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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Rosangela Helena Pezoti

O Projeto Nova Luz e a participação dos sujeitos coletivos e políticos: um processo de reurbanização em questão

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Rosangela Helena Pezoti

O Projeto Nova Luz e a participação dos sujeitos coletivos e políticos: um processo de reurbanização em questão

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social sob orientação da Professora Doutora Maria Lúcia Carvalho da Silva.

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Banca Examinadora

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_______________________________

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AGRADECIMENTOS

Ao finalizar esta etapa da minha formação humana e acadêmica, quero agradecer às pessoas que estiveram presentes, de alguma forma, na minha vida. Especialmente, quero agradecer à minha família: minha mãe, Maria Thereza; meus irmãos, Rubens e Rosana; meus sobrinhos, Bruno, Guilherme e Flávia; e cunhados, Ana e Régis. Sem deixar de lembrar meu pai, Amélio, que não está mais fisicamente entre nós.

Um especial agradecimento aos companheiros e companheiras do Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS) e dos movimentos e fóruns em que atuo como profissional e militante. Também aos colegas docentes e alunos do Curso de Serviço Social da Universidade São Francisco.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), em particular, minha orientadora, Profa.

Dra. Maria Lúcia Carvalho Silva, pela dedicação e incentivo no meu processo de

formação. E aos professores que participaram da banca de qualificação, Rosangela

de Oliveira Dias Paz e Eduardo Alberto Cusce Nobre, pelas valiosas

contribuições.

Às lideranças dos sujeitos políticos e coletivos envolvidos no Projeto Nova Luz, pela preciosidade de seus depoimentos, vindos da vivência e da luta diária.

Aos queridos amigos e amigas da caminhada, em todos os tempos e momentos, com presenças e ausências, cuidados e acolhidas, incentivos e palavras de encorajamento.

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O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita.

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PEZOTI, Rosangela Helena. O Projeto Nova Luz e a participação dos sujeitos coletivos: um processo de reurbanização em questão. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, 2012, 228 p.

RESUMO

A presente tese constitui-se de um processo investigativo cujo objetivo é analisar o processo de revitalização do Projeto Nova Luz na cidade de São Paulo, a partir da visão dos diferentes sujeitos coletivos e políticos nele envolvidos. O Projeto Nova Luz insere-se em um contexto de mudanças na cidade de São Paulo decorrentes da necessidade de reurbanização de áreas que permitam a expansão imobiliária, especialmente, com requalificação da região central. Esses processos de reurbanização, em diversos locais, são acompanhados de medidas que resultam da expulsão da população moradora da região, denominada como gentrificação. Levantou-se como hipótese que o Projeto Nova Luz privilegia a imbricação da economia de mercado com o processo de higienização da região central da cidade de São Paulo, em detrimento dos princípios do direito à cidade e da proposição de políticas públicas com participação popular inerentes ao processo democrático constituído a partir da Constituição de 1988. Utilizou-se a abordagem qualitativa na pesquisa, através do levantamento bibliográfico e documental. Para a pesquisa de campo, definiu-se como sujeitos as principais lideranças dos sujeitos coletivos e políticos presentes e atuantes no processo de discussão do Projeto Nova Luz, ou seja, a Associação de Moradores da Santa Ifigênia e Luz, a Associação dos Comerciantes da Santa Ifigênia, o Movimento Estadual da População em Situação de Rua e a União dos Movimentos de Moradia. Para a seleção desta amostragem, utilizou-se da técnica “bola de neve” (snowball sampling). A partir da análise dos depoimentos dos entrevistados, identificou-se que o Projeto Nova Luz possui características de um projeto de renovação radical com gentrificação e que os mecanismos de participação popular previstos na Constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade não são respeitados pelo Poder Público como espaços de decisão compartilhados com a sociedade civil.

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PEZOTI, Rosangela Helena. The Nova Luz Project and the participation of collective subjects: a process of reurbanization under consideration. Thesis (Social Service Doctorate) – Social Service Postgraduate Program, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, 2012, 228 p.

ABSTRACT

This thesis consists of an investigative process which objective is to analyze the revitalization process of Nova Luz project in Sao Paulo, from the perspective of different collective subjects and politicians involved in it. The Nova Luz Project is inserted in a context of changes in Sao Paulo, arising from the need for reurbanization of areas in order to expand housing, especially, with redevelopment of the central region. These reurbanization processes, in many places, are accompanied by measures resulting in expulsion of resident population of the region, known as gentrification. Hypothesized that Nova Luz Project privileges the overlap of market economy in the process of cleaning the downtown area of Sao Paulo, against the law principles to the city and the proposal of public policies with popular participation inherent to the democratic process established by the Constitution of 1988. Qualitative approach was used in the research, through the bibliographic and documental gathering. For the field survey, were defined as subjects the main leadership of the collective subjects and politicians present and active at the discussion process of Nova Luz project, namely, Associação de Moradores da Santa Ifigênia e Luz, Associação dos Comerciantes da Santa Ifigênia, Movimento Estadual da População em Situação de Rua and União dos Movimentos de Moradia.For the selection of this sample was used the snowball sampling technique. From analysis of the testimonies of the interviewees it was identified that Nova Luz project has characteristics of a renovation project with gentrification, and the mechanisms of popular participation foreseen in the Constitution of 1988 and in the Statute of the City, are not respected by the Government as decision spaces shared with civil society.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ‒ Estação da Luz (1910) ...110

Figura 2 ‒ Antiga Estação (1913) com a nova em construção (fundo) ...111

Figura 3 –“Cracolândia” ...117

Figura 4 –“Cracolândia” ...118

Figura 5 – Terreno vazio entre a Av. Duque de Caxias e as Ruas Helvetia e Barão de Piracicaba ...121

Figura 6 – Terreno vazio entre a Av. Duque de Caxias e as Ruas Helvetia e Barão de Piracicaba ...121

Figura 7 – Churrascão na Cracolândia ...126

Figura 8 – Ato “Especulação Extermina, BASTA de trevas na Luz e em São Paulo” ...127

Figura 9 ‒ Ocupação na região da Nova Luz ...163

Figura 10 ‒ Fachada da ocupação Mauá ...164

Figura 11 ‒ Interior da ocupação Mauá ...165

Figura 12 ‒ Rua Helvetia ...171

Figura 13 ‒Prédio conhecido como “Saravejo” ao fundo ...181

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 ‒ Mapa das 31 subprefeituras do MSP ... 62

Mapa 2 ‒ Mapa da Subprefeitura da Sé ...101

Mapa 3 ‒ Polígono da Luz – Projeto Nova Luz ...133

Mapa 4 – Perímetro da ZEIS ...156

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LISTA DE GRÁFICOS

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LISTA DE TABELAS

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

ACSI Associação dos Comerciantes da Santa Ifigênia

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade

AI5 Ato Institucional nº 5

AIB Associação Imobiliária Brasileira

AMOALUZ Associação de Moradores e Amigos da Santa Ifigênia e Luz

AMSI Associação dos Moradores da Santa Ifigênia

APA Área de Proteção Ambiental

APP Área de Proteção Paisagística

AUE Áreas de Urbanização Especial

AVC Associação Viva o Centro

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIR Bens Imóveis Representativos

CADES Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CFESS Conselho Federal de Serviço Social

CNDU Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano

COHAB/SP Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo

COLUZ Conselho do Programa de Investimentos Seletivos para Região Adjacente à Estação da Luz

CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo

CONPRESP Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.

