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Maria Edith de Azevedo Marques

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Maria Edith de Azevedo Marques

Direitos Fundamentais: o direito à paz no pensamento de Hannah Arendt. Reflexões e Propostas.

DOUTORADO EM DIREITO

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Maria Edith de Azevedo Marques

Direitos Fundamentais: o direito à paz no pensamento de Hannah Arendt. Reflexões e Propostas.

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Gabriel Benedito Issaac Chalita.

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Banca Examinadora

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Os meus agradecimentos ao professor Doutor Gabriel Benedito Issaac Chalita, sempre disposto a ensinar com amor, deixando-me sempre a certeza de que é possível acreditar e lutar por um mundo melhor.

Ao professor Doutor Willis Santiago Guerra Filho, exemplo de sabedoria, a quem respeito e admiro.

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Dedico esse trabalho ao meu pai Washington Roberto de Azevedo Marques, in memoriam, pelo constante incentivo aos meus estudos, e à minha mãe Edith M. de Azevedo Marques, por tudo que me ensinou.

Ao meu filho Octavio, que me fez conhecer e sentir o significado do maior e verdadeiro amor. E aos meus filhos de coração, Sérgio, Maurício e Paula, que me permitem partilhar o meu amor.

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CF Constituição Federal

ONU Organização das Nações Unidas

OPANAL Organização para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

BENELUX Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo

OLP Organização para a Libertação da Palestina

FEB Força Expedicionária Brasileira

UDN União Democrática Nacional

SNI Serviço NacionaI de Informações

MDB Movimento Democrático Brasileiro

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PT Partido dos Trabalhadores

PCB Partido Comunista Brasileiro

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDT Partido Democrático Trabalhista

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A linha de desenvolvimento do presente trabalho tem como objetivo uma reflexão sobre o direito à paz, na classificação dos direitos fundamentais. A análise dessa pretensão nasce de uma reflexão voltada para a pensadora Hannah Arendt, considerada uma combatente em defesa do povo judeu, sujeito à perseguição nazista, culminada com o holocausto, onde foram exterminados milhões de judeus, de forma extremamente cruel. Essa violência contra os judeus fez com que Hannah Arendt fizesse, durante toda sua vida, uma constante luta pela paz entregando-se com determinação em ações de grande coragem e destemor. Essa paz, tratada nesse estudo, refere-se à paz não como o contrário da guerra, mas da violência, considerada a guerra um tipo de violência. São analisadas, de forma breve, duas obras de Hannah Arendt: ―Origens do totalitarismo‖ e ―Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal‖, desenvolvendo também aspectos históricos, sociais e políticos sobre os acontecimentos que suscitaram o interesse de sua autora. Para finalizar, apresenta-se a concepção de paz no âmbito da norma jurídica, tratando a paz social decorrente da função do direito de harmonizar as relações intersubjetivas.

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The development of the present paper has as objective a reflection on the right to peace in the classification of fundamental rights. The analysis of this intention lies in a reflection on the thinker Hannah Arendt, considered a fighter for the Jewish folk under Nazi persecution that culminated in the holocaust, in which millions of Jews were exterminated in an extremely cruel way. This violence against Jews made Hannah Arendt turn her life into a constant battle for peace with great determination in actions of courage and bravery. The peace we will talk about in this study refers to the peace not meaning the opposite of war but of violence, considering war a type of

violence. We will briefly analyze two works of Hannah Arendt: ―The Origins of

totalitarianism‖ and ―Eichmann in Jerusalem: a report on the banality of evil‖, also

developing historical, social and politic aspects, about the facts that raised the interest of their author. Finally, we present the concept of peace within the juridical norm, talking about social peace that derives from the function of the right of harmonizing relationships between subjects.

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1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...014

1.1 Noções teóricas dos direitos fundamentais ...014

1.2 Classificação dos direitos fundamentais conforme a Constituição Federal brasileira de 1988...016

1.3 Dimensões dos Direitos Fundamentais x Gerações de Direitos Fundamentais - Primeira a Quinta Gerações ...020

1.4 A posição de Carl Schmitt no tocante aos direitos fundamentais ...029

1.5 A ética e o direito fundamental ...030

1.6 O direito à paz como direito de quinta geração ...032

1.6.1 O reconhecimento da paz como direito na doutrina e na jurisprudência 034 1.6.2 A visualização da paz enquanto direito de quinta geração ...036

1.6.3 A era da legitimidade resultando em uma pré-concepção de paz ...038

1.6.4 A necessidade precípua de preservar a soberania e fazer da paz um direito ...041

1.6.5 O direito à paz como um direito fundamental de nova dimensão...042

2 SOBRE A PAZ ...045

2.1 Significado de Paz ...045

2.2 A Tradição Grega ...048

2.3 A Tradição Romana ...049

2.4 A Tradição Judaico-cristã ...051

2.5 Na Idade Média ...057

2.5.1 A Idade Média cristã pacifica os povos ...057

2.5.2 A igreja é o árbitro ...060

2.6 Na Modernidade ...062

3 HANNAH ARENDT, A PENSADORA QUE VIVEU PARA BUSCAR A PAZ ...067

3.1 Dados Biográficos Importantes de Hannah Arendt ...067

3.2 Os Judeus e o Nascimento do Antissemitismo ...072

3.3 O Sionismo e o Sionismo Reconsiderado por Hannah Arendt ...074

3.4 Ajuda aos Judeus. Militância pela Criação de uma Brigada Judaica no Interior das Forças Antinazistas ...084

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paz ...097

3.6.2 A controvertida obra “Eichmann em Jerusalém”: enfoque para a justiça e a paz ...112

4 A CONCEPÇÃO DA PAZ NO ÂMBITO DA NORMATIVIDADE JURÍDICA...133

4.1 Paz Social Decorrente da Função do Direito de Harmonizar as Relações Intersubjetivas ...133

4.2 Histórico das Constituições Federais Brasileiras com Enfoque na Paz ....136

4.2.1 A Constituição do Império ...136

4.2.2 O Poder Moderador, a “constitucionalização do absolutismo” ...137

4.2.3 A evolução liberal da Carta do Império, um código constitucional de compromisso da sociedade com o Estado ...139

4.2.4 Rigidez e ductilidade da constituição imperial ...141

4.2.5 Uma Carta com a sensibilidade precursora para o social ...143

4.3 A Constituição Federal de 1891 ...145

4.4 A Constituição de 1934 ...147

4.4.1 A instabilidade da ambiguidade ...147

4.5 A Constituição de 1937: uma Carta outorgada ...156

4.5.1 As fontes da Carta outorgada ...157

4.6 A Constituição de 1946 ...157

4.6.1 A instabilidade democrática ...157

4.6.2 O Estado social e a Constituição de 1946 ...160

4.6.3 A declaração de direitos da Constituição da terceira República patenteia o esforço de conciliação do Estado liberal com o Estado social ...162

4.7 A Carta de 1967 ...166

4.7.1 A origem da Carta de 1967: a controvérsia sobre o poder constituinte congressual e sobre o vício decorrente da mutilação de mandatos representativos ...166

4.7.2 Os atos institucionais como elementos de coação ao trabalho constituinte ...168

4.7.3 A tramitação do projeto na constituinte congressual ...169

4.7.4 O problema de legitimidade e a Emenda nº 1 ...171

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4.8.2 A Constituinte e a participação popular ...181

4.8.3 Sugestões e emendas ...184

4.8.4 Reflexões preliminares sobre a lei básica e o controle do poder pelo poder ...190

4.8.5 Os fundamentos da nova Constituição: uma visão interpretativa ...193

4.8.6 A Constituição de 1988 e o problema da legitimidade ...197

CONCLUSÃO ...201

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva uma reflexão sobre a paz, voltada para o campo jurídico, com o propósito de trazê-la para o status de direito: direito à paz, na classificação dos direitos fundamentais.

