedentes e da estocagem, a história poderia ser escrita com base nas maneiras como esse espaço foi colonizado e administrado. (Bauman, 2008, p. 23)(grifei)

Ou seja, a produção dos produtos frutos de consumo e utilizados à época foram terceirizados e amplamente padronizados, criando um polo industrial para a sociedade da época. Segundo Cottely (1971, p.111), o homem cedeu espaço para a indústria, não detendo mais em suas mãos a especificidade e singularidade dos produtos produzidos:

[...]el hombre no vive aislado. No produce todos los bienes necessarios para su consumo, sino que se especializa em la producción de ciertos bienes, que trueca por los otros. Existe una divisíon de trabajo que funciona sobre la base de la distribuición de los bienes.

Séculos se passaram e com eles diversas leis e reformulações legais eram necessárias para amparar tanto os consumidores, quanto os comerciantes2. Nisso,

2VIEIRA, Fernando Borges.O Direito do Consumidor no Brasil e sua breve história.Migalhas. 13 set. 2012. Disponível

1MIRANDA, Maria Bernadete.Breve histórico do consumo e a proteção do consumidor.11 de abr. 2017. Disponível em:

http://estadodedireito.com.br/breve-historico-do-consumo-e-protecao-do-consumidor/#:~:text=As%20 mudan%C3%A7as%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20ao,Europa%20e%20principalmente%20da

%20%C3%8Dndia. Acesso em: 10 set. 2022

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em 1990, é sancionado o Código de Defesa do Consumidor, código este que revolucionou o sistema consumerista brasileiro, visto que nunca houvera sistema parecido na legislação brasileira.

O CDC inaugurou diversos conceitos de proteção aos consumidores e aos fornecedores, incluindo a hipossuficiência do consumidor, a vulnerabilidade das relações entre fornecedor x consumidor, e sua fragilidade perante as relações negociais, instituindo ordens materiais e processuais para a proteção dos cidadãos brasileiros, inaugurando de forma inovadora o sistema de proteção dos consumidores brasileiros e as relações negociais intermediadas.

Assim, mesmo com sua amplitude de 119 artigos, o Código de Defesa do Consumidor detinha lacunas, que, ao longo dos anos e das inovações tecnológicas em nossa 4° revolução, necessitavam de complementação, visto que apesar de sua essencialidade principiológica e uso de costumes e jurisprudências, não era abarcada, por exemplo, a situação do consumidor superendividado.

Com isso, foi criado o Projeto de Lei n° 3515/2015, que instituia a alteração de alguns artigos do CDC para uma inclusão de proteção ao consumidor e ao superendividamento deste, que, como expõe Daniel Bucar3, acontece pela utilização dos produtos e sua reiterada compra: “Se, de um lado, paga-se um mútuo que proporcionou a aquisição de determinado bem (corpóreo ou incorpóreo), de outro, a expressão patrimonial do objeto adquirido se esvai pelo próprio consumo.”

Então, em 1° de julho de 2021, foi sancionada a Lei n° 14.181, mais conhecida como a Lei do Superendividamento, que determinou proteção ao consumidor superendividado e ferramentas legais para a resolução de sua fragilidade financeira atual, lhe dando ferramentas e respaldo legal para nova obtenção de sua dignidade financeira.

Contudo, alguns conceitos foram indagados ao longo do estudo e da análise, como o conceito de mínimo existencial, pertencente tanto ao CDC, quanto à Constituição Federal, que deixa lacunas importantes nas garantias basilares a subsistência do brasileiro, não confundindo-se com o mínimo vital, que trata somente

3BUCAR, Daniel.Superendividamento: reabilitação patrimonial da pessoa humana. São Paulo:

Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547220013. Acesso restrito via Minha Biblioteca. Acesso em: 14 out. 2022. p.6

em:https://www.migalhas.com.br/depeso/163956/o-direito-do-consumidor-no-brasil-e-sua-breve-histori a. Acesso em: 10 set. 2022

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da sobrevivência, e nem com a reserva do possível, que determina um limite para as disposições sociais pelo Estado.

Também tornou-se questionável se a ferramenta de repactuação de dívidas do Superendividamento seria uma “nova Insolvência Civil”, pertencente ao Código de Processo Civil de 1973, destrinchando algumas de suas diferenças e a particularidade de cada um dos conceitos no que tange o objeto de seu desenvolvimento de definição legal.

Portanto, torna-se imprescindível o objeto de pesquisa explorado nessa monografia, analisando os conceitos pré-existentes, legal e teoricamente, que analisarão diversos questionamentos perante a Lei do Superendividamento, as garantias constitucionais, o Código de Processo Civil e o Mínimo Existencial. Deteve o cronograma de 1 ano para seu desenvolvimento e utilizou tanto as ferramentas doutrinárias, quanto as legais e também a opinião pública.

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2. CAPÍTULO 1 - A HISTÓRIA DO CONSUMO E SUA EVOLUÇÃO

2. 1 HISTÓRIA CONSUMERISTA E A CRIAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O consumo no Brasil, como citado anteriormente, iniciou-se com a colonização em 1808 pelo advento da família portuguesa em terras brasileiras.

Anteriormente, o consumo estava subsistido a sobrevivência da população e necessidades básicas, sendo este o consumo primário da humanidade.

Com a evolução das produções em massa e da possibilidade econômica dos trabalhadores, o consumo tornou-se não mais um hábito de subsistência, mas de luxo e poder, uma transformação econômica e social perante a humanidade onde não mais era sinônimo de sobrevivência, mas de poder de obtenção.

Tornou-se, o consumo, um poder inesgotável e descontrolado perante a área financeira e a falta de conhecimento do ser humano naquele momento, como bem explica Zygmunt Bauman (2008, p.37)4: “A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua a não-satisfação de seus membros (e assim, em seus próprios termos, a infelicidade deles).”(grifei). Ou seja, a insatisfação e a inovação dos produtos geravam cada vez mais o consumo desenfreado.

