Como é sabido, o campo inicial de investigação e tratamento
psicana-lítico restringiu-se às chamadas "neuroses de transferência", estendendo-se,
depois, para as demais formas neuróticas. De início, as manifestações
psi-cóticas não foram julgadas passíveis de influência pela técnica psicanalítica.
Conhece-se, nesse particular, o pessimismo de Freud e de alguns dos seus
mais eminentes discípulos, quando assinalaram a falta de capacidade de
transferência de tais pacientes e, portanto, sua inacessibilidade aos influxos
terapêuticos.
A observação do que se passa em qualquer hospital psiquiátrico mostra
o desacerto de tais postulados, de vez que são freqüentes as atitudes positivas
e negativas, manifestações de simpatia, confiança e amor de um lado, e, de
outro, explosões de ódio, às vezes com francas agressões a médicos e pessoal
de enfermagem. E' errônea a afirmação que esquizofrênicos têm perda
com-pleta da afetividade, demência afetiva no sentido em que concebemos a
de-menciação, por exemplo, de um paralítico geral em fase avançada, ou de
um demende senil. A s perturbações afetivas de esquizóides, esquizofrênicos
e ciclóides e ciclofrênicos são passíveis de modificação e redução,
esponta-neamente ou sob ação de tal ou qual método terapêutico. Nesse particular,
é concludente o que se observa com o uso das técnicas de choque.
De outro lado, a compreensão teórico-psicanalítica não se deteve no
campo das neuroses. Abarcou sem demora toda uma rica variedade de
por-tadores de psicoses, afirmando, cada vez mais sòlidamente, que as
diferen-ças entre normais, neuróticos e psicóticos são meramente quantitativas (e
não qualitativas), impondo, por exemplo, na carreira do psicanalista, a
exi-gência das chamadas análises didáticas.
Assim progrediu nossa compreensão das estruturas psicóticas, dos
me-canismos defensivos do ego em neuroses e psicoses, postulando Freud, nas
primeiras, conflitos com Id, com a infra-estrutura impulsiva, nas segundas
havendo lutas, fugas ou amplas roturas com a realidade. A psicologia
di-nâmica teórica cada vez preenche mais os espaços vazios entre manifestações
neuróticas e psicóticas, com a teoria das fixações e regressões de impulsos
e do sistema ego-superego, com o melhor conhecimento do que se passa nas
idades mais recuadas do desenvolvimento do ego no seu primeiro achado
T r a b a l h o a p r e s e n t a d o , e m r e s u m o , a o V C o n g r e s s o B r a s i l e i r o d e P s i q u i a t r i a , N e u -r o l o g i a e M e d i c i n a L e g a l ( S . P a u l o - R i o d e J a n e i -r o , o u t u b -r o - n o v e m b -r o , 1 9 4 8 ) .
* D o c e n t e - l i v r e d e P s i q u i a t r i a na F a c . M e d . d a U n i v . d e S ã o P a u l o . P s i q u i a t r a d o H o s p i t a l P i n e l .
SÔBRE A P S I C A N Á L I S E D A S PSICOSES
da realidade externa, em ações e reações ante o mundo, com satisfações e
frustrações que se repetem desde o início da vida extrauterina. Nesse
par-ticular, os trabalhos de Freud e de Karl Abraham muito fizeram progredir
nossos conhecimentos dessas primeiras fases em relação com o
desenvolvi-mento ulterior das psicoses; esses trabalhos foram aprofundados e
comple-tados com as investigações e formulações de Melanie Klein e escola inglesa.
O estudo de mecanismos outros além da repressão, particularmente a
introjeção, identificação, negação e projeção, a concepção de objetos
intro-jetados e interiorizados com a compreensão das fantasias inconscientes de
pacientes neuróticos e psicóticos, tudo isso veio aprofundar nossos
conheci-mentos e possibilitar, mesmo, uma compreensão mais profunda e integral
da psiquiatria sobre bases psicodinâmicas. Na análise de neuróticos
mui-tas vezes encontramos tipos de pensamento, fanmui-tasias e tendências que
con-trastam de certa forma com um comportamento mais ou menos ajustado
so-cialmente. Sentimos a conservação do poder de controle do ego, o que os
diferencia de psicóticos, onde, mercê de fundas regressões ou dissoluções
daquela instância, tais pensamentos e fantasias tendem a ser vividos em atos
extravagantes, em sintomatologia psicopatológica mais ou menos ruidosa.
Compreendemos, então, que todos — normais, neuróticos e psicóticos —
nos distinguimos uns dos outros pela capacidade do ego em reprimir ou
su-blimar conflitos e tendências ou em ceder a estas, deformando-se, tornando-se
vulnerável aqui ou ali, superando-as hoje e claudicando amanhã, em
com-portamentos irracionais, extravagantes ou finalmente com franco selo
psicó-tico em sentido estrito. Se a psicanálise é um método de investigação e
tratamento, que no campo das neuroses, em que pese o importante trabalho
de F. Alexander
1e a escola de Chicago, tem demonstrado certa necessidade
dessa simultaneidade metodológica, no campo das psicoses tem-se
extrema-do a dissociação. Progrediu nossa compreensão psicanalítica das psicoses
calcada sobre a riqueza do material de análise de neuroses, mas o que dizer
do problema terapêutico no campo das psicoses?
Força é reconhecer, estamos apenas iniciando tal labor e no início da
estrada defrontamo-nos com obstáculos difíceis de transpor, infundindo
de-sânimo e pessimismo entre fortes baluartes do movimento psicanalítico. Será
essa a posição justa? Poderá a psicanálise oferecer à psiquiatria alguma
coisa de positivo e eficiente no campo prático da terapêutica? Assim
pen-samos, mas é lógico que, em se tratando de um novo campo, com novo tipo
de material, entrevê-se a necessidade de fundas modificações técnicas, sem
todavia, nos ser possível abandonar os princípios básicos, graças aos quais
foi possível à psiquiatria progredir tanto na compreensão e tratamento de
pacientes neuróticos.