A essência dessa pretensão nasce de uma reflexão voltada para a pensadora Hannah Arendt, quanto à sua postura como judia-alemã. Elegeu-se Hannah Arendt porque, a par de ter sido não apenas uma intelectual, filósofa e escritora, foi também uma mulher que conhecia o sofrimento, a distância entre si e o mundo, e que no curso de sua vida teve sempre a coragem de combater em busca da paz. A paz que lhe foi tirada - dela e do povo judeu -, justamente pelo fato de ser judia, em decorrência da perseguição nazista. Buscou a paz porque acreditava na força do bem, nos recursos de nossa humanidade, no futuro do bem comum, na superação de nós mesmos por uma sociedade mais fraternal. Ela acreditou que temos a capacidade de agir e que nossa liberdade deve ser inalienável.

Há que se esclarecer que a paz, centro desse estudo, não é o contrário da guerra, mas da violência, considerando a guerra um tipo de violência, embora não a única.

Mas, por que pensar a paz como um direito?

Justamente por observar que o estado de violência que temos vivido em nosso país vem num crescendo assustador. Acredita-se que para todos nós, cidadãos brasileiros, a violência tem ultrapassado os limites do suportável, e suplica-se, portanto, por medidas que nos devolvam a paz. Se não atingidos de forma direta pela violência, basta assistir aos noticiários, ler os jornais, para comprovar o terror que estamos vivenciando. Exemplos não nos faltam: a guerra do tráfico no Rio de Janeiro que criou um estado paralelo, onde não apenas o crime é organizado, mas

também os ―comandos‖ que acabaram por se institucionalizar e que fizeram dos

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execuções sumárias, a violência nas escolas inclusive através do bullying - conduta ofensiva, aviltante, humilhante, por meio de comportamento violento, físico ou psicológico, e muitos outros crimes e situações que alimentam a lista da violência.

O desenvolvimento desse trabalho é, portanto, a razão da necessidade de paz, em virtude da enorme violência que assola nosso cotidiano, e, principalmente,

usando uma expressão ―arendtiana‖, de não nos deixarmos vencer pela ―banalidade do mal‖.

Para tanto, inicia-se esse estudo no Capítulo 1, - que se limita a tratar exclusivamente dos direitos fundamentais, perpassando por suas noções teóricas, sua classificação, dimensões e gerações, incluindo a posição de Carl Schmitt e a ética. Ainda nesse capítulo, menciona-se o direito à paz como direito de quinta geração, com o seu reconhecimento como direito na doutrina e na jurisprudência, a visualização da paz enquanto direito de quinta geração, a era da legitimidade resultante de uma pré-concepção de paz, a necessidade precípua de preservar a soberania e fazer da paz um direito, e, por fim, o direito à paz como um direito fundamental de nova dimensão.

A seguir dedica-se o Capítulo 2 para o desenvolvimento do significado de paz: na tradição grega; na tradição romana; na tradição judaico-cristã; na Idade Média e na Modernidade.

O Capítulo 3 trata, exclusivamente, da reflexão proposta sobre a pensadora Hannah Arendt, trazendo informações importantes de sua vida através de dados biográficos, discorrendo sobre os judeus e o nascimento do antissemitismo, abordando o sionismo e o sionismo reconsiderado por Hannah Arendt, o conflito árabe-judaico, bem como sua ajuda aos judeus através da militância pela criação de uma brigada judaica no interior das forças antinazistas.

Ainda nesse capítulo é tratado do conflito árabe-judaico, que ainda hoje permanece sem solução, envolvendo muita violência. Ressalta-se, também, sua

busca incessante pela paz, com destaque a duas de suas obras: ―Origens do

totalitarismo‖ e ―Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal‖.

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1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Noções teóricas dos direitos fundamentais

A Constituição Federal de 19881 trouxe em sua essência o mandamento de renovar a ordem jurídica natural, na exata medida em que foi gerada em uma nova base, o que tem significado um dasafio para os estudiosos do Direito. Imperativo, portanto, reinterpretar o Direito brasileiro, agora sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil.

Para tanto há que se fazer uso da interpretação da Lei Maior, através de estudos que possam dar subsídios teóricos para essa tarefa de interpretar, ou seja, concretizar a Constituição.

No entanto, essa interpretação apresenta características e peculiaridades que a diferenciam de forma clara da inteligência de normas infraconstitucionais.2

O cumprimento ou a concretização dos mandamentos constitucionais decorrerá de sua aplicação, resultante de um processo que tende a ter a natureza de um processo constitucional. Para que essa aplicação ocorra, obviamente a interpretação deverá, da mesma forma, caracterizar-se como uma interpretação também constitucional.

Na expressão do constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho3, em alusão a Vorverständnis da filosofia hermenêutica de Gadamer, bem coloca Willis Santiago Guerra Filho4:

[...] uma teoria dos direitos fundamentais, especialmente quando se pretende interpretar uma Constituição como a que temos atualmente, onde se adotou um padrão inaugurado contemporaneamente com a Constituição alemã de Bonn e já seguido antes de nós pelo legislador constitucional dos países da Península Ibérica, Espanha e Portugal, com quem estamos unidos por estreitos laços históricos e culturais. De acordo com esse padrão, próprio das constituições que, como a nossa, se propõem a

1BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

2GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: RCS, 2005. p. 46.

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instaurar um ―Estado Democrático de Direito‖ (CF, Art. 1º, caput)5, ocupa uma posição central a consagração de ―Direitos e Garantias Fundamentais‖, tal como é feito, exaustiva e amplamente, no Título II de nossa Constituição, bem como de forma esparsada em todo seu corpo, notadamente no Título VIII, ―Da Ordem Social‖.

Em todas as disposições concernentes ao texto constitucional, é indispensável ter em mente toda a série de direitos fundamentais que, por certo, queremos que sejam preservados no seio do Estado brasileiro, com base nos princípios e objetivos fundamentais expostos no Título I da Constituição Federal de 1988.6

Para entendermos bem os direitos fundamentais, temos que nos ater aos temas compartilhados com a filosofia do direito e política, como os direitos humanos, em termos práticos, que buscam menos a ênfase em sua efetivação7, utilizando-se também das conclusões de estudos que alimentaram a discussão, na esfera da filosofia prática, sobre teoria da justiça, argumentação e ética do discurso a partir de obras como as de Viehweg, Gadamer, Rawls, Habermans, Alexy, Hoffe, Perelman e Ricour.8

Há, ainda, que se situar os direitos fundamentais no cerne de concepções diversas a respeito do Estado e das Constituições como marco conceitual básico para uma teoria do Estado e para a teoria constitucional.9

Assim, a teoria dos direitos fundamentais pretendida, para que seja desenvolvida, abraçaria a função de trazer para o estudo de seu objeto contribuições emanadas de várias disciplinas, tanto filosóficas como científicas.