Iniciou-se no mundo uma cultura de consumo pelo qual o poder e o status social era demonstrado pela obtenção de certos produtos, como seda, tecidos coloridos, tecidos bordados, especiarias, e até mesmo a arquitetura e localização da moradia de certas famílias da burguesia colocavam as pessoas em status social diferenciado:

Por toda a história humana, as atividades de consumo ou correlatas (produção, armazenamento, distribuição e remoção de objetos de consumo) têm oferecido um suprimento constante de “matéria-prima” a partir da qual a variedade de formas de vida e padrões de relações inter-humanas pôde ser moldada, e de fato o foi, com a ajuda da inventividade cultural conduzida pela imaginação. (Bauman, 2008, p. 23) (grifo)

Com isso, houve a necessidade de uma regulamentação legal para que as disparidades sociais e garantias fossem estabelecidas por meio de normas,

4BAUMAN, Zygmunt.Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias.

Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2008.

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considerando a evolução social, que estava a sociedade passando. Surge, então, o Código Comercial (Lei N° 556/1850), que detinha algumas regras, hoje conhecidamente civis, e regras para o comércio, amplamente utilizado no século de sua outorga, garantindo poderes e regramentos à sociedade de consumo da época.

O Código era amplamente utilizado, contudo, com a fluidez dos conceitos e da modernização, o código tornou-se obsoleto, revogado tacitamente, visto que não encobria diversos direitos a ele limitados. Tendo em vista que, em sua maioria, não protegia o consumidor e o consumo, mas sim os comerciantes e fornecedores perante as práticas comerciais que podiam realizar, e que, regularmente, eram abusivas à luz do que conhecemos hoje como princípios norteadores do consumo, mesmo sendo uma lei muito avançada para a época.

Por exemplo, o artigo 21 do Código Comercial do Império, que dava poder ao comerciante de validade documental excessiva e de fé pública, onde poderia ajudar, mas também deixava brechas para a má-fé do comerciante: “Art. 21 - As procurações bastantes dos comerciantes, ou sejam feitas pela sua própria mão ou por eles somente assinadas, têm a mesma validade que se fossem feitas por tabeliães públicos.”

Com o avanço do capitalismo e dos direitos humanos no Século XIX, tanto os Estados Unidos, quanto os Países Latino Americanos, iniciaram uma revolução comercial perante o consumo e o capitalismo. Avançaram nas produções, tendo como, por exemplo, o Taylorismo e o Fordismo5, que determinaram a forma de trabalho de diversos países até os dias atuais, sendo caracterizada pela produção em massa, que levava, automaticamente, ao consumo elevado, já que não faltavam produtos no mercado, utilizando como princípios norteadores a intensidade, produção e economia.

No Código Civil de 1916, a sanção abusiva dos consumidores ainda existia, onde poderia ocorrer a prisão civil do devedor insolvente6. Com isso, iniciou-se no Brasil a ideia da criação de uma lei que amparasse de forma ampla os direitos do consumidor. Os anos e as ideias amadureceram, os consumidores eram a maioria, e

6 BUCAR, Daniel.Superendividamento: reabilitação patrimonial da pessoa humana. São Paulo:

Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547220013. Acesso restrito via Minha Biblioteca. Acesso em: 14 out. 2022. p.8

5INVESTIMENTOS.Fordismo: o que é, como funciona e principais características.Capital Now Por Onze. 12 mar. 2020. Disponível em: https://capitalresearch.com.br/blog/fordismo/. Acesso em: 14 de out. 2022.

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eram lesados indescritivelmente pela falta de poderio econômico que detinha frente a burguesia produtora.

Então, surge a constituição de comissão do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, o qual tinha como objetivo a elaboração de um anteprojeto de código, mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, que traria, entre diversos objetivos, a proteção obrigatória do consumidor. Tinham como base, como escreve Humberto Theodoro Júnior7, o referencial estrangeiro:

O legislador inspirou-se em legislações estrangeiras, especialmente no Projeto de Código do Consumo Francês, bem como nas leis gerais da Espanha, de Portugal e do México e nas Diretivas do Direito comunitário europeu.[...]

Mediante muitas discussões, a criação de uma comissão mista e o artigo 48 do ADCT, o texto que detinha o Projeto do Código foi apresentado ao Congresso Nacional, resultando na criação, em 11 de setembro de 1990, da Lei n° 8.078, mais conhecido como Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor revolucionou a sociedade, como cita Ada Pelegrini e Antônio Herman8:

[...] coroar o trabalho legislativo, ampliando o âmbito de incidência da Lei da Ação Civil Pública, ao determinar sua aplicação a todos os interesses difusos e coletivos, e criando uma nova categoria de direitos ou interesses, individuais por natureza e tradicionalmente tratados apenas a título pessoal, mas conduzíveis [sic] coletivamente perante a justiça civil, em função da origem comum, que denominou direitos individuais homogêneos.

Ou seja, trouxe materialmente o que há muito já se pensava e discutia no Brasil e no mundo, revolucionando o sistema de defesa e proteção do consumidor, sendo o CDC o código pioneiro em todo o mundo, inspirando a todos com sua carga principiológica e protetiva.

2.2 O CONSUMIDOR, O FORNECEDOR, OS PRODUTOS E OS SERVIÇOS

8GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto;

FILOMENO, José Geraldo Brito; NERY JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo.Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. 1, p. 2.

7 JR., Humberto T. Direitos do Consumidor. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788530992941. Acesso restrito via Minha Biblioteca. Acesso em: 14 out. 2022. p. 4

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O CDC determinou conceitos sobre várias lacunas que o Código Civil não trazia anteriormente. Trouxe em seus artigos 2° e 3° as especificidades do consumidor e do fornecedor para a caracterização de uma relação consumerista, além das disposições sobre os produtos e serviços ao longo do Código.

Inicialmente, o CDC iniciou com a definição do sujeito ao qual seria objeto de proteção da lei: o consumidor. Detendo sua definição em 4 dispositivos diferentes, como o art. 2.°, caput e parágrafo único, art. 17 e art. 29 do CDC9. O consumidor é definido de diversas perspectivas, podendo ser caracterizado como o adquirente, a vítima do acidente de consumo ou até mesmo consumidor por equiparação.

Para ser consumidor basta o agir de forma com que seu objetivo seja não negocial e que realmente utilize para consumo o produto ou serviço ali adquirido10. Diferentemente do que é definido como fornecedor, presente no artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”(grifei)

Ou seja, mediante a especificidade determinada do que seria o fornecedor, podemos definir o consumidor como qualquer oposto aos preceitos da letra da lei que determinou-os. Necessariamente o fornecedor utilizará a relação de forma profissional e visando lucro, algo que o consumidor não terá em seus objetivos.