CPTM Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

DEOPS Departamento de Ordem Política e Social

DEM Partido Democratas

DENARC Departamento de Investigação sobre Narcóticos

EIA Estudo de Impacto Ambiental

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EMURB Empresa Municipal de Urbanismo

FVC Fórum Centro Vivo

FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas

FUNDURB Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano

GARMIC Grupo de Articulação da Moradia para o Idoso da Capital

HIS Habitação de Interesse Social

HMP Habitação de Mercado Popular

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDHAD Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade

INTC Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias

IPHAN Instituto do Patrimônio Artístico Nacional

IPTU Imposto sobre Propriedade Predial e Território Urbano

ISS Imposto sobre Serviço

ITBI Imposto sobre Tramitação de Bens Imóveis

ITTC Instituto Terra, Trabalho e Cidadania

MEPR Movimento Estadual da População de Rua

MSP Município de São Paulo

MSTC Movimento dos Sem Teto do Centro

nR Uso não Residencial

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PAC Plano de Aceleração do Crescimento

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDEM Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo

PM Polícia Militar

PIB Produto Interno Bruto

PMSP Prefeitura do Município de São Paulo

PNDU Política Nacional de Desenvolvimento Urbano

PRE Plano Regional Estratégico

PROCENTRO Programa de Requalificação Urbana e Funcional do Centro de São Paulo

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

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PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PUC Pontifícia Universidade Católica

PUE Plano Urbanístico Específico

PUZEIS Plano de Urbanização da Zona Especial de Interesse Social

PV Partido Verde

R Uso Residencial

RAIS Relação das Informações Sociais

RIMA Relatório de Impacto Ambiental

RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural

SECOVI Sindicato da Habitação

SEFRAS Serviço Franciscano de Solidariedade

SEHAB Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano

SEMPLA Secretaria de Planejamento

SINCOELETRICO Sindicato do Comércio de Material Elétrico

SIURB Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras

SMADS Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social

SMDU Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano

SMSP Secretaria de Coordenação das Subprefeituras

TAC Termo de Ajustamento de Conduta

ULC Unificação das Lutas dos Cortiços

UMM União dos Movimentos de Moradia

UNESP Universidade Estadual de São Paulo

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNIFESP Universidade Federal de São Paulo

USP Universidade de São Paulo

ZCL Zona de Centralidade Linear

ZCLp Zona de Centralidade Linear de Proteção Ambiental

ZCLz Zona de Centralidade Linear Lindeira ou Interna à ZER

ZCP Zona de Centralidade Polar

ZCPp Zona de Centralidade Polar de Proteção Ambiental

ZEIS Zona Especial de Interesse Social

ZEP Zona Especial de Preservação

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ZEPAM Zona Especial de Preservação Ambiental

ZEPEC Zona Especial de Preservação Cultural

ZER Zona Exclusivamente Residencial

ZERp Zona Exclusivamente Residencial de Proteção Ambiental

ZIR Zona Industrial de Reestruturação

ZLT Zona de Lazer e Turismo

ZM Zona Mista

ZMp Zona Mista de Proteção Ambiental

ZOE Zona de Ocupação Especial

ZOG Zona de Ocupação Especial

ZPDS Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável

ZPI Zona Predominantemente Industrial

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 17

1 OS PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E REURBANIZAÇÃO: abordagens conceituais básicas ... 25

1.1 Processo de Urbanização ... 25

1.1.1 A constituição do espaço urbano ... 25

1.2 Industrialização e Urbanização ... 27

1.3 Processos de Reurbanização ... 32

2 A POLÍTICA URBANA NO BRASIL ... 37

2.1 Relação Estado e Sociedade no Brasil: uma breve contextualização histórica ... 37

2.2 Marcos Legais da Política Urbana... 41

2.2.1 Constituição de 1988 ... 41

2.2.2 O Estatuto da Cidade ... 44

2.2.3 O Ministério das Cidades e o Conselho das Cidades ... 50

3 A URBANIZAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DA POLÍTICA URBANA NA CIDADE DE SÃO PAULO ... 53

3.1 Constituição Urbana da Cidade de São Paulo ... 53

3.2 São Paulo: cidade global? ... 57

3.3 A Organização da Política Urbana ... 60

3.4 O Conselho Municipal de Política Urbana, as Conferências Municipais de Desenvolvimento Urbano e o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano ... 72

3.5 Os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras e a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Zoneamento)... 77

3.6 O Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Sé ... 82

4 HISTÓRICO E CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO E DO BAIRRO DA LUZ ... 88

4.1 Formação da Região Central ... 88

4.2 As Intervenções do Poder Público na Região Central ... 91

4.3 Caracterização da Região Central ...100

(17)

4.4.1 A formação e a urbanização do Bairro da Luz ...108

4.5 Caracterização da Região de Abrangência do Projeto Nova Luz ...112

4.6 A “Cracolândia” do Bairro da Luz ...117

5 O PROJETO NOVA LUZ: surgimento e proposta...128

5.1 Antecedentes e Proposta ...128

5.2 As Intervenções no Bairro da Luz a Partir da Década de 1980 ...128

5.3 Projeto Nova Luz: surgimento e proposta ...129

5.4 Trajetória Legal e Política ...135

6 PERCEPÇÕES DAS LIDERANÇAS DOS SUJEITOS COLETIVOS DA PESQUISA: construindo uma análise do Projeto Nova Luz ...162

6.1 Relação das Lideranças dos Sujeitos Coletivos Envolvidos no Projeto Nova Luz com o Estado ...162

6.2 Mecanismos de Participação Popular e o Projeto Nova Luz: utilização e alcance ...174

6.3 Estratégias de Enfrentamentos e Propostas das Lideranças dos Sujeitos Coletivos ao Projeto Nova Luz ...179

6.4 Projeto Nova Luz: projeto de reurbanização em questão ...186

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...190

REFERÊNCIAS ...194

APÊNDICE ...207

(18)

INTRODUÇÃO

O tema deste estudo marca a trajetória profissional que venho construindo ao longo dos anos e, pessoalmente, relaciona-se com a minha vinculação com a cidade de São Paulo, na qual sou moradora, profissional e cidadã.

Durante a Graduação e o Mestrado em Serviço Social, atuei, como estagiária e profissional, em diversas áreas do Serviço Social, porém, com uma atenção especial aos processos de mobilização e participação social para a efetivação dos direitos sociais.

A participação da sociedade nos Conselhos Gestores de Política Pública tornou-se meu tema de estudo durante o Mestrado em Serviço Social, com a

Dissertação intitulada “Relação Estado e Sociedade: suas expressões no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da Cidade de São Paulo1”.

Em 2008, ingressei no Serviço Franciscano de Solidariedade – SEFRAS, na condução da proposta de formação para os trabalhadores e de articulação política com os espaços de participação e os movimentos sociais.

Essa nova experiência me aproximou de alguns acontecimentos diretamente ligados ao contexto urbano da cidade, especialmente, na região central e a interlocução com grupos, organizações e movimentos que discutem e atuam nessa mesma região, especialmente ligados à população em situação de rua.

