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MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

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Thais Maria Riedel de Resende Zuba

O Direito à Seguridade Social na Constituição de 1988 e o

Princípio da Vedação do Retrocesso

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

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Thais Maria Riedel de Resende Zuba

O Direito à Seguridade Social na Constituição de 1988 e o

Princípio da Vedação do Retrocesso

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca

E-xaminadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como

exigên-cia parexigên-cial para obtenção do título de

MESTRE em Direito das Relações

Sociais, sob a orientação do Professor

Doutor Wagner Balera.

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela sua proteção.

Ao meu prezado orientador, Wagner Balera, exemplo de

profissionalis-mo e dedicação à causa previdenciária, agradeço pelos inestimáveis

ensinamentos.

Aos meus colegas da Advocacia Riedel, agradeço por todo o apoio para

a realização do Mestrado.

Às amigas Cris e Neida, a minha gratidão pela revisão técnica.

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A presente dissertação versa sobre a aplicação do princípio da vedação do retrocesso no direito previdenciário pátrio. Esse objetivo relaciona-se com o prin-cípio da segurança jurídica no que diz respeito à proibição de uma lei posterior ex-tinguir ou restringir um direito ou garantia, especialmente de cunho social, sob pena de promover retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição.

O desenvolvimento histórico-legislativo da sociedade culminou na consti-tucionalização dos direitos sociais e, sob o primado dos direitos humanos fundamen-tais, coube aos Estados modernos respeitá-los em seus ordenamentos internos.

O direito previdenciário é caracterizado como direito social, incluso no ar-tigo 6º da Constituição Federal de 1988, dentro do capítulo “Dos Direitos Sociais” e inserido no título relativo aos “Direitos e Garantias Fundamentais”.

No entanto, o Sistema de Seguridade Social, instrumento de proteção da sociedade quanto ao risco social, previsto pelo constituinte, vem sendo alvo de re-formas restritivas de direitos, o que se insurge como afronta ao princípio objeto do estudo.

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This dissertation talks about the application of the principle of non-retroactivity in the native social security right. This subject is related to the principle of the legal security regarding the ban on a subsequent law to extinguish or restrict rights or guarantees, especially social ones, which could promote retrocession, ab-olishing a right established by the Constitution.

The historic-legislative development of the society culminated with the es-tablishment of the social rights and, under the distinction of the fundamental human rights, it was up to the modern Estates to respect them in accordance with their own set of laws.

The social security right is defined as a social right, mentioned as the sixth article of the Federal Constitution of 1988, in the chapter "Social Rights" and inserted under the title "Fundamental Rights and G uarantees".

However, the social security system - instrument of protection of the socie-ty regarding the social risk established by the constituents - has been target of re-strictive reforms of rights, what appears as an insult to the very principle that is being reviewed by this paper.

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INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO 1. HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS E DA SEGURIDADE SO-CIAL ... 12

1.1 Origem e evolução da proteção dos direitos humanos ... 12

1.2 Constitucionalização dos Direitos Sociais ... 23

1.3 Origem e desenvolvimento da Proteção do Risco Social ... 26

1.4 Evolução histórica da Seguridade Social no Brasil ... 39

CAPÍTULO 2. A SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – BREVE ANÁLISE... 46

2.1 A Seguridade Social na Constituição de 1988 ... 46

2.1.1. Assistência Social ... 53

2.1.2. Saúde ... 58

2.1.3. Previdência Social ... 63

2.2 Princípios Constitucionais da Seguridade Social ... 65

2.2.1.Princípio da universalidade de cobertura e do atendimento ... 67

2.2.2.Princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais ... 69

2.2.3.Princípio de seletividade e distributividade ... 71

2.2.4.Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios ... 73

2.2.5. Princípio da equidade na forma de participação no custeio ... 74

2.2.6. Princípio da diversidade da base de financiamento ... 75

2.2.7. Princípio do caráter democrático e descentralizado da gestão do sistema ... 78

2.2.8. Princípio ou Regra da Contrapartida ... 79

2.3 Custeio da Seguridade Social ... 80

2.4 Regimes Previdenciários ... 83

2.4.1 Regime Geral da Previdência Social ... 84

2.4.2 Regime Próprio de Previdência Social ... 89

(9)

2.5.1 Emenda Constitucional nº. 20 de 1998 ... 100

2.5.2 Emenda Constitucional nº. 41 de 2003 ... 102

2.5.3 Emenda Constitucional nº. 47 de 2005 ... 104

CAPÍTULO 3. O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO E A SEGURIDADE SOCIAL ... 105

3.1 Origem do Princípio da Vedação do Retrocesso ... 105

3.2 Princípio da Vedação do Retrocesso – características ... 112

3.3 Aplicabilidade do Princípio da Vedação do Retrocesso no Direito Previdenciário – visão doutrinária e jurisprudencial ... 119

3.4 Princípio da Vedação do Retrocesso e o Risco Social – visão crítica quanto às Reformas Previdenciárias ... 125

CONCLUSÕES ... 136

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 139

(10)

INTRODUÇÃO

A presente tese utiliza o método histórico e o positivo-sistemático de pesquisa. Desse modo, procura-se selecionar as fontes através do método positivo, pela apreensão sobre o termo normativo, e sua análise histórica e sistemática, em que se busca observar a evolução da lei, e sua interpretação, com auxílio da doutrina, dentro do sistema como um todo, para, ao fim, adentrar num teste empírico dialético, na realidade, com a análise da jurisprudência pátria sobre o tema.

Esse estudo objetiva verificar a aplicabilidade do Princípio da Vedação do Retrocesso no Direito Previdenciário. Para tanto, mister a análise histórica da evolução dos direitos sociais que foram incluídos no rol de direitos fundamentais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Isso significou um grande avanço no constitucionalismo pátrio que buscou seguir as mesmas diretrizes de outros países democráticos do mundo, com a constitucionalização de seu sistema sócio-político-normativo.

No capítulo primeiro verifica-se a origem e evolução dos direitos humanos, que gerou um processo de constitucionalização dos direitos sociais, dentre os quais o direito previdenciário alcançou esse patamar, especificamente no artigo 6º da Lei Maior. Como desenvolvimento da noção da proteção do risco, o direito previdenciário aparece no cenário jurídico mundial, inicialmente, numa técnica de previsão individual, e, posteriormente, coletiva, para determinados grupos, sob a forma de seguro. Paulatinamente, amplia-se a proteção para o risco social, em que o Estado passa a ser ator propulsor do bem-estar social e a formar o seguro social, com a coparticipação da sociedade. Observa-se, nessa primeira parte da monografia, uma evolução história da legislação previdenciária no Brasil, e a influência exercida pelo cenário mundial na mesma, com a formação do Sistema de Seguridade Social.