C A S O 1 — O . F . J., b r a n c o , b r a s i l e i r o , s o l t e i r o , 34 a n o s , i n t e r n a d o n o S a n a t ó r i o C h a r c o t . T r a t a m e n t o p s i c a n a l í t i c o i n i c i a d o a 13-10-1943, i n t e r r o m p i d o a p ó s 10 m e s e s c o m u m t o t a l d e 130 h o r a s a n a l i t i c a s . P s i c o s e i n s t a l a d a e m 1927 ( h a v i a 16 a n o s ) . I n t e r n a d o 3 v e z e s n o H o s p i t a l d e J u q u e r i , o n d e se s u b m e t e u a t r a t a m e n t o d e r o t i n a e a o s m é t o d o s d e M e d u n a e C e r l e t t i e B i n i . S u b m e t i d o , n o S a n a t ó r i o C h a r c o t , a o m é t o d o d e S a k e l , a b a n d o n o u o h o s p i t a l m e l h o r a d o . E n v o l v e n d o - s e e m a t o s r e p e t i d o s d e a g r e s s ã o , f o i r e i n t e r n a d o p a r a s e r t e n t a d o o t r a t a m e n t o p s i c a n a l í t i c o . P a i f a l e -c i d o há m u i t o s a n o s ; v i v e -c o m m ã e e 2 i r m ã o s . O u t r o i r m ã o , m é d i -c o , insistiu p a r a q u e f o s s e l e v a d a a e f e i t o a p s i c a n á l i s e t e r a p ê u t i c a . E s t u d a v a na E s c o l a d e B e l a s A r t e s d o R i o d e J a n e i r o , q u a n d o , e m 1927, i r r o m p e r a m os d i s t ú r b i o s p s i c ó t i c o s . A p r i n c í p i o , n e r v o s i s m o , i r r i t a ç ã o f á c i l e, l o g o d e p o i s , i d é i a s d e p r e j u í z o e p e r s e -g u i ç ã o c o m f o r t e s t e n d ê n c i a s a -g r e s s i v a s . E n v o l v e u - s e e m m ú l t i p l o s a t o s a -g r e s s i v o s , a l e g a n d o q u e t a l ou q u a l p e s s o a ( d o s e x o m a s c u l i n o ) o o l h a v a m a i s d e m o r a d a m e n t e ou e n t ã o l h e s o r r i a s i g n i f i c a t i v a m e n t e , o q u e d e n e n h u m a f o r m a p o d i a t o l e r a r " p o r -q u e o l h a - s e e s o r r i - s e p a r a u m a m u l h e r e n ã o p a r a u m h o m e m " ( s i c ) . T e v e -q u e a b a n d o n a r o s e s t u d o s , m o s t r o u s e i n c a p a c i t a d o p a r a q u a l q u e r a t i v i d a d e ú t i l , seu e s t a d o a g r a v a n d o s e s e m p r e . I n a d a p t a d o e a g r e s s i v o n o a m b i e n t e f a m i l i a r , e x t e r i o r i z a v a ó d i o , s o b r e t u d o p a r a m ã e e u m i r m ã o ( o c a ç u l a ) . " Ê l e é m u i t o c h a t o t i n -t r a g á v e l e n ã o sei p o r q u e m i n h a m ã e g o s -t a -t a n -t o dele", d i z i a - n o s s e m p r e . R e p e -t i d a s v e z e s a g r e d i u esse i r m ã o . G e n e r a l i z o u - s e o ó d i o p a r a os d e m a i s f a m i l i a r e s , os q u a i s , n o d i z e r d o p a c i e n t e , d a v a m s e m p r e r a z ã o a o t a l i r m ã o . E m b o r a e m i n t e r n a ç õ e s ant e r i o r e s f o s s e m r e g i s ant r a d a s d e s o r d e n s s e n s o p e r c e p ant i v a s ( a l u c i n a ç õ e s v e r b a i s a u d i ant i -v a s ) , a t u a l m e n t e s ã o e l a s r a r a s , p r e d o m i n a n d o ilusões d a a u d i ç ã o e, s o b r e t u d o , int e r p r e int a ç õ e s m ó r b i d a s . É e g o c ê n int r i c o , s e n s i int i v o , d e s c o n f i a d o , a u int i s int a , c o m f o r int e d i s -p o s i ç ã o a r e a ç õ e s c o n t r a o m e i o . D e r e g r a i n d i f e r e n t e a o a m b i e n t e , t e n d o -p a r a i d é i a s d e a u t o - r e f e r ê n c i a e m r e l a ç ã o c o m " u m a t e r r í v e l c i s m a q u e as p e s s o a s p e n s e m q u e eu sou p e d e r a s t a " ( s i c ) . F i s i o n o m i a r í g i d a e c o n t r a í d a , o l h a r e s q u i v o e b a i x o , m ã o d i r e i t a a l g o c o n t r a t u r a d a s u g e r i n d o g e s t o d e a g r e s s ã o a b o r t a d a . D o q u a d r o m ó r b i d o f a z e m p a r t e a i n d a : e s t e r e o t i p i a s c i n é t i c a s , a t o s c o m p u l s i v o s e a t i t u d e s ne-g a t i v i s t a s , f u n d a m e n t a l i n c a p a c i d a d e d e a d a p t a ç ã o a o a m b i e n t e h o s p i t a l a r , r e f l e x o d e i d ê n t i c a i n c a p a c i d a d e f r e n t e à f a m í l i a e à s o c i e d a d e . O ó d i o a o s f a m i l i a r e s aum e n t o u aum u i t o c o aum sua a t u a l r e i n t e r n a ç ã o . D i a g n ó s t i c o u n â n i aum e d o s p s i q u i a t r a s c o n -s u l t a d o -s : e -s q u i z o f r e n i a , f o r m a p a r a n ó i d e , e m f a -s e d e c r o n i c i d a d e .
Súmula dos dados obtidos pela investigação psicanalítica — - A p r i n c í p i o t r o u x e
às sessões d a d o s r e f e r e n t e s a o s c o n f l i t o s f a m i l i a r e s . Q u e i x o u - s e d a i n c o m p r e e n s ã o d o s seus, i n j u s t i ç a s d e q u e v e m s e n d o v í t i m a , p r e f e r ê n c i a d a m ã e p a r a o i r m ã o m a i s j o v e m . A s s i m , p r o c u r a e x p l i c a r a t o s a g r e s s i v o s c o m o r e a ç ã o a n t e t a i s f r u s t r a ç õ e s e p o r causa deles " t o d o s e s t ã o c o n t r a m i m " ( s i c ) . U m deles, s u c e d i d o l o g o n o c o m e ç o d o t r a t a m e n t o , é b a s t a n t e e x p r e s s i v o . C e r t a n o i t e d e s p e r t o u c o m "aquele d e -s e j o d e b a t e r n o t a l i r m ã o " ( -s i c ) , n ã o -s a b e n d o p o r q u e . A b a n d o n o u o l e i t o , b a t e u na p o r t a d o q u a r t o e m q u e ê l e d o r m i a . O i r m ã o , s e m i c o n s c i e n t e , a b r i u - a e r e c e b e u t r e m e n d a b o f e t a d a d o p a c i e n t e q u e , e m s e g u i d a , v o l t o u a o l e i t o e d o r m i u t r a n q ü i l a m e n t e , e n q u a n t o t o d o s p e r m a n e c i a m d e s p e r t o s e s u r p r e s o s a n t e t ã o e s t r a n h a e m ó r -b i d a a t i t u d e . N o s p r i m e i r o s 2 m e s e s , t r a z i a s e m p r e p e n s a m e n t o s e s e n t i m e n t o s d e ó d i o p a r a f a m i l i a r e s , a m i g o s d a casa e, p o r f i m , p a r a d e s c o n h e c i d o s q u e o o l h a v a m na r u a e e r a m p e l o p a c i e n t e a g r e d i d o s . " N ã o t o l e r o q u e eles m e o l h e m p o r q u e e s t ã o p e n s a n d o q u e eu sou u m a m u l h e r " , e r a a e x p l i c a ç ã o q u e s e m p r e d a v a p a r a as a p a r e n t e m e n t e i m o t i v a d a s a g r e s s õ e s .
ou d o l a d o d a o d i a d a f a m í l i a . T a i s f a n t a s i a s e d ú v i d a s e x p r e s s a r a m s e p o r d i f i c u l -d a -d e e m f a l a r e m sessões s u c e s s i v a s •? e m f o r t e i r r i t a b i l i -d a -d e p a r a c o m o m é -d i c o .
D i s s o l v i d a t a l s i t u a ç ã o , a a n á l i s e p ô d e p r o s s e g u i r . G r a d a t i v a m e n t e , f o i a c e i t a n -d o sua i n s e g u r a n ç a í n t i m a , sua -d e p e n -d ê n c i a , sua n e c e s s i -d a -d e -d e c a r i n h o e a f e t o , e ó d i o d e r e a ç ã o c o n t r a t a i s n e c e s s i d a d e s q u e o f a z i a m s e n t i r i n f a n t i l e f e m i n i n o . S e g u i u - s e l o n g o p e r í o d o e m q u e f o i d i s c u t i d a a " c i s m a d e q u e os h o m e n s p e n s a m q u e sou m u l h e r o u p e d e r a s t a " . A d m i t i u , p o r f i m , q u e ê l e p r ó p r i o é q u e d e s c o n f i a v a d e sua v i r i l i d a d e , d a sua p o t ê n c i a s e x u a l e p r o j e t a v a t a l i n s e g u r a n ç a s o b r e os d e m a i s . L o g o c o n f e s s o u p e r í o d o s d e i m p o t ê n c i a s e x u a l e m q u e se s e n t i a h u m i l h a d o a n t e a p a r c e i r a , s e n d o c o m p e l i d o à p r á t i c a d e p e r v e r s õ e s o r a i s e a c o i t o p e r a n u m , p a r a q u e n ã o f o s s e j u l g a d o u m p e d e r a s t a , u m a m u l h e r . D e p o i s a c e i t o u q u e t a l i n s e g u r a n ç a g u a r d a v a r e l a ç ã o c o m t e n d ê n c i a s à i n v e r s ã o s e x u a l e c o n f e s s o u p r á t i c a s a t i v o p a s s i vas na i n f â n c i a e a d o l e s c ê n c i a . J u l g a v a s e i m p o t e n t e , d e s c o n f i a v a q u e isso d e p e n d i a d a q u e l e s a t o s o u t r o r a p r a t i c a d o s e d e s e j a d o s , t i n h a m e d o d e d e s e j á l o s n o v a m e n t e , j u l g a v a s e à b e i r a d o h o m o s s e x u a l i s m o , o d i a v a s e p o r isso. O c o n f l i t o e r a p r e -c a r i a m e n t e r e s o l v i d o m e r -c ê d e m e -c a n i s m o s d e p r o j e ç ã o .