A população em situação de rua, cotidianamente, vive um processo lento e sistemático de expulsão da região central. Expulsão caracterizada como um processo de higienização que, no dia a dia, concretiza-se pela ação da polícia2 na abordagem de adultos e crianças que são encaminhados para albergues e abrigos, mas, também, nos projetos de revitalização encampados pelos Poder Público e que se multiplicam pela cidade.3

1Dissertação de Mestrado sob orientação da Profa. Dra. Myrian Veras Baptista, no Programa de

Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004.

2Vide notícia publicada em 14/04/2010 no jornal “O Estado de São Paulo”, “Morador de rua vira

assunto de polícia” denunciando a ação da Guarda Civil Metropolitana na abordagem violenta junto à população.

3Em reunião da Executiva do Fórum de Assistência Social, em setembro/2010, comentou-se dos

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Paralelo a essas articulações, passei a acompanhar as notícias relativas à proposta de revitalização da região central da cidade, particularmente, do Projeto Nova Luz.

Essa realidade, dinâmica, desafiadora e complexa, levou-me, motivada pela minha orientadora Profa. Dra. Maria Lúcia Carvalho da Silva, a retomar o meu objeto de estudo do Doutorado, tendo como tema as inúmeras determinações que conformam o Projeto de Revitalização do Bairro da Luz.

O Projeto Nova Luz insere-se em um contexto de mudanças na cidade de São Paulo, decorrentes da necessidade de reurbanização de áreas que permitam a expansão imobiliária, especialmente, com requalificação da região central.

A urbanização da cidade de São Paulo se deu de forma acelerada e sem planejamento, sem que fossem construídas as devidas condições para que a maioria da população tivesse suas necessidades respondidas. A região central, outrora ocupada pelas elites4, foi abandonada sistematicamente pelo Poder Público, abrigando uma diversidade de moradores que buscaram no centro as condições necessárias para viver na cidade de São Paulo.

Refletir sobre essa realidade torna-se um desafio, pois inúmeras questões colocam-se nesses projetos de reurbanização e que envolvem, para além da questão urbanística, a realidade de milhares de pessoas que construíram suas vidas na região ou no seu entorno.

De modo especial, o Projeto Nova Luz, desde 2010, tem sido anunciado pelo Poder Público como solução para os problemas que envolvem o bairro da Luz,

principalmente da região denominada como “cracolândia5”. Multiplicam-se as ações

organizadas pelo Poder Público para solucionar o problema causado pela

“cracolândia”, e a mídia, de modo geral, publiciza e opina sobre as mesmas, ora criticando ações com pouca eficiência, ora enaltecendo a iniciativa e sua proposta de resolutividade para os problemas.

O Projeto Nova Luz tornou-se pauta constante dos principais veículos de comunicação em São Paulo e, também, da chamada imprensa alternativa.6 O Fórum Centro Vivo, além de publicar em sua página notícias sobre a região central, tem

4Por elites, entende-se a classe privilegiada e detentora do poder econômico e político. 5

Neste estudo, utilizaremos o termo “cracolândia” em referência à situação criada no bairro da Luz. Porém, discordamos desta abordagem que estigmatiza negativamente um bairro e um grupo de pessoas. Por isso, o termo será utilizado entre aspas.

6No último ano a pesquisadora contabilizou, pelo menos, 600 matérias relacionadas ao Projeto Nova

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produzido dossiês (2006 e 2008) sobre as ações realizadas na região, denunciando a violência exercida contra a população.7

Também na academia, principalmente na área da arquitetura e do urbanismo, discutem-se os projetos de revitalização. Merecem destaque as pesquisas realizadas pelo Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e o Observatório das Metrópoles do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia (INTC).

Porém, essa discussão aparece timidamente na área do Serviço Social, particularmente nos cursos de pós-graduação. O debate sobre o direito à cidade tem sido pautado, em grande parte, relacionado à moradia e nos sujeitos coletivos e políticos que protagonizam essas lutas; porém muito pouco tem sido discutido sobre esse direito, especialmente, quando se trata da região central da cidade.8

Também esses projetos de revitalização constituem-se como campo de trabalho do Serviço Social, demandando um profissional que, além da sua formação teórica-metodológica, técnica-operativa e ético-política, tenha conhecimentos mais específicos sobre a política urbana.

Diante dos desafios colocados pela realidade, definiu-se como objeto para esta tese o estudo do Projeto Nova Luz, no bairro da Luz da cidade de São Paulo, desvelando os sentidos latentes e expressos do Projeto, na perspectiva do direito à cidade e da proposição de políticas públicas com participação popular.9

Para este estudo, colocou-se como questão central se o Projeto Nova Luz, ao se definir enquanto revitalização, contempla os princípios do direito à cidade e da proposição de políticas públicas com participação popular.

Para responder a essa questão, levantou-se como hipótese que o Projeto Nova Luz privilegia a imbricação da economia de mercado com o processo de higienização da região central da cidade de São Paulo, em detrimento dos princípios

7Ver dossiês. Disponível em: <http://www.centrovivo.org.br>.

8Pesquisa realizada no banco de dados dos Cursos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo e da Universidade do Estado de São Paulo, em Franca, apontaram uma tese de doutorado tratando de questões relacionadas à região central da cidade: “O fenômeno de ocupação dos espaços públicos de São Paulo: estudo do Largo São Francisco”, de Maria Angela Noronha Serpa, 2004.

9Segundo Coutinho (2002, p. 17), a participação política

(21)

do direito à cidade e da proposição de políticas públicas com participação popular inerentes ao processo democrático constituído a partir da Constituição de 1988.

O objetivo, então, proposto foi de analisar o processo de revitalização do Projeto Nova Luz na cidade de São Paulo, a partir da visão dos diferentes sujeitos coletivos e políticos nele envolvidos.

O processo de pesquisa se inspirou no Método Histórico Crítico que possibilitou articular o particular com o geral, responder ao dinamismo e às contradições da realidade sem perder de vista os processos históricos.

Dentro dessa abordagem se utilizou a pesquisa qualitativa que, segundo Martinelli (1999, p. 21-22), tem por objetivo

(...) trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do que está sendo pesquisado, não só a minha visão de pesquisador em relação ao problema, mas também o que o sujeito tem a me dizer a respeito. Parte-se de uma perspectiva muito valiosa, porque à medida que se quer localizar a percepção do sujeito, torna- se indispensável – e este é outro elemento muito importante – o contato direto com o sujeito da pesquisa.

A pesquisa bibliográfica realizou-se, tendo como principais temas a urbanização e a segregação, o processo de urbanização do Brasil e de São Paulo, a política urbana pós-Constituição de 1988, e a participação popular, tendo como principais autores Lefebvre, Villaça, Maricato, Rolnik, Coutinho, Fernandes e Nakano, entre outros.

A pesquisa documental teve como fontes de informação os documentos oficiais do Projeto Nova Luz (legislação, processo de licitação, etc.), as legislações relativos ao uso do espaço urbano (Plano Diretor, Estatuto da Cidade, etc.) e o mapeamento de indicadores da região central.

Buscou-se, também, documentos informativos, levantando-se as principais notícias vinculadas pela mídia em dois jornais de grande circulação na cidade – A Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo –, bem como em jornais da imprensa alternativa – O Trecheiro e Brasil de Fato.

Para a pesquisa empírica, definiu-se como sujeitos as principais lideranças dos sujeitos coletivos e políticos presentes e atuantes no processo de discussão do Projeto Nova Luz.

