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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ESPAÇO ESCOLAR: UMA PROPOSTA PARA VALORIZAR AS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

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XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ESPAÇO ESCOLAR:

UMA PROPOSTA PARA VALORIZAR AS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Luci Ana Besminoff Roman 1

Resumo: O presente artigo tem por finalidade propor atividades para alunos do Ensino Fundamental, valorizando a variação linguística. Para isso, duas crônicas de Luis Fernando Verissimo, que com frequência apresentam usos de variedades distintas, são analisadas para elaboração desta proposta. Para a abordagem do tema, são utilizados conceitos de William Labov, Carlos Alberto Faraco e Marcos Bagno. Uma nova perspectiva de ensino da variação linguística, em concordância com a disciplina de Língua Portuguesa, que deve propiciar aos alunos o acesso a formas linguísticas mais prestigiadas, provocando no educando uma reflexão crítica sobre o uso da língua nos diferentes contextos sociais. A escola deve orientar os estudantes sobre as culturas dominantes e a prevalência da mesma em grupos sociais com maior prestígio. Ao mesmo tempo, ponderar que as variedades linguísticas com menor conceito, geralmente, estão associadas a reações sociais preconceituosas.

Palavras-chave: Variação Linguística. Ensino. Língua Portuguesa.

1. Introdução

Segundo o Livro Linguística Histórica (FARACO, 1991), as línguas mudam com o passar dos anos. Os falantes geralmente não têm consciência de que essas mudanças ocorrem. Só conseguem se dar conta quando, por exemplo, convivem com pessoas bem mais jovens ou bem mais velhas ou interagem com falantes de classes sociais excluídas da experiência escolar ou sentem dificuldade de comunicação ou mesmo de escrita. A escrita se diferencia da fala, pois a língua escrita é mais conservadora que a língua falada. As atividades escritas, em sua maioria, estão ligadas a contextos sociais marcados pela formalidade, e os estudos sociolinguísticos mostram que há uma forte correlação entre situações formais e o uso preferencial de formas linguística mais conservadoras, por isso o falante, para satisfazer as expectativas sociais, procura evitar nesses contextos formas com maior prestígio social.

Essas evidências entram no estudo das variações linguísticas, que têm sido fonte de pesquisa por vários teóricos, entretanto não há tanta preocupação com atividades sobre variação linguística no espaço escolar. É necessário considerar que a sala de aula é um dos melhores lugares para trabalhar atividades que conduzam os estudantes as diferenças entre a norma culta e outras variedades da língua, fazendo com que criem uma consciência crítica sobre a importância de ter acesso às variedades linguísticas com maior prestígio

1 Mestranda em Letras – Uniritter-Centro Universitário Ritter dos Reis - E-mail:

luciroman2010@hotmail.com

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social. O professor de Língua Portuguesa deve permitir aos educandos uma reflexão sobre outras maneiras de falar e escrever. O aluno necessita perceber que, quando fala, deve adequar o seu discurso ao público, isso é deveras importante para que desenvolvam sua competência linguística. O ensino de Língua Portuguesa deve conduzir o aluno à compreensão da sociedade, saber o que ela espera dele linguisticamente.

Este artigo tem como objetivo central propor atividades voltadas para alunos do Ensino Fundamental, valorizando a variação linguística. Para tal finalidade, são abordadas aspectos de teorias sobre Variação Linguística, Variação e ensino. O artigo também apresenta uma análise de duas crônicas do escritor Luis Fernando Verissimo. Essas crônicas tornam a leitura prazerosa, porque são espirituosas e trazem fatos do cotidiano, assim especiais para abordagem de questões a respeito de variedade linguística na escola.

Por sua vez, Luis Fernando Verissimo é um escritor prolífero, possui vários livros de contos, crônicas e romances. “Pronomes” e “Aí, Galera” foram escolhidas para essa apreciação, considerando a variedade linguística nelas presentes e situações diárias que envolvem fatores sociais de relevância para este estudo. Quanto à metodologia a ser empregada, a proposta seria ler as crônicas em aula para os alunos, fazendo com que os estudantes observem as distintas variedades da língua. O professor deve explicar o que é variedade linguística, fazendo o aluno perceber a importância de usar uma ou outra variedade.

Também, mostrar para o estudante que a adequação de seu discurso ao contexto é fundamental.