O consumidor superendividado, por exemplo, seria aquele que mesmo não visando uma relação negocial profissional, consumiu excessivamente os produtos e serviços adquiridos pelo fornecedor, que poderia ocorrer de forma ativa consciente, no qual o consumidor adquire o bem sabendo que não poderia adquiri-lo, ou seja, por má-fé, não usufruindo da proteção legal. De forma ativa inconsciente, onde o consumidor adquire a dívida por descontrole financeiro, ou de forma passiva, onde por causa de situações externas e terciárias a sua vontade não pode adimplir com suas obrigações, como foi, por exemplo, a perda de produtividade durante a pandemia da Covid-19.

10FILOMENO, José Geraldo Brito. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; NERY JÚNIOR, Nelson;

DENARI, Zelmo.Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 23.

9BENJAMIN, Antonio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, BESSA, Leonardo Roscoe.Manual de Direito do Consumidor. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

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Dar-se-á o título de consumo a usufruição de produto, que é qualquer objeto material ou imaterial oriundo de prestação financeira e objeto de consumo, ou serviço, que é a prestação de uma utilidade para com o consumidor. Ambos os conceitos são participantes quase que essenciais na relação consumidor x fornecedor, não sendo necessária a participação direta do consumidor em alguns casos, como no consumo por equiparação:

Logo, basta ser “vítima” de um produto ou serviço para ser privilegiado com a posição de consumidor legalmente protegido pelas normas sobre responsabilidade objetiva pelo fato do produto presentes no CDC – não é necessário ser destinatário final, ser consumidor concreto, basta o acidente de consumo oriundo deste defeito do produto e do serviço que causa o dano.(BENJAMIN, 2021, p. 186)

Abarca, portanto, o CDC em sua maioria com os conceitos que o Código Civil e a Constituição Federal não trouxeram, cabendo ao diálogo das fontes ao que tange a amplitude e não obscuridade da lei mediante as lacunas ainda existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

2.3 PRINCÍPIOS ABARCADOS PELO CDC (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR)

A relação de consumo ocorre por intermédio de três elementos presentes na relação jurídica. São estes, primeiramente, o elemento subjetivo, que são os sujeitos da relação, o consumidor e o fornecedor. O segundo elemento é o objetivo, que traz o objeto pertencente à relação jurídica, ou seja, o produto ou serviço. E o terceiro, o teleológico, no qual traz a finalidade do consumo do produto ou serviço pelo consumidor, sendo abrangida tanto a finalidade positiva, para uso privado, quanto a finalidade negativa, para uso não profissional.

A ciência jurídica surge da necessidade da regulamentação de um fato jurídico, conforme a teoria tridimensional do direito de Miguel Reale. Através da modernização, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor sofreu diversas influências para a criação de suas regras e princípios, onde foram observados, entre eles, a determinação legal da Política Nacional do Estado dos Estados Unidos, que

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detinha, como quatro princípios principais, o direito de ser informado, de escolha, de ser ouvido e da segurança do consumidor11.

A criação do CDC foi intrinsecamente influenciada pelos outros países, tendo aqueles como seus principais princípios. Ou seja, pensando no consumo consciente e na proteção individual de cada consumidor, pensando em suas características e hipossuficiências, o código elaborou diversos quesitos e importantes manejos que determinaram as suas diretrizes.

O Código de Defesa do Consumidor inaugurou uma perspectiva jamais antes explorada: a visão do consumidor. Podemos ver em cada artigo que foi levado em consideração a fragilidade e a relação de disparidade entre as partes quando se refere a uma relação consumerista.

Analisando o Código, podemos perceber que os principais princípios basilares irradiavam-se para outros mais específicos, como a dignidade da pessoa humana, que está presente em quase todo o ordenamento jurídico brasileiro, respeitando as individualidades de cada cidadão e criando uma limitação para o respeito entre os presentes da relação de consumo, como bem cita Eduardo C. B. Bittar (2006, p. 50), a “justiça não pode ser pensada isoladamente, sem o princípio da dignidade humana”.

O princípio da proteção, presente no artigo 6° do Código, alude a uma proteção física, econômica e inclusive psíquica do consumidor, tendo como referência o artigo 5°, inciso XXXII da Constituição Federal, onde as diferenças entre consumidor e fornecedor são equalizadas perante a lei, protegendo ambos os lados em suas respectivas necessidades.

A vulnerabilidade também está presente entre os princípios, sendo esta um dos principais requisitos para que a pessoa seja abarcada como consumidor pelo ordenamento brasileiro. Reconhece-se, então, a fragilidade, na relação consumerista, do consumidor perante o fornecedor.

Tem como princípio a transparência, onde o fornecedor tem de informar o consumidor quanto aos riscos do negócio, colocando em pauta a vulnerabilidade e a informação para o consumidor, perante sua fragilidade em face do fornecedor.

11MIRANDA, Maria Bernadete.Os princípios consagrados no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Publicado em: 13 jun. 2017. Disponível em:

<http://estadodedireito.com.br/os-principios-consagrados-no-codigo-de-protecao-e-defesa-consumidor 1/> Acesso em: 16 out. 2022

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Assim, além dos supracitados, o Código detém de outros princípios, como a confiança, precaução, boa-fé objetiva, facilitação da defesa, da revisão das cláusulas contratuais, da conservação dos contratos, da solidariedade e da igualdade. Ou seja, para antes que detinha de somente confiabilidade social, a determinação legal dos princípios, tendendo a proteção individual do consumidor, revolucionou o sistema social, a forma de trabalho, de organização e de consumo no país.12

2.4 A NECESSIDADE DE SUPLEMENTAÇÃO DO CÓDIGO MEDIANTE A FRAGILIDADE DO CONSUMIDOR

Como ditou Fábio Ulhoa Coelho13, não é intenção do legislador brasileiro tratar exaustivamente de todos os interesses dos consumidores:

Nunca, portanto, passou pela intenção do CDC assumir o papel de defensor exaustivo de todos os interesses dos consumidores sem que se lhes pudesse contrapor interesses igualmente relevantes dos fornecedores, nem muito menos que outras normas de direito privado, como as dos direitos das obrigações e dos contratos, deixassem de ser obrigatórias para ambas as partes da relação de consumo. É sempre bom lembrar que a exacerbação de tutela dos consumidores, além de contrariar o princípio constitucional da livre-iniciativa, acaba por majorar custos da produção e escassez de certos produtos e serviços, o que, afinal, vem prejudicar os próprios destinatários das normas protetivas.

