RevBrasAnestesiol.2017;67(5):541---543
REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
PublicaçãoOficialdaSociedadeBrasileiradeAnestesiologiawww.sba.com.br
INFORMAC
¸ÃO
CLÍNICA
Considerac
¸ões
anestésicas
perante
um
doente
com
angioedema
hereditário
---
Caso
clínico
Maria
J.
L.
Vilac
¸a
∗,
Filipa
M.
Coelho,
Ana
Faísco
e
Cristina
Carmona
HospitalProfessorDoutorFernandoFonseca,Servic¸odeAnestesiologia,Reanimac¸ãoeTerapêuticadaDor,Amadora,Portugal
Recebidoem14defevereirode2015;aceitoem23demarçode2015 DisponívelnaInternetem21dejaneirode2016
PALAVRAS-CHAVE
Angioedema hereditário;
Imuno-hemoterapia; Profilaxia
Resumo Oangioedemahereditário (AEH),comuma prevalênciaestimadade 1:50000 pes-soas,éumadoenc¸araramaspotencialmentefatal.Podeseapresentarcomedemasistêmico recorrentedotecidosubcutâneoedasmucosas.OsdoentescomAEHtêmumriscoacrescido deagudizac¸ãoclínicacomoestressecirúrgico,podemdesenvolversíndromesdedificuldade respiratóriaporcompromissodaviaaéreaedeinstabilidadehemodinâmica.Aabordagem peri-operatóriadessesdoentesrequerintervenc¸õesespecíficas.Apresentamosum casoclínicode uma mulherde50anoscomAEHtipoIIindicadapara realizarureteroscopiacomcolocac¸ão destent.
©2015SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Este ´eum artigo OpenAccess sobumalicenc¸aCCBY-NC-ND( http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
KEYWORDS
Hereditary angioedema; Immune-hemotherapy; Prophylaxis
Anestheticconsiderationsforapatientwithhereditaryangioedema---Aclinicalcase
Abstract Hereditaryangioedema(HAE),withanestimatedprevalenceof1:50000,isarare butpotentiallyfataldisease.Itmaypresentwithrecurrentsystemicedemaofthesubcutaneous tissueandmucousmembranes.PatientswithHAEareatincreasedriskforclinicalworsening withsurgicalstress,andmaydeveloprespiratorydistresssyndromeduetoimpairedairwayand hemodynamic instability.The perioperativemanagementofthese patients requiresspecific interventions.Wepresentaclinicalcaseofawoman,50yearsold,withHAEtypeIIscheduled forureteralstentplacementviaendoscopicapproach.
©2015SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.Publishedby ElsevierEditoraLtda.Thisisan openaccessarticleundertheCCBY-NC-NDlicense( http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:mjvilaca@gmail.com(M.J.Vilac¸a). http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2015.03.005
542 M.J.Vilac¸aetal.
Introduc
¸ão
O angioedema hereditário (AEH) é uma doenc¸a de trans-missãoautossômicadominantecaracterizadaporalterac¸ões quantitativas ou qualitativas no nível do inibidor do pri-meirocomponentedacascatadocomplemento(inibidorda esterasedeC1,C1-INH),quepermiteativac¸ãonão contro-ladadacascataclássicadocomplemento.1,2Classicamente
o AEH era classificadoem duas variantes de fenótipos: o tipoI caracteriza-sepor valoresplasmáticos reduzidosde
C1-INH normalmente funcionante; o tipo II caracteriza-se pelapresenc¸adevaloresplasmáticosnormaisouelevados deumaproteínaC1-INHnãofuncionanteouanormalmente funcionante1. Mais recentemente considera-se a
existên-cia de um terceiro tipo de AEH, com níveis de C1-INH quantitativae funcionalmente normais, que se apresenta frequentementecomoestrogeniossensível.3
Apesardoseunome,C1-INHnãoatuaapenasnacascata docomplemento,inibetambémproteasesdascascatasde coagulac¸ão e defibrinóliseedas viasdascininas. NoAEH aclínicaassociada deve-se principalmenteàinterferência na via dascininas, comaumento daproduc¸ão de bradici-nina.Clinicamente o AEHpode apresentar-secom edema sistêmicoerecorrentedostecidossubcutâneosoudas muco-sas, com envolvimento do sistema gastrointestinal, pode sererroneamente interpretadocomo umquadrode abdô-menagudo;dasviasrespiratóriascomquadrodedificuldade respiratóriadelaringospasmo,broncospasmoeasfixia; ins-tabilidadehemodinâmicaporchoqueanafiláticoemorte.1,4
Em cercade 1/3dos doentes o trauma é o fator precipi-tantedoquadroclínico.Outrosfatoresdesencadeantessão ainfec¸ão,aansiedadeeosestrogênios.Numnúmero signi-ficativodecasosofatorprecipitantenãoéidentificado.5,6
Caso
clínico
Descrevemososcuidadosanestésicosperioperatórios pres-tados a uma mulher de 50 anos, proposta para cirurgia eletivaurológica:ureteroscopiacomcolocac¸ãodestentpor litíase renal nãoradiopaca. A doente tinha o diagnóstico deAEHtipoIIehistóriafamiliarpositiva(paieirmãocoma mesmapatologia).Eraacompanhadaemconsultahospitalar deimunoalergologiaenãofaziaterapêuticaregular.