2. Conceitos teóricos sobre variação linguística

Falar em variação significa dizer que a língua é heterogênea, múltipla e inconstante. A língua é empregada por seres humanos que vivem em sociedade, que é constituída por distintos grupos sociais, que sofrem transformações e conflitos constantes. Pensando em termos de Brasil, é possível verificar uma diversidade linguística imensa, por isso que existem diferenças de sexo, de classes sociais, de faixas etárias, graus de escolaridade e diferentes orientações políticas etc. Então, não seria possível uma língua homogênea.

José Saramago (2004) diz que “Quase me apetece dizer que não há uma língua portuguesa, há línguas em português.”

De acordo com Faraco (1991), os grupos de falantes socioeconômicos mais elevados, normalmente não são os iniciadores de processos de mudança, já que acreditam que as formas inovadoras são negativas, erradas, incorretas e feias. Os grupos implementadores de mudanças têm geralmente baixo prestígio social e sua fala, aquilo que nela é inovação costuma ser marcada de forma negativa pelos grupos econômico, social, culturalmente mais privilegiados. De tal maneira, só com quebra desse estigma é que as formas inovadoras adquirem condições de se expandirem para outras variedades de língua.

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Uma comunidade pode desencadear um processo de mudança para marcar sua diferença em relação a grupos falantes de outras.

William Labov é criador da teoria da variação. Na ilha de Martha’s Vineyard (costa do Estado de Massachutes, EUA), Labov observou os falantes na utilização dos ditongos /ay/ e /aw/, em especial falantes que têm uma atitude positiva em relação à ilha.

Nos anos 60, Labov mostrou a existência de uma clara correlação entre atitude positiva com a ilha e a pronúncia centralizada dos ditongos: os jovens, por exemplo, com plano de deixarem a ilha centralizavam menos que aqueles que planejam permanecer. Pode ser observado que a mudança linguística está associada a valores sociais que podem bloquear retardar ou acelerar sua expansão de uma para outra variedade da língua. A proposição de Labov tem como finalidade descrever a língua e seus determinantes sociais e linguísticos, observando o seu uso variável . Sua teoria opõe-se as dos linguistas estruturalistas e gerativistas, que excluíam os aspectos variáveis e sociais da língua. Sua suposição básica da teoria da variação linguística é que a heterogeneidade, ou variação, é inerente a todo sistema linguístico e não é aleatória, mas ordenada por restrições linguísticas e extralinguísticas. E são estas restrições que levam o falante a usar certas formas e não outras quando faz uso da língua falada.

Segundo Faraco (2007), cada variedade é decorrência das particularidades das experiências históricas e socioculturais do grupo que usa a língua: como ele se constitui como é sua posição na estrutura socioeconômica, como esse grupo se constitui socialmente, quais seus valores e visão de mundo, quais suas possibilidades de acesso à escola, aos meios de informação, e assim por diante. A proposição da variação foca a relação de língua e sociedade, analisando a variedade decorrente dos fatores internos, próprios do sistema linguístico e dos fatores sociais que interagem no ato da comunicação.

A variação da língua constitui, portanto, um dado relevante da teoria e da descrição sociolinguística. Faraco afirma que a diferença de valoração das variedades se cria socialmente: algumas variedades, por razões políticas, sociais e culturais, adquirem uma marca de maior prestígio que outras.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, as variedades do interior do estado não possuem prestígio social, sendo que somente algumas variedades urbanas é que têm valor.

As variedades bem-conceituadas representam um ideal cultivado pela elite intelectual.

Essas formas mais prestigiadas são cobradas na escrita, pois é um dever das escolas ensinarem a norma culta da língua. O português que é falado no Norte do país não é o mesmo falado no Sul, pois o princípio fundamental da língua é a comunicação, sendo compreensível que o homem crie várias formas para estabelecer este diálogo em seu grupo social. A linguística atual revela que a língua não é homogênea e deve ser entendida justamente pela diversidade.

Levar a refletir sobre as diversidades linguísticas é papel do professor de Língua Português. Para isto, o docente precisa ter formação adequada a respeito da concepção de língua. Em suas aulas, deve incorporar a análise linguística e possibilitar ao aluno uma

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reflexão a propósito dos usos das diversas variedades. A escola deve orientar os estudantes sobre as culturas dominantes e a prevalência da mesma em grupos sociais com maior prestígio.

3. Variação linguística e ensino

Os estudos sobre variação linguística e ensino são recentes, pois só a partir de 1997, quando o Ministério da Educação publicou uma coleção de documentos intitulados Parâmetros Curriculares Nacionais, é que algumas disciplinas foram contempladas e começaram a surgir expressões que definiam essa mudança: letramento, gênero discursivo, coesão e coerência, variação linguística, intertextualidade etc. Bagno(2002) sustenta que são poucos os títulos que abordam especificamente a variação linguística no ensino. O resultado disso é que a variedade linguística sempre fica em segundo plano na prática docente ou é abordada de maneira insuficiente, superficial, quando não distorcida.

