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A concepção mais intuitiva que temos da “identidade” é como uma relação entre dois objetos

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Academic year: 2023

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A IDENTIDADE E O PARADOXO DA ANÁLISE

Araceli Velloso, UFG ar.velloso@uol.com.br

Resumo: O paradoxo da análise e a antinomia da relação de nomeação são dois argumentos que podem servir para explicitar um aspecto paradoxal da noção de “identidade”. Nesse artigo, pretendemos investigar três elementos que viabilizam a construção desses paradoxos, analisar as conexões existentes entre eles e determinar os seus papeis como limitadores na constituição de qualquer teoria semântica. Nosso objetivo mais amplo será procurar estabelecer se a solução de Frege para o problema pode ser considerada definitiva, ou se Wittgenstein, Carnap e Quine estão todos corretos em considerar que existam problemas profundos com noção de “identidade”.

Abstract: The Paradox of Analysis and the Antinomy of the Name-Relation are two arguments commonly used to reveal some paradoxical aspects involved in the notion of “identity”. In this paper we aim to investigate three elements that have engendered the construction of these paradoxes, analyze their inter-connections and determine their constraining role in the constitution of any semantic theory. Our broader aim will be to establish whether Frege’s solution to the problem can be considered final, or whether Wittgenstein, Carnap and Quine are all correct in still seeing deep fundamental problems in the notion of “identity”.

A concepção mais intuitiva que temos da “identidade” é como uma relação entre dois objetos.

O argumento em favor dessa concepção seria, em linhas gerais, como se segue. Começando por uma análise gramatical, as sentenças de identidade seriam aquelas que contivessem o verbo “ser” ladeado por dois termos singulares. Dizemos normalmente, nesse caso, que o verbo “ser” está sendo usado no

“sentido de identidade”. Prosseguindo com o argumento, como esse verbo se encontra ladeado por dois termos singulares, e esses termos normalmente são compreendidos como representantes de objetos no mundo, concluiremos forçosamente que uma relação está sendo afirmada: a de alguma coisa que é idêntica a outra. Contudo, embora todas as relações envolvam dois ou mais objetos, no caso da identidade, ao considerarmos os termos singulares como representantes de objetos no mundo e aceitarmos que nossa afirmação seja verdadeira, teremos apenas um único objeto e estaremos, em última análise, dizendo desse objeto que ele só poderia ser idêntico a si mesmo e a mais nenhum outro. A essa primeira concepção mais intuitiva da identidade chamaremos: “versão ontológica”, realçando o fato de que o que afirmamos está sendo interpretado ontologicamente. O local onde essa versão é apresentada de maneira mais clara é o Tratactus lógico philosophicus de Wittgenstein (WITTGENSTEIN 1993, 5.5303).

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Uma maneira bastante tradicional e ainda ontológica de determinar quando se está falando do mesmo objeto é procurar estabelecer se os dois candidatos a essa relação têm as mesmas propriedades. É bastante conhecida a definição de identidade, normalmente atribuída a Leibniz, segundo a qual “dois” objetos são idênticos se, e somente se, não há nenhuma propriedade que um tenha e falte ao outro. A formulação dessa tese, uma formulação que requer uma lógica de segunda ordem, consiste em dizer que para toda propriedade P, a = b, se, e somente se, P(a) = P(b). O princípio, freqüentemente conhecido como “a lei de Leibniz”, é considerado por muitos como a própria definição de identidade. Essa definição, contudo, é apresentada na literatura filosófica de maneiras bastante diferentes. Do modo como a enunciamos, ela tem a forma de uma equivalência lógica, que, na maioria das vezes, é dividida em duas definições distintas, duas implicações lógicas.

A primeira reza que se dois objetos são idênticos, então eles possuem as mesmas propriedades; e a segunda, conversamente, que se dois objetos possuem as mesmas propriedades, então eles são idênticos. A primeira implicação é também conhecida como “o princípio da indiscernibilidade dos idênticos” e é um princípio lógico amplamente aceito, desde a Antigüidade. A segunda, por sua vez, recebe um nome parecido com o da primeira, mas que reflete a sua natureza de conversa: ela é chamada de “o princípio da identidade dos indiscerníveis”. Enquanto a “ida” é aceita sem reservas, a “volta” é aceita com restrições no mundo filosófico, pois envolve alguns pressupostos extra- lógicos1.