D e p o i s , o a s s u n t o d a s discussões c o n c e n t r o u - s e s o b r e o i r m ã o o d i a d o . D i s s e q u e t i n h a r a i v a d e l e , q u a n d o , d u r a n t e as r e f e i ç õ e s , ê l e b e b i a v i n h o ou c e r v e j a . " È l e f a z isso p a r a m e c a u s a r i n v e j a e m e i r r i t a r p o r q u e sabe q u e o m é d i c o m e p r o i b i u " ; d a í , sua a g r e s s i v i d a d e r e a t i v a . L o g o f i c o u d e m o n s t r a d o q u e b e b e r á l c o o l é p r o v a d e v i r i -l i d a d e , s e n t i n d o - s e i n f e r i o r a o i r m ã o , m e n o s v i r i -l q u e ê -l e . T a -l f r u s t r a ç ã o g u a r d o u r e l a ç ã o c o m o u t r a s t a n t a s r a d i c a d a s a o s e i o m a t e r n o , b a s e a n d o - s e o ó d i o a o i r m ã o n o c i ú m e p o r q u e ê l e e r a q u e r i d o d a m ã e , p o s s u í a seu b o m s e i o n u t r i d o r — e n ã o o f r u s t r a d o r , c o m o o q u e s e m p r e p e n s o u o p a c i e n t e p o s s u i r . A a m b i v a l e n t e a t i t u d e p a r a o i r m ã o f o i o m o d e l o p a r a suas r e a ç õ e s a n t e os o b j e t o s e m g e r a l , c o m f á c i l r e a t i v a ç ã o e l i b e r a ç ã o d a a g r e s s i v i d a d e . M o s t r o u f o r t e d e p e n d ê n c i a o r a l - r e c e p t i v a da m ã e , f i x a d o a e l a , q u e r e n d o seu b o m s e i o , seu c a r i n h o e a m o r , c o m m e d o e a n g ú s t i a d e s e r a b a n d o n a d o e m b e n e f í c i o d o i r m ã o . T a l p e r í o d o d a a n á l i s e f o i d i s c u t i d o e v e n t i l a d o i n s i s t e n t e e c o n s i s t e n t e m e n t e d e p o i s d o q u e f o i d i s c u t i d a a s i t u a ç ã o c d i -p i a n a . E s t a e r a q u a s e c o n s c i e n t e a o -p a c i e n t e . A c e i t o u a f i x a ç ã o à m ã e , o c a r á t e r s e x u a l d e p e r m e i o c o m n e c e s s i d a d e s d e p r o t e ç ã o e c a r i n h o , a c o m p o n e n t e h o s t i l p a r a o p a i - i r m ã o e s t a n d o m a i s i n t e n s a m e n t e r e p r i m i d a , e m seu s e n t i d o d e d e f e s a c o n t r a i m p u l s o s d e a m o r . E s t a f o i a n a l i s a d a e m c o n e x ã o c o m sua t r a n s f e r ê n c i a p a r a o i r m ã o , a m a d o i n c o n s c i e n t e m e n t e c o d i a d o n o p l a n o m a i s s u p e r f i c i a l . E s t e a m o r a o p a i - i r m ã o p o r i d e n t i f i c a ç ã o m a t e r n a f o i a s i t u a ç ã o a n t e a q u a l d e n o t o u m a i o r resist ê n c i a . P r o c u r a m o s c o n v e n c ê l o , a s s i n a l a n d o o q u e se e s resist a v a p a s s a n d o na resist r a n s f e r ê n c i a , a g o r a c o m f o r t e s t r a ç o s d e p o s i t i v i d a d e , m a s c o m t í p i c o s e n t i d o p a s s i v o -f e m i n i n o a n t e a b o a " i m a g o " p a t e r n a .
O i r r a c i o n a l i s m o d e seu c o m p o r t a m e n t o f o i s e m p r e d e m o n s t r a d o , a p o n t o d e , nos ú l t i m o s t e m p o s d o t r a t a m e n t o , a n t e c i p a r - s e nas i n t e r p r e t a ç õ e s . I s s o c o i n c i d i u c o m sua m a i o r c a p a c i d a d e d e d o m i n a r as r e a ç õ e s a g r e s s i v a s o u m e s m o n ã o s e n t i r t a i s t e n d ê n c i a s d e f o r m a b a s t a n t e a c e n t u a d a . A b a n d o n o u o h o s p i t a l , 10 m e s e s d e c o r r i d o s d o t r a t a m e n t o . S e u e s t a d o m e l h o r o u m u i t o , p o s t o a i n d a n ã o l h e f o s s e p o s -s í v e l v e n c e r d e t o d o a h o -s t i l i d a d e p a r a c o m o i r m ã o . E -s p o n t a n e a m e n t e r e -s o l v e u n ã o m a i s f a l a r c o m ê l e c o m o d e f e s a . D u r a n t e c e r c a d e 2 a n o s , p e r i o d i c a m e n t e , p r o c u r a -v a - n o s n o c o n s u l t ó r i o p a r a r e c e b e r o r i e n t a ç ã o e c o n s e l h o a n t e s i t u a ç õ e s as m a i s ins i g n i f i c a n t e ins . S u a t r a n ins f e r ê n c i a c o n t i n u a v a c o m l a i v o ins d e r i g i d e z e o b ins e ins ins ã o q u a n d o insistia q u e p r e c i s a v a nos o b e d e c e r c e g a m e n t e . F o m o s p r o c u r a n d o l i b e r t á l o d e s -sa s i t u a ç ã o , o q u e p o r f i m p l e n a m e n t e c o n s e g u i m o s . D e c o r r i d o s c e r c a d e 4 a n o s d o t é r m i n o d o t r a t a m e n t o , c o n t i n u a p a s s a n d o b e m . T r a b a l h a e m sua p r o f i s s ã o , c o m o d e s e n h i s t a , c o m p o r t a n d o - s e s a t i s f a t o r i a m e n t e .