Wanderley (2006, p. 8), define que os sujeitos coletivos se “constituem como

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de demandas coletivas”. Suas representações colocam-se como mediadores entre o espaço público e as demandas desses sujeitos.

Para a definição da amostragem desses sujeitos coletivos e políticos,

utilizou-se a técnica “bola de neve” (snowball sampling), na qual, o contato com os primeiros participantes, denominados “sementes”, indica outras pessoas do relacionamento:

“os filhotes das sementes”. Segundo Goodman (1961), os “sementes” são sujeitos

com conhecimento da localidade, do fato ou das pessoas que, ao indicar outros sujeitos, criam uma cadeia de referência.

A análise dos documentos do Projeto Nova Luz indicou, como primeiro contato, pela atuação no Conselho Gestor de ZEIS e nas audiências públicas, a liderança da Associação dos Moradores da Santa Ifigênia e Luz (AMOALUZ), Paula Ribas. A AMOALUZ foi criada em 2010, com o objetivo de trazer a visão e a expectativa dos moradores em relação ao Projeto Nova Luz.

A entrevista com Paula Ribas, realizada em 19/11/2011, aconteceu nas dependências da Sala São Paulo com uma visita aos principais pontos do bairro da Luz, quando foi possível fotografar os prédios e ruas que fizeram parte do depoimento da entrevistada.

Paula Ribas indicou, como parceiros no processo de enfrentamento do Projeto Nova Luz, a Associação dos Comerciantes da Santa Ifigênia, o Movimento de Moradia e da População em Situação de Rua.

Contatos foram realizados com os mesmos durante o mês de janeiro de 2012,

mês em que ocorreram as ações repressivas na “cracolândia”. Toda a polêmica criada pela mídia dificultou o agendamento das entrevistas e, em algumas ocasiões, o cancelamento das mesmas.

Em 04/2/2012, ocorreu a entrevista com a liderança da Associação dos Comerciantes da Santa Ifigênia, Paulo Garcia. A ACSI, que congrega comerciantes da região da Santa Ifigênia, foi criada em 2007 para fazer o contraponto ao Projeto Nova Luz. Na entrevista, Paulo Garcia também indicou como parceiros nesse enfrentamento a Associação de Moradores e o Movimento de Moradia.

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Na indicação dos parceiros no processo de discussão do Nova Luz, Robson indicou, também, a Associação dos Moradores e dos Comerciantes.

A entrevista com a liderança da União do Movimento de Moradia, Sidnei Antonio Euzébio Pita, ocorreu em 05/3/2012, referendando as indicações de parceria dos entrevistados anteriormente. A União dos Movimentos de Moradia foi fundada em 1987 com o objetivo de unir os movimentos na conquista da moradia.

Para o processo de coleta de informações, utilizou-se a entrevista semiestruturada, com um roteiro norteador (apêndice 1), com o objetivo de trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do Projeto Nova Luz. As mesmas foram gravadas, transcritas e enviadas aos entrevistados para sugestões de mudanças e/ou acréscimos.

Para o tratamento dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo que descreve e interpreta o conteúdo das entrevistas. Para Chizzotti (2008), a análise de conteúdo

Consiste em relacionar a frequência da citação de alguns temas, palavras ou idéias em um texto para medir o peso relativo atribuído a determinado assunto pelo seu autor. É um tipo de análise da comunicação que pretende garantir a imparcialidade objetiva, socorrendo-se da quantificação da unidades do texto claramente definidas, para gerar resultados quantificáveis ou estabelecer a frequência estatística das unidades de significado. (CHIZZOTTI, 2008, p. 114).

A partir dos depoimentos dos entrevistados, foi possível analisar o Projeto Nova Luz a partir de três eixos norteadores: a relação das lideranças dos sujeitos coletivos e políticos com o Estado; a utilização e o alcance dos mecanismos de participação popular; e as ações de resistência e as propostas alternativas ao Projeto Nova Luz.

A tese está organizada em duas partes, com três capítulos cada, que compreendem os estudos desenvolvidos neste processo investigativo. O capítulo 1, Os Processos de Urbanização e Reurbanização: Abordagens Conceituais Básicas, aborda os conceitos básicos de urbanização, a partir do processo de industrialização das cidades, e os principais processos de reurbanização.

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O capítulo 3, A Urbanização e a Organização da Política Urbana na Cidade de São Paulo, aborda o processo de urbanização da cidade de São Paulo e a constituição da sua política urbana, com destaque para a organização das Subprefeituras, os Planos Diretores Estratégicos Municipais e Regionais e a Lei de Zoneamento.

O capítulo 4, Histórico e Caracterização da Região Central da Cidade de São Paulo e do Bairro da Luz, apresenta a constituição da região central da cidade de São Paulo, as intervenções políticas e urbanísticas das últimas décadas e os dados que caracterizam a região na atualidade. Apresenta, também, o Bairro da Luz e sua caracterização nos dias atuais, com destaque para as intervenções na chamada

“cracolândia”.

Os capítulos 5 e 6, O Projeto Nova Luz: Surgimento e Proposta, e Percepções das Lideranças dos Sujeitos Coletivos da Pesquisa: Construindo uma Análise do Projeto Nova Luz, são dedicados ao Projeto Nova Luz. O capítulo V trata dos antecedentes do Projeto, sua proposta e trajetória legal e política. No capítulo VI, o Projeto Nova Luz é analisado a partir da percepção das lideranças dos sujeitos coletivos e políticos envolvidos nos processos de enfrentamento do Projeto.

Nas considerações, apontam-se alguns aspectos pertinentes às análises realizadas e possibilidades de aprofundamento de temas e pesquisas futuras.

Apesar do Projeto Nova Luz estar em andamento aguardando a licitação para a concessão urbanística, espero que esta pesquisa contribua, não só para o Serviço Social, como para outras áreas acadêmicas, ampliando o debate da sociedade sobre os projetos que se multiplicam para a reurbanização de áreas centrais em diversas cidades do país.

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1 OS PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E REURBANIZAÇÃO: abordagens conceituais básicas

1.1 Processo de Urbanização

1.1.1 A constituição do espaço urbano

O processo de industrialização decorrente da implantação do capitalismo na sociedade moderna tem sido o ponto de partida para as análises referentes à cidade e ao desenvolvimento do espaço urbano. Porém, as cidades surgiram antes do período de industrialização.

As primeiras cidades foram constituídas a partir de assentamentos permanentes, formados por fazendeiros e habitantes com ocupações especializadas, onde o comércio, o estoque de alimentos e o poder foram centralizados. As primeiras cidades conhecidas surgiram no século III a.C., na Mesopotâmia, ao longo do Rio Nilo, na Civilização do Vale Indo e na China, resultantes do crescimento de pequenos vilarejos ou da fusão de pequenos assentamentos.

O crescimento de impérios antigos e medievais levou ao aparecimento de grandes cidades capitais, como Babilônia, Roma, Antioquia, Alexandria, Cartago, Selêucida do Tigre, Changan e Constantinopla, sendo que algumas dessas cidades superaram a marca de um milhão de habitantes.

Para Lefebvre (2001, p. 11), houve

(...) a cidade oriental (ligada ao modo de produção asiática), a cidade arcaica (grega ou romana, ligada à posse de escravos), depois a cidade medieval (numa situação complexa: inserida em relações feudais, mas em luta contra a feudalidade da terra).