Em contraposição às versões ontológicas da noção de “identidade”, temos uma concepção alternativa, adotada por Frege no Begriffsschrift, que poderia ser considerada uma versão terminológica por seu caráter puramente lingüístico. Segundo essa versão alternativa, a relação de identidade não se daria entre objetos, mas entre seus nomes. Assim, para explicar esse comportamento anômalo dos nomes quando acompanhados da identidade, Frege sustenta que eles estariam “por seus conteúdos”2 em todos os contextos, exceto nas sentenças de identidade. No último caso, eles estariam representando a si próprios. Por tanto, caso quiséssemos afirmar a situação de que os dois nomes estão pelo mesmo conteúdo, teríamos de afirmar um juízo a respeito dessa identidade: o de que é o caso que a é igual a b (FREGE 1971, §24). À essa segunda concepção demos o nome de “versão terminológica”, uma vez que ela trata a identidade como uma relação efetiva, porém não entre objetos no mundo, mas sim entre termos da linguagem.

Há ainda uma terceira concepção, a mais famosa de todas, defendida também por Frege nos artigos: “Function and concept” e “On sense and reference” (FREGE 1977a, 29, 1977b, 57).

Segundo essa terceira versão da identidade, os termos envolvidos na “relação” designam, de fato, duas entidades semânticas. Essas entidades não pertenceriam, nem ao mundo, nem a linguagem, elas seriam dois sentidos (ou modos de apresentação) da mesma referência e habitariam um terceiro

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reino: um reino semântico. Assim, em resumo, essa terceira concepção veria a identidade como uma relação entre dois “modos de apresentação” diferentes da mesma referência.

Embora difiram quanto à natureza dos objetos envolvidos, todas as caracterizações apresentadas apresentam um elemento em comum: a afirmação feita por uma sentença de identidade é sempre uma afirmação que, direta ou indiretamente, versa sobre objetos. Segundo Carnap, em seu livro Meaning and Necessity, é esse elemento comum, o método de usar como critério de significado a relação entre a linguagem e o mundo, que gera o chamado “paradoxo da análise”. Em seu livro, o filósofo reformula esse paradoxo para outros tipos de sentença e o rebatiza de “antinomia da relação de nomeação” (CARNAP 1956, cap. III).

Não obstante o codinome, o paradoxo da análise, conhecido na literatura numa versão alternativa como “o paradoxo da identidade” (DAVIDSON 1963, 311), apresenta-se muitas vezes, não sob a forma de um paradoxo, mas, em realidade, sob a forma de um enigma. O caráter enigmático consistiria no fato de que toda sentença de identidade informativa verdadeira poderia ser reduzida, por meio de substituições, a uma verdade lógica trivial e não informativa. Essas substituições, por sua vez, se baseariam em três princípios, como veremos no parágrafo seguinte. Com efeito, esse era o modo como Carnap encarava as formulações semelhantes do mesmo enigma (CARNAP 1963, 911-912). Segundo o filósofo alemão em sua réplica as objeções de Davidson (DAVIDSON 1963, 311-350), têm-se um paradoxo (ou antinomia) apenas se, do procedimento de substituição em questão, se puder derivar uma contradição, ou seja, caso, à mesma sentença, seja necessário atribuir dois valores de verdade diferentes. Apesar das críticas de Carnap, é razoável imaginar que se possa falar de um caráter paradoxal com relação aos exemplos tradicionalmente denominados “paradoxos da análise”. Para tanto é necessário apenas que se faça uma reconstrução que tenha como ponto de partida um conjunto de três premissas. Listaremos em seguida as três premissas que serão explicadas em detalhes em nossa apresentação.

(1) As sentenças a = a e a = b têm valores cognitivos (erkenntniswert) diferentes (FREGE 1977b, 56);

(2) A identidade é uma relação entre objetos (e não entre nomes de objetos), ou seja: a = b é sobre r(a) e r(b);

(3) Se Sa é sobre r(a), então, se r(a) = r(b), Sa e Sa/b têm o mesmo valor cognitivo.

Uma vez que as premissas tenham sido estabelecidas, fica então bastante trivial mostrar a impossibilidade de se aceitar todas elas como verdadeiras ao mesmo tempo. É de maneira semelhante a essa, embora com algumas variações, que Carnap (1956, 98), Davidson (1963, 311) e, muito mais tarde, Richard L. Mendelsohn (2005, 28-30) remontam o paradoxo.