(11)

previdência social, bem como as reformas constitucionais recentes em matéria previdenciária.

No desenvolvimento do terceiro capítulo desse estudo, aponta-se a construção do princípio constitucional da vedação do retrocesso e sua aplicabilidade no direito previdenciário. O trabalho enfrenta sua criação, construção, características e o reconhecimento doutrinário e jurisprudencial, embora seja ainda tímida a sua representação no cenário do Judiciário brasileiro.

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1 HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS E DA SEGURIDADE SOCIAL

1.1 Origem e evolução da proteção dos Direitos Humanos

A Previdência Social, hoje constitucionalmente concebida como um direito social, é fruto de toda uma evolução dentro dos direitos humanos. Daí a necessidade de se fazer uma análise da origem e do desenvolvimento dos direitos fundamentais, conquistados ao longo da história da humanidade.

Desde a democracia ateniense até ser proclamada a Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, a sociedade humana convivia sem um ordenamento jurídico comum, capaz de proteger e garantir o reconhecimento da igualdade e da liberdade do Homem então trazidas durante o período axial da História.

Comparato1 explica que a questão sobre o homem e sua eminente posição no mundo surgiu sucessivamente na religião, na filosofia e na ciência. Mas foi no período axial, entre 600 e 480 AC, que o ser humano passa a ser considerado, pela primeira vez na história, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, lançando os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais a ela inerentes.

Na democracia ateniense restaram fundados princípios nos quais a preeminência da lei e da participação ativa do cidadão nas funções de governo estavam acima das vontades dos governantes. O poder dos governantes foi estritamente limitado, não só pela soberania das leis, mas também pelas instituições formadas pela cidadania ativa que entregava ao povo o poder de governar-se a si próprio.

1

(13)

Sobre esse período histórico, Canotilho2 lembra que a sociedade

ateniense obedeceu a paradigmas e aos arquétipos políticos radicalmente distintos dos de uma República. Pois essa era ajustada numa pluralidade de “igualdades

-desiguais”, fechadas, hierarquizantes e vergadas à transcendência cosmológica,

diversamente à República “cosmopolita”, universalista, aberta à acção e à participação de todos os cidadãos (“dos homens às mulheres, dos sábios aos iletrados, dos possidentes aos homens do povo”) nos assuntos da „res publica‟.

Um “governo moderado” surgiu posteriormente na já então República Romana. O historiador grego Políbio já afirmava, conforme demonstra Comparato3, que o gênio inventivo romano consistiu em combinar, numa mesma constituição de natureza mista, os três regimes: monarquia, aristocracia e democracia.

Fator de suma relevância, explica Comparato4, foi a lei escrita, como regra geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada (no aspecto religioso pelos judeus, e no político pelos gregos). Destaca-se também a influência da filosofia estoica com o conceito de unidade moral do ser humano e a dignidade do homem considerado filho de Zeus, lançando os conceitos de hypóstasis (correlato à substância, ou seja, o substrato ou suporte individual) e de prósopon (relacionada à máscara, o personagem que possui um papel a desempenhar na sociedade). O cristianismo desenvolve os conceitos da filosofia grega com a mensagem evangélica de uma igualdade de todos os seres humanos no plano divino, apesar de suas múltiplas diferenças individuais e grupais.

Porém, a Idade Média então surge e expulsa o Homem do “seu posto”,

como ilustra com propriedade Corrêa5. Através das palavras de Bartoli, citadas por

Corrêa, explicita-se o enfraquecimento do poder político e econômico, além do evidente desprezo ao Homem, no período medieval avançado:

A Idade Média não pensa; não tem senão um único espírito predominante, o do além-mundo, que a preocupa, a absorve, a aterroriza e a inebria. Daqui toda aquela literatura teológica, ascética,

2

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 1. ed. brasileira. São Paulo: RT, 2008, p. 32.

3COMPARATO, op. cit., p. 42. 4Ibidem, p. 11-16.

5

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lendária, a qual não tem outro valor senão o de documento histórico. Mas, com o Século XI, depois de, por assim dizer, se houver refeito dos terrores do fim do mundo, parece que o homem retoma, ao mesmo tempo, a posse da terra e de si próprio; parece que a vida volta a se lhe apresentar como alguma coisa que merece ser amada por si mesma; parece que seus olhos começam a cansar-se de contemplar o alto, a esfera celeste, o além-mundo, e que, ao contrário, ele volta a olhar em torno de si aquilo que o circunda, aquilo que pode agradar-lhe e ser-lhe útil. É este o primeiro golpe assestado ao medievalismo, cujo caráter essencial é a preocupação com o além-túmulo e todo o inevitável cortejo dos milagres, dos anjos, dos demônios. O mundo, a natureza, o homem retomam seu posto, o posto que tinham na antiguidade, e do qual o expulsou a Idade Média.6

A partir do século XI, com a instauração do feudalismo, surge na Europa um movimento para uma reconstrução de sua política perdida. Uma disputa pela hegemonia sobre todo o território europeu é travada entre o imperador e o papa. Os reis passam a reivindicar para as suas coroas poderes e prerrogativas que, até então, pertenciam de direito à nobreza e ao clero. Contra os abusos dessa reconstrução do poder surgiram as primeiras manifestações de garantia ao valor da liberdade, embrião dos direitos humanos: na península ibérica, com a Declaração das Cortes de Leão de 1188; e, posteriormente, na Inglaterra, com a Magna Carta de 12157.

Nos dois séculos que sucederam a Idade Média, a Europa conviveu com a exacerbação da concentração do poder, culminado em uma realidade na qual reinava a monarquia absoluta. O valor da harmonia social e a lembrança das declarações da Magna Carta reavivaram a consciência dos ingleses para o perigo do poder absoluto, tanto da realeza quanto da ditadura republicana. Dessa “crise de consciência” da Europa, ressurgiu na Inglaterra o sentimento de liberdade, que outrora fora alimentado pela resistência à tirania.

Na busca de uma harmonia social, foram instituídas na Inglaterra, no final do século XVII, liberdades pessoais por meio do habeas corpus (1679) e o Bill of Rights (1689). Tais instrumentos não beneficiavam indistintamente todos os súditos, mas preferencialmente o clero e a nobreza. Porém a garantia dessas liberdades foi estendida à burguesia rica, pela sua formulação mais aberta e abstrata do que o

6

BARTORI, Adolfo. Os Precursores do Renascimento. Apud. CORRÊA, 1994, p. 41. 7

(15)

texto da Magna Carta de 1215. De forma ser possível afirmar que [...] sem esse novo estatuto das liberdades civis e políticas, o capitalismo industrial dos séculos seguintes dificilmente teria prosperado”8.