Entretanto, seu compromisso é com o esclarecimento de um material jurídico positivo, para se configurar como um empreendimento, nas palavras do jurista português José Joaquim Gomes Canotilho: ―No sentido de uma concepção

5BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

6BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

7BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24.

8GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: RCS, 2005. p. 32.

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sistemática orientada para o caráter geral, finalidade e alcance intrínseco dos direitos fundamentais‖.10

Aqui é importante definir o estudo epistemológico de análises dessa natureza e, a seguir, desenvolver um exame formal, sem ligação direta com o material empírico-normativo da norma jurídica que consagra direito fundamental, assim como, paralelamente, das situações jurídicas subjetivas dela advindas. Somente assim se terá cumprido com as tarefas propedêuticas à abordagem dos direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira.11

Essa ampla institucionalização de direitos e garantias fundamentais da pessoa, individual e coletivamente, por ser nova em nosso ordenamento, precisa do recurso ao estudo da legislação estrangeira, ou seja, ao direito constitucional comparado.

Entre os vários sistemas jurídicos, há que se evidenciar, pela própria qualidade de sua elaboração doutrinária e jurisprudencial, o da Alemanha Federal, onde se tem obras-padrão, como são as de Konrad Hesse e Klaus Stern.12

1.2 Classificação dos direitos fundamentais conforme a Constituição Federal brasileira de 1988

A teoria dos direitos fundamentais de que se pretende tratar, esclareça-se de pronto que, em termos de definição do seu estatuto epistemológico, é uma teoria jurídica. Em se tratando de ―teoria‖ nos reportamos ao pretenso estudo com caráter científico, pois se caso assim não fosse, o melhor seria falarmos em doutrina. Qualificar essa teoria de ―jurídica‖ remete-nos à ciência praticada por juristas, a

―dogmática jurídica‖. Mas aqui depara-se com um grande ―obstáculo epistemológico‖

na opinião de Gaston Bachelard13, posto que a cientificidade dessa disciplina tem sido questionada a partir do momento em que foi explicitamente proposta.

10CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1989. p. 429. 11GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: RCS,

2005. p. 33. 12Ibid., p. 36.

13BACHELARD, Gastón.

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Willis Santiago Guerra Filho, em sua dissertação de mestrado em Direito14, aborda esse assunto, optando por evitar um confronto direto com essa vexata questio, para caracterizar a maneira como se concebe que deva ser elaborada uma teoria dogmático-jurídica dos direitos fundamentais, pronta a ser qualificada como científica.

A formação epistemológica da dogmática jurídica que se defende pode ser chamada de ―inclusiva‖, por pleitear que se considere uma multiplicidade de perspectivas de estudo de direito, quando da construção de respostas aos problemas colocados, às quais se possa associar a qualidade da cientificidade, compatível com o caráter prático desses problemas e, consequentemente, também da ciência a eles pertinente.15

Pode-se comparar dentro desse espírito uma formulação oferecida por Half Dreier, a qual é retomada e aplicada, especificamente, da ―Teoria dos Direitos Fundamentais‖, por Robert Alexy. É por eles qualificada como ―tridimensional‖, onde temos uma dimensão analítica, outra empírica e uma normativa, no estudo dogmático do direito.16

Então a proposta é eleger o ―modelo Dreier - Alexy‖ como referencial, porém com modificações que a tornem compatível com ideias próprias em epistemologia jurídica anteriormente desenvolvidas.

No que se refere à dimensão analítica, assim se posiciona Guerra Filho17:

Na dimensão analítica estão colocados os estudos voltados para a construção e aperfeiçoamento de um sistema conceitual no âmbito jurídico, com os atributos de clareza e coerência, de maneira a corresponder cada vez melhor o objetivo, a que compete todo o trabalho científico. Para aqui convergem as relevantes contribuições do pensamento formalista, de origem alemã, notório já na elaboração do direito privado pela pandectística - Windscheid -, o primeiro Ihering no século XIX, por influência também de juspublicistas como Gerber, Laband, G. Jellinek e a Escola de Viena, formada em torno de Hans Kelsen, e do processualista da chamada ―época

14GUERRA FILHO, Willis Santiago. Do litisconsórcio necessário nas ações do Estado. 1986.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, p. 8.

15GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: RCS, 2005. p. 33-36.

16GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teorias tri e multidimensionais em epistemologia jurídica: o modelo Dreier – Alexy e o modelo integrativo polonês. Anais do IV Congresso Brasileiro de Filosofia do Direito.

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de construção científica‖, como Büllow, Köhler e Goldschimidt. Acrescente-se, ainda, uma tradição anglo-saxônica de pensamento analítico na esfera jurídica com Hobbes, destacando em Benthan e seu discípulo John Austin, com ―The Province of jurisprudence determined‖, a qual tem como grande representante na atualidade o autor de ―The Concept of Law‖ (1962), de Herbert Hart. E na obra desse último se tem já a influência contemporânea analítica, em destaque o nome de Ludwig Wittgenstein, como o mais representativo.

Correntes filosóficas contribuíram com uma abordagem analítica, como também aquisições contemporâneas no intuito de melhorar na formalização e expressão do pensamento jurídico, tais como a semiótica, a lógica deôntica, novas teorias da argumentação e do discurso prático, para ser incluídos para maior aperfeiçoamento da dimensão analítica de estudo do Direito. E é nela que se elabora, por exemplo, de maneira precisa, o conceito de direitos fundamentais, diferenciando-o de noções afins, da mesma forma como se elabora o conceito da norma jurídica que os consagra, que refere-se ao delineamento das situações jurídicas e titularidades subjetivas que decorrem de norma desse tipo, de sua especial posição no ordenamento jurídico e eficácia.

Quanto à ―dimensão empírica‖ da dogmática jurídica, segundo Robert Alexy, existem dois sentidos. O primeiro, enquanto se ocupa de um direito positivo, que é um dado objetivo, embora pertencente a uma ordem normativa do real, humanamente constituída. O segundo, quando se trata de empregar, na argumentação jurídica, premissas constatáveis empiricamente na realidade fática. E, ainda, na opinião de Willis Santiago Guerra Filho18:

Em seguida, declara só levar em conta, na elaboração da Teoria dos Direitos Fundamentais, a empiria no primeiro sentido, o qual seria o mesmo utilizado por Kant, quando distingue, na primeira parte da ―Metafisica dos Costumes‖ (1797), a ―Teoria apriorística do Direito‖ de uma ―doutrina meramente empírica do Direito‖, o que significa dizer, no primeiro caso, o estudo do fundamento de todo e qualquer Direito positivo, feito inquirindo a razão pura, abstraindo-se das formas históricas de manifestação do Direito. Aqui, em consonância com o projeto epistemológico esboçado já ao tempo da dissertação de mestrado penso que não devermos reduzir à ordem jurídica vigente em determinado país, numa certa época, a base empírica, que afinal vai se prestar à verificação ou negação das hipóteses levantadas para estudo e, assim, fornecer algo indispensável para credenciá-lo como científico. Compõem igualmente a empiria jurídica soluções dadas por ordens jurídicas e doutrinas de outras épocas e países, aos problemas colocados em face do Direito positivo estudado desde que se mostre com ele compatível.

18GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: RCS,

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A ―dimensão normativa‖ é aquela em que os estudos mais dependem do recurso à faculdade de crítica, exercida na avaliação do material positivo em seu mais amplo sentido, onde se incluem o discurso normativo oriundo não só do legislador, mas também de outros operadores jurídicos, especialmente aqueles integrantes do judiciário e os doutrinadores, havendo entre os proferimentos de ambos o que já se denominou, usando expressão originária da filosofia foucaultiana,

―unidade do discurso‖.

Nessa terceira dimensão, que seria melhor denominar de ―crítico-normativa‖, nota-se a assunção do componente axiológico, imanente ao Direito, e tão mais visível quando se lida com assunto como esse dos direitos fundamentais. É, portanto, o momento em que se há de lançar mão de uma metodologia como aquela proposta pela chamada ―jurisprudência das valorações‖:

Também a crítica da ideologia subjacente às construções legislativas, doutrinárias e judiciais deverá preocupar-nos quando da realização de estudos a esse nível, para o que se apresenta como adequado o paradigma científico desenvolvido a partir de Marx e outros teóricos socialistas, retomado com grande vigor mais recentemente, nas mais diversas paragens e, é de se ressaltar, que nessa dimensão da teoria dos direitos fundamentais ela se mostra também como uma doutrina, produto da razão prática, quando resolve o que Alexy denominou ―problemas de complementação e fundamentação‖ (Ergânzungs-und fundierungs problemen, loc. ult. cit, p. 25 e s.), por oferecer uma complementação do conteúdo e do sentido das normas, extremamente vagas e abstratas, que tratam da matéria dos direitos fundamentais no plano constitucional, bem como uma fundamentação racional dos juízos de valor necessários à sua aplicação.19

Revisando o anteriormente exposto, está-se tratando de um modelo de ciência jurídica anteriormente já mencionado, denominado ―Modelo Dreier - Alexy‖, o qual é considerado, por seus elaboradores principais, como multi ou tridimensional, e pode ser visto como uma tentativa de conciliar de modo produtivo as três principais correntes do pensamento jurídico, a saber, o positivismo normativista, o positivismo sociológico ou realismo, e o jusnaturalismo. Será feito um resumo dos seus aspectos essenciais, antes de prosseguir.

A primeira dimensão em que devem se realizar os estudos jurídicos é a chamada ―analítica‖, sendo aquela onde se modela o aparato conceitual a ser

19GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: RCS,

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empregado na investigação, num trabalho de distinção entre as diversas figuras e institutos jurídicos situados em nosso campo de estudo. Uma segunda dimensão é denominada ―empírica‖, por ser aquela em que se toma por objeto de estudo determinadas manifestações concretas do Direito, tal como aparecem não apenas em leis e normas do gênero, mas também e, principalmente, na jurisprudência. Finalmente, a terceira dimensão é a ―normativa‖, enquanto aquela em que a teoria assume o papel prático e deontológico que lhe está reservado no campo do Direito, tomando-se o que com maior propriedade se chamaria doutrina, por ser uma manifestação de poder, apoiada em um saber, com o compromisso de complementar e ampliar, de modo compatível com suas matrizes ideológicas, a ordem jurídica estudada.

1.3 Dimensões dos Direitos Fundamentais x Gerações de Direitos Fundamentais - Primeira a Quinta Gerações

O lema revolucionário do século XVIII, moldado pelo gênio político francês, experimentou em três princípios cardeais o completo conteúdo dos direitos fundamentais, antevendo inclusive, a sequência histórica de sua paulatina institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade.

Assim, descoberta a fórmula de generalização e universalidade, faltava tomar as direções que consentissem inserir na ordem jurídica positiva de cada ordenamento político os direitos e conteúdos materiais referentes àqueles postulados.

E dessa forma, aparecem direitos da primeira, da segunda e da terceira gerações, tais como, direitos da liberdade, da igualdade e da fraternidade, conforme tem sido amplamente destacado, com muita propriedade, por abalizados juristas.

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do status negativus da classificação de Georg Jellinek, fazendo também ressaltar na ordem dos valores políticos a clara separação entre a Sociedade e o Estado. E sem o reconhecimento dessa dicotomia, não se pode mensurar o real caráter antiestatal dos direitos da liberdade, como tem sido professado com tanto cuidado teórico pelas correntes do pensamento liberal de teor clássico.

São os direitos individuais que consagram as liberdades individuais impondo limitações ao poder de legislar do Estado. Necessariamente estão inseridos no texto constitucional e decorrem da evolução do direito natural, sofrendo decisiva influência dos ideais iluministas como se percebe no Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau, também conhecidos como direitos negativos ou direitos de defesa.

A segunda geração de direitos, da mesma forma que a primeira, foi inicialmente objeto de formulação especulativa em campos políticos e filosóficos que possuíam grande cunho ideológico. Dominaram o século XX assim como os de primeira geração dominaram o século XIX. Tiveram seu nascedouro nas reflexões ideológicas e no pensamento antiliberal desse século.

Proclamados nas declarações solenes das constituições marxistas20 e também na Constituição de Weimar21, os direitos de segunda geração exerceram um papel preponderante nas formulações constitucionais após a segunda guerra.

Cingidos ao princípio da igualdade, sendo esse a razão de ser daqueles, os direitos de segunda geração são considerados como sendo os direitos sociais,

20Constituições marxistas correspondem àquelas em que os países são definidos por uma forma de governo na qual o Estado governa sob um sistema unipartidário e declara fidelidade à ideologia Marxista-Leninista. De acordo com o Marxismo-Leninismo, as constituições desses países afirmam que todo o poder pertence à classe trabalhadora, que uma ditadura democrática do proletariado foi implementada dentro de suas fronteiras, e que eles estão construindo o socialismo, com o objetivo de alcançar o comunismo algum dia. Estados que atualmente declararam-se Marxistas-Leninistas: China - República Popular da China, desde 1° de outubro de 1949; Cuba - República de Cuba, desde 1º de janeiro de 1959; Laos - República Popular Democrática de Laos, desde 2 de dezembro de 1975; Coreia do Norte - República Popular Democrática da Coreia, desde 9 de setembro de 1948. Vietname - República Socialista do Vietnã, oficialmente no Vietnã unificado em 2 de julho de 1976, porém o Vietname do Norte é desde 1954. Wikipedia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_países_socialistas>. Acesso em: 24 mar. 2010.