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Morar na cidade passou a ser considerado um ato de liberdade, em relação às obrigações rurais impostas pela comunidade feudal da época.

As cidades medievais, de forma contraditória, centralizavam as riquezas, porém as atividades econômicas ligadas ao comércio dinamizavam essa mesma riqueza, constituindo circuitos de troca e circulação de dinheiro. Algumas cidades, tais como Veneza, Gênova ou Lübeck, tornaram-se Cidades-Estados poderosas, por vezes tomando o controle de terras próximas ou estabelecendo extensos impérios marítimos.

A expansão da circulação da riqueza constituiu uma rede de cidades ligadas por estradas, por vias fluviais e marítimas, por relações comerciais e bancárias.

“O que se levanta sobre essa base é o Estado, o poder centralizado. Causa e efeito dessa centralização particular, a centralização do poder, uma cidade predomina sobre as outras: a capital” (LEFEBVRE, 2001, p. 13).

A passagem das atividades comerciais e bancárias e da produção artesanal para a produção industrial e para o capitalismo concorrencial provocaram profundas mudanças, não apenas nas cidades, mas em toda a sociedade.

Lefebvre (2001) aponta que as primeiras indústrias foram implantadas fora das cidades, dependendo de múltiplas circunstâncias, locais e espaços geográficos. As indústrias de tecelagem, extração mineral e metalurgia se instalaram perto de fontes de energia – rios, florestas, minas de carvão –, de matérias-primas (minerais) e de reservas de mão de obra (o camponês), produzindo seus próprios centros urbanos. As antigas cidades concentravam os mercados, as fontes de capitais, as residências dos dirigentes políticos e da burguesia industrial e a reserva de mão de obra.

A cidade é produto da ação humana, e nasce com o processo de sedentarização e numa nova relação homem-natureza, pois, para fixar-se, o homem tem que garantir um domínio permanente do território, incluindo, dessa forma, a existência política, que é indispensável à materialização do espaço urbano (ROLNIK, 1995, p. 8).

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Temos a nossa frente um duplo processo ou, preferencialmente, um processo com dois aspectos: industrialização e urbanização, crescimento e desenvolvimento, produção econômica e vida social. Os dois aspectos deste processo, inseparáveis, têm uma unidade e, no entanto, o processo é conflitante. Existe, historicamente, um choque violento entre a realidade urbana e a realidade industrial (LEFEBVRE, 2001, p. 16).

Esse choque provoca a deterioração dos centros urbanos, com o deslocamento dos habitantes para periferias e a substituição das habitações por imóveis ligados ao comércio e à indústria.

“Os subúrbios são urbanos, numa morfologia dissociada, império da separação e da cisão entre os elementos daquilo que foi criado como unidade e simultaneidade” (LEFEBVRE, 2008, p. 28).

1.2 Industrialização e Urbanização

Na segunda metade do século XIX, o capitalismo ingressa num novo estágio: o capitalismo concorrencial com as mudanças políticas e técnicas decorrentes da Revolução Burguesa e da Revolução Industrial.

O capitalismo concorrencial criará o mercado mundial, onde os países mais avançados buscarão matérias brutas em países distantes e espalharão seus produtos por esses mesmos locais. Países e povos situados fora da Europa são integrados por vínculos econômicos e culturais.

Torna-se característica desse estágio um processo de urbanização sem precedentes.

Se, em 1770, 40% dos ingleses residiam nos campos, aí só permanecem, em 1841, 26% deles. As cidades crescem notadamente: em 1750, só duas delas aglomeravam mais de 50.000 habitantes; em 1801, esse número era de 8 e, em 1851, de 29 (e 9 tinham mais de 100.000 habitantes). [...] A população total do Reino Unido [...] triplica entre 1750 e 1850, duplica entre 1800 e 1850. O crescimento demográfico e a urbanização conectam-se diretamente à industrialização – evidencia-o a hipertrofia das cidades industriais que, em apenas 40 anos (1801-1841), sofrem o seguinte acréscimo no seu número de habitantes: Manchester – 35.000/353.000; Leeds – 53.000/152.000; Birminghan – 23.000/181.000; Sheffield – 46.000/111.000 (NETTO, apud Engels,1986, p. II-IV).

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A cidade (vista do alto) é um amontoado de casas desalinhadas encimado por um céu sempre nebuloso, mesmo nos dias mais belos. Somos tomados de um medo súbito, hesitamos em penetrar neste vasto Dédalo onde já se acotovelam mais de um milhão de homens, onde o ar viciado de exalações insalubres eleva-se, formando uma nuvem infecta que basta para obscurecer o sol quase por completo. A maioria das ruas são condutos sujos e sempre úmidos de águas pestilentas. Fechadas entre duas fileiras de casas, o sol jamais desce nelas (...) (ENGELS, 1986, p. 56).

Lefebvre (2001, p. 28, 29) distingue três períodos distintos, porém concomitantes, em que a industrialização é determinante na organização da vida

social das cidades. No primeiro, a industrialização se “comporta como um poder negativo” em que o social urbano preexistente à industrialização é negado pelo econômico industrial e extinto na prática e na consciência. No segundo, concomitante ao primeiro, a sociedade urbana se generaliza e se faz reconhecer como realidade socioeconômica, a partir da organização da produção e do consumo. No terceiro período, a realidade urbana necessita se reinventar e nasce a reflexão urbanística, centrada no poder de decisão do Estado e do Mercado.

Assim, com a industrialização, o espaço urbano organiza-se a partir das relações contraditórias produzidas pelo capitalismo. É produto da contradição de classes e envolve interesses e necessidades diversas que irão estruturá-lo pelas condições de deslocamento do ser humano, seja como portador de força de trabalho, seja como consumidor. Esse mesmo espaço terá valorações diferenciadas: a primeira relaciona-se com o valor dos produtos em si (edifícios, ruas, praças, etc.) e a segunda, com o valor da sua localização. Ou seja, “A produção dos objetos urbanos só pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas localizações. A localização é, ela própria também um produto do trabalho e é ela que especifica o espaço intra-urbano” (VILLAÇA, 2001, p. 24).

A localização urbana passa a ser valorizada por dois atributos essenciais: a rede de infraestrutura (ruas, iluminação, redes de água, telefonia) e pelas possibilidades de acessibilidade para o transporte das mercadorias e do próprio ser humano.

Portanto, no capitalismo, o espaço urbano é uma mercadoria cujos diferentes pontos possuem acessibilidade diferenciada em relação ao conjunto da sociedade.

(30)

Os usos do solo urbano são disputados pelos grandes segmentos da sociedade de forma diferenciada, orientada pelo mercado e pelas relações capitalistas, aprofundando a desigualdade e as diferenças.

Corrêa (1995) identifica os agentes sociais envolvidos na produção e disputa do espaço urbano: os proprietários fundiários e dos meios de produção, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos.

Os proprietários fundiários e dos meios de produção moldam o espaço mediante as necessidades da demanda populacional de média e alta renda, ou seja, aqueles que podem pagar para utilizar o espaço urbano. Os grupos sociais excluídos irão produzir o seu próprio espaço, ao ocuparem terrenos públicos ou privados, construírem favelas ou bairros periféricos sem nenhuma infraestrutura. A heterogeneidade aparece na cidade nos modos de vida, nas formas de morar e acessar os recursos existentes.