Na construção do paradigma republicano, explica Canotilho9, o esvaziamento dos fins do Estado, ligados ao Estado do despotismo, implicaria, como corolário lógico, a acentuação do livre desenvolvimento do sujeito e da independência privada.

Nasce então, no artigo I da Declaração de Independência, que “o bom povo da Virgínia” tornou pública em 12 de junho de 1776, o reconhecimento solene

de que todos os Homens são:

[...] igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança.10

Desde o início, a América do Norte foi uma sociedade de proprietários, em que a igualdade perante a lei exercia a função da garantia fundamental da livre concorrência. Na compreensão de Comparato11, a igualdade de condição jurídica do indivíduo foi bem marcada, “[...] desde o início da colonização, no acordo celebrado pelos peregrinos do Mayflower, em 1620”. Ou seja, para os norte-americanos a ideia de uma sociedade política autêntica sempre esteve vinculada a um acordo livre de vontades.

A Declaração de Independência é de grande importância histórica. Traduz-se em ser o primeiro documento político que reconhece, a par da soberania legítima popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social. Sua influência foi de extrema relevância, como bem explicado por Comparato, leia-se:

8COMPARATO, op. cit. p. 47. 9CANOTILHO, op. cit. p. 24-25. 10

COMPARATO, op.cit., p. 93. 11

(16)

Se, juridicamente, o principal precedente das declarações de direitos norte-americanos é o Bill of Rights inglês de 1689, o seu fundamento filosófico vem não só de Locke, mas também do pensamento ilustrado europeu do século XVIII, notadamente nos escritos de Montesquieu e Rousseau.

Os norte-americanos, porém, não se limitaram a receber passivamente esse patrimônio cultural: foram mais além, e transformaram os antigos direitos naturais em direitos positivos, reconhecendo-os como de nível superior a todos os demais. Seguindo o modelo do Bill of Rights britânico, os Estados Unidos deram aos direitos humanos a qualidade de direitos fundamentais, isto é, direitos reconhecidos expressamente pelo Estado, elevando-os ao nível constitucional, acima portanto da legislação ordinária.12

Na França, em 1749, surge um grande movimento, a Revolução Francesa, que tinha por objetivo inaugurar um mundo novo que não sucedia o antigo, mas a ele se opunha radicalmente. Desse movimento revolucionário iniciou-se uma nova época da história, com expressa referência à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cuja finalidade foi a de firmar os direitos naturais, o principal dos quais é a liberdade, seguido pela igualdade diante da lei. Nas palavras de Bobbio: “[...] Proclamando a liberdade, a igualdade e a soberania popular, a Declaração foi o atestado de óbito do Antigo Regime, destruído pela Revolução”.13

Motivados por uma reação à longa repressão do Antigo Regime, contra a humilhação e desigualdades suportadas, os revolucionários franceses defendiam a libertação da França do Absolutismo para a formação de um novo Estado universal da liberdade igualitária sobre a humanidade.

Com esse espírito, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1749, tem seu núcleo doutrinário contido nos três artigos iniciais, que são:

Artigo Primeiro. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum.

Art. 2. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Tais direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Art. 3. O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente. [...].14

12COMPARATO, op. cit. p. 106.

13 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Apresentação Celso Lafer. 6 tiragem. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 162.

14

(17)

Observa-se que o conteúdo do artigo primeiro da Declaração de 1789 foi retomado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, em seu artigo primeiro: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.15

Dessa forma, somente após a Declaração Universal é que se pode afirmar que a humanidade partilha de alguns valores comuns; podendo-se crer na universalidade dos valores, “[...] no único sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens”.16

Com o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos inaugura-se uma nova Era. Esses trinta artigos oferecem à humanidade todos os recursos com os quais a ideia revolucionária de ontem será hoje apenas:

[...] uma das raízes fincadas na via que está conduzindo à unidade e à união, dois fatores que aparentemente exprimem a mesma coisa, mas que de fato envolvem questões superiores para afinal se realizar aquilo de longe prometido.17

Já no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos é possível identificar: “O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. 18

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, é um ideal comum a ser atingido por toda a humanidade. Após o agrupamento dos artigos 1º ao 3º, que servem de fundamento a todos os demais, e do 4º ao 21, abarcando os direitos civis e políticos, o artigo 22 introduz o conjunto de direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à dignidade humana, que passam a ser especificados nos artigos seguintes, do 23 ao 27.

Ainda no preâmbulo, que é composto de sete Considerandas que retratam o seu caráter filosófico e base humanista, há a consagração do regime

15

Tradução COMPARATO, op. cit., p. 235. 16BOBBIO, op.cit., p. 28.

17 ATHAYDE, Austregésilo de; IKEDA, Daiasaku. Diálogo Direitos Humanos no Século XXI. Tradução Masato Ninomiya. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 18.

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democrático, a afirmação do estado de direito e a redenção da força, a interdependência da humanidade, além da reafirmação da Carta das Nações Unidas, do compromisso oficial dos Estados, e do esforço comum pela instalação de uma nova ordem moral e jurídica internacional.

Os artigos I e II são nucleares de todos os demais artigos, privilegiando a igualdade e a liberdade; e proíbem a discriminação, respectivamente.

No artigo 1º, há uma afirmação da primazia da personalidade, mas em consonância com a sua natural projeção, a comunidade. Em relação ao artigo 2º, proibindo a discriminação, como um derivado lógico do postulado fundamental do primeiro, que parte da condição humana como base de toda a estrutura jurídica e política do convívio social, fundado em duas colunas: a personalidade e a comunidade.

Do artigo III até o XXI, verifica-se a defesa do direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, bem como a garantia do direito da participação política, destacando-se os direitos civis e políticos.

O artigo 3º, ao trazer os direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal, o famoso triângulo cívico, traz os direitos intrínsecos que dizem respeito à própria razão humana. O direito de propriedade, no entanto, não aparece nesse artigo, mas em outro próprio, por ser um direito extrínseco, ou seja, uma extensão da pessoa às coisas. Essa distinção, na opinião do Alceu Amoroso Lima19,

demonstra uma desvalorização relativa do direito de propriedade dentro de uma filosofia social de verdadeiro progresso social, para uma sociedade política de tipo humanista.