Conclusões — P e r s o n a l i d a d e p a r a n ó i d e , t e n d o a p r e s e n t a d o g r a v e p s i c o s e , d e s d e 16
a n o s p a s s a d o s . A a n á l i s e e n c o n t r o u : n a r c i s i s m o , r e g r e s s ã o a o n í v e l o r a l c o m a t i t u d e s d e d e p e n d ê n c i a e r e c e p t i v i d a d e a n t e a m ã e , a c e n t u a d o s t r a ç o s a n a l s á d i c o s , h o m o s s e x u a l i s m o p r o j e t a d o c o m f o r t e s r e a ç õ e s a g r e s s i v a s p a r a c o m o m e i o . A c o m -p o n e n t e d o É d i -p o q u a s e c o n s c i e n t e , m a s r e -p r i m i d a a a t i t u d e -p a s s i v o - f e m i n i n a -p a r a o p a i - i r m ã o p o r i d e n t i f i c a ç ã o c o m a m ã e , s i t u a ç ã o e s t a i n t e r f e r i n d o d i n a m i c a m e n t e na e s t r u t u r a p s i c ó t i c a e p r o v o c a n d o , p o r m e c a n i s m o s d e p r o j e ç ã o , a i n t e r p r e t a ç ã o m ó r b i d a e a g r e s s i v i d a d e p a r a o m e i o . S e n t i m o s q u e g r a n d e p a r t e d a s i n t o m a t o l o g i a d e v e s e r c o n s i d e r a d a c o m o f e n ô m e n o s d e r e s t i t u i ç ã o ( a g r e s s i v i d a d e , a u t o - r e f e r ê n c i a , c o n f l i t o s f a m i l i a r e s , a d e s ã o r í g i d a na s i t u a ç ã o d e t r a n s f e r ê n c i a , e s f o r ç o s p o r se r e a d a p t a r a o m e i o s o c i a l e p o r s u b l i m a r n o t r a b a l h o , e t c ) . É c o m o se, na b u s c a d o s o b j e t o s , l u t a s s e c o n t r a a r e g r e s s ã o e r e c o r r e s s e os p o n t o s m a i s i n t e n s a m e n t e c a r r e g a d o s , o n d e h o u v e m a i o r d e t e n ç ã o l i b i d i n o s a . A a n á l i s e , n e s t e c a s o , a j u d o u o t r a -b a l h o e s p o n t â n e o d e c u r a , a p o i a n d o o p a c i e n t e n o e s f o r ç o p o r e n c o n t r a r o m u n d o e x t e r n o .
C A S O 2 — L . V . , b r a n c a , b r a s i l e i r a , s o l t e i r a , 19 a n o s , e x a m i n a d a e m 23-9-1943. P a i s s a d i o s , u m i r m ã o e p i l é p t i c o . P r i m e i r a " c r i s e n e r v o s a " e m 1938, a t r i b u í d a p e l a f a m í l i a a e s g o t a m e n t o n e r v o s o p o r e s t u d a r e p r e o c u p a r - s e m u i t o c o m a d o e n ç a d o i r m ã o . H o u v e r e m i s s ã o a p ó s 3 m e s e s , o q u a d r o t e n d o t i d o m o r f o l o g i a d e d e p r e s s ã o c o m t r a ç o s h i s t é r i c o s . D e s d e 3 m e s e s p a s s a d o s , caiu e m f u n d a d e p r e s s ã o : i n v e n c í v e l t r i s t e z a , i n i b i ç ã o g e r a l , d e s i n t e r e s s e p e l o a m b i e n t e , e l a b o r a ç ã o i d e a t i v a l e n t a , a r r a s -t a d a , a d i n a m i a g e r a l , s e m i n i c i a -t i v a o u â n i m o p a r a q u a l q u e r a -t i v i d a d e . I d é i a s d e s u i c í d i o , r e c u s a d e a l i m e n t o s , s e n d o m i s t e r s e r a j u d a d a nos m a i s e l e m e n t a r e s c u i d a d o s d o asseio c o r p o r a l . T a l e s t a d o a g r a v o u s e n o ú l t i m o m ê s , o p a i ( m é d i c o ) t r a -z e n d o - a d o I n t e r i o r p a r a ser t e n t a d o o t r a t a m e n t o p s i c a n a l í t i c o . N a r r o u , l o g o na p r i m e i r a sessão, q u e o n o i v o l h e p e r g u n t a r a o q u e f a r i a se ê l e t i v e s s e u m f i l h o . V e i o a s a b e r q u e esse e r a o c a s o e, e s t i m u l a d a p e l o s p a i s , d e s f e z o n o i v a d o . S o b r e -v e i o a r r e p e n d i m e n t o , m a n i f e s t o u a t i t u d e a m b i -v a l e n t e p a r a o n o i -v o ( " a m o - o m u i t o m a s o o d e i o a i n d a m a i s " , f o i sua e x p r e s s ã o ) , i n s t a l a n d o s e a s i n t o m a t o l o g i a p s i c o -p a t o l ó g i c a .
E m b o r a associasse escassa e d i f i c i l m e n t e e insistisse e m seu d e s i n t e r e s s e p e l a v i d a c o m i d é i a s d e a u t o e l i m i n a ç ã o , e s t a b e l e c e u - s e o c o n t a c t o a f e t i v o c o m o m é d i c o , o q u e j u s t i f i c o u n o s s o p r o g n ó s t i c o o t i m i s t a . D e c o r r e u m u i t o d i f i c i l m e n t e o p r i m e i r o m ê s , p e l a a s s o c i a ç ã o d i f í c i l , p e l o d e s i n t e r e s s e q u a n t o a o t r a t a m e n t o , p e l o p e s s i m i s m o g e r a l e d e s a l e n t o d a p a c i e n t e , t ã o g r a n d e i n i b i ç ã o q u a s e n o s d e s e n c o r a j a n d o a p r o s -s e g u i r . R e p e t i a t e m a -s a l g o e -s t e r e o t i p a d a m e n t e ' . N ã o -se c o n f o r m a v a c o m a p e r d a
-m o n i a i s nas a b l u ç õ e s e b a n h o s , n o v e s t i r - s e , n o a i i -m e n t a r - s e , e t c . E r a d e v e r - s e a f i s i o n o m i a f a t i g a d a e p r e o c u p a d a d a t i a a f a z e r e s t r ê n u o s e s f o r ç o s p o r s u s t e n t a r a s i t u a ç ã o .
N o i n í c i o d o 3.* m ê s d e a n á l i s e , a p a c i e n t e a d m i t i u ser p o s s í v e l , d e sua p a r t e , f a z e r e s f o r ç o s " p a r a a j u d a r o t r a t a m e n t o " ( s i c ) . E d i s s e : " D r . , eu p r e c i s o s a r a r , s a i r d e s t a s i t u a ç ã o , a r r a n j a r e i u m n a m o r a d o ou n o i v o p a r a e s q u e c e r a q u e l e q u e m e a b a n d o n o u " . M a n i f e s t o u , e n t ã o , a c e n t u a d a a n g ú s t i a d u r a n t e as sessões e m e d o à n o i t e , a o r e c o l h e r - s e a o l e i t o , r e s p o n s á v e l , n o seu d i z e r , p e l a i n s ô n i a d u r a n t e t o d a a n o i t e , i r r e d u t í v e l p e l o s s e d a n t e s d e r o t i n a q u e , à nossa r e v e l i a , r e c e b i a . N ã o s o u b e p r e c i s a r , a p r i n c í p i o , o c o n t e ú d o d e t a i s e s t a d o s e m o c i o n a i s p a r a , c o m o m a i o r p r o g r e s s o d a a n á l i s e , r e f e r i r , a l g u m a s sessões a p ó s , q u e " e s t a v a c o m m e d o ( e n ã o d e -s e j o ) d e m o r r e r e n q u a n t o d o r m i a " ( -s i c ) . S u r g i u , e n t ã o , m e d o d e " f i c a r l o u c a e i r p a r a o J u q u e r i " o q u e s i g n i f i c a v a m o d o d o m é d i c o ( q u e t r a b a l h a v a n o H o s p i t a l d e J u q u e r i ) c o m o r e a ç ã o a o i n í c i o d e c o r r e n t e s p o s i t i v a s na s i t u a ç ã o d e t r a n s f e r ê n c i a . T a l s i t u a ç ã o f o i p r u d e n t e m e n t e d i s c u t i d a . S e n s a ç ã o d e g r a n d e p e s o na c a b e ç a c o m f o r t e s c e f a l é i a s f o r a m r e l a c i o n a d a s p e l a p a c i e n t e c o m o f a t o d e p e n s a r m u i t o , c o m f a n t a s i a s q u e r e l u t a v a e m e x p r e s s a r , a t i t u d e r a c i o n a l i z a d a a n a l i s a d a c o m o i m p o s s i b i l i d a d e d e f a l a r m a i s d e m o r a d a m e n t e p o r f a l t a d e â n i m o e a s t e n i a g e r a l . E m s o nhos a n g u s t i o s o s s e n t e s e a g a r r a d a p o r a l g u é m , d e s p e r t a a o s g r i t o s . N ã o d á a s s o c i a -ç õ e s , d i z i g n o r a r t u d o isso, d e s i n t e r e s s a - s e p e l a i n t e r p r e t a -ç ã o , " n a d a d i s s o t e m q u e v e r c o m m e u c a s o " ( s i c ) .