Então, para que a variação linguística seja valorizada em sala de aula, é preciso vencer a resistência das pessoas apegadas às concepções antigas e às práticas convencionais de ensino.

Os alunos, ao chegarem às escolas, já sabem a língua. Levando em consideração esse pressuposto, a disciplina de Língua Portuguesa deve dar enfoque para o fator comunicativo da língua, com atividades que utilizem suas formas orais e escritas, despertando uma reflexão sobre o seu uso nos diferentes contextos sociais. Desta forma, o professor de Língua Portuguesa deve levar o aluno a utilizar-se de formas com maior prestígio da língua. Para isso, o docente precisa ter conhecimento das teorias da variação linguística e do funcionamento da língua, com a finalidade de possibilitar aos estudantes um discernimento sobre uso da língua, que vai além das regras gramaticais.

Segundo Faraco (2007), o estudante tem de acostumar-se a submeter à crítica rigorosa e constante dos juízos sociais sobre a língua, procurando se livrar dos preconceitos e respaldando sempre suas próprias afirmações com dados empíricos. Em linguística, uma das maneiras de fazer isso é acostumar-se a ver a língua como um fato heterogêneo, buscando compreender as bases dessa heterogeneidade, assim como é justamente a variedade da língua no espaço geográfico, na estrutura social e no tempo uma das realidades que mais reações sociais preconceituosas gera.

Ainda conforme Faraco (2007), os professores de português e pesquisadores da língua têm feito críticas ao do ensino tradicional de português. Houve e continua havendo esforços para construir alternativas a esse ensino. Não obstante, o quadro pedagógico tem mudado pouco. Talvez porque ainda não tenhamos conseguido disseminar uma crítica radical ao normativo e à gramatiquice. Essa não é uma tarefa fácil, porque o normativismo e o gramatiques não são concepções e atitudes ligadas à língua e a seu ensino. Pelo seu caráter conservador, impositivo e excludente, o normativismo e o gramatiques são parte

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intrínseca de todo um conjunto de conceitos, atitudes e valores fundamental e profundamente marcados pela divisão social. Nesse sentido, o ensino da Língua não está separado da sociedade; agir para mudar é também agir para transformar a sociedade. Não cabe, no ensino do português, apenas agir no sentido de os alunos ampliarem seu domínio em relação a atividades de fala e escrita. Junto com esse trabalho, é necessário realizar sempre uma ação reflexiva sobre a própria língua, integrando as atividades verbais e o refletir sobre elas.

Carlos Alberto Faraco, Marcos Bagno e Ricardo-Bortoni estudam a relação entre variação linguística e escola. Eles apontam que a escola é conduzida para ensinar a língua da cultura dominante, tudo o que se afasta dela é incorreto e deve ser eliminado. Os alunos que chegam à escola falando “nóis fomo” ou “a gente fomos”, por exemplo, têm de ser respeitado e o professor deve ensinar que a língua possui variedades linguísticas e essas devem ser valorizadas. No entanto,eles têm o direito de aprender as variantes de maior prestígio, não podendo ser negado a esses alunos o conhecimento dessas normas. Como vimos não se trata, portanto, de substituir uma variedade por outra, mas reconhecer as outras variedades expressivas e conseguir diminuir as atitudes preconceituosas resultantes de se considerar a variedade culta como única, correta. Uma possibilidade de fazer isso seria com o uso de crônicas de Luís Fernando Verissimo.

4. Análise de crônicas de Luis Fernando Verissimo

De acordo com Bortoni-Ricardo (2005), a estratégia do professor deve incluir dois componentes: a identificação da diferença e a conscientização da diferença. A identificação muitas vezes fica prejudicada pela falta de atenção ou pelo desconhecimento da regra. A conscientização provoca mais dificuldades que a identificação, porque é preciso conscientizar o aluno quanto às diferenças para que ele possa começar a observar seu próprio estilo, contudo esta conscientização tem de dar-se sem prejuízo do processo de ensino-aprendizagem.