Mas, mediante a desenvoltura do CDC ao longo de seus 30 anos, a sua complexidade e abrangência começaram a ser questionadas, mediante as revoluções tecnológicas, sociais e econômicas na sociedade brasileira atual. Com isso, notou-se que havia a necessidade da suplementação do código, visto que abusos contra o consumidor começaram a aumentar, e também, diante de sua fragilidade, havia a necessidade de uma maior abrangência e informatização.

Seria necessário que o CDC colocasse mais regularmente, que, além dos direitos básicos desenvolvidos anteriormente, a prática de crédito responsável, a educação financeira, a prevenção e o tratamento do superendividado, por meio de

13 COELHO, Fábio Ulhoa.Os empresários e o direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994. p.

27; NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 4.

12 MIRANDA, Maria Bernadete. Os princípios consagrados no Código de Proteção e Defesa do

Consumidor. 13 de junho de 2017. Disponível em:

<http://estadodedireito.com.br/os-principios-consagrados-no-codigo-de-protecao-e-defesa-consumidor 1/> Acesso em 16 de out. de 2022

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repactuação de dívidas, fossem considerados também direitos básicos do consumidor brasileiro.

Com isso, levando em consideração o princípio do dever de mitigação dos danos14 (Duty to mitigate the loss), como conceitua a teoria da avoidability15, onde caso haja o inadimplemento contratual, e a parte prejudicada pelo não adimplemento pudesse evitar ou mitigar o dano, perante um esforço razoável sem risco, ônus ou degradação, e ainda assim não evitá-lo, perderia então o direito de ressarcimento pelo valor total de seu dano decorrido, iniciou-se uma brecha no sistema de proteção do consumidor.

Assim, foi formada uma comissão temporária que previa alterações ao Código de Defesa do Consumidor (PLS 283/2012), tendo como autor o Senador José Sarney, onde por muito tempo discutiu-se pela necessidade da lei do superendividamento do consumidor.

Como conceitua Santos (2008, p. 12), o legislador teria que retomar o papel de dirigente estatal, o qual interviria nas relações entre “fornecedor de crédito e superendividado, buscando o restabelecimento do equilíbrio contratual e a reestruturação da vida financeira dos indivíduos e de sua família. Esta norma será de ordem pública e de interesse social. Uma lei desejável e inovadora no direito brasileiro que visará à tutela e ao tratamento das situações do fenômeno do superendividamento “(grifei), de modo a preservar ao consumidor e a sua família observando a dignidade da pessoa humana.”

Observado e desejado por anos, o Projeto de Lei n° 1.805/2021 foi criado.

Sancionado pelo Presidente, em 01 de julho de 2021, originou-se então a Lei n°14.181, mais conhecida como a Lei do Superendividamento. A Lei, mesmo conhecida por este nome, não trouxe somente providências para o superendividado, mas uma alteração, no geral, necessária como um todo para a reformulação do Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso.

Segundo Merino (1962, p. 39), o Estado assumiu uma forma de solucionar problemas econômicos decorrentes das atitudes da sociedade:

15FARNSWORTH, E. Allan, et al.Contracts.7. ed. New York: Foundation Press, 2008, p. 629

14CARVALHO, Beatriz Veiga. O “dever de mitigar danos” na responsabilidade contratual: A perspectiva do direito brasileiro. Orientadora Patrícia Faga Iglecias Lemos. Monografia. São Paulo, 2014.

(24)

23

[...] Gracias a los problemas económicos y sociales proprios dela épocas presente, el Estado ha ido interviendo em forma cada vez más creciente em la antes intocable esfera dela economia privada. (MERINO, Daniel Moore.

Derecho económico. Santiago: Jurídica de Chile, 1962, p. 39)

A Lei teve por objetivo principal a mudança na prevenção e na inclusão de medidas no CDC que trouxessem o endividado novamente para o centro econômico da sociedade, tendo o insolvente a oportunidade e amparo da legislação para renegociar e apreciar suas dívidas e a chance de ser informado das consequências de sua falta de equilíbrio financeiro.

O Superendividamento do Consumidor é uma preocupação não somente do legislativo brasileiro, mas também de outros países pelo mundo, mediante as drásticas mudanças que anda sofrendo a sociedade de consumo. Como por exemplo, o Parlamento Europeu editou uma diretiva (Diretiva 2014/17/EU)16que dita sobre contratos de crédito para consumidores, visando imóveis de habitação, onde ditava que “antes da celebração do contrato de crédito, o mutuante procederia a uma rigorosa avaliação da solvabilidade do consumidor (art. 18°, 1)”, trazendo conceitos de vulnerabilidade do consumidor e o velho dever de mitigação dos danos, visando o bem estar de ambos os lados.

Trouxe, a Lei n° 14.181 no Brasil, a reafirmação de princípios norteadores da legislação consumerista, como o acesso à informação, a presunção da boa-fé do consumidor, a proteção e o dever de mitigar danos decorrentes do consumo, sendo assim uma ferramenta revolucionária para a maioria dos cidadãos superendividados e vulneráveis.

16 JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação e que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2013/36/UE e o regulamento (UE)

1093/2010. [consult. 13 abr. 2021] Disponível em:

https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2014:060:0034:0085:PT:PDF

(25)

3. CAPÍTULO 2 - A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO (LEI N° 14.181/2021)

3.1 A COMPLEMENTAÇÃO DO CDC PELA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO

Colocando em pauta a vulnerabilidade do consumidor, como definem os estudos de Abramovay e colegas, Hillescheim e Cruz (2008, p. 196), essa é definida como uma situação em que recursos e habilidades de um dado grupo social são insuficientes, e muitas vezes, inadequados para lidar com as ocasiões que acontecem na sociedade, no qual não conseguem ascender a maiores níveis de bem-estar ou até mesmo evitar a deterioração de suas vidas perante os acontecimentos sociais.