O problema da escravidão é focalizado pelo artigo 4º que a proíbe em todas as suas formas. O artigo 5º proíbe a tortura e o tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante. O artigo 6º garante o direito de todos serem reconhecidos perante a lei como pessoa humana.

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A garantia da igualdade perante a lei está expressa no artigo 7º. O artigo 8º garante o direito de receber julgamento dos Tribunais. Num caminhar progressivo no sentido das ideias aos fatos, a Declaração começou falando em direitos, depois em leis, agora em tribunais, numa sequência lógica, orgânica e prática. Não há leis positivas eficazes sem haver tribunais que as apliquem. Desse modo, a existência de um Poder Judiciário digno, independente e rápido, é uma condição para a existência das bases de qualquer tipo de civilização e de ordem social.

Saindo das vitualidades e do plano ontológico e abstrato do ser humano, para o plano concreto e extrínseco e sociológico do homem em situação, o artigo 9º trata do estado de fato da arbitrariedade. O artigo 10 também entra no terreno prático da defesa efetiva dos direitos humanos por parte dos tribunais. Portanto, essa Declaração pressupõe a existência de um Estado de Direito e nunca apenas um Estado de Fato. Baseia-se também na existência de um Estado do tipo constitucional e não totalitário, exigindo a independência do Poder Judiciário20.

A presunção de inocência é o princípio postulado no artigo 11. A segunda parte do artigo 11 trata do princípio da individuação e da irretroatividade das leis. O artigo 12 faz a clara distinção entre a vida privada e a vida pública, protegendo a inviolabilidade da vida privada em face da vida pública.

O artigo 13, que garante o princípio da liberdade de comoção e de residência, é a base natural, racional e experimental do habeas corpus, instituição vulnerável que foi fruto de toda uma evolução progressiva e multissecular da humanidade, no sentido da humanização. O direito de asilo, previsto no artigo 14, é um dos institutos mais clássicos da vida social civilizada e cujas raízes demonstram a origem do direito. O artigo 15 garante o direito à nacionalidade. No parágrafo segundo desse mesmo artigo são garantidos, ainda, dois direitos suplementares: o de não ser arbitrariamente privado de sua nacionalidade de origem, e o de mudar de nacionalidade.

Da nacionalidade à família, o artigo 16 tem a intenção de estipular nitidamente, além do direito de constituir família, a igualdade de direitos entre marido

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e esposa. O direito à propriedade é garantido no artigo 17. Reconhecendo um direito, não mais no domínio do próprio ser ou de suas relações com os demais seres humanos, mas com os objetos, com os seres inanimados. Nesse sentido, a propriedade é uma instituição consequente às exigências da pessoa humana, a primeira das quais é precisamente a sua expansão. O problema da liberdade religiosa é tratado no artigo 18, e a liberdade de opinião, garantida no artigo 19.

Assegura-se o direito de associação no artigo 20, e o artigo 21 se refere ao problema das relações entre governantes e governados. Inicialmente, garantindo o direito de todo cidadão fazer parte do governo. Observa-se que esse artigo representa uma condenação formal de toda ditadura e de todo regime totalitário, de concentração do poder nas mãos do Estado, que passa a conceder a liberdade e não apenas reconhecê-la. Diante disso, se exige também eleições livres. O segundo item do artigo reitera o repúdio aos privilégios, garantindo o igual direito de todo cidadão ao acesso ao serviço público. O terceiro item assegura o direito a eleições periódicas e legítimas.

Proclama-se, no artigo 22, o direito da pessoa, como membro da sociedade à segurança social e à realização dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. A dignidade da pessoa humana é uma irradiação da personalidade. Ter dignidade é um atributo da pessoa. Como explica Jaques Maritain21, há uma

distinção ontológica entre indivíduo e pessoa. Enquanto o indivíduo é dotado apenas de razão, a pessoa possui razão e consciência. Assim, a pessoa, cujo conjunto forma a humanidade, possui dignidade. É um atributo da pessoa humana.

A concretização desses direitos deverá ser resultado do trabalho realizado dentro de cada Estado, bem como da cooperação internacional. Ou seja, o Estado deve esforçar-se no sentido de se organizar a fim de proporcionar recursos capazes de realizar os direitos econômicos, sociais e culturais, que garantirão a segurança social. Mas esses direitos devem ser desenvolvidos no âmbito universal, como bem proclama a Declaração, e não apenas em alguns Estados, de forma que a cooperação internacional se faz necessária. Como explica João Batista

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Herkenhoff22, neste artigo há a consagração da solidariedade social como elo que

deve cimentar as relações humanas.

O direito ao trabalho é previsto no artigo 23. São quatro os aspectos23 sob os quais é considerado nesse artigo o trabalho humano. Primeiramente, como um direito individual, antes de ser um direito social, de modo que se todo homem tem direito ao trabalho. A consequência é que toda comunidade tem o dever de assegurar trabalho a cada um de seus membros. O segundo item garante a livre escolha de emprego. A terceira condição é a de que sejam assegurados aos cidadãos condições justas e favoráveis. O quarto e último aspecto diz respeito à proteção contra o desemprego, como consequência lógica do direito ao trabalho, já que a todo trabalhador que quer trabalhar se deve garantir um emprego, é lógico que se deve compensá-lo quando se encontra desempregado contra a sua vontade.

O item 2 do artigo 23, como derivação do princípio da igualdade, assegura que todo trabalho igual deve ser remunerado de forma igual. Já o item 3 desse mesmo artigo, assegura remuneração justa e satisfatória capaz de propiciar existência compatível com a dignidade humana.

O direito ao repouso, previsto no artigo 24, é uma consequência biológica, sociológica e lógica do artigo anterior. O artigo 25 se abre a uma faixa mais ampla, garantindo um nível de vida digno. A segunda parte desse artigo garante cuidados especiais à maternidade e à infância (inclusive às crianças nascidas fora do matrimônio que gozarão da mesma proteção social).

O problema educativo é tratado no artigo 26 que garante direito de instrução a todos, e de forma gratuita pelo menos nos graus elementares e fundamentais. Já o artigo 27 assegura o direito à participação à cultura. A garantia da propriedade científica, literária ou artística, prevista no segundo item desse artigo, é uma consequência dessa afinidade como que complementar dos direitos na vida política, na vida econômica e na vida intelectual.

22HERKNHOFF, João Baptista. 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948-1998: Conquistas e Desafios. Ordem dos Advogados do Brasil. Comissão Nacional dos Direitos Humanos. Brasília: 1998, p. 241.