As variações linguísticas podem ser trabalhadas no espaço escolar, por meio de atividades que enriqueçam as aulas de Língua Portuguesa, por isso as crônicas de Luis Fernando Verissimo contribuem para essa proposta. De acordo com o Dicionário Aurélio(2003), crônica é uma narrativa histórica que exibe os fatos seguindo uma ordem cronológica. A palavra crônica deriva do grego “chronos” que significa “tempo”. Nos jornais e revistas, a crônica é uma narração curta escrita pelo mesmo autor e publicada em uma seção habitual do periódico, na qual são relatados fatos do cotidiano e outros assuntos relacionados à arte, esporte, ciência, linguagem etc. Os textos são curtos de linguagem simples, contém um conteúdo humorístico, capaz de fazer o educando se divertir e entender que existem reações preconceituosas a respeito da fala em determinados contextos sociais. Por meio desses textos é possível fazer o estudante refletir sobre o uso

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das línguas e suas variações, compreender a língua como heterogênea, identificar os contextos sociais e as adequações necessárias a ele e, principalmente, distinguir a língua escrita da falada. Consequentemente, essa proposta por meio de crônicas visa levar os estudantes a perceberem o uso da língua materna e as modalidades na sua forma oral e escrita, apresentando um ensino eficaz de variações da língua. Como exemplo ou possibilidade, apresentam-se dois textos em anexo, I e II, os quais são apreciados com o intento de mostrar a diversidade linguística e o preconceito linguístico que ocorre em situações diversas.

Distinguir grupos sociais a partir de ideias preconcebidas, os estereótipos sociais são comuns em nossa sociedade. Estereótipo significa “impressão sólida”, ou seja, fazer generalizações sobre o comportamento ou características de outros. No Brasil temos vários estereótipos sociais como, por exemplo: “Baianos são preguiçosos” e “Cariocas são malandros”. Outro estereótipo está marcado pela figura dos jogadores de futebol que são conhecidos por possuírem muita desenvoltura com o futebol, porém suas habilidades com linguagem são alvo de críticas. Grande marca dessa dificuldade com a linguagem está presente nas entrevistas em jornais, comumente, falas monossilábicas carregadas de gírias.

É o tema da crônica “Aí, galera”, de Luis Fernando Verissimo (anexo I). Imediatamente pode-se observar que se trata de uma entrevista que cria uma situação ideal para provocar no leitor o riso. O humor é aqui relacionado por meio do inesperado, em que cada expressão culta do jogador soa como algo fora do contexto. Um jogador que fala rebuscadamente e possui desenvoltura, considerando as diferenças entre língua oral e língua escrita. No próprio texto é afirmada a sabotagem à estereotipação, já que se espera que um jogador seja primitivo e possua uma fala grotesca. A habilidade do autor consiste em explorar com inteligência uma situação improvável de inadequação linguística para provocar humor.

Na crônica “Pronomes” (anexo II) é observado o preconceito sobre a forma de falar utilizando os pronomes perfeitamente. Em duas ocasiões do texto, o personagem Carlinhos, namorado de Carolina, usa os pronomes corretamente. Em um desses momentos é corrigido pela namorada, que deixa claro o que espera em uma situação de informalidade. Carolina pede ao namorado que não fale “certo demais” porque a “turma repara”. Ainda, Carolina pede para o namorado não dizer certas palavras como: “soberba”,

“todavia” e “outrossim”. É possível afirmar que, segundo a namorada, a maneira de Carlinhos falar poderia parecer esnobe aos amigos dela, uma demonstração de

“competência linguística”. Esse juízo sobre a maneira de falar de Carlinhos pode ser considerado um preconceito linguístico ao contrário. Preconceito linguístico é um julgamento depreciativo, ou até desrespeitoso sobre a fala do outro, comumente, existe quando alguém não sabe falar corretamente, porque usa uma variedade de menor prestígio social, ou seja, quando não se aceita uma diferença na pronúncia das pessoas. No episódio da Crônica aparece o preconceito às avessas, ou seja, a crítica é feita pela forma assertiva de falar. É importante que os alunos saibam que todas as variedades linguísticas devem ser respeitadas. O caso de Carlinhos, que usava formas mais prestigiadas como: “usá-lo” ao invés de “usar ele”, também deve ser aceito, pois essa é sua variedade linguística.

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As duas crônicas podem contribuir para as aulas de Língua Portuguesa, valorizando a variação linguística, já que possuem um conteúdo humorístico e expõem fatos relacionados ao cotidiano. Assuntos esses que podem ser aprofundados e relacionados a outros, fazendo com que os discentes façam uma reflexão a propósito da importância do caráter da linguagem e a sua adequação ao contexto social.