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Ao reconstruir o paradoxo da análise do modo sugerido, encontramos três elementos fundamentais: a tese de que o método fundamental para a determinação do significado de expressões da linguagem é verificar a relação dessas com objetos do mundo, um método que Carnap chama de

“relação de nomeação” (premissa 2); a tese de que podemos ter identidades informativas (premissa 1); e a tese de que a linguagem forma um todo coerente no qual o significado de uma expressão complexa é sempre determinado pelo significado de suas partes componentes, de tal forma que, se duas partes têm o mesmo valor, elas podem ser substituídas uma pela outra, preservando-se o valor cognitivo da expressão (premissa 3). O último elemento fica claro no famoso argumento em favor do princípio de composicionalidade enfatizado por Frege – o de que temos de poder compreender um número infinito de sentenças a partir de um número finito de palavras (FREGE 1979a, 225).

Outra maneira de apresentar as dificuldades envolvidas nas sentenças de identidades seria ao modo de Wittgenstein no Tractatus, ainda de acordo com a opção de vê-las como um enigma. A formulação de Wittgenstein diz o seguinte:

A identidade de referência [Bedeutung] de duas expressões não se pode asserir. Pois, para poder asserir algo a respeito do significado delas, devo conhecer essa referência [Bedeutung]: e conhecendo essa referência, sei se significam o mesmo ou não.

(WITTGENSTEIN 1993, 6.2322)

A maneira como Wittgenstein descreve a dificuldade sugere que nossos problemas não terminarão simplesmente adotando a solução de Frege, ou seja, distinguindo sentido de referência, pois, afirmar uma identidade entre dois nomes de modo significativo já teria de envolver o conhecimento de sua referência. Caso não a conhecêssemos, estaríamos em realidade fazendo uma pergunta, ou lançando uma hipótese, mas não estaríamos fazendo um juízo. Dito de outra maneira, não haveria como afirmar uma identidade de modo significativo sem estar, ao mesmo tempo, afirmando uma trivialidade.

Nessa palestra, trataremos dessa coleção de paradoxos que circundam a identidade – conhecidos por uma variedade de homônimos: “paradoxo da análise”, “o paradoxo da identidade” e “antinomia da relação de nomeação” –, bem como das duas soluções apresentadas por Frege a eles, a solução que chamamos de “versão terminológica” e aquela que ficou conhecida como “a distinção sentido e referência”. Nosso interesse será o de identificar os três elementos que permitiram a construção dos paradoxos, analisando suas interconexões e seus possíveis efeitos numa teoria semântica. Nosso objetivo mais amplo será o de investigar se a solução de Frege no “On sense and reference” deve ser considerada definitiva ou se Wittgenstein, Carnap e Quine têm razão em apontar problemas mais sérios e profundos com essa noção tão fundamental.

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BIBLIOGRAFIA

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DAVIDSON, Donald. “The method of extension and intension.” In: The philosophy of Rudolf Carnap, edição: P. Schilpp, 311-350. Illinois: Open Court, 1963.

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Tradução: John AUSTIN. Oxford: Basil Blackwell, 1978.

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—. “Notes for Ludwig Darmstaedter.” In: GOTTLOB FREGE Posthumous writings, edição: Hans HERMES, Friedrich KAMBARTEL, Friedrich KAULBACH e Hans HERMES, tradução: Peter LONG e Roger WHITE, 251-57. Chicago: The University of Chicago Press, 1979c.

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WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-philosophicus. Tradução: Luiz Henrique Lopes dos SANTOS. São Paulo: EDUSP, 1993.

Notas

1 Teríamos de aceitar, por exemplo, que se dois objetos têm as mesmas propriedades, então eles são o mesmo em qualquer interpretação (ou modelo) da realidade (ou mesmo em qualquer mundo possível).

2 Uma das questões centrais a nossa análise é a própria noção de “conteúdo” adotada por Frege no Begriffsschrift, uma vez que, no decorrer da obra do autor, essa noção se duplica passando a corresponder as noções de “sentido” e de “referência” (Bedeutung), como discutiremos dessa noção mais adiante.

Referências

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