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Os últimos artigos da Declaração estabelecem princípios gerais que se aplicam ao conjunto de todos os preceitos especializados nas demais partes do documento. O artigo 28 garante o direito a uma ordem social e internacional para que os direitos previstos na Declaração possam ser plenamente realizados. O artigo 29 entra no território do dever e afirma que todo homem tem deveres para com a comunidade. Já o último artigo da Declaração, o artigo 30, observa que não há direito contra direitos.

Um traço marcante da Declaração Universal de 1948 é a afirmação, nos artigos XXI e XXIX, da democracia como único regime político compatível com o pleno respeito aos direitos humanos24. O regime democrático deixa de ser uma opção política para ser a única solução legítima para a organização do Estado. Da mesma feita, nos artigos XXII ao XXVII, especificamente, estão estabelecidos os direito sociais.

Ainda na Declaração de 1789, seu artigo terceiro já expressava o conceito destinado a tornar-se um dos fundamentos de todo governo democrático futuro, de que a representação é una e indivisível.

Como resultado, nasce o Estado moderno: inicialmente o liberal, no qual somente uma parte da sociedade é quem reivindica o poder soberano; depois democrático, no qual todos os indivíduos fazem a reivindicação do Estado uno e indivisível (como então preceituado no artigo terceiro da Declaração de 1789); e finalmente, o Estado social, no qual todos os indivíduos transformados em soberanos, sem distinção de classe social, reivindicam além dos direitos de liberdade, também os direitos sociais, que são igualmente direitos dos indivíduos.

24“Artigo XXI

1. Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade do voto.

[...] Artigo XXIX

[...]

(23)

Portanto, os direitos políticos e os direitos civis do homem foram conquistados principalmente por meio das revoluções civis nos Estados Unidos da América e na França, ocorridas no século XXVIII. Os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade manifestados nos documentos históricos aqui já citados, são reconhecidos como a base política para o estabelecimento da democracia.

Esses direitos à liberdade e à igualdade, à participação política, à vida e à moradia, são os chamados direitos humanos de primeira geração. Porém esses direitos foram violados com regular frequência por não possuírem sustentação e garantias sociais e econômicas. Por isso mesmo, nos séculos XIX e XX, buscou-se o reconhecimento dos direitos relativos ao trabalho e às diversas atividades do homem na sociedade. Estes são então chamados de direitos sociais, reunidos aí os direitos econômicos e os direitos culturais que, também chamados de direitos humanos de segunda geração, foram inseridos nas Constituições dos países americanos e na de Weimar da Alemanha.

1.2 Constitucionalização dos Direitos Sociais

O Direito Constitucional é reconhecido atualmente como o Direito Público Fundamental, já que todos os demais ramos do Direito encontram nele a fonte de seus preceitos fundamentais. A origem do termo “Constituição” vem do verbo latino

constituere que significa constituir, delimitar, organizar, estabelecer. Não se encontra um conceito único para o termo Constituição, mas Canotilho conceitua:

Por constituição em sentido histórico entender-se-á o conjunto de regras (escritas ou consuetudinárias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma ordem jurídico-política num determinado

(24)

(3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a torná-lo um poder limitado e moderado.25

O Constitucionalismo liberal ou moderno preocupou-se em consagrar os direitos políticos e individuais (direitos fundamentais de primeira geração), capazes de exigir do Estado uma atitude negativa, ou seja, de não intervenção em relação aos direitos individuais. Tal fato influenciou sobremodo o desenvolvimento da Revolução Industrial ao longo do século XIX; porém acarretou como consequência uma forte exploração da mão de obra trabalhadora, grande concentração do capital e desigualdades sociais, o que desencadeou revoltas no século XX.

Como resposta ao individualismo excessivo do constitucionalismo liberal, surge o constitucionalismo moderno ou social, que considera como função estatal a realização da justiça social e vem integrar aos textos constitucionais os direitos sociais e trabalhistas (direitos fundamentais de segunda geração).

Após transcorrer sobre os direitos de primeira e de segunda gerações, Athayde e Ikeda classificam os deveres que acompanham os direitos humanos em ativos e passivos.

[...] Os passivos são aqueles conquistados para se libertar da

opressão e por isso são denominados de “liberdade de”, enquanto os

ativos são os direitos reivindicados para obter a participação nas questões políticas e sociais e, por isso, são denominados de

“liberdade para”. A Declaração Universal dos Direitos Humanos

associou esses dois tipos, e seu contexto foi uma integração harmoniosa das duas gerações de direitos humanos.26

As primeiras constituições sociais que inauguraram a fase do constitucionalismo contemporâneo foram a Constituição do México, em 1917 e a Constituição da Alemanha, em 1919. Embora nenhuma dessas constituições tivessem tido grande sucesso à época, ao elevarem os direitos econômicos e sociais ao mesmo nível dos direitos civis e políticos, elas expressaram o princípio da dignidade humana como um objetivo a ser buscado pelo Estado e abriram espaço para o surgimento da democracia social, exercendo profunda influência sobre as constituições de dezenas de países.

25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 52-53.

26

(25)

De forma paralela ao processo de constitucionalização dos direitos sociais, houve o nascimento, em 10 de dezembro de 1948, do chamado Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando a Organização das Nações Unidas –

ONU, adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O universalismo é a proposição fundamental da Declaração Universal de 1948 e o seu núcleo é o ser humano. Analisando a evolução histórica, percebe-se que, tendo como base os direitos humanos de primeira geração, formulou-se a segunda e depois a terceira, (ambientes naturais e socioculturais necessários para o bem viver do homem), tornando os seus alicerces mais abrangentes, sólidos e profundos.

Alimentado por estes novos valores, o Estado tende a desprender-se do controle burguês e passa a ser o Estado de todas as classes, o Estado conciliador, o mitigador de conflitos, o pacificador entre o trabalho e o capital, o Estado social o qual busca superar a contradição entre a igualdade política e a desigualdade social; mesmo que sob distintos regimes políticos. Chega-se assim, após as atrocidades experimentadas, especialmente pelas 1ª e 2ª Guerras Mundiais e estando os países ocidentais, em particular, voltados à proteção dos direitos do Homem, já numa visão ampla e crítica do Estado Social, e à aprovação, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Declaração reconhece, em seu artigo XXVIII, o primeiro e fundamental direito do Homem, que tem por objetivo a constituição de uma ordem internacional respeitadora e garantidora da dignidade humana: “Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional, em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados”27.

Portanto, sedimentou-se, assim, na Sociedade universal, o primado dos direitos humanos fundamentais, restando aos Estados modernos respeitá-los, protegê-los e garanti-los em seus ordenamentos internos, independentemente dos regimes políticos implementados para a forma de Governo.