I n t e r r o m p i d o o t r a t a m e n t o p e l a s f e s t a s d e N a t a l e A n o B o m , v o l t o u à sua c i -d a -d e n a t a l e i n t e r e s s o u - s e p o r u m m é -d i c o , a m i g o -d o p a i . I s s o p o s s i b i l i t o u a a n á l i s e d a t r a n s f e r ê n c i a . S u r g i r a m as f a n t a s i a s q u e d a n t e s t a n t o r e l u t o u e m e x p r e s s a r . D e s e j o s d e m o r t e p a r a a m ã e ( q u e v i v i a na p e s s o a d a t i a ) p o r c i ú m e e m r e l a ç ã o a o i r m ã o e n f e r m o , p o r sua g r a v e d o e n ç a t r a n s f o r m a d o e m c e n t r o d e i n t e r e s s e p o r p a r t e d a f a m í l i a . A m ã e e r a r e s p o n s á v e l p o r seu p a i n ã o m a i s a q u e r e r c o m o d a n t e s . A d e s c a r g a dessa f o r t e a g r e s s i v i d a d e c o n t r a a m ã e c o i n c i d i u c o m a m e l h o r i a d o seu c o m p o r t a m e n t o s á d i c o f r e n t e à t i a . S u r g i u , d e p o i s , r i c o m a t e r i a l d e m o n s -t r a -t i v o d e sua i n -t e n s a f i x a ç ã o p a -t e r n a : c a r i n h o s , p r e s e n -t e s e s i -t u a ç õ e s v á r i a s d a v i d a r e c o r d a d a s a g o r a , e r a m p r o v a d e q u e ê l e a q u e r i a m u i t o , n ã o a d e s p r e z a v a e m b e n e f í c i o d o i r m ã o . T a l s i t u a ç ã o e d i p i a n a i n t e r f e r i u na r o t u r a d o n o i v a d o , c o m o q u a l o p a i j a m a i s c o n c o r d o u , r e s i g n a n d o - s e a p e n a s " p a r a c o n t e n t a r a f i l h a " ( s i c ) . A r o t u r a f o i p r o v a d e q u e a m a v a o g e n i t o r e o p r e f e r i a a o n o i v o , m a s r e a g i u c o m c u l p a , a m b i v a l ê n c i a e d e p r e s s ã o p e l o s e n t i d o i n c e s t u o s o d e t a l a m o r . O ó d i o à m ã e v o l t o u a g o r a e m r e l a ç ã o c o m t a l f i x a ç ã o a o p a i e essa s i t u a ç ã o f o i i n s i s t e n t e e c o n s i s t e n t e m e n t e i n t e r p r e t a d a à p a c i e n t e . C a d a v e z m a i s a a d i n a m i a , c e r t a p a r a l i s i a da v o n t a d e e i n i b i ç ã o g e r a l f o r a m c o m p r e e n d i d a s c o m e n é r g i c a s m e d i d a s d e f e n s i v a s . F o i s e s e n t i n d o m a i s a l i v i a d a e t r a n q ü i l a c o m o se o e g o se f o s s e l i b e r t a n d o d a t e r -r í v e l p -r e s s ã o d a i n s t â n c i a c e n s o -r a e p u n i t i v a .
O p r o b l e m a s e x u a l f o i d i s c u t i d o a p r o p ó s i t o d a a g r a v a ç ã o d o seu e s t a d o d u r a n t e o p e r í o d o c a t a m e n i a l , a r e p r e s s ã o d o s d e s e j o s e r ó t i c o s e n t ã o i n c r e m e n t a d o s d e p e n d e n d o d a r a d i c a ç ã o à s i t u a ç ã o e d i p i a n a n ã o r e s o l v i d a . I d é i a s d e s e r u m a " f r a c a s -s a d a na v i d a , n ã o m a i -s p o d e r -s e r f e l i z , d e j a m a i -s p o d e r -s a t i -s f a z e r -sua n e c e -s -s i d a d e d e a m o r e c a r i n h o " a p a r e n t e m e n t e r e l a c i o n a d a c o m a p e r d a d o n o i v o , m o s t r a r a m - s e , a g o r a , e m r e l a ç ã o c o m o c o m p l e x o d e c u l p a e n e c e s s i d a d e s a u t o p u n i t i v a s . A p e r d a d o o b j e t o a m b i v a l e n t e m e n t e a m a d o f o i s e n t i d a c o m o a b a n d o n o p e l o b o m p a i , p e l a boa m ã e , c o m o p u n i ç ã o p e l a s suas i n t e n s a s f i x a ç õ e s i n t r a f a m i l i a r e s , e m p a r t e d e p e n -d e n t e s -d e seus i m p u l s o s -d e ó -d i o p a r a a m ã e p a r t i c u l a r m e n t e .
-p o d e c o r r i d o , r e c u -p e r o u a n o r m a l i d a d e -p s í q u i c a . A o e x a m e m o s t r o u í n t i m a e hu-m a n a c o hu-m p r e e n s ã o d o s seus p r o b l e hu-m a s , a f i r hu-m a n d o - n o s q u e j a hu-m a i s v o l t a r i a a a d o e c e r . D o i s a n o s a p ó s c o n t i n u a v a b e m . C o n t r a i u m a t r i m ô n i o e m o s t r o u - s e b e m a j u s t a d a à v i d a c o n j u g a i , a t é o p r e s e n t e m o m e n t o ( m a i s d e 4 anos d e c o r r i d o s ) , n a d a d e a n o r -m a l a p r e s e n t a n d o .