Ou seja, o consumidor detém de uma vulnerabilidade, comparativamente aos fornecedores, grandemente lesionável quanto ao quesito financeiro, visto que depende, em sua maioria, de uma só renda que pode ser extinta mediante as grandes dívidas que pode adquirir.

Com isso, fez-se necessário a implementação da Lei N° 14.181/2021, onde trataria não somente de um remédio para tirar o consumidor desta situação de submersão às dívidas, mas também uma forma de educar o consumidor e mudar sua distribuição financeira em coisas tangíveis, sendo definido por Cláudia Lima Marques (2010, p.20), o superendividamento como:

[...] a impossibilidade global do devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio17(grifei)

Assim, em seus 14 artigos modificantes, a Lei do Superendividamento trouxe em pauta o que já se discutia há anos: como tratar o consumidor superendividado.

Sendo essa uma ferramenta muito nova, pouco explorada até o momento e eficiente, em sua maioria, para tirar, muitas vezes, o consumidor da linha da pobreza financeira.

17MARQUES, Cláudia Lima.Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas.Revista de Direito do Consumidor, n. 75, 2010, p. 20.

(26)

25

Em estudos, a Professora Cláudia Lima Marques18 analisou 6165 casos de superendividamento de 2007 a 2012, na comarca de Porto Alegre, que identificou diversos dados de acordo com o gênero, idade, estado civil, a renda média mensal do consumidor e sua ocupação.

Com os estudos e análise dos dados, chegou à conclusão que a maioria dos consumidores superendividados eram mulheres (61,4%); de 40 a 59 anos (41,7%), solteiros(40,9%) ou casados (33,7%); que ganham em torno de 1 a 2 salários mínimos (49,2%); que eram empregados do setor privado (33,8%); devendo a 1 credor (68,3%); tendo como causas do superendividamento a redução de sua renda (26,5%), o desemprego (24,3%) e o gasto acima do que ganha de fonte de renda (23,9%), sendo adquirido o crédito pelo jornal ou mala direta (33%) e pelo telemarketing (24,4%).

Ou seja, levando em consideração que a maioria das mulheres sustentam suas famílias, não detendo de outra renda que as sustente, seu endividamento teria como causa, tão somente, a preservação de seu mínimo existencial, tratando-se de um consumo ativo inconsciente e passivo, ou seja, de total boa-fé.

Ainda, nos estudos de Marques (2007), 72,9% dos analisados estão negativados em bancos de dados de análise de crédito, e o mais espantoso, 96,3%

tentaram renegociar suas dívidas diretamente com seus credores e não obtiveram sucesso. Ou seja, fica clara a vulnerabilidade e fragilidade que o consumidor se encontrava até o momento, sendo, na maioria, os fornecedores, gestores de um caos que poderiam resolver autocompositivamente.

A lei implementou não somente uma solução jurídica, mas uma esperança de que os consumidores superendividados, em sua maioria de baixa renda, voltassem a ser vistos como economicamente saudáveis, terem seus nomes excluídos do cadastro de negativados. Utilizariam amplamente o Código de Proteção e Defesa do Consumidor como um prisma pelo qual se protegem das relações abusivas que se encontram no mercado.

Com isso, o artigo 104-A da Lei N° 14.181/2021 traz a conciliação do superendividamento, onde, utilizando da ferramenta legal, o consumidor

18MARQUES, Claudia Lima; LIMA, Clarissa Costa de; BERTONCELLO, Karen Rick Danilevicz.

Dados preliminares da pesquisa empírica sobre o perfil dos consumidores superendividados da Comarca de Porto Alegre (2007 a 2012) e o “Observatório do Crédito e Superendividamento UFRGS-MJ”. Revista de Direito do Consumidor. vol. 99. ano 24. p. 411-436. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2015.

(27)

superendividado poderá requerer a repactuação de suas dívidas, reunindo todos os seus credores e informando um plano de pagamento com prazo máximo de 5 anos, preservado seu mínimo existencial. Incluindo que, no artigo 4°, inciso X do CDC, é definido como uma forma de evitar a exclusão social do consumidor, onde este era somente acusado da culpa pelo seu endividamento.

Como ditado pelas Nações Unidas no Brasil19:

A prevenção ao endividamento do consumidor é, além de um objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo, um objetivo do desenvolvimento sustentável, n° 12 da Agenda de 2030 das Nações Unidas (p. 96, Júnior), que visa garantir o padrão de consumo e produção sustentável.

Como bem se viu, 96,5% da população superendividada de Porto Alegre procuraram seus credores para renegociar suas dívidas e lhe foram negadas as propostas. É clara a relação de disparidade entre as partes, imputando somente ao consumidor os ônus da relação jurídica negocial não adimplida, sendo favorável ao fornecedor os atrasos, visto que poderá imputar diversas taxas e abusividades que levarão o consumidor ao estado de miserabilidade social.

A alteração no Código trouxe a volta do consumidor ao seu estado vulnerável, e mais frágil ainda pela sua situação que se torna praticamente exclusiva perante seu endividamento.

3.2 DIFERENÇA ENTRE A INSOLVÊNCIA CIVIL (CPC/73) E A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO (CDC)

Conforme citado, o diálogo das fontes é um dos conceitos basilares da proteção do consumidor no Brasil, que significa o seguinte: “a atual aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC, a lei de seguro, saúde) e gerais (como o CC/2002), com campos de aplicação convergentes, mas não mais iguais.” (BENJAMIN, 2021, p. 211).

19Nações Unidas. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil. Disponível em:

<https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/12> Acesso em: 01 out. 2022.

(28)

27

Com isso, denota-se que andam de forma convergente tanto o Código Civil de 2002 como o Código de Defesa do Consumidor, suplementando e complementando-se no que tange às relações consumeristas na sociedade atual.

Isso não somente se restringe ao Código Civil. O antigo Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 traz em seus artigos 748 a 753 a regulação da insolvência civil. Esta sendo definida como a determinação legal de incapacidade do devedor de adimplir suas dívidas mediante o balanço patrimonial detento20.

Nesta situação, o devedor era acionado e de maneira declaratória e autônoma era ajuizada ação, onde era declarada sua insolvência. Como determinou a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1823944:

O processo de insolvência civil é autônomo, de característica declaratória-constitutiva, e busca um estado jurídico para o devedor, não podendo ser confundido com a ação de execução, na qual a existência de bens é pressuposto para o desenvolvimento do processo.(...)