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culturais, coletivos e econômicos, tendo sido inseridos nas constituições das diversas formas de Estados sociais.

Quando da declaração desses direitos, exigiram do Estado determinadas prestações impossíveis de serem concretizadas naquele dado momento e, dessa forma, com a juridicidade questionada, os direitos de segunda geração foram lançados como diretrizes, ou programas a serem cumpridos, ou seja, esses direitos foram remetidos à esfera programática.

São os direitos sociais, culturais e econômicos decorrentes dos direitos de primeira geração e exigindo do Estado uma postura mais ativa no sentido de possibilitar tais conquistas, sobretudo as decorrentes da regulamentação do direito do trabalho. Estão intrinsecamente ligados ao estatuto da igualdade, de sorte que se materializam através do trabalho, da assistência social e do amparo à criança e ao idoso. As normas constitucionais consagradoras desses direitos, que também são conhecidos como direitos positivos ou direitos de prestação, exigem do Estado uma atuação positiva, através de ações concretas desencadeadas para favorecer o indivíduo.

Quanto a esses direitos de segunda geração, salienta Paulo Bonavides22:

[...] atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. De tal sorte, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma.

Com o advento dos direitos fundamentais da segunda geração, os publicistas alemães, a partir de Carl Schmitt, descobriram também o aspecto objetivo, a garantia de valores e princípios com que proteger as instituições.

Os direitos sociais fizeram brotar a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica, dos direitos da liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e a valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e isolado,

(24)

sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda plenitude.

Descobria-se, assim, um novo conteúdo dos direitos fundamentais: as garantias institucionais. Porém, essa concepção de direitos fundamentais e que contém garantias institucionais deve ser recebida com cautela, pois a liberdade, ao contrário do que acontece com a propriedade, não é suscetível de ― institucionalizar-se‖ como garantia. Se isto ocorresse, destruída ficaria a natureza mesma desse direito, sem dúvida o mais clássico direito dos direitos a que o homem aspira. Foi o que judiciosamente assinalou Albert Bleckmann, analisando a fundamentação teórica dos direitos fundamentais.23

Graças a garantias institucionais, determinadas instituições recebem uma proteção especial, conforme disse Carl Schmitt, para resguardá-las da intervenção alteradora da parte do legislador ordinário. São, segundo o mesmo publicista, uma categoria de direitos fundamentais, direitos que não se confundem, porém, com os da liberdade, porquanto a estrutura dos mesmos é lógica e juridicamente outra. Demais, é da essência da garantia institucional a limitação, bem como a destinação a determinados fins e tarefas.24

Dessa forma, não resultou difícil a tarefa empreendida por aquele jurista de identificar, entre outras, as seguintes garantias institucionais: as que rodeiam o funcionalismo público, o magistério, a autonomia municipal, as confissões religiosas, a independência dos juízes, a exclusão de tribunais de exceção etc.

Não se pode confundir, no entanto, as garantias individuais institucionais com as ―garantias do instituto‖. Estas últimas, segundo Schmitt, ocorrem sempre em proveito de institutos jurídicos de direito privado: a propriedade, o direito sucessório, a família, o casamento. Sendo também garantias de direito constitucional, garantem relações jurídicas e complexos normativos típicos, tradicionalmente sólidos, ao passo que as garantias institucionais são pertinentes a instituições de direito público que compõem ―uma parte da administração de assuntos públicos‖.25

Proceda-se agora à análise dos direitos fundamentais de terceira geração.

23BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 564. 24Ibid., p. 566.

(25)

O mundo atual encontra-se dividido em blocos muito distintos. Seriam três blocos, especificamente. Enfatizando, um primeiro bloco representa os países desenvolvidos; num segundo bloco estão os países em busca de desenvolvimento e, por fim, representando o que seria um terceiro bloco, os países subdesenvolvidos.

Dividindo desse modo, torna-se mais fácil a percepção da desigualdade existente entre as nações. Guerras acontecem nesse dado momento que nem sabemos existir. Milhares de pessoas morrem todos os dias, vitimadas por guerras, doenças, pobreza, fome etc., sem que isso seja levado em consideração, ou, o que é pior, sem que ao menos se torne fato conhecido.

Os países desenvolvidos, com suas tecnologias de ponta, ameaçam - aguçando o pessimismo, quiçá o realismo - até a existência da própria humanidade.

É diante desse quadro que surgem os direitos de terceira geração (fraternidade ou solidariedade). São identificados como sendo o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.

São direitos fundamentais preocupados com o destino da humanidade, basicamente relacionados com a proteção do meio ambiente, o desenvolvimento econômico e a defesa do consumidor. Ligados a um profundo humanismo e ao ideal de uma sociedade mais justa e solidária, materializam-se na busca por um meio ambiente equilibrado, na autodeterminação dos povos, na consolidação da paz universal, etc. São decorrentes da própria organização social, sendo certo que é a partir dessa geração que surge a concepção que identifica a existência de valores que dizem respeito a uma categoria de pessoas consideradas em sua unidade e não na fragmentação individual de seus componentes isoladamente considerados. Inequívoca a contribuição dessa geração para o surgimento de uma consciência jurídica de grupo e consequentemente o redimensionamento da liberdade de associação e de outros direitos coletivos, também conhecidos como direitos transindividuais homogêneos, metaindividuais ou difusos.

Tecendo comentários sobre a terceira geração de direitos, Norberto Bobbio26 comenta que ―os direitos de terceira geração se tratam, sobretudo, de direitos cujos

(26)

sujeitos não são os indivíduos, mas sim, os grupos de indivíduos, grupos humanos como a família, o povo, a nação e a própria humanidade‖.

Reconhecidos esses direitos de terceira geração, tendo seu gênero como sendo a solidariedade ou fraternidade, seu desenvolvimento se exprime de três maneiras:

1) O dever de todo Estado particular de levar em conta, nos seus atos, os interesses de outros Estados (ou de seus súditos);

2) Ajuda recíproca (bilateral ou multilateral), de caráter financeiro ou de outra natureza para a superação das dificuldades econômicas (inclusive coauxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferências de comércio em favor desses países, a fim de liquidar déficits);

3) Uma coordenação sistemática de política econômica.

Ante essas considerações, o que resta é lutar e acreditar, para tornar possível e viável o desenvolvimento dos direitos de terceira geração.

Lançadas as bases por Paulo Bonavides27, tem-se que ―a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social‖.

Segundo ele, os direitos da quarta geração consistem no direito à democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a materialização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo quedar-se no plano de todas as afinidades e relações de coexistência.

São direitos, de quarta geração, os relativos à manipulação genética, relacionados à biotecnologia e à bioengenharia, tratando de discussões sobre a vida e a morte, pressupondo sempre um debate ético prévio. Sua consolidação é irreversível, sendo certo que, através deles, se estabelecem os alicerces jurídicos dos avanços tecnológicos e seus limites constitucionais. Essa geração se ocupa do redimensionamento de conceitos e limites biotecnológicos, rompendo, a cada nova incursão científica, paradigmas e, por fim, operando mudanças significativas no

(27)

modo de vida de toda a humanidade. Urge a necessidade de seu reconhecimento para que não fique o mundo jurídico apartado da evolução científica.