5. Considerações finais

A elaboração de uma proposta com crônicas de Luis Fernando Verissimo visa valorizar a variação linguística. Essa é uma das formas de aproximar os alunos das mudanças que ocorrem na língua portuguesa, por meio de textos que consigam traduzir o valor da linguagem. A língua é heterogênea, ou seja, dinâmica e inconstante, não pode ser estudada sem levar em conta a sociedade, uma vez que as duas andam juntas. O ensino da Língua Portuguesa passou por muitas mudanças nas últimas décadas e até hoje é observada a ideia de usar e estudar a norma culta da língua, contudo o ensino deve atentar para as mudanças que acontecem na sociedade e respeitar o diferente e, a partir dele, investigar as variações da língua, evitando o preconceito linguístico.

De acordo com Bagno (2002), a falha está nas pessoas não compreenderem que é o contexto que determina o grau de formalidade na linguagem. Não pensando em exclusões, mas sim sabendo diferenciar as variedades existentes de modo eficiente, longe de quaisquer preconceitos linguísticos. Esse raciocínio se baseia na ideia de que temos que entender que o fenômeno de mudança da língua é uma razão de estudo e não de exclusão social.

Por fim, para que as variedades da língua sejam valorizadas, é preciso que o professor compreenda que o ensino de Língua Portuguesa só será concretizado com sucesso quando a escola estimular o desenvolvimento de habilidades cognitivas e linguísticas por meio de atividades que envolvem tanto o uso oral quanto escrito da língua.

Referências

AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Dicionário da Língua Portuguesa, 4ª. Edição, 2003.

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística.

São Paulo: Parábola, 2007.

BAGNO, Marcos. Língua materna: letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola, 2002.

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BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? - Sociolinguística &

educação. São Paulo: Parábola, 2005.

BRASIL – SEMTEC. Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa: ensino médio. Parte II:

Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999.

FARACO, Carlos Alberto. Linguística Histórica. São Paulo. Ática, 1991.

FARACO, Carlos Alberto. Por Uma Pedagogia da Variação Linguística. São Paulo:

Parábola, 2007.

LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Tradução de Marcos Bagno, Maria Marta P.

Scherre e Caroline Rua Cardoso. São Paulo: Parábola, 2008.

SARAMAGO, José. Filme vidas em português. Dirigido por Victor Lopes. Brasil, 2004 VERISSIMO, Luis Fernando. Contos de Verão. O Estado de São Paulo, 2000.

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ANEXOS

Anexo I - Crônica utilizada para análise

Aí, galera

Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por exemplo, você pode imaginar um jogador de futebol dizendo “esteriotipação”?E, no entanto, por que não?

-Aí, campeão. Uma palavrinha pra galera.

-Minha saudação aos aficionados do clube e aos aficionados do clube e aos demais esportistas, aqui presentes ou no recesso dos seus lares.

-Como é?

-Aí, galera.

-Quais são as instruções do técnico?

-Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as possibilidades de recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de maios e extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea do sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da ação.

-Ahn?

-E pra dividir no meio e ir pra cima pega eles sem calça.

-Certo. Você quer dizer mais alguma coisa?

-Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas?

-Pode.

-Uma saudação para a minha genitora.

-Como é?

-Alô, mamãe!

-Estou vendo você é um, um...

-Um jogador que confunde o entrevistador, pois corresponde à expectativa de que o atleta seja um ser algo primitivo com dificuldade de expressão e assim sabota a estereotipação?

-Estereoquê?

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-Um chato?

-Isso.

Anexo II – Crônica utilizada para análise

Pronomes

Antes de apresentar o Carlinhos para a turma, Carolina pediu:

— Me faz um favor?

—O quê?

— Você não vai ficar chateado?

—O que é?

— Não fala tão certo?

— Como assim?

— Você fala certo demais. Fica esquisito.

—Por quê?

— É que a turma repara. Sei lá, parece…

— Soberba?

— Olha aí, ‘soberba’. Se você falar ‘soberba’ ninguém vai saber o que é. Não fala

‘soberba’. Nem ‘todavia’. Nem ‘outrossim’. E cuidado com os pronomes.

— Os pronomes? Não posso usá-los corretamente?

— Está vendo? Usar eles. Usar eles!

O Carlinhos ficou tão chateado que, junto com a turma, não falou nem certo nem errado. Não falou nada. Até comentaram:

— O Carol, teu namorado é mudo?

Ele ia dizer ‘Não, é que, falando, sentir-me-ia vexado’, mas se conteve a tempo.

Depois, quando estavam sozinhos, a Carolina agradeceu, com aquela voz que ele gostava:

— Comigo você pode botar os pronomes onde quiser, Carlinhos.

Aquela voz de cobertura de caramelo.

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