Interpretação — A p e r d a d o o b j e t o ( n o i v o ) r e p r e s e n t o u a p a r e n t e m e n t e o t r a u
-m a d e s e n c a d e a n t e d a d e p r e s s ã o , esta p o d e n d o ser c o n s i d e r a d a c o -m o e s f o r ç o f a l h a d o d o e g o p o r s u p e r á - l o . I d e n t i f i c o u - s e , a p r i n c í p i o , c o m a m u l h e r d e q u e m o n o i v o t e v e o f i l h o , o q u e f o i s e n t i d o i n c o n s c i e n t e m e n t e c o m o t e n d o t i d o u m f i l h o d o p r ó p r i o p a i c o m q u e m o n o i v o , c o m o o b j e t o a m o r o s o , se i d e n t i f i c a r a . F ê z u m a r e g r e s -s ã o a o n í v e l n a r c í -s i c o , i n t r o j e t a n d o o o b j e t o a m a d o e a g o r a o d i a d o , q u e " n ã o m a i -s p o d i a e s q u e c e r " ou " i m p r e s s ã o d e q u e só c o m ê l e se c a s a r i a " ( i n t r o j e ç ã o , i d e n t i f i -c a ç ã o ) . S e n t i r - s e f r a -c a s s a d a , i n -c a p a z d e v e n -c e r t r a d u z i g u a l m e n t e t a l i d e n t i f i -c a ç ã o c o m o o b j e t o p e r d i d o , c o m o a s s i n a l o u F r e u d , p o i s s e n t i a q u e o p a i s e m p r e t e v e r a z ã o e m c o n d e n a r t a l m a t r i m ô n i o p o r s e r o n o i v o r a p a z sem v a l o r , s e m â n i m o p a r a o t r a b a l h o , i n d o l e n t e , d i s p l i c e n t e , " u m v e n c i d o e n f i m " ( s i c ) . O s u p e r e u , r e g r e d i n d o , t a m b é m t o r n o u s e r í g i d o , m a i s s e v e r o a i n d a , c a u s t i c a r i d o , t o r t u r a n d o o eu assim i d e n t i -f i c a d o c o m o o b j e t o . O ó d i o p a r a o n o i v o v o l t o u - s e c o n t r a seu p r ó p r i o eu, ó d i o d o s u p e r e u c o n t r a o eu. A a s s o c i a ç ã o d i í í c i l , r e t e n ç ã o d e p a l a v r a s f o i i n t e r p r e t a d a c o m r e t e n ç ã o d o c o n t e ú d o d o g r o s s o i n t e s t i n o na f a s e a n a l - s á d i c a p a r a o n d e a p a c i e n t e r e g r e d i u ( d i f u s ã o d e i m p u l s o s , a m b i v a l ê n c i a ) , as i d é i a s d e s u i c í d i o e a u t o p u n i ç ã o i n s u f i c i e n t e m e n t e n e u t r a l i z a d a s p e l a c o m p o n e n t e l i b i d i n a l v i s a n d o n e u t r a l i z a r o u a t e -n u a r o s a d i s m o d o s u p e r e u . E m d e t e r m i -n a d o m o m e -n t o d a a -n á l i s e , i m e d i a t a m e -n t e a n t e s d e c o n f e s s a r f a n t a s i a s d e ó d i o p a r a a m ã e , d i s s e : " D r . , eu d e s e j o m a t a r a l g u é m , a s s a s s i n a r q u a l q u e r p e s s o a " . D e p o i s , f a n t a s i o u e m m a t a r - s e a si m e s m a , p a r a d e p o i s c o n f e s s a r os d e s e j o s d e m o r t e p a r a a g e n i t o r a . R e t e n ç ã o d e p a l a v r a s , i n a p e t ê n c i a e os m e c a n i s m o s s u p r a - r e f e r i d o s d e i n t r o j e ç ã o r e v e l a m a intensa f i x a ç ã o à z o n a b u c a l
( i n t e s t i n a l ) , na f a s e o r a l - s á d i c a p o s t u l a d a p o r K a r l A b r a h a m2
. I s s o e x p l i c a a s c o m -p o n e n t e s a g r e s s i v a s , -p r e d o m i n â n c i a d a o r g a n i z a ç ã o -p r é - g e n i t a l e n a r c í s i c a d e sua p e r s o n a l i d a d e a p r o c u r a r s o l u ç ã o p s i c ó t i c a p a r a seus p r o b l e m a s e c o n f l i t o s . H o u v e r e g r e s s ã o a o n í v e l a n a l - s á d i c o p r i m á r i o ( p e r d a d e o b j e t o ) e o r a l s e c u n d á r i o a n t e a f r u s t r a ç ã o n o c o n f l i t o a t u a l . A l i b e r a ç ã o d o eu m o s t r o u - s e n o e p i s ó d i o h i p o m a n í a c o f i n a l c o m t r a n s i ç ã o p a r a a r e c u p e r a ç ã o d a h i g i d e z . C e r t a t o n a l i d a d e c o m p u l s i v a n o q u a d r o e s t á e m r e l a ç ã o c o m c e r t a c a r g a d a f a s e a n a l s e c u n d á r i a ( r e t e n ç ã o ) c o m o e s f o r ç o s d e f e n s i v o s c o n t r a a p o s i ç ã o d e p r e s s i v a . I s s o p a r e c e c o n f i r m a r a o p i n i ã o d e M e l a n i e Klein3 s o b r e a i m p o r t â n c i a d o s m e c a n i s m o s m a n í a c o e o b s i d e n t e s n a s t e n -d ê n c i a s -d e r e c u p e r a ç ã o c o n t r a u m a p o s i ç ã o -d e p r e s s i v a p r i m á r i a na m a i s r e m o t a in-f â n c i a .
Se podemos postular teoricamente a ausência de diferenças essenciais
entre o neurótico e o psicótico (Angel Garma * mostrou que também no
psi-cótico há conflitos intensos do ego com o id, a rotura fom a realidade
sen-do fenômeno simultâneo ou decorrente sen-do conflito com os impulsos), sen-do
pon-to de vista prático temos que admitir sensíveis diferenças mais que
suficien-tes para a justificação da necessidade de modificações técnicas no
tratamen-to psicanalítico de tais pacientes.
Certos princípios básicos no tratamento dos neuróticos só em casos
es-peciais poderão ser mantidos em se tratando de psicóticos. Dificilmente
conseguiremos a posição deitada, a associação livre de idéias, como é
clás-sico na psicanálise de neuróticos. Muitas vezes não há qualquer desejo de
colaboração, havendo até impossibilidade dela no início do tratamento. Nesse
sentido assinala Fenichel
5produ-tos reprimidos, com os aspecprodu-tos irracionais do seu comportamento. O
psica-nalista tem que se orientar no sentido de maior flexibilidade técnica,
adaptan-do-se às circunstâncias em que vive o paciente, ao grau maior ou menor da
regressão psicótica, à intensidade da rotura com a realidade, o que se
refle-tirá em sua capacidade de colaboração. Precisamos manter um mínimo de
contacto afetivo com o paciente, sem o que se tornará inútil qualquer
es-forço terapêutico.
Psicóticos em fase avançada, fortemente interiorizados em seu mundo
autístico, ou com psiquismo cindido em quadros de desagregação mental,
perderam de certa forma a capacidade de responder aos influxos do meio
externo e, portanto, aos do psicoterapeuta também. Estão em regressão aos
períodos mais recuados da infância, ao narcisismo primário, às fases orais
do desenvolvimento dos impulsos e até, em certos estados catatônicos, aos
períodos da vida intra-uterina. Tudo isso representa, como mostrou Freud
6,
intensos movimentos defensivos ante a realidade, "a libido do objeto
trans-formando-se em libido narcísica" com cargas sobre o ego, mas, em maior
ou menor grau, surgem os fenômenos de retorno aos objetos, os esforços de
cura que se expressam em toda uma gama de sintomatologia psicopatológica
(fantasias de reconstrução do mundo, delírios, alucinações, relações com os
objetos, linguagem, sexualidade, certos sintomas catatônicos como obediência
automática, ecolalia, ecopraxia, e t c ) .
Não se pode mais sustentar a incapacidade dos psicóticos em
transferi-rem problemas e conflitos sobre o psicanalista. A simples observação,
mes-mo sem o instrumento psicanalítico, do que se passa em qualquer hospital
psiquiátrico, contraria essa primeira e pessimista opinião de Freud.
Pacien-tes estão interessados em abandonar o hospital, procuram os médicos para
tal ou qual queixa de ordem somática ou psíquica, reagem com alegria ou
tristeza e com cólera e agressividade também, de acordo com a atitude do
médico. Suas reações são, dc regra, inadequadas, é certo, mas demonstram,
mesmo assim, que na maioria dos casos não há perda da afetividade, senão
repressão ou negação dela, transferências e deslocamentos sobre situações e
conteúdos intelectuais outros que os buscados por um psiquismo normal,
hígido.
aos pacientes e melhor organização dos tratamentos de choque, que
aumen-tarão de muito a eficiência das terapêuticas biológicas e cuja ausência é, a
nosso ver, responsável pela pouca eficiência dos tratamentos em massa, sem
influxo psíquico favorável por parte de médicos e pessoal de enfermagem.
Têm capacidade de transferência os psicóticos e talvez com maior
inten-sidade que os neuróticos. E isso possibilita o tratamento psicanalítico.
Po-demos dizer, de um modo geral, que quanto maior fôr a regressão psicótica,
tanto mais se afastará a técnica das normas pré-estabelecidas e do
forma-lismo clássico no tratamento de neuróticos, impondo, assim, mais fundas e
radicais modificações. Não terá, como é óbvio, qualquer sentido pedirmos
a um catatônico que se deite num diva e nos forneça associações, a um
de-lirante excitado que se mantenha tranqüilo e nos diga o que se passa pela
sua zona consciente. Tendemos a conseguir essa situação ideal, mas, em
prática, na análise de psicóticos, só raramente o conseguimos e, assim
mes-mo, quando não há fortes regressões ou dissolução do ego, predominando
mecanismos neuróticos a matizar a sintomatologia psicótica.