27

(26)

Os direitos à Seguridade Social também foram fruto desse desenvolvimento histórico, alcançando o status de direitos sociais. Sobre o conceito de Direito Social, importante a definição de Cesarino Júnior:

Direito Social é a ciência dos princípios e leis geralmente imperativas, cujo objetivo imediato é, tendo em vista o bem comum, auxiliar as pessoas físicas, dependentes do produto de seu trabalho para a subsistência própria e de suas famílias, a satisfazerem convenientemente suas necessidades vitais e a ter acesso à propriedade privada.28

Estritamente ligados à proteção do risco social, esses direitos sociais passam por uma longa evolução até chegar à noção de Sistema de Seguridade Social que emerge como instrumental jurídico estatal, em colaboração com a sociedade, apto a proteger dignamente aqueles que por algum motivo, seja transitória ou definitivamente, não mais se mostram aptos a garantir condição de vida digna para si e seus familiares.

1.3 Origem e desenvolvimento da proteção do risco social

O Direito Previdenciário visa à cobertura dos “[...] riscos sociais, tomada a expressão no seu sentido comum de acontecimento incertuss an e incertus quando que acarrete uma situação de impossibilidade do sustento próprio e da família [...]”29.

Desde as épocas mais remotas, a proteção contra determinados eventos de indigência (exposição humana a sofrimentos e privações) preocuparam a Humanidade. O receio do porvir sempre frequentou os temores humanos e a noção de proteção contra os riscos sempre se fez presente na história. Nesse sentido, explica Assis que “o temor da insegurança acompanha desde sempre o homem. Por

isso mesmo, a busca de um meio de defesa não é problema apenas de nossos

dias”30.

28CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito Social. São Paulo: LTr: Editora da Universidade de São Paulo, 1980, p. 49.

29

HORVATH JR, Miguel. Direito Previdenciário. 6. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 19. 30

(27)

Nesse sentido, Paul Durand31 introduz a ideia do risco e a segurança na

organização da vida social, explicando que a inclinação pelo risco e o desejo pela segurança representam uma das tendências fundamentais do espírito humano. Porém, uma ou outra tendência predomina, dependendo de cada indivíduo e de cada época. Na maior parte do século XIX havia certa aceitação do risco. Já a necessidade moderna de segurança é profunda. Tal tendência começou a manifestar-se na segunda metade do século XIX e se consolidou no século XX, de forma que hoje, devido às causas demográficas, vários países do mundo se esforçam em organizar e atuar em favor da Seguridade Social.

Especificamente sobre o Risco, sua noção genérica está relacionada com o Direito do Seguro, o qual o considera como todo acontecimento futuro e incerto, cuja atualização não depende exclusivamente da vontade do segurado. Ou seja, o risco é um acontecimento fortuito na maior parte das vezes; um sinistro. Porém, pode-se aplicar também às questões afortunadas, podendo o Sistema de Seguridade Social estar relacionado com as prestações familiares.

A doutrina espanhola, nas palavras de Almansa Pastor32 trabalha o conceito de risco como sendo la possibilidad de que acaesca um hecho futuro,

incierto e involuntario que produce um daño de evaluación económica al asegurado”.

Tradicionalmente, o risco se identifica com a possibilidade da ocorrência de um evento (i) futuro, (ii) incerto, (iii) aleatório e (iv) economicamente danoso; como bem explica Venturi quando diz que:

[...] si considerarmos cuál es el presupuesto común a todos os contratos de seguro, en la medida que sin él cualquier interés existente no resultaria asegurable, lo encontramos en la posibilidad de uma contingencia: a) danosa; b) futura; c) incierta; d) no dependiente exclusivamente de la voluntad del asegurado.33

Existem riscos inerentes à vida social, ligados ao meio físico (fenômenos geológicos); ao meio social (risco de guerra; risco político; risco monetário; risco legislativo; risco administrativo; e o risco das desigualdades das condições sociais);

31DURAND, Paul.

La Seguridad Social Contemporanea.Madrid: Ministério de Trabajo y Seguridad

Social, 1991, p. 51-53. 32

PASTOR, José M. Almansa. Derecho de La Seguridad Social.7. ed. Madri: Tecnos, 1991, p. 220. 33

VENTURI, Augusto. Los Fundamentos Científicos de la Seguridad Social. Madrid: Ministerio de

(28)

riscos de ordem fisiológica (maternidade; invalidez; falecimento); e os riscos da vida profissional (insegurança no emprego; insuficiência remuneratória da atividade profissional; lesões corporais na execução do trabalho provocadas por acidentes ou doenças profissionais).

Sobre os riscos normais da existência humana elucida Cesarino Júnior:

Há na vida humana acontecimentos independentes da vontade do homem, mais ou menos aleatórios e prejudiciais para ele chamados riscos.

Podem ser biológicos, isto é, relativos a modificações do estado de saúde e da consequente capacidade para o trabalho, ou da supressão da vida, ou econômico-sociais, eventos impedientes da aquisição pelo hipossuficiente de meios para sua subsistência, decorrentes da atual organização econômica da sociedade. Os primeiros são: doença, invalidez, velhice, morte, acidentes do trabalho e maternidade; e os últimos são os relativos ao desemprego. Em linguagem previdencial a final, há quem prefira os termos contingências ou necessidades em lugar de riscos.

A realização dos riscos, denominada sinistro, produz suas consequências danosas: 1 – dano emergente, isto é, o prejuízo resultante da realização do risco e que pode ser de ordem física, psicofísica ou econômica e 2 – o lucro cessante, vale dizer, a perda ou diminuição do salário pela incapacidade ou impossibilidade de trabalhar.34

Originariamente, o risco social estava atrelado às questões trabalhistas, estando a Seguridade Social como parte da legislação trabalhista. Nas palavras de Horvath Júnior: “[...] o Direito Previdenciário é fruto da revolução industrial e do desenvolvimento da sociedade humana, principalmente em decorrência dos inúmeros acidentes de trabalho que dizimavam os trabalhadores [...].35

Atualmente, a noção de risco social estendeu-se, deixando de ser somente a perda do emprego, mas também abrangendo a diminuição do nível de vida do trabalhador. A política de Seguridade Social tem então por finalidade garantir o nível de benefícios que provenham do trabalho. Já sobre o futuro da noção de risco social tendem a estabelecer um sistema de proteção para a vítima e esta tendência ressalta a força da necessidade de segurança atualmente. Assim, uma política eficaz deveria tender a conseguir modificações estruturais destinadas a prevenir os riscos sociais; ou seja, evitar que ele aconteça atuando de forma preventiva.