Enquanto direito de quarta geração, a democracia positivada há de ser, necessariamente, uma democracia direta, que se torna a cada dia mais possível, graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, e sustentada legitimamente pela informação correta e aberturas pluralistas do sistema.

É de se lembrar, também, que deve ser uma democracia isenta, livre das contaminações, vícios e perversões da mórbida mídia que manipula.

No que se refere à terminologia - alvo de discussão quando cuidamos das dimensões dos direitos - salienta Paulo Bonavides que28:

Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo ‗dimensão‘ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‗geração‘, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem - sem, todavia, removê-la - a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração.

E continua, dizendo que ―tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico‖.

Assim, pode-se partir para a assertiva de que os direitos da segunda, terceira e quarta geração não se interpretam, mas sim, concretizam-se. E é no seio dessa materialização, dessa solidificação, que se encontra o futuro da globalização política, o início de sua legitimidade e a força que funde os seus valores de libertação.

(28)

Enfim, conforme enfatiza Paulo Bonavides29: ―os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política‖.

Os direitos de quinta geração representam os direitos advindos da realidade virtual, demonstrando a preocupação do sistema constitucional com a difusão e desenvolvimento da cibernética na atualidade, envolvendo a internacionalização da jurisdição constitucional em virtude do rompimento das fronteiras físicas através da

―grande rede‖. Os conflitos bélicos cada vez mais frequentes entre o Ocidente e o Oriente explicam o quão urgente é a regulamentação de tais direitos. A verdade é que, a pretexto de integrar, a Internet acaba por servir ao propósito daqueles que pretendem destruir indiscriminadamente a cultura do Oriente e do Ocidente, promovendo uma uniformização dos padrões comportamentais norte-americanos em todo o planeta.

Por outro lado, contra isso se levantam vozes nem sempre pacificadoras no Oriente e os conflitos só tendem a piorar. É fato incontestável que na sociedade moderna o grau de agressividade em virtude de relações cada vez mais globalizadas acaba repercutindo nas outras gerações de direitos, levando, por exemplo, ao aniquilamento de qualquer tentativa de efetivação dos direitos de primeira geração; a total impossibilidade de se implantar os de segunda; a uma visão demagógica dos de terceira; e a total indiferença com os de quarta geração.

Torna-se, portanto, impostergável o reconhecimento jurídico efetivo dos direitos de quinta geração, cabendo aos operadores do Direito a busca de um caminho harmônico para sua implantação e regulamentação internacional, respeitando as salutares diferenças de crenças e etnias que só ajudarão a colorir o mundo de paz.

Vencidas as colocações pertinentes às ―gerações‖ dos direitos fundamentais, veja-se as ―dimensões‖ dos direitos fundamentais.

Tomando inicialmente a dimensão analítica, em que se há de elaborar precisamentos conceituais, em trabalho verdadeiramente construtivista, defronta-se com a possibilidade - que logo se revela, igualmente, uma necessidade teórica - de

(29)

situar os direitos fundamentais em várias dimensões, quando, então, assumem conotações e uma diversidade tal que torna-se recomendável distingui-las, nomeando-as diferentemente.

Uma primeira dessas distinções é aquela entre ―direitos fundamentais‖ e

―direitos humanos‖. De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, é necessário distingui-los, enquanto manifestações positivas do Direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas eticopolíticas, ―direitos morais‖, situados em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas, especialmente aquelas de direito interno:

Já no âmbito do próprio direito interno, há que se distinguir direitos fundamentais dos ―direitos de personalidade‖, por serem esses direitos que se manifestam em uma dimensão privatista, onde também se manifestam os direitos fundamentais, mas de forma indireta, reflexa, como mostra a doutrina alemã da eficácia perante terceiros (Drittwirkung) desses direitos.30

E, ainda:

Já numa dimensão publicista, não há que se confundir direitos fundamentais com ―direitos subjetivos públicos‖, pois se os primeiros são direitos que os sujeitos gozam perante o Estado, sendo, portanto, nesse sentido, direitos subjetivos públicos, não há aí uma relação biunívoca, já que nem todo direito subjetivo público é direito com a estatura constitucional de um direito fundamental. Além disso, e o que é mais importante, como ensina KONRAD HESSE,não têm apenas uma dimensão subjetiva, mas também, uma outra, objetiva, donde se falar em seu ―duplo caráter‖, preconizando-se a figura do status como mais adequada do que a do direito subjetivo para categorizá-los. A dimensão objetiva é aquela onde os direitos fundamentais se mostram como princípios conformadores do modo como o Estado que os consagra deve organizar-se e atuar. Enquanto situação jurídica subjetiva o status seria a mais adequada dessas figuras porque é aquela donde ―brotam‖ as demais, condicionando-as.31

Na abalizada opinião de Willis Santiago Guerra Filho, ao invés de ―gerações‖

é melhor se falar em ―dimensões de direitos fundamentais‖. Nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Mais importante é que os direitos ―gestados‖ em

30GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: RCS, 2005. p. 44-45.

(30)

uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada - e, consequentemente, também para melhor realizá-los. Assim, por exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.

Não obstante as formas que acima foram expostas, há doutrinadores, tal como José Afonso da Silva, que estudam e classificam os direitos fundamentais da mesma forma consagrada pela Constituição, onde se tem ordenados os direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos sociais, os direitos de nacionalidade, de cidadania (direitos políticos) e, por fim, as garantias constitucionais.

Percebe-se, assim, que não se preocuparam em classificá-los como sendo dimensões ou gerações de direitos. Preocuparam-se, sim, em estudá-los e classificá-los individualmente, abordando um a um, de acordo com as disposições de nossa Lei Maior.

1.4 A posição de Carl Schmitt no tocante aos direitos fundamentais

Não obstante as formas variadas em que são classificados, Carl Schmitt, por sua vez, estuda os direitos fundamentais estabelecendo dois critérios formais e um critério material de caracterização. Dessa feita, pelo primeiro critério formal, podem ser indicados como direitos fundamentais todos os direitos e garantias explicitados e alcunhados no documento constitucional. Já pelo segundo critério formal os direitos fundamentais são aqueles que recebem da constituição um grau mais elevado de proteção, ou segurança, ou pelo menos de alteração dificultada.

Do ponto de vista material, Schmitt entende que os direitos fundamentais variam de Estado para Estado, dependendo de sua ideologia, de sua forma, ou seja, cada Estado com sua especificidade de direitos. Assim, como pondera Paulo Bonavides32:

(31)

[...] vinculando os direitos fundamentais propriamente ditos a uma concepção de Estado de Direito Liberal, sem levar em conta a possibilidade de fazer-se, como se fez, desses direitos primeiro uma abstração e, a seguir, uma concretização, independente da modalidade de Estado e ideologia, em ordem a torná-los compatíveis com o sentido de sua universalidade, Carl Schmitt, nas considerações sobre o assunto, retrata com inteira exatidão o caráter de tais direitos enquanto direitos da primeira geração.