Igualmente, a análise não se afasta tanto das regras clássicas quando
predominam os fenômenos de restituição ou de recuperação a expressarem
tendências de cura. Assim, nos dois casos relatados, pôde a análise ser
conduzida sem modificações essenciais, além de certos expedientes técnicos.
0 primeiro paciente, por vezes, recusou a posição deitada, o que significou
em determinados momentos defesa contra a passividade feminina. A
ati-tude do psicanalista foi interpretar, analisar tal situação, com o que o
pa-ciente aceitou a posição clássica. Adaptamo-nos aos nossos papa-cientes mas
jamais renunciaremos à compreensão das determinantes conscientes e
incons-cientes do seu comportamento.
A forte inibição da segunda paciente não permitiu, muitas vezes, que
pronunciasse uma so palavra durante toda a hora. Então iniciávamos a
ses-são dando interpretações a esse silêncio, procurando fazer penetrar em sua
zona consciente as fantasias inconscientes, reprimidas, responsáveis por tal
comportamento. Um dos seus mais prolongados silêncios foi reduzido
es-petacularmente quando suspeitamos que relutava em nos falar sobre seu ódio
à mãe. Interpretamos diretamente tal situação: a paciente concordou e
for-neceu uma avalanche de associações com descargas emocionais fortes sobre
as razoes porque a odiava tanto e, com isso, uma delicada e difícil situação
analítica foi resolvida e pôde a análise prosseguir.
Compreendemos, assim, certas contradições aparentes entre analistas
quando, como Fromm-Reichmann
7, acentuam a necessidade de fundas
alte-rações técnicas e de outros, como Schmideberg
8, que não julgam
necessá-rias sensíveis modificações. Opinamos que, em neuróticos e psicóticos, o
psicanalista deve ser flexível no sentido de se adaptar às condições do
pa-ciente para conservar um mínimo de contacto emocional mas sem perder
de vista a necessidade de analisar, interpretar o comportamento total,
dina-micamente manipulando as resistências, as situações de transferência que nos
levam diretamente à vida instintivo-emocional, sem o que não
influenciare-mos analiticamente o neurótico ou o psicótico. Diz A l e x a n d e r
9psicótico apresenta grandes diferenças em relação ao neurótico, não
pode-mos a êle aplicar técnicas criadas e elaboradas na análise do segundo. Isso
é evidente, como assinalamos, parcialmente, isto é, no sentido em que o
pa-ciente seja analisável, que haja um ego capaz de receber influxos analíticos,
mas, em essência, visando os mesmos fins; a teoria da técnica é a mesma,
conscientificação de conteúdos intelectuais e constelações afetivas,
levanta-mento de defesas patogênicas contra impulsos ou realidades repudiadas, para
que o ego se reintegre e se readapte e se reajuste ante os impulsos e ante
a realidade do mundo. A flexibilidade visa a tornar possível a análise,
garantir um mínimo de cooperação e, nesse sentido, as situações são
extre-mamente individualizadas, sendo impossível, no momento, qualquer
preten-são a maior sistematização técnica.
Nossa pequena experiência com psicóticos não nos autoriza, assim, a
quaisquer considerações de ordem mais geral, mas as melhorias e remissões
ou interrupções súbitas por impossibilidade do paciente em continuar
cola-borando mesmo psicòticamente, possibilitam alguns comentários. 0
nalista não pode manter aquela atmosfera de neutralidade clássica na
psica-nálise de neuróticos. 0 psicótico tende a fugir da realidade, isolando-se
em seu mundo autista ou sentindo-a hostil, agressiva, de regra pela
predo-minância da organização impulsiva de tipo pré-genital e predomínio de
me-canismos de introjeção e projeção. Necessita encontrar gradativãmente no
médico, cada vez mais, um bom objeto que lhe dê apoio e confiança,
neu-tralizando os aspectos sádicos e negativos de suas sensações e comportamento.
O médico deve desenvolver nos psicóticos sólidos laços positivos,
mostran-do-se amigo, interessado na solução dos seus problemas, conscientificando e
controlando a transferência negativa, mas permitindo que o paciente
descar-regue, com a maior liberdade possível, as cargas agressivas frente ao mundo.
Uma falha na análise consistente da transferência negativa em paciente
histérica (histeria de angústia) portadora de personalidade paranóide foi
causa de interrupção espetacular de um tratamento que vinha sendo levado
a efeito desde um ano. Agarrava-se a paciente ansiosamente ao médico
como defesa contra a angústia, mas, em camada mais profunda, o ódio, já
de si muito intenso, pela regressão, aumentava na medida das frustrações
na transferência. Quando surgiu o homossexualismo, na transferência para
a enfermeira do analista, defendeu-se com idéias de perseguição que se
ge-neralizaram e se concentraram no médico, com reações agressivas tão
in-tensas que se tornou impossível o prosseguimento do tratamento.
As recomendações de R e i c h
1 0psi-cóticos conscientes reagem mal, com certa ansiedade e medo, ante a
formu-lação muito direta da regra fundamental.
Sentimos que psicóticos mostram boas remissões sem que a análise se
aprofunde muito, como o nosso primeiro paciente. Sua melhoria correu
paralelamente à sua compreensão do sentido mórbido de suas reações, pelo
levantamento de identificações e projeções defensivas e possibilidade de boa
identificação com o médico. O tempo em que sentiu necessidade de nos
procurar e receber conselhos foi o tempo em que a incorporação do médico
como bom objeto perdurou, desligando-se por fim, expulsando-nos como
su-pereu parasita, com a crescente estabilidade do seu próprio ego. Assim,
embora com boa remissão, cremos que a análise, por ter sido muito breve,
não lançou luz sobre a etiologia profunda da psicose, no sentido, por
exem-plo, das recentíssimas formulações de Melanie Klein
1 1.
Talvez a razão disso seja que o essencial na cura dos psicóticos é a
volta ao mundo e, como tal, o médico, como sua principal porta de entrada,
assume grande valor terapêutico na medida em que forem possíveis boa
transferência positiva, sólidas indicações, nova tomada de contacto com os
bons objetos, quaisquer que tenham sido, na mais remeta infância, os
mo-tivos causadores da doença. Nesse sentido parecem justas as afirmações
de Alexander e F r e c h
1sobre a dissociação metodológica em psicoterapia
psicanalítica quanto à investigação psicológica e o labor terapêutico. A
conscientificação da realidade reprimida, a discussão consistente das
sensa-ções ante o meio imediato, amor ou ódio frente a médicos, enfermeiros,
an-tigos amigos ou pessoas da família, tudo isso parece ter maior importância
que a análise das fantasias inconscientes, dos objetos introjetados, que vai
assumindo papel de grande monta na análise de neuróticos.
Como já referimos é-nos possível sentir a importância de tal situação
em psicóticos observando pacientes em tratamento de choque. A melhoria
vai correndo paralelamente à conscientificação do ambiente, este sendo
ab-sorvido gradativamente com crescente predomínio de sensações e ações
po-sitivas. Orientar-nos-emos no mesmo sentido na psicanálise de psicóticos:
conscientificação progressiva da realidade reprimida e repudiada,
manuten-ção duma atmosfera de sentimentos positivos entre analisando e analista,
evi-tando, no possível, situações de frustrações por parte do médico além das
mínimas necessárias, discussão ampla dos problemas, de acordo, todavia, com
o grau de receptividade do paciente, não exteriorizando o médico reações
de ansiedade e medo ante o paciente.
As considerações teórico-práticas aqui expendidas e calcadas sobre nossa
pequena experiência ainda não sistematizada de psicanálise de psicóticos
su-gerem a necessidade de maior atividade nesse importante setor, quer por
uma maior instrução em psicologia profunda de médicos e enfermeiros dos
serviços psiquiátricos, quer pela urgente necessidade da criação de serviços
de psicoterapia analítica para os doentes mentais. Fora mesmo do labor
terapêutico em sentido estrito, muitas das reações dos pacientes serão mais
fácil e profundamente compreendidas se o médico ou enfermeiro estiver
fa-miliarizado com noções básicas de psicologia dinâmica analítica.