34

(29)

Todavia, nos explica Luhmann36 que, em nossos dias, os riscos se

investigam por meio da multiplicação da magnitude do dano e a probabilidade do mesmo. O que pode suceder no futuro depende da decisão que se toma no presente. Com efeito, fala-se de risco quando há de tomar-se uma decisão sem a qual possa ocorrer um dano, o qual possa, portanto, ser evitável. Assim, a negação de um risco, qualquer que seja a sua índole, constitui também, por sua vez, um risco. O conceito de risco seria determinado em oposição à noção de segurança. Ocorre que é impossível se alcançar uma segurança absoluta, pois sempre há algo imprevisto que pode ocorrer. Desta maneira, com o binômio risco/segurança temos como resultado um esquema de observação que se faz possível, em princípio, calcular todas as decisões com base no ponto de vista do risco. O risco como uma variante de uma certa tendência a toda situação de decisão.

Ocorre que a própria noção do risco se altera ao longo da história da humanidade. Como nos ensina Beck37, atualmente surgem novos tipos de riscos, que provocam a antecipação de catástrofes globais, sacodem os cimentos das sociedades modernas e possuem três traços característicos: deslocação (suas causas e efeitos não estão limitados a um lugar ou um espaço geográficos – são onipresentes); incalculabilidade (suas consequências são incalculáveis por definição, trata-se de riscos hipotéticos, baseados tanto no não saber engendrado pelas ciências, como no dissenso normativo); não compensabilidade (a lógica de compensação deixa de ser válida e a substitui o princípio da previsão mediante a prevenção e o empenho de antecipar e evitar riscos cuja inexistência ainda não está provada).

Na Seguridade Social, ensina Mattia Persiani que “[...] a condição humana acabou, essencialmente por coincidir com a condição de quem trabalha [...]”38, tendo

a proteção social superado a circunscrição dos riscos da vida laboral para resguardar os estados de necessidade da vida social.

36 LUHMANN, Niklas.

Sociología del Riesgo. 3. ed en español. México: Universidade

Iberoamericana, 2006, p. 58-66. 37

BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Mundial: en busca de la seguridad perdida. Espanha: Paidós, 2008, p. 83.

(30)

Como o sistema moderno de Seguridade Social não se formou espontaneamente, mas sim fruto de uma longa evolução histórica, Horvath Júnior explica que: “[...] para combater a indulgência foram desenvolvidos inúmeros modelos de proteção individual e social, a saber: beneficência, assistência pública, socorro mútuo, e seguridade social [...]”39.

Inicialmente, utilizou-se a técnica de previsão individual, através de sistema de poupança. Afinal, a poupança é, sem dúvida, o mais simples dos procedimentos utilizados para a cobertura dos riscos sociais, na qual o poupador renuncia a um consumo atual em vista de uma necessidade futura. Desta forma, se acumulam reservas, que permitem enfrentar as consequências dos riscos futuros.

Porém, o sistema de poupança encontra obstáculos, tanto de ordem material (já que o resultado poupado depende da quantidade de renda de ingresso, e normalmente, quem tem menos renda acaba mais sujeito aos riscos sociais); obstáculos de ordem psicológica (uma vez que uma necessidade atual é mais vivamente sentida do que uma necessidade futura, o que faz com que a pessoa tenha que fazer um esforço intelectual de estar entre uma realidade e uma necessidade futura). Obviamente que estas dificuldades se agravam com os riscos monetários, já que a poupança é constituída pela soma de dinheiro poupada. Finalmente, a poupança apresenta uma inferioridade de caráter técnico (já que ela, por si, não dispensa a ocorrência de riscos).

Já a previsão coletiva, que pode ocorrer através de um mútuo ou pela figura do seguro, agrupa um grande número de riscos, de modo que a despesa que suporta um sinistro possa ser dividida por todos os membros do grupo. O mútuo representa hoje em dia uma forma arcaica para a reparação dos riscos sociais. Porém, teve um papel apreciável na história, principalmente pela ação de cooperativas, que ajudaram decisivamente na cobertura dos riscos sociais por meio da técnica mutualista.

Ocorre que, como o mútuo pressupõe também poupança individual de todos do grupo, acaba tendo as mesmas insuficiências da fórmula mutualista individual. Como a adesão é voluntária, pode ocorrer de apenas os indivíduos mais

39

(31)

expostos aos riscos se filiarem, fragilizando o mútuo como um todo. O êxito do mútuo suporia, portanto, a constituição de agrupação obrigatória ao invés de cotizações dos aderentes e recursos distintos a estas cotizações. Daí surge a figura do seguro que agrupa mais riscos e pratica o resseguro. Pode-se apresentar como Seguro Popular; Seguro Grupo e Seguro de Danos.

Outro procedimento comum de garantia social, apresentado por Durand40, é a figura da Assistência. Inicialmente ela se apresenta no âmbito familiar. No entanto, o grupo familiar veio perdendo sua coesão originária, com a consequente restrição do sentido de solidariedade. Surgiram grupos profissionais com o cargo de proteção contra as enfermidades e os desempregos. Em seguida, inicia-se a assistência privada, também chamada de inglesa, impulsionadas pelo sentimento cristão de caridade. Porém, ante a insuficiência da Assistência Privada, todos os Estados vêm organizando redes muito desenvolvidas de Assistência Pública. Evidentemente, o desenvolvimento destas instituições sempre foi muito desigual, de Estado para Estado, mas ainda hoje continua sendo um dos elementos da política social dos estados modernos. Mas esta assistência se limita a outorgar à pessoa recorrida uma ajuda apenas suficiente para socorrer a necessidade. Esta precariedade de ajuda é natural, posto que o assistido não prestou nenhuma contribuição ao sistema.

Durand41 também explica que as modernas formas de reparação dos

riscos sociais são frutos da evolução do meio social e das ideologias. Assim, traduzem um esforço para imaginar novas e diferenciadas técnicas destinadas a assegurar melhor a indenização e uma vontade de estender a garantia social a novos riscos. Assim, foi formando-se, pouco a pouco, um novo tipo de seguro representado pelo Seguro Social, um sistema de responsabilidade adaptado aos acidentes de trabalho e a um sistema de indenização de despesas familiares representado pelas prestações familiares.