Essa forma de ocupação do espaço urbano irá caracterizar um processo de segregação espacial. Para Villaça (2001, p. 132), a segregação espacial relaciona-se ao processo no qual clasrelaciona-ses ou camadas sociais diferentes relaciona-se concentram em diferentes regiões ou conjunto de bairros. Para Lefbvre (2008, p. 121), é necessário distinguir diferença e segregação na análise do espaço urbano:

Não é demais mencionar, para refutá-la, a confusão entre diferença, distinção, separação e segregação. A segregação é incompatível com a segregação, que a caricatura. Quem diz “diferença”, diz relações, portanto, proximidade, relações percebidas e concebidas, portanto, inserção numa ordem espaço-temporal dupla: próxima e distante. A separação e a segregação rompem a relação. Constituem, por si só, uma ordem totalitária, que tem como objetivo estratégico quebrar a totalidade concreta, espedaçar o urbano. A segregação complica e destrói a complexidade.

Lojkine (apud VILLAÇA, 2001, p. 147) distingue três tipos de segregação urbana: a primeira, uma oposição entre o centro e a periferia, onde o preço do solo do centro é mais alto do que o da periferia; o segundo, quando há uma separação crescente entre as zonas de moradias das camadas sociais privilegiadas das zonas de moradia popular; e o terceiro, uma divisão no espaço urbano em que o mesmo é, geograficamente, divido por funções: zonas de comércio, de indústria, de moradias, etc.

(31)

Esse é um processo dialético em que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e, pelo mesmo processo, a segregação de outros. As camadas de mais alta renda controlam o espaço urbano por meio do controle de três mecanismos: o mercado, particularmente o mercado imobiliário, de natureza econômica; o Estado, de natureza política; e a ideologia.

O mercado imobiliário, de forma articulada, produz os bairros destinados às classes dominantes, porém proporciona a interação com o centro principal com a organização de subcentros comerciais e de serviços.

O controle do Estado se dá através de três mecanismos diferentes: o primeiro é a localização dos serviços proporcionados pelo Estado e a presença dos equipamentos que o representam (Prefeituras, Câmara dos Vereadores, Poder Judiciário). O segundo é a disponibilização de uma infraestrutura com o direcionamento de investimentos públicos necessários às melhorias urbanas e, por último, a presença do Estado através da legislação urbanística feita pela e para a burguesia.

Tais leis são voltadas para solucionar problemas de aparência e cumprir os requisitos das burguesias; nos bairros populares, quando existem, elas são extremamente permissivas (como exige o mercado), portanto, inócuas. Isso significa que, em tais bairros, tudo se passa como se elas não existissem, mesmo que existam (VILLAÇA, 2001, p. 39).

Porém, para o controle do mercado e do Estado sob o espaço urbano, a ideologia tem papel central.

Para Chaui (1980, p. 33), a ideologia tem sua origem e função na luta de

classes, pois a ideologia é “um dos instrumentos da classe dominante para exercer a dominação, fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados”.

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As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com a elas sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as idéias de sua dominação (MARX; ENGELS, 1977, p. 72).

A ideologia é, portanto, o processo pelo qual as ideias da classe dominante se tornam ideias de todas as classes sociais, ou seja, se tornam ideias dominantes que são determinantes na organização da estrutura urbana.

Para Carlos (2001), o espaço urbano irá se organizar sob duas formas: como espaço para a produção, impondo uma configuração espacial que integra processos produtivos, serviços, mercado e mão de obra; e como lugar de reprodução da vida social e expressão do capitalismo, com a materialização das relações sociais, políticas, jurídicas forjando as condições para a produção e reprodução material da sociedade.

Desta forma, as cidades irão se estruturar tendo como ponto de referência uma região central. “Nenhuma área é ou não é centro; como fruto de um processo –

movimento – torna-se centro” (VILLAÇA, 2001, p. 238), representando, não apenas um ponto do mapa, mas um conjunto vivo de instituições sociais e de cruzamento de fluxos de uma cidade.

O centro possui, portanto, um valor concreto, pois é a partir da localização desse ponto que se associa a otimização do deslocamento de toda a comunidade e a sua acessibilidade. São focos irradiadores da organização espacial urbana, com grande concentração de comércio e serviço, e de empregos.

“O desenvolvimento do centro, bem como o do “não centro”, ou seja, de todas

as localizações da comunidade, continua a ser fruto de uma disputa, na qual entram interesses contraditórios intra e interclasses” (VILLAÇA, 2001, p. 239).

(33)

Em redor desses centros se repartirão, em ordem dispersa, segundo normas e coações previstas, as periferias, a urbanização desurbanizada. Todas as condições se reúnem assim para que exista uma dominação perfeita, para uma exploração apuradas das pessoas, ao mesmo tempo como produtores, como consumidores de produtos, como consumidores de espaço (LEFEBVRE, 2001, p. 33).

Lefebvre (2001, p. 30) distingue, ainda, que se ocupam dessa reflexão urbana

três grupos distintos: os “homens de boa vontade” (arquitetos e escritores), ligados

ao humanismo, que desejam criar, além de projetos, novas relações sociais. Em muitos casos, esses projetos resultam em um “formalismo (adoção de modelos que

não têm nem conteúdo, nem sentido) ou num estetismo (adoção de modelos antigos

pela sua beleza, que se joga como ração para o apetite dos consumidores)”.

Há, também, o urbanismo dos administradores ligados ao setor público, que se pretende científico e tende a negligenciar o fator humano.

Este urbanismo tecnocrático e sistematizado, com seus mitos e sua ideologia (a saber, o primado da técnica) não hesitaria em arrasar o que resta da cidade para dar lugar aos carros, às comunicações, às informações ascendentes e descentes. Os modelos elaborados só podem entrar para a prática apagando da existência social as próprias ruínas do que foi a cidade (LEFEBVRE, 2001, p. 31).

E, por fim, o urbanismo dos promotores de venda que o concebem para o mercado, visando o lucro.

O fato novo, recente, é que eles não vendem mais uma moradia ou um imóvel, mas sim urbanismo. Com ou sem ideologia, o urbanismo torna-se valor de troca, apresentando um lugar e uma ocasião de adquirir uma vida cotidiana feliz (LEFEBVRE, 2001, p. 31).

1.3 Processos de Reurbanização

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Esses processos de recuperação das áreas urbanas degradadas são conhecidos como revitalização, renovação ou reabilitação urbana. Dessas intervenções, pode surgir, ainda, outro processo, conhecido como gentrificação.

Segundo Maricato (2001, p. 125), a renovação destina-se às ações que

“visam substituir edificações envelhecidas, desvalorizadas, que apresentam problemas de manutenção, por edifícios novos e maiores que, invariavelmente, são marcados por uma estética pós-moderna”.

Há uma mudança no uso do solo com a instalação de novos serviços, ligados aos setores dinâmicos da economia: comunicação, publicidade, gerenciamento, grandes centros comerciais, etc. A renovação pode ser pontual, fruto da iniciativa privada, ou difusa, pela ação do Estado, quando abrange uma área ampla e totalmente alterada, inclusive na sua malha urbana.

Esses empreendimentos expulsam os pequenos negócios e a população moradora, especialmente pela forte valorização imobiliária que acompanha esse processo.