Apóscuidadosaavaliac¸ãopré-anestésicaedeacordocom oprotocolopré-operatóriodoservic¸odeimuno-hemoterapia donossohospitaleaconsultadeimunoalergologianaqual era acompanhada, foi feita profilaxia com quatro doses orais de estanozolol (Winstrol®) 4 mg, dois dias previa-mente à cirurgia, e 1.000 U de concentrado de C1-INH (Berinert®)administradas45minutosantesdacirurgia,em bólusendovenosolento.Efetuou-sepré-medicac¸ãocom dia-zepamendovenoso1mg,nanoitedevésperadacirurgiae namanhãdacirurgia.
Nodia dacirurgia e após achegada àsalaoperatória, foimonitoradacommonitorac¸ãostandardepré-medicada com2,5mgdemidazolamviaendovenosa.Atécnica anes-tésica escolhida foi o bloqueio subaracnóideo, feito com agulhabiselada25G,emnívelL3-L4,com15mgde bupiva-caína0,5%;comabordagemmedianaeumbloqueioatéT10. Foramadministrados40mgdeparecoxibefoifeita profila-xiaantibióticacom 2g decefoxitima via endovenosa. De
acordocomoprotocolo,forammantidas500Ude concen-tradodeC1-INH(Berinert®)emstandbynoblocooperatório paraaeventualidadedeumquadroclínicoagudo.
Oprocedimentocirúrgicodemorou20minutos,adoente manteve-sehemodinamicamenteestávelduranteacirurgia e no pós-operatório imediato. A terapêutica de pós--operatórionãorequereuespecificidadeassociadaaoAEH, ficoumedicadacomparacetamoleparecoxibev, antibiote-rapiaefluidoterapia.Adoentetevealtahospitalarapós24 horas.
Discussão
Existem numerosos fatores precipitantes de episódios de agudizac¸ãode AEH,com destaqueparaa ansiedade asso-ciadaaoperíodoperioperatórioeotraumacirúrgico,daía importânciadeumaadequadapré-medicac¸ão.
Aabordagemdoepisódioagudo,comclínicaegravidade variável,é controversa. Amedicina baseadana evidência sugerequeaagudizac¸ãopodenãoresponderaotratamento com adrenalina, anti-histamínicos ou glucocorticoides, é necessáriaterapêuticamaisespecífica.5,7Aabordagem
ini-cialde umepisódio agudo severodeverá incluir o uso de fármacos recombinantes do inibidor C1 ou de antagonis-tasdosrecetoresdabradicinina.2,3,6,7Quandoessesnãose
encontramdisponíveis,outrasabordagensincluemousode doses mais elevadas de androgênios, como o danazol ou seus derivados, ácido tranexâmico (AT), adrenalina (nem semprecomeficácia), controleanalgésico,fluidoterapiae terapêuticaintensivadesuporte.5,6Ousodeplasmafresco
congeladopermanececontroversodevidoaopotencial teó-ricodepoderexacerbareperpetuarochoque.6
A abordagem mais adequada dessa patologia consiste naprofilaxia5,6.Assim,emcirurgiaeletiva,acondutadeve
incluirapré-medicac¸ãoansiolíticae:
a) Uso de fatorC1-INH recombinante nas seguintes dosa-gens: 500 U (se < 50 kg); 1.000 U (se> 50 kg, mas < 100Kg)ou4.000U(se>100kg)30a60minutosantes doprocedimentocirúrgico,comaindicac¸ãoderepetic¸ão diária,casooriscodeprecipitac¸ãodeumepisódioagudo permanec¸aelevado.
b) Derivados deandrogênio,até5a 7diaspreviamenteà cirurgia.
c) EventualmenteAT,apesardenãosertãoeficazcomoos derivadosandrogênicos.
d) Terapêuticaprofiláticadupla,comofoianossaopc¸ão.
A opc¸ão da técnica anestésica locorregional apresenta tambémvantagensfaceàanestesiageral,pornãoimplicar umamanipulac¸ãoativadaviaaérea,que,aodesencadear umepisódiodeagudizac¸ãocomrepercussãomaislocalizada, poderiaconduziraedemadalaringe.
Considerac¸õesanestésicasperanteumdoentecomangioedemahereditário---Casoclínico 543
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
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