Por exemplo, diferentemente de uma desconsideração da personalidade jurídica, que poderia ser arbitrada em execução, como determina o artigo 134 do CPC/2015, a insolvência civil não pode ocorrer no processo de execução sem passar pelo conhecimento.

Então, com a criação da Lei n° 13.105, promulgada em 16 de março de 2015, o Código de Processo Civil foi alterado quase completamente, incluindo diversos direitos e assistências ao processo atual, e também mantendo algumas instituições do antigo código.

Porém, de acordo com o artigo 1.052 do CPC/2015, o instituto da Insolvência Civil continuou sendo regulada pelo Antigo Código de Processo Civil Brasileiro, permanecendo esta forma de declaração processual vigente até os dias atuais, servindo de ferramenta para o pagamento de credores que não tiveram suas obrigações adimplidas por pessoas físicas ou jurídicas não empresariais.

Como explica Daniel Bucar21:

21BUCAR, Daniel.Superendividamento: reabilitação patrimonial da pessoa humana. São Paulo:

Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547220013. Acesso restrito via Minha Biblioteca. Acesso em: 14 out. 2022. p.6

20ACS.Insolvência Civil x Falência. TJDFT. Publicado em 2019. Disponível em:

<https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/inso lvencia-civil-x-falencia#:~:text=Insolv%C3%AAncia%20civil%20%E2%80%93%20declara%C3%A7%

C3%A3o%20judicial%20de,pr%C3%B3prio%20devedor%20ou%20por%20credores.> Acesso em: 16 out. 2022

(29)

[...]Assim, para a impossibilidade global de pagamentos de débitos – aqui não considerada como um inadimplemento pontual, resolvido pelo processo singular e binário –, o ordenamento jurídico brasileiro reservou o instituto da insolvência civil, com a deliberada intenção de afastar o devedor da economia de mercado. Desqualifica-se a pessoa por seu malogro financeiro, sendo ela tachada – praticamente – de incapaz, reduzindo-se sensivelmente sua autonomia negocial e, ainda, equiparando o devedor, quando possível, aos efeitos de uma situação de prodigalidade.[...]

Já, considerando a Lei do Superendividamento (Lei n° 14.181/2021), como conceitua Marques (2006, p. 256): “o superendividamento pode ser definido como impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com Fisco, oriunda de delitos e de alimentos)”,sendo esta seria uma ferramenta utilizada para o auxílio do consumidor, cabendo somente a ele a escolha de utilizá-la.

Conforme dita o artigo 104-A do CDC:

Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Ou seja, o Superendividamento seria uma ferramenta para repactuação de suas dívidas, antes que fosse declarada uma insolvência civil da pessoa natural, onde pessoas físicas somente, mediante uma situação de consumo estivessem impossibilitadas de viver financeiramente saudável. Como exemplifica Daniela Corrêa Jacques Brauner22, utilizando um cálculo feito pelo engenheiro Antônio de Pádua Collet e Silva:

[...] se um consumidor tomar um empréstimo de R$ 1.000,00, com a aplicação de juros de 8% ao mês, capitalizados, ao final de 5 anos, se não fizer nenhuma amortização, terá uma dívida de R$ 101.257,06.24 Esse crescimento desproporcional da dívida “viola o desenvolvimento da personalidade do consumidor, levando, invariavelmente à sua ruína.

A Insolvência funciona de uma forma parecida com uma falência da pessoa natural, visando administrar e listar bens para que se dissolva o pagamento, sem

22BRAUNER, Daniela Corrêa Jacques.Estado, mercado e defesa do consumidor: uma leitura da proteção constitucional ao consumidor superendividado à luz da intervenção do Estado na ordem econômica.Revista de Direito do Consumidor, n. 96, 2014, p. 268.

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29

respeitar o mínimo existencial, ou até mesmo a vontade do devedor. Já o Superendividamento funciona como uma ferramenta processual e legal para que o devedor tenha suas dívidas adimplidas, respeitando a sua dignidade e sendo um instrumento de manifestação de vontade própria, no qual ele será beneficiado pelo Código de Defesa do Consumidor, mesmo sendo endividado.

Além disso, o Superendividamento traz ao devedor contumaz uma chance de voltar a ser saudável economicamente, sem que lhe seja declarada a “falência”

perante suas escolhas mediante o credor, trazendo um benefício nunca antes conduzido legalmente para a legislação brasileira, respeitando, como introduz Humberto Theodoro Jr23, o conceito de consumidor: “É incabível retirar a condição de consumidor de uma determinada pessoa em razão da presunção de seu nível de discernimento comparado ao da média dos consumidores.”

A Insolvência traz uma ferramenta para adimplir os contratos de maneira com que os credores não sejam prejudicados, somente, não estabelecendo como princípio a relação de consumo entre os dois lados, e não levando em consideração a fragilidade e os princípios consumeristas para seu benefício, mesmo sendo este o devedor, e, socialmente e legalmente visto como o não cumpridor de suas obrigações.

Mesmo assim, ocorre o diálogo das fontes, conceito introduzido por Erik Jayme24, em seu curso de Haia, onde o que não se encaixar nas situações de uma insolvência civil, se encaixa em um superendividamento, compreendendo de forma ampla o cidadão brasileiro, aplicando analogicamente o que ocorreria entre o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor.

Assim, conclui-se que a Insolvência Civil (CPC/73) traz conceitos não somente das relações de consumo, englobando diversos fatores que levaram o devedor, pessoa natural, física ou jurídica, a uma impossibilidade de pagamento de suas dívidas pertencentes. Já o Superendividamento (Lei n° 14181/2021) trouxe uma ferramenta total e completamente a favor do consumidor que não pôde adimplir suas dívidas de forma originária e voluntária, com boa-fé, onde solicita judicialmente pelo adimplemento de todas as suas dívidas pertencentes a relação de consumo,

24JAYME, Recueil des Cours, 251, p. 259.

23 JR., Humberto T. Direitos do Consumidor. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788530992941.Acesso restrito via Minha Biblioteca. Acesso em: 14 out. 2022. P.5.

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não inclusos, por exemplo, contratos bancários de financiamento de imóvel (art.

104-A, §1° do CDC).