Ao conceito de reabilitação, atribui-se “uma ação que preserva, o mais possível, o ambiente construído existente (pequenas propriedades, fragmentação no parcelamento do solo, edificações antigas) e, dessa forma, também os usos e a população moradora” (MARICATO, 2001, p. 126).

Busca-se preservar a infraestrutura para que atenda as necessidades, e as intervenções nos edifícios têm por finalidade garantir conforto ambiental, acessibilidade e segurança estrutural.

Busca-se, também, a revitalização da atividade econômica e social, no sentindo de tornar a área atrativa e dinâmica, com boas condições de habitabilidade.

“Em ambos os casos é dada importância à preservação do patrimônio histórico, artístico e paisagístico de primeira grandeza, mas apenas no caso da reabilitação o patrimônio comum ou „banal‟ é também preservado” (MARICATO, 2001, p. 126).

(35)

Renovar ou reabilitar é uma decisão política que implica em estratégias diversas que irão marcar diferentemente todos os detalhes dos planos, do gerenciamento e da construção. O resultado arquitetônico e urbanístico também será diverso assim como a apropriação social (MARICATO, 2001, p. 127).

O conceito de revitalização, em sua origem, aproxima-se da reabilitação, com ênfase na preservação de bens culturais, identificados e protegidos. É um conceito que ganhou um enfoque maior a partir da década de 1990 e esteve relacionado, inicialmente, aos processos de reurbanização dos centros históricos.

De acordo com a Carta de Nairobi (1976), preservação significa a identificação, proteção, conservação, restauração, renovação, manutenção e revitalização, ou seja, todas as ações necessárias para salvaguardar os bens culturais.

Segundo Vargas e Castilho (2006, p. 33), o processo de revitalização deverá seguir critérios políticos, funcionais, sociais e ambientais, visando uma intervenção que proporcione nova vitalidade ao local. Para tanto, o autor cita cinco critérios:

 Humanização dos espaços coletivos produzidos;

 Valorização dos marcos simbólicos e históricos existentes;  Incremento dos usos de lazer;

 Incentivo à instalação de habitações de interesse social;  Preocupação com aspectos ecológicos e

 Participação da comunidade na concepção e implantação.

No entanto, Del Rio (2001, p. 2) aponta que, no urbanismo contemporâneo, a gestão das cidades, sob a lógica neoliberal e de acordo com as oportunidades do mercado imobiliário, irá criar um novo modelo de revitalização urbana.

O modelo de revitalização urbana do urbanismo contemporâneo rompe com práticas precedentes e distancia-se tanto dos projetos traumáticos de renovação quanto das atitudes conservacionistas, ao mesmo tempo em que os incorpora e excede, em prol do renascimento econômico, social e cultural das áreas centrais.

(36)

Os processos de revitalização estão ligados ao planejamento estratégico das cidades que, na gestão pública, tem como características a modernização da cidade, os projetos de embelezamento e as parcerias público-privado.

Os mesmos se confundem com outras atividades, como a de intervenção, preservação e remodelação, as quais, por sua vez, encontram-se diretamente ligadas a investidores privados, culminando em processos radicais de renovação do espaço urbano. Experiências internacionais e experiências recentes no Brasil revelam a existência dessas renovações radicais com gentrification, ou seja, a substituição dos antigos moradores por outros de faixas mais altas de renda.

O termo gentrification surgiu na Inglaterra, na década de 1960, quando a socióloga Ruth Glass analisava a transformação imobiliária em determinadas

regiões da cidade de Londres. Entretanto, foi no ensaio “The new urban frontiers: gentrification and the revanchist city”10 que se analisou profundamente o processo

de gentrificação, consolidando-o como um fenômeno social das cidades contemporâneas.

Na gentrificação ocorre um conjunto de processos de transformação do espaço urbano que, quando concretizado, possui um caráter excludente e privatizador, através da expulsão da população de baixa renda de determinados bairros centrais e sua substituição por moradores de maior poder aquisitivo; renovando moradias e alterando a forma e o conteúdo social desses espaços urbanos.

Segundo BIDOU-ZACHARIASEN (2006, p. 22), numerosos autores utilizaram-se desse termo relacionando-o a um processo de mudanças não apenas física, mas sociais e econômicas.

As áreas a serem gentrificadas normalmente tiveram, outrora, relevante importância histórica, dotadas em sua paisagem de um patrimônio arquitetônico considerável e um alto potencial de investimento devido a sua localização e equipamentos oferecidos. Porém, por motivos variados como a migração do centro financeiro, essas áreas sofreram um processo gradual de degradação de seus espaços, acolhendo camadas sociais de menor poder aquisitivo.

Esses processos não envolvem apenas o mercado imobiliário, mas necessitam de uma ação conjunta com o Estado, através de programas

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governamentais de incentivo a compra e investimento nessas áreas, para que deem resultados. Esses programas governamentais, geralmente estão vinculados com atividades culturais na região, incentivando a circulação de pessoas economicamente favorecidas.

Segundo Arantes (2002, p. 52), esse processo de gentrificação ocorreu em diversas cidades no mundo, como é o caso da cidade de Barcelona, que passou por esse processo em decorrência dos Jogos Olímpicos de 1992. Também a cidade de Londres, ao planejar a revitalização da área das docas, compôs uma empresa mista para arrecadação de recursos, envolvendo o Estado e os empresários, o que gerou uma elevação dos preços dos imóveis e a expulsão da população originária da região.

(38)

2 A POLÍTICA URBANA NO BRASIL

2.1 Relação Estado e Sociedade no Brasil: uma breve contextualização histórica

Historicamente, o processo de desenvolvimento do Brasil foi marcado pela distribuição desigual das riquezas socialmente produzidas e pela não participação da população nas decisões políticas do país.

O Estado brasileiro caracterizou-se, em diferentes períodos, pelas relações de cunho patrimonialista e clientelista, com a alavancagem de recursos públicos para investimentos voltados aos interesses de grupos e/ou corporações privadas.

Essa tradição de relações sociais e políticas autoritárias permeou todo o processo de desenvolvimento criando, segundo Fernandes (1989, p. 24), uma sociedade estratificada, “com uma massa variável, com frequência numerosa, de indivíduos excluídos da ordem”.

Segundo o autor, esses indivíduos excluídos da ordem caracterizam-se pela inserção no mercado de trabalho de forma precária, com baixos salários e ausência de direitos, e pela alienação política que, frequentemente, conduz à passividade, inviabilizando a organização e a mobilização social, reforçando a subalternidade nas relações sociais.

Consolidou-se, então, um padrão nas relações entre o Estado e a sociedade caracterizado pela oligarquização do sistema de poder e pela marginalização da população do espaço público.

A cultura política do país consolidou, como elemento da estrutura profunda do sistema político, uma noção genérica, difusa, embora abrangente e fortemente consistente, que supõe a oposição entre a sociedade como um ente amorfo, amebóide, disforme e caótico, e o Estado, como princípio organizador, regulador e principalmente, capaz de gerar a ordem necessária, não só a sobrevivência, mas ao desenvolvimento da sociedade (MOISES, 1990, p. 16).

Estruturou-se um “Estado patrimonialista” no qual a comunidade política “conduz, comanda e supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na

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(FAORO, 2000, p. 363). Com isso, cria-se um limite tênue entre o público e o privado, sendo o Estado o espaço de defesa dos interesses privados.