A formação dos Sistemas modernos de reparação de riscos sociais se explica por uma evolução política, demográfica e econômica que acompanhou a industrialização dos Estados modernos, cuja influência se pôs manifesta

40

DURAND, op. cit., p. 99-101. 41

(32)

principalmente na Alemanha, onde a doutrina do socialismo de Estado inspirou a criação dos seguros sociais por Bismarck. A ação dos Católico-sociais e o pensamento social da Igreja Católica também favoreceram estes sistemas de indenização.

Foi na Alemanha onde, através de uma série de leis escalonadas, desde 1883 a 1889, se criou o Sistema moderno de Seguros Sociais. O crescimento populacional, aliado ao desenvolvimento industrial na Alemanha, em muito influenciou este desenvolvimento. Outros fatores importantes também foram a existência na Alemanha de precedentes favoráveis à essa política e a formação de um proletariado acompanhando o processo de industrialização. O rápido desenvolvimento do movimento socialista, influenciado por Marx, inquietou a Bismarck, que decidiu pôr em prática uma política de majoração da sorte das classes obreiras, esperando, com isso, suprimir a agitação popular e desviar as massas do socialismo. Esta preocupação dos homens de Estado coincidiu com uma corrente de opinião hostil ao liberalismo social, que representa o último dos fatores que explica a formação do Sistema de Seguros Sociais.

Por meio de projeto de lei proposto pelo Chanceler Otto Von Bismarck, foi aprovada na Alemanha, no final do século XIX, a primeira norma destinada a proteger a integridade física do trabalhador (Krankenversicherung) no sentido de introduzir seguro-doença com objetivo de prover segurança econômica às classes trabalhadoras. Entretanto, como leciona Venturi, na verdade tal medida visava principalmente dar uma resposta pelo governo alemão ao crescente movimento de revoltas socialistas:

Sin embargo, debe tenerse em cuenta que, em la base de la iniciativa de Bismarck hubo, sobre todos, motivos políticos, de entre los que más inmediatos fueron las preocupaciones por la expansión de la socialdemocracia, a la que havia intentado oponerse a través de las medidas represivas, por él deseadas, del „Sozialistengesetz‟, de 21 de octubre de 1878, y sus decisiones de abandonar el liberalismo e adoptar uma reforma fiscal.

Las medidas represivas habían puesto de manifesto que las persecuciones reforzaban, em lugar de debillitar, y que era preciso intervenir en un sentido positivo, más que negativo, si se queria tener la esperanza de calmar la inquietud proletaria.42

(33)

Conforme Paul Durand43, a evolução legislativa do Seguro Social vem

marcada por três etapas: sua incorporação imediata a certas legislações; o conflito entre o princípio obrigatório e a liberdade subsidiada e, finalmente, a generalização do princípio do Seguro Social.

Na primeira etapa houve a incorporação em certas legislações do princípio do seguro obrigatório. Sobre a influência da legislação alemã, os sistemas jurídicos da Europa continental passam a introduzir em sua legislação três ramos dos seguros sociais: enfermidade, acidentes e invalidez-velhice. A política da Grã Bretanha, no entanto, adquiriu especificidades na medida em que abre espaço para as medidas de assistência; cria lei constituindo seguro obrigatório contra o desemprego; amplia as prerrogativas em favor do Estado (diferentemente do modelo alemão que confiava poderes mais amplos aos Municípios e às Organizações Profissionais); sua legislação se esforçou por respeitar o espírito de iniciativa e o sentido de responsabilidade individual, como sociedades de socorros mútuos e o seguro popular; e finalmente, a incorporação do sistema de reparação de acidentes do trabalho no sistema geral de seguros sociais.

Numa segunda etapa, há o conflito entre o princípio do Seguro Obrigatório e a Liberdade Subsidiada. Nesse último, o sistema deixa aos trabalhadores a opção de assegurar-se ou não, mas incentiva a provisão garantindo ao interessado que, ao assegurar-se, obterá subvenções do Estado. Afinal, existem dificuldades no sistema de liberdade subsidiada na medida em que depende dos recursos dos assalariados, e não leva em conta a contribuição dos empregadores, o que por vezes causa insuficiência de recursos. O elemento obrigação aparece no Seguro Social como um meio de romper com os condicionamentos nascidos da necessidade. Estas razões permitem pressentir o constante desenvolvimento do seguro obrigatório depois da guerra de 1914.

Na terceira etapa, há a generalização do Seguro Obrigatório sob influência das consequências da guerra de 1914. O triunfo da segurança obrigatória se põe manifesto em três âmbitos: o desenvolvimento dos seguros sociais obrigatórios na Europa; a penetração do seguro obrigatório fora do continente

43

(34)

europeu; e a conversão ao sistema de seguro obrigatório das legislações que haviam adotado inicialmente o sistema de liberdade subsidiada. Conclui-se44 que o

sistema de Liberdade Subsidiada desaparece ante o princípio do Seguro Obrigatório. Com este último, se organizou um novo tipo de indenização de riscos sociais.

Chama-se de “Advento da Seguridade Social”45 um movimento

internacional favorável ao desenvolvimento da Seguridade Social durante e após a guerra de 1939. Surge a Lei americana de Seguridade Social (1935), de âmbito federal que, embora ainda com algumas imperfeições, garantia uma indenização bastante ampla dos riscos sociais.

Fato extremamente importante foi o Informe Beveridge46, que reformou o Sistema de Seguro Social na Grã Bretanha, generalizando-o e estendendo ao maior número possível de riscos. Instituiu os subsídios familiares e simplificou o regime inglês que era, à época, muito complexo, além de propiciar uma unificação administrativa.

O economista inglês Sir. Wiliam Henry Beveridge inova propondo a proteção ao cidadão pelo Estado em todas as fases de sua vida, ou seja, “from the

cradel to the grave [do berço ao túmulo]”.

Com a criação do Comitê Interdepartamental do governo inglês, que visava a elaboração de estudo completo sobre os sistemas de seguros sociais então existentes na Inglaterra, Beveridge (1943, tradução nossa) apresentou, em 1942, um relatório denominado “Social Security and Allied Services [Seguro Social e Serviços Afins]” que, ao revolucionar todas as medidas de proteção social anteriores, criou as bases do atual conceito de Seguridade Social, que se propõe a abolir o estado de necessidade que atingisse não apenas o trabalhador, mas a qualquer cidadão.

Estas inovações influenciaram sobremodo outros países, que também contaram com certos atos internacionais como a Carta Atlântica, em 14 de agosto de

44DURAND, op. cit. p. 140.

45Ibidem, p. 148.

46

(35)

1941, sob ação da Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.), Declaração de Filadélfia, datada de 10 de maio de 1944, Carta Constitucional