(32)

31

4. CAPÍTULO 3 - A LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO E O MÍNIMO EXISTENCIAL

4.1 A APLICAÇÃO CONCRETA E JURISPRUDENCIAL DA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO

Se tratando de uma recente modificação no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a Lei n° 14.181/22 ainda está sendo estudada e detém de poucas jurisprudências confirmadas nos tribunais do Brasil.

Com isso, faz-se necessário a correta explicação de como funcionaria um caso de superendividamento do consumidor mediante a legislação recentemente em vigor e o procedimento extra e judicial utilizado para tal readequação de dívidas e reinclusão do consumidor financeiramente na sociedade.

Primeiramente, após uma análise do consumidor conjuntamente com seu advogado, estes decidiram pelo melhor método a ser abordado no processo conciliatório para que a pessoa mantenha o mínimo existencial, volte a ter uma vida financeira saudável e consiga adimplir com suas dívidas em até 5 anos (art. 104-A, CDC), prezando pela conciliação entre as partes para que seja feito o melhor acordo para fornecedor e consumidor.

Incluirá um plano de pagamento para todos os credores da relação consumerista, aplicando de forma resolutiva a ferramenta da Lei n° 14. 181/2022, chamando-os todos ao processo, e a homologação do acordo trará eficácia de título executivo, com força de coisa julgada (art. 104-A, §3°, CDC).

A descrição de sua causa financeira desfavorável em sede de acordo não favorecerá o réu a uma declaração de insolvência civil do consumidor, ou seja, será possível haver a repactuação das dívidas sem que haja uma sentença de falência da pessoa física utilizando a lei do superendividamento (art. 104-A, §5°, CDC).

Caso a tentativa autocompositiva não ocorra com sucesso, é possível a repactuação da dívida de forma compulsória judicialmente, onde será feito um plano de pagamento e chamada de todos os credores do indivíduo endividado, tendo estes que justificar o porque não aceitaram o acordo extrajudicial.

(33)

Com isso, deve o consumidor comprovar seu superendividamento mediante sua fonte de renda e a obstrução de sua existência digna mediante a cobrança das suas dívidas, não se isentando de sua responsabilidade pela obtenção das mesmas, mas comprovando a boa-fé de que as adquiriu de forma ativa inconsciente, mediante a falta de conhecimento financeiro ou passivo, mediante as dificuldades que enfrentava naquele momento.

Serão ouvidas as partes, sendo o primeiro pagamento feito em 180 dias após a sentença, e os demais pagamentos em até 5 anos de parcelas iguais e sucessivas. Será também incluída a data de exclusão do nome do endividados dos órgãos de proteção ao crédito e demais formas restritivas de inibição do consumidor de contrair crédito e ter uma vida financeiramente saudável, porém advertindo quanto a indisponibilidade de recursos financeiros para o mesmo contrair crédito (art.

104-B e 104-C da Lei n° 14.181/22).25

4.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL

Na implementação da criação da Constituição Federativa Brasileira de 1988, a Assembleia Nacional Constituinte teve como influência diversos preceitos, como os alemães, a ideologia marxista26, o sindicalismo e os movimentos sociais existentes naquele momento.

Com isso, ideologias de asseguramento social e resguardo de políticas públicas foram discutidas e implementadas na Constituição Federal, transcrevendo direitos e garantias que nunca antes foram garantidos, respeitados e publicados, mediante a ditadura e poderio centralizado anteriormente definidos.

José Afonso da Silva preceitua o direito social como uma prestação positiva que é proporcionada pelo Estado, tentando viabilizar a igualdade em muito colocada somente ideologicamente:

[...] os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou

26SADER, Eder.Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

25Proc. n° 1052817-83.2021.8.26.0100. 14ª Vara Cível. Juiz Christopher Alexander Roisin.

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33

indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento [SIC] da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

(SILVA, 2015, p.288-289).

Ou seja, os direitos sociais são encaminhados e inseridos na ideologia contemporânea para que as garantias mínimas, e de dignidade, sejam compartilhados entre todos os cidadãos e mostrados de forma clara para que todas as classes sociais tenham capacidade de compreensão e chance de aplicabilidade.

Dentre as garantias e princípios basilares, encontra-se o mínimo existencial.

Primeiramente constituído em 1954 no Tribunal Federal Administrativo Alemão, determinado como o dever de auxílio estatal para com o indivíduo carente e a subjetividade de sua necessidade (SARLET; SAAVEDRA, 2010, p. 82).

Posteriormente, teve sua primeira aparição no Direito Brasileiro como medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF 45 MC/DF), decidida em 29 de abril de 2004, onde o Ministro Celso de Mello definiu pela primeira vez o mínimo existencial como princípio norteador quanto ao orçamento de políticas públicas.

Ao longo do tempo, definiu-se o mínimo existencial como um conjunto de direitos fundamentais sociais mínimos que detém como objetivo a preservação da dignidade da pessoa humana, presente no artigo 1°, inciso III da Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...] III - a dignidade da pessoa humana;

Como bem define Ingo Wolfgang Sarlet (SARLET, 2019, p.137), o mínimo existencial não se limita somente a prestações que asseguram a existência do ser humano, chamado de mínimo vital, mas um conjunto de somatórias que proporcionariam uma vida saudável e com dignidade:]

[...] a noção de um mínimo existencial na seara dos direitos sociais revela a íntima correlação entre os conceitos de dignidade da pessoa humana e de justiça social, de tal sorte que, se por um lado, a dignidade serve de fundamento e justificação para as exigências essenciais em matéria de justiça social, por outro se percebe que apenas mediante uma ordem

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institucional guiada por princípios de justiça social o respeito e a proteção da dignidade da pessoa humana poderão alcançar realização prática. (grifo)

O autor (SARLET, ZOCKUN, 2016, p.123) também demonstra em seu livro que, além do mínimo vital, o preservação do mínimo existencial traz a liberdade de escolha do indivíduo, garantindo um poder de colocação do mesmo na sociedade, política e culturalmente, levando em consideração o Estado Social embasado na CF/88.

Sendo assim, o mínimo existencial, além de uma necessidade de sobrevida, mas de garantia social e política de atuação plena do cidadão naquele contexto e momento, trata-se de uma categoria basilar de introdução do indivíduo na sociedade, preservando direitos básicos, como lazer, moradia, educação, saúde, etc.