Porém, mesmo com a centralização do poder político e econômico no Estado e em grupos privilegiados, as forças sociais, historicamente, se articularam contrárias a essa hegemonia conservadora, explorando as contradições internas do sistema para o alargamento dos direitos civis, econômicos, políticos e sociais.

Podemos destacar, no período do Brasil Colônia (1500-1822), as rebeliões nativistas organizadas pelos colonos contra as formas coercitivas utilizadas pelos portugueses para exploração das riquezas naturais e a resistência da população negra, que teve nos quilombos uma das estratégias de enfrentamento contra a ordem escravocrata.

No período do Império (1822-1889), a estabilidade política da aristocracia rural foi preservada com a brutal repressão aos movimentos organizados do período. A Revolta da Cabanagem, no Pará, de 1835 a 1837, e a Revolta da Balaiada, no interior do Maranhão entre 1838 e 1841, foram duramente reprimidas pela polícia, que exterminou grande parte da população envolvida.

No final do Império, a estrutura social resultante de quase quatrocentos anos de história era de “uma classe dominante” composta de senhores de escravos e de terras; uma “classe média” de militares, profissionais liberais, funcionários públicos e pequenos produtores agrícolas e; de uma “classe baixa”, maioria da população, composta de escravos, trabalhadores semilivres, colonos e assalariados. Não havia projeto político que contemplasse os interesses dessa maioria. Ficando essa população sujeita, por longo tempo, à dominação das oligarquias agrárias e das elites liberais (MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO, 2009, p. 181).

No início do período Republicano (1889), organizam-se os movimentos camponeses de Canudos, na Bahia, e do Contestado, no Paraná e Santa Catarina, contra a opressão do latifúndio, sendo, ambos, duramente reprimidos e exterminados.

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A formação desses sujeitos coletivos, não previstos ou até mesmo condenados pela teoria liberal clássica, relaciona-se com os processos de socialização das forças produtivas, processos impulsionados pelo próprio capitalismo (COUTINHO, 1992, p. 23).

No início do século XX, organizam-se os primeiros sindicatos com as greves gerais de 1905, 1907, 1917 e 1919, reivindicando melhores salários e condições de trabalho e, em 1922, estrutura-se o Partido Comunista.

“O espaço da fábrica tornou-se local não só de reprodução da força de trabalho, mas da participação política e de organização da classe trabalhadora”

(PEZOTI; FEDRIGO, 2009, p. 91).

As oligarquias agrárias e a burguesia industrial responderam com repressão aberta contra a organização dos trabalhadores e, sob a ameaça da ingovernabilidade, aprovaram as primeiras leis relacionadas à proteção do trabalho e, posteriormente, as leis que vinculam os sindicatos à estrutura do Estado.

A estruturação de um parque industrial, com indústrias de pequeno e médio porte, gerou a migração da população do campo para a cidade e o crescimento das taxas de urbanização. O Governo Getúlio Vargas utilizou-se de mecanismos estratégicos, que podem ser considerados uma repressão camuflada, na medida em que buscava atenuar, com medidas paliativas, os conflitos da relação capital/trabalho.

Segundo Frederico (2009, p. 6), a “intromissão do Estado nas relações de

trabalho decorreu de uma concepção autoritária que enquadrava o movimento

sindical nas malhas do Ministério do Trabalho”. Por outro lado, evidenciou que “as

partes envolvidas – os compradores e vendedores da mercadoria força de trabalho –

não são sujeitos iguais. O reconhecimento do trabalho assalariado como a parte

mais fraca da transação impôs limites legais à voracidade do capital”.

Nas décadas de 1945 até 1964, o movimento operário e os movimentos sociais voltaram a crescer, participando das discussões dos problemas nacionais. Contudo, o Golpe Militar de 1964 trouxe a intervenção nos sindicatos, a anulação dos poderes do Legislativo, a suspensão das eleições, caracterizando o período pela não existência do espaço público, centralizando todas as decisões no Governo Militar.

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como os movimentos por creche, habitação, transporte, saúde e melhoria nas condições de habitação.

Esses movimentos organizaram espaços e ações de contestação e de resistência, aglutinando mobilizações populares e operárias, como as greves da Região do ABC Paulista e o Movimento das Diretas Já, bem como a organização de centrais sindicais e partidos políticos. O fim dos governos militares abriu a possibilidade de se construir novas formas de participação política na sociedade.

Organizaram-se, entre outros, os movimentos urbanos contra a carestia, pela reforma urbana, contra a concentração de terra no campo e pela reforma agrária. A década de 1980, considerada perdida economicamente, encerrou com altos níveis de pobreza e desigualdade social, fruto da crise econômica prolongada e dos efeitos da reestruturação produtiva alavancada, no nível mundial, pelo processo de globalização e pelo ideário neoliberal. Do ponto de vista político, esta foi considerada a década da democratização, da participação popular e da conquista de direitos.

Com a Constituição de 1988, a participação é assumida constitucionalmente e institucionalmente pelo Estado com a criação dos diversos Conselhos e Conferências de Políticas Públicas nas três esferas de Poder, do Orçamento Participativo, das audiências públicas e de diversos mecanismos de participação popular. Em contrapartida, a contrarreforma do Estado, orientada pelo ajuste neoliberal, afetou a definição do conjunto de políticas públicas, limitando resultados e introduzindo obstáculos ao exercício da gestão democrática e do controle social.

Portanto, o século XXI inicia-se com a expansão formal dos espaços de participação, ao lado de enormes dificuldades de se tomar decisões substantivas acerca de conteúdos que possibilitem a ampliação do acesso à riqueza, à cultura e à participação política pela maioria.

(42)

2.2 Marcos Legais da Política Urbana

2.2.1 Constituição de 1988

A transição democrática do final da década de 1970 e da década de 1980 exigiu a elaboração de uma nova Constituição para o país, pois, segundo Marini (1985, p. 17), a de 1946 fora “rasgada” pelos militares; a de 1967 fora promulgada e

substituída pela Emenda de 1969 e pelo Ato Institucional nº 5 (AI5), de 13/12/1968, com status constitucional. O fim do ciclo de governos militares foi marcado pela eleição presidencial indireta em 1985, a revogação do AI5 e a necessidade de uma nova Constituição.

A Assembleia Nacional Constituinte foi uma arena de disputa entre a soberania popular e as classes privilegiadas através de suas elites políticas e de seus partidos. A burguesia nacional e a comunidade internacional de negócios elegeram seus representantes nos partidos da ordem e do Governo. Em contraponto, os movimentos sociais também se articularam para tornar suas demandas em direitos.

Em janeiro de 1985, o Movimento Nacional pela Constituinte, formado por entidades, movimento e pastorais, lançou em todo o Brasil as Plenárias Pró-Participação Popular na Constituinte, mobilizando a sociedade civil para participar deste processo.

Bandeiras de luta que defendiam os interesses populares emergiam dos mais diversos fóruns de debate e articulação de entidades e movimentos, comitês, plenários pró-participação popular na Constituinte, criando um novo significado nas relações entre o campo jurídico-institucional e os movimentos sociais (SILVA, 1991, p. 5).

Em março de 1987, incorporou-se ao regimento interno da Constituinte a iniciativa popular legislativa, possibilitando aos movimentos e entidades a elaboração e defesa de emendas populares para a Constituição.

Referências

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