Citare-mos, a seguir, interessante caso que confirma essa assevção.
M . A . B . , s o l t e i r a , c o m 29 a n o s , f o i i n t e r n a d a n o H o s p i t a l P s i q u i á t r i c o P i n e i , e m a c e n t u a d a e x c i t a ç ã o p s i c o m o t o r a , t e n d o d e n o t a d o a l t a a g r e s s i v i d a d e p a r a c o m o p a i . E m d e t e r m i n a d o m o m e n t o p e n e t r o u n a b i b l i o t e c a e m sua casa e p ô s f o g o e m t o d o s o s l i v r o s d o p a i e , q u a n d o i n t e r c e p t a d a , g r i t o u q u e d e v i a d e s t r u i r t o d o s o s l i -v r o s p o r q u e e r a m " i n d e c e n t e s e i m o r a i s " . A o e x a m e , m o s t r o u - s e i r r i t a d a , a g r e s s i -v a f r e n t e a o g e n i t o r , a c u s a n d o - o d e a b a n d o n a r o s f i l h o s , d e t e r f e i t o s o f r e r a m ã e , d e n ã o p a g a r as c o n t a s d a casa, n ã o f o r n e c e r r o u p a s p a r a e l a e sua m ã e . N o a t o d e i n t e r n a ç ã o o p s i q u i a t r a a s s i n a l o u : g r a n d e a g i t a ç ã o e m r e l a ç ã o c o m i d é i a s d e p e r s e -g u i ç ã o o r i e n t a d a s p a r a o p a i , m o s t r a n d o - s e f r e n t e a ê l e a l t a m e n t e a -g r e s s i v a . A a n a m n e s e i n s i s t e n t e e a l g o m a i s p r o f u n d a r e v e l o u o s e g u i n t e . A p a c i e n t e , s e n t e , q u a s e c o n s c i e n t e m e n t e , a t r a ç ã o s e x u a l p a r a o p a i ; o u t r o r a o a m a v a m u i t o , m a s a g o r a o o d e i a e d e s p r e z a . A c u s a - o d e t e r a m a n t e s e t r a i r sua m ã e . U m a s e r v i ç a l d a casa d i s s e - l h e s e r o p a i p e r i g o s o s e x u a l m e n t e p o r l h e t e r f e i t o p r o p o s t a s a m o r o s a s . A d q u i r i u , d e r e p e n t e , a c e r t e z a d e q u e o p a i t e m u m a a m a n t e : c e r t a m o ç a q u e p a s sou p e l a sua c a s a e s o r r i u a l g o s i g n i f i c a t i v a m e n t e p a r a a p a c i e n t e ( c o m p o n e n t e h o -m o s s e x u a l d a s i d é i a s p e r s e c u t ó r i a s p r o j e t a d a s ) . C o -m p r e e n d e u q u e ê l e e n t r e g a i o d o o d i n h e i r o a essa m u l h e r , n e g a n d o o a e l a e a sua m ã e . E m serninarcose ( n a r c o a n á l i s e ) , disse t e r medo d e s e r a g r e d i d a s e x u a l m e n t e p e l o p a i . S e t o d o s s a í a m , f e c h a -v a - s e e m seu q u a r t o c o m " a q u e l e medo q u e ê l e m e -v i e s s e a g a r r a r " ( s i c ) . T o d a -v i a , f i c a v a s e m p r e e m casa q u a n d o ê l e t a m b é m f i c a v a , o q u e m o s t r a os d e s e j o s r e p r i -m i d o s e a a -m b i v a l ê n c i a d e sua f i x a ç ã o . N ã o p a g a r c o n t a s é n ã o l h e d a r a -m o r , en-q u a n t o a en-q u e i m a d e l i v r o s ( " p o r s e r e m i n d e c e n t e s e i m o r a i s " ) s i g n i f i c o u a t o d e cas-t r a ç ã o s i m b ó l i c a c o m a d e s cas-t r u i ç ã o d o p ê n i s . A p a c i e n cas-t e a b a n d o n o u o h o s p i cas-t a l e n ã o p ô d e s e r p s i c a n a l i s a d a , m a s v e m o s , c l a r a m e n t e , o c o n f l i t o e d i p i a n o i n f l u i n d o nessa i r r u p ç ã o p s i c ó t i c a ( e s q u i z o f r e n i a p a r a n ó i d e , f o i o d i a g n ó s t i c o d o p s i q u i a t r a assis-t e n assis-t e ) , c o l o r i n d o o q u a d r o , i m p e l i n d o p a r a a assis-t o s s i m b ó l i c o s d e a g r e s s ã o , r e v e l a n d o f a l h a d a s f o r ç a s r e p r e s s o r a s o u o u t r a s d e n a t u r e z a d e f e n s i v a . S e m d ú v i d a , t a i s acha-dos e c o n h e c i m e n t o s o r i e n t a r i a m n o b o m s e n t i d o o t r a t a m e n t o e a c o m p r e e n s ã o d o s c o n f l i t o s e p r o b l e m a s d a p a c i e n t e .
C O N C L U S Õ E S
1. Elmbora a princípio se concentrasse o labor psicanalítico em
pa-cientes neuróticos apenas, tal orientação modificou-se fundamentalmente,
atualmente tomando impulso a psicanálise de psicóticos.
durante as terapêuticas de choque: a regressão extrema nos acessos
convul-sivos e nos comas insulínicos sucedida pela volta à vida, ao mundo,
tendên-cias de restituição com transbordamento emocional sobre o médico e pessoal
de enfermagem.
3. Há necessidade de modificações técnicas na análise dos psicóticos.
Na maioria dos casos não se adaptam eles à técnica clássica elaborada para
os neuróticos. O psicanalista tem que ser flexível a fim de tomar contacto
com o paciente e mantê-lo a fim de que possa o tratamento prosseguir.
As-sim, utilizará expedientes técnicos adequados. O paciente terá liberdade
quanto a deitar-se ou não, associar idéias ou permanecer em silêncio, suas
reações devendo ser, todavia, interpretadas no momento oportuno.
4. E' indispensável a manutenção da transferência positiva. 0
mé-dico se mostrará amigo, cooperador, mostrando que sinceramente deseja
aju-dar o paciente, permanecendo atento às primeiias manifestações da
transfe-rência negativa, embora encorajando o paciente no sentido de descarga da
agressividade. O paciente compreenderá gradualmente que ódio, raiva e
có-lera estão no seu interior e que utiliza mecanismos de projeção, incorporação
e identificação. A destruição de tais mecanismos de defesa se acompanha,
habitualmente, de grande alívio e francas melhorias.
5. A tarefa fundamental na análise de psicóticos é a conscientificação
da realidade repudiada e, para isso, o problema da transferência e
contra-transferência é fundamental. Não raro conseguimos francas melhorias sem
que a análise tenha alcançado grande profundidade, o que, de regra, não é
o caso em se tratando de neuróticos.
6. Posto haja necessidade de maior flexibilidade e de expedientes
téc-nicos, a teoria da técnica não difere, em essência, dos conhecimentos
adqui-ridos no labor com neuróticos. Temos que incorporar ao ego os produtos
inconscientes reprimidos, livrando-o mais e mais de um supereu severo e
arcaico. Com psicóticos assumem grande importância os produtos
repudia-dos da realidade. Quanto menor fôr a regressão psicótica, tanto mais a
técnica se aproximará da que é usual com pacientes neuróticos.
7. E' urgente a organização de serviços de psicanálise em hospitais
psiquiátricos. Médicos e enfermeiros orientados pela psicologia profunda
poderão compreender melhor e mais justamente seus pacientes, mesmo
quan-do recebenquan-do outras formas de tratamento. A psicanálise deve, a nosso ver,
penetrar nos hospitais psiquiátricos e levar a psicopatas e psicóticos a soma
de benefícios e compreensão que ela já trouxe e continua proporcionando
a neuróticos e pacientes outros não necessitados de internação.
B I B L I O G R A F I A
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