Muito confundido com a definição da reserva do possível, conceito que também surgiu com uma decisão da Suprema Corte Alemã, decorrente da amplitude e possibilidade da abrangência estatal de garantir alguns direitos, utilizando a razoabilidade do garantidor estatal. Ou seja, é um princípio que determina a utilização do possível e razoável para a garantia de alguns direitos, não comprometendo a economia do Estado.

Coloca-se em pauta, que, de um lado, o mínimo existencial garante o direito social e a preservação do indivíduo na sociedade brasileira, enquanto a reserva do possível limita a utilização do direito social sem que haja o comprometimento da economia e da tutela estatal. Ou seja, para que haja a sincronicidade dos princípios constitucionais brasileiros, é necessário, muitas das vezes o equilíbrio e ação de ambos em uma mesma causa.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que a dignidade é um dos critérios para garantir o mínimo de uma existência decente (SARLET, 2019, p. 139), sendo, inclusive, entendimento do mesmo que não é cabível a reserva do possível, ou limitação da norma, para o não cumprimento de direitos que detém de alta relevância, como por exemplo, a proteção à saúde27.

27 DIREITO PÚBLICO DA SAÚDE. POLÍTICAS PÚBLICAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI No 12.322/2010) – MANUTENÇÃO DE REDE DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) – (...)A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER

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35

Mesmo delimitado e presente sua necessidade de coabitação, os princípios do mínimo existencial e da reserva do possível são discutidos amplamente, perante sua subjetividade e necessidade em cada caso levado à corte brasileira.

No caso dos consumidores, a reserva do mínimo existencial, quanto às relações de consumo, torna-se essencial perante a educação financeira e a manutenção de que o patrimônio, da maioria frágil economicamente, seja mantido e resguardado, preservando a dignidade e suas condições básicas constitucionais, como determina o artigo 5° e 6° da Carta Magna Brasileira:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (grifei)

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifei)

4.3 A PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL CONFORME O ARTIGO 54-A,

§1° DA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO

Conforme exposto, a Constituição Federativa Brasileira trouxe consigo uma gama de garantias e direitos sociais que seriam um objetivo a ser seguido perante a inovação constitucional que a lei trouxe em 1988, chamando-a inclusive de uma constituição cidadã.

Mesmo tratando a Constituição de uma amplitude de princípios e referenciais sociais inovadores, as leis infraconstitucionais, de alguma forma, deveriam garantir a

PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA

“LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) –(...)A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” (...)(PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO)– DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219- 1220) – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (ARE 745745 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, ,julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014)(grifei)

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aplicação dos direitos ali previamente estabelecidos, dando uma materialidade ao que antes seria somente uma demonstração do que deveria acontecer na sociedade brasileira.

Com isso, o Código de Defesa do Consumidor e muitos outros regimentos foram criados, para que a função social do Estado, discutida por Marx e introduzida pela Constituição de Weimer, fosse proveitosa e saísse do campo dos ideais da sociedade.

Ao longo do tempo, a sociedade e o consumo mudaram, de tal forma com que a maioria das leis brasileiras não mantiveram-se estáveis, alterando diversos artigos, leis e regimentos, espelhando a sociedade atual na lei, para que não haja a inutilização da força legal e da tripartição dos poderes do Estado.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) passou por esta mudança em 2021, pela muito discutida anteriormente Lei do Superendividamento, que trouxe consigo ideias para a sociedade de consumo atual, levando em consideração a revolução 4.0 da sociedade, a amplitude de acesso ao crédito bancário, a informatização das dívidas, e a falta de preparo do consumidor frente a utilização do crédito pessoal.

Anteriormente, já era trazida uma ideia de risco com a insolvência civil, mas pouco utilizável para beneficiar o devedor, mas sim o credor que se via inadimplido de suas obrigações, e não pertencente a correlação específica do consumo, não trazendo quaisquer proteção a inocorrente utilização do crédito da pessoa natural.

Assim, a Lei do Superendividamento implementou ao ordenamento jurídico uma proteção e auxílio aos devedores e consumidores da atual sociedade jamais antes visto, colocando como ideais o favorecimento da pessoa natural, a preservação do mínimo existencial e a possibilidade de homologar acordos para que esta pudesse adimplir com suas dívidas no prazo de até 5 anos, utilizando de vontade e possibilidade, embasando as decisões no princípio da vulnerabilidade do consumidor.

Atribuindo o crédito não somente à liberalidade e autonomia econômica do cidadão, mas também sendo o causador da exclusão social mediante ao uso irrestrito e não planejado de seus limites, como bem definiu Bertoncello e Lima (2007). Ou seja, a questão do superendividamento deixou de ser individual e passara a ser vista de uma perspectiva plural, levando em consideração as más

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políticas de consumo e o despreparo da sociedade atual, segundo Marcelo Schenk Duque (2014, p. 159).

No artigo 54-A, §1° da Lei n° 14.871/2021, podemos explorar o conceito de consumidor superendividado e as garantias trazidas pela nova regulamentação:

Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.(grifo)

Trouxe, o artigo, a preservação do mínimo existencial, imputando legalmente o conceito tanto defendido pela sociedade, como demonstra o autor Ingo Sarlet (2010, p.70):

[...]a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

Ou seja, a menção a preservação do mínimo existencial e a dignidade do consumidor superendividado inclui uma proteção inovadora ao ordenamento, colocando em discussão, sem necessitar uma incitação aos princípios norteadores da legislação, a preservação do consumidor e sua fragilidade perante a sua relação consumerista.

Pensava-se que consumidores hipervulneráveis não poderiam ter acesso ao crédito, mas ao longo do tempo tornou-se claro que não é a realidade, visto que os mesmos procuram pelo crédito, e a concorrência das instituições bancárias e de crédito levam a aceitação elevada de clientes de risco, ou seja, uma sucessão de inadimplementos causados pela falta de limitação de ambos os lados (Santos, 2008, p.7), evidenciando a necessidade do dever de mitigação dos danos.

Encontra-se o equilíbrio financeiro do consumidor em uma situação arriscada, visto que mesmo não podendo adquirir o crédito, necessita do crédito neste momento, onde, de acordo com o IBGE no 3° trimestre de 2022 indicou 9,5 milhões

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