Pelas próprias palavras de Carl Schmitt, percebe-se com facilidade o que fora ensinado por Paulo Bonavides, pois o professor alemão diz o seguinte33:

O autêntico direito fundamental do indivíduo é sempre absoluto, e corresponde ao princípio de distribuição do Estado de Direito, segundo o qual a liberdade do indivíduo é ilimitada em princípio, e a faculdade do Estado limitada em princípio. Dessas condições de absoluto e de ilimitado em princípio não se segue a impossibilidade absoluta de ingerências e limitações. Mas estas aparecem como exceção e certamente como uma exceção calculável, mensurável e controlável como regra ao suposto e contido. Por isso, não podem ter lugar senão a base de leis, entendendo por Lei, no conceito próprio do Estado de Direito, como uma norma geral, e não como qualquer ato particular do Rei e do corpo legislativo, realizado em forma de lei. O direito fundamental e de liberdade se encontra, pois, sob a salvaguarda da lei.

Ressalte-se, também, a existência de doutrinadores que não estudam os direitos fundamentais no âmbito da dimensão e nem da geração. É o caso de José Afonso da Silva, que classifica e estuda os direitos fundamentais em cinco grupos de acordo com a norma positiva, e também Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins, estudando os direitos da forma em que eles se encontram positivados em nossa Lei Maior.

1.5 A ética e o direito fundamental

Diversamente da Constituição brasileira, a italiana consagra um título específico para tratar das relações ético-sociais. Todavia, note-se que princípios de essência originalmente ética foram insertos no preâmbulo da Carta da República de 1988, exatamente no Título I, que trata dos princípios fundamentais. E, aqui, é necessário abrir um pequeno parêntese para entender o que é ―princípio‖, antes mesmo de falar sobre princípios fundamentais, inclusive porque será tratado também, no próximo capítulo, do ―princípio da proporcionalidade‖.

33SCHMITT, Carl. La Defensa de la Constituicion. Tradução de Manoel Sanches Sarto. Madri:

(32)

Márcia Cristina de Souza Alvim com clareza ensina34:

Princípio é a base fundamental de demonstração de algo em qualquer ciência, natural ou humana, seja esta jurídica ou não. Os princípios são simultaneamente considerados autônomos e valorativos. Autônomos porque, sendo base de idéias que sustentam a experiência humana, não dependem de outras idéias, possuem vida própria. Valorativos porque contêm idéias de valor significativo, podendo exprimir verdades universais. Podemos ainda acrescentar: princípio é toda norma jurídica considerada determinante, a quem outras normas estão subordinadas. O fato de possuir alto grau de indeterminação deriva de seu caráter mais genérico, e da posição hierárquica superior que ocupa dentro do ordenamento jurídico. A função derivada dos princípios é fundamental no sistema jurídico. Eles constituem a base de aplicabilidade das normas aos casos concretos. Os princípios proporcionam equilíbrio ao sistema jurídico. Ocupam posição no ápice da pirâmide normativa e são considerados a norma das normas, e também a fonte das fontes. Por constituírem os princípios jurídicos a base do ordenamento legal, não podemos conceber a existência de normas que com eles colidam. Os princípios são, na verdade, os fundamentos de uma sucessão de outras normas.

Vale salientar, ainda, a opinião de Alvim no que concerne ao reconhecimento das dificuldades da distinção entre princípios e regras, aduzindo alguns questionamentos que elucidam a questão. Propõe duas indagações: ―Qual a função dos princípios? Possuem função argumentativa ou são normas de conduta?‖ Nas suas palavras ―os princípios podem exercer função argumentativa ou podem identificar normas que não são expressas por qualquer lei, possibilitando àqueles que devem aplicar a lei ao caso concreto o desenvolvimento, a integração e complementação do direito‖.35

Os princípios fundamentais, portanto, consistem na liberdade, igualdade e justiça: valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, com fulcro na harmonia social. Para tanto, cumpre destacar a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais, a eliminação dos preconceitos e de qualquer forma de descriminação.

No entanto, sob enfoque jurídico-constitucional, mostra-se sem técnica o método de atribuir a tais princípios a natureza meramente ética, tendo em vista que,

34ALVIM, Márcia Cristina de Souza. Ensino do Direito: o conceito de educação com fundamento no Art. 205 da Constituição Federal. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro Universitário UNIFIEO, Osasco, 2006.

(33)

conquanto tenham na origem esse perfil, após a positivação assumem a conotação preponderante de princípio constitucional, como bem ensina José Renato Nalini36:

A solene dicção dos direitos e garantias fundamentais guarda verdadeira identidade com os preceitos éticos. Antes de serem positivados, são deveres éticos assegurar-se a igualdade de todos, a não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, a liberdade do pensamento, o direito de resposta, a inviolabilidade da liberdade de consciência e todos os demais, naquele longo e casuístico rol.

A Constituição de 1988, assim, contempla em inúmeros dispositivos temas de conteúdo originário meramente morais e éticos que, nela insertos, assumem status de princípios constitucionais, embora, à obviedade, tenham fonte ético-moral.

1.6 O direito à paz como direito de quinta geração

A concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica configura um dos mais notáveis progressos já alcançados pela teoria dos direitos fundamentais.

Karel Vasak, o grande precursor, ao inseri-lo no rol dos direitos da fraternidade, de terceira geração, o fez, no entanto, de maneira incompleta, teoricamente lacunoso, não desenvolvendo as razões que o elevam à categoria de norma. Principalmente aquelas que lhe conferem relevância pela necessidade de caracterizar, encabeçar e polarizar toda uma nova geração de direitos fundamentais, como era mister ter sido feito. E talvez face a essa ligeira e também superficial menção, perdida entre os direitos fundamentais da terceira dimensão, o direito à paz caiu em um esquecimento injusto.37

Porém, pelo oportunismo histórico e por sua originalidade criativa e inovadora, o memorável artigo em prol de uma terceira geração de direitos do homem teve ressonância universal.

36NALINI, José Renato. Usina de injustiças. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. A2, 18 jun. 2008. 37Karel Vasak nasceu na Checoslováquia e, mais tarde mudou-se para França para estudar Direito.

(34)

O abalizado publicista da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) assinala, naquele estudo: ―a emergência da paz como norma jurídica‖, enunciado que por si só representava, indubitavelmente, um largo passo avante. Mas não foi assim percebido ou conscientizado sequer pelo próprio autor.38

Karel Vasak refere que essa emergência começou a ocorrer com a expedição de dois documentos históricos.

O primeiro documento foi a Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a preparação das sociedades para viver em paz, constante da célebre Resolução 33/1973, aprovada na 85ª Sessão Plenária da Assembleia Geral de 15.12.1978.39

Na referida resolução a Assembleia Geral da ONU decreta que ―toda nação e todo ser humano, independente de ração, convicções ou sexo, tem o direito imanente de viver em paz, ao mesmo passo que propugna o respeito a esse direito no interesse de toda a Humanidade‖.

Nas palavras de Paulo Bonavides40: ―O direito à paz é concebido ao pé da letra qual direito imanente à vida, sendo condição indispensável ao progresso de todas as nações, grandes e pequenas, em todas as esferas‖.

A resolução anteriormente mencionada, referindo a necessidade de reconhecimento do direito à paz, recorda dois instrumentos de consenso internacional que ela toma por base de apoio: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10.12.194841, e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 16.12.1966.42

38BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 580.

39III. Resolutions adopted on the reports of the First Committee. Disponível em: <http://www.un.org/documents/ga/res/33/ares33r73.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2010.

40BONAVIDES, op. cit., p. 580, nota 38.

41Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10.12.1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 14 mar. 2010.

(35)

O segundo documento é da Organização para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina (OPANAL) acerca da paz como direito do homem, conforme consta da não menos significativa Resolução 128 (VI), de 27.04.1979.43

A resolução aprovada pela OPANAL durante a Conferência Geral celebrada em Quito, no Equador, diz que compartilha o critério adotado na Resolução 22/1973 da Assembleia Geral ONU, de 18.12.1978, no sentido de que todas as pessoas, os Estados e a humanidade têm direito a viver em paz.44

Da mesma maneira, pede que a resolução por ela adotada seja levada ao conhecimento de Secretário-Geral das Nações Unidas e do Diretor-Geral da UNESCO, ―com expressão da vontade dos Estados que firmaram o Tratado de Tratelolco de reconhecer, afirmar e garantir o direito à paz de seus países e de todas as pessoas que habitam em seus territórios‖.45

Por fim, é de se destacar a Declaração de Direito dos Povos à Paz, contida na Resolução 39, da ONU, de 12.11.1984.

A Declaração proclama solenemente que os povos de nosso Planeta têm direito sagrado à paz‖. E, empregando a mesma linguagem solene, acrescenta que

―proteger o direito dos povos à paz e fomentar sua realização é obrigação fundamental do Estado‖.

1.6.1 O reconhecimento da paz como direito na doutrina e na jurisprudência

Não constituiu tarefa fácil reconhecer, admitir e proclamar a natureza jurídica da paz, em sede teórica, como um conceito definido, autônomo, infenso a objeções porventura suscitadas.

O constitucionalista uruguaio Héctor Gross Espiell disso teve ciência e consciência quando colocou em reflexão, a respeito desse direito, algumas dificuldades com as quais se depara o jurista:

O direito à paz [...] é um direito mais complexo e que apresenta mais interrogações aos juristas. Por quê? Porque hoje em dia se tem buscado

43BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 125. 44Ibid., p. 126.

(36)

conceituar o direito à paz como um direito do qual podem ser titulares, segundo os diferentes casos ou situações, os Estados, os povos, os indivíduos e a Humanidade. De tal modo que se tem podido dizer, como fez Petiti, que como direito individual tem efeitos internos e internacionais e como direito coletivo também os têm.46

No que tange à doutrina, o contributo a respeito do direito à paz tem sido deveras escasso, consideravelmente aquém da importância que se lhe deve conceder.

Isso vem ocorrendo desde a publicação do artigo de Karel Vasak, o formulador da cognominada ―terceira geração‖ de direitos fundamentais, como já amplamente citado no corpo desse estudo.

No tocante à jurisprudência, o direito à paz, como bem acentua Nestor Pedro Sagüés, já figurou numa sentença da Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça da República da Costa Rica proferida em 08.09.2004.47

Naquela ocasião o Tribunal declarou inconstitucional o ato executivo de ingresso daquela República na coligação de Estados que, debaixo da liderança dos Estados Unidos, se propunham a intervir no Iraque caso o governo desse país não cumprisse as resoluções da ONU pertinentes à proibição de armas estratégicas supostamente depositadas no território iraquiano pelo regime de Sadam Hussein.

O arresto é também de suma importância em matéria de jurisprudência constitucional, porquanto se afasta da célebre e clássica doutrina de John Marshall, juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos, o qual mantinha arredadas da esfera de sindicabilidade as questões políticas, salvo aquelas que porventura implicassem violação ou quebrantamento de direitos fundamentais, como bem assinalou Rui Barbosa.48

Porém, o interesse maior a respeito da decisão da Corte da Costa Rica entende como um dos fundamentos do acórdão, a saber, o direito à paz, reconhecido e aplicado como direito positivo. Admirável passo este que colocou a

46ESPIELL, Héctor Gross. El derecho a la paz. In: ______. Derechos humanos y vida internacional. Montevidéo:UNAM y CNDH, 2006. p. 125-126.

47SAGÜÉS, Néstor Pedro. Constitución y sociedad: la revisión de lãs cuestiones políticas no justiciables (a propósito de la Coalición contra Iraq). Revista Latino-Americana de Estudos

Constitucionais, n. 8, Fortaleza, 2007.

(37)

paz fora das esferas abstratas e programáticas e a introduziu num direito constitucional que tem vida e realidade e concretude!

A seguir, as palavras de Nestor Sagüés, presidente da Associação Argentina de Direito Constitucional, como se houve a Sala Constitucional costarriquenha ao aplicar aquele direito49:

Paralelamente, a Sala detecta a presença, nestas ações, do direito à paz, a que reconhece a condição de direito da terceira geração, do qual dá legitimidade a qualquer costarriquenho para defendê-lo. O Tribunal entende que se trata de um direito que diz respeito à coletividade em seu conjunto, como o atinente ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, à defesa da integridade territorial do país e ao bom manejo do gasto público, e, por fim, segundo o Art. 75, parágrafo 2º, da Lei de Jurisdição Constitucional (que em Costa Rica equivale a um código de processo constitucional), se reconhece legitimação processual a qualquer cidadão do país.

Até o Congresso Internacional Ibero-Americano de Direito Constitucional de 2006, celebrado em Curitiba, Paraná, a paz, nas considerações teóricas da literatura jurídica e nomeadamente da ciência constitucional contemporânea, como já visto anteriormente, era um direito quase desconhecido.

1.6.2 A visualização da paz enquanto direito de quinta geração

Nas palavras do ilustre Paulo Bonavides50:

Karel Vasak o classificara entre os direitos da fraternidade, fazendo avultar, acima de todos, o direito ao desenvolvimento, o mais característico, portanto, em representar os direitos de terceira geração. Tão característico e idôneo quanto a liberdade o fora em relação aos da primeira geração, a igualdade aos da segunda, a democracia aos da quarta, e doravante a paz há de ser com respeito aos da quinta.

Por fim, o direito à paz deixa a obscuridade a que ficara relegado para galgar um degrau superior, onde, cabeça de uma geração de direitos humanos fundamentais, sua visibilidade fica muito maior, colocando-se, portanto, em lugar de destaque.

No passado, a Europa e a América do século XIX testemunharam o início da era constitucional, na Idade Moderna, em termos de universalismo.

49SAGÜÉS, Néstor Pedro. Constitución y sociedad: la revisión de lãs cuestiones políticas no justiciables (a propósito de la Coalición contra Iraq). Revista Latino-Americana de Estudos

Constitucionais, n. 8, Fortaleza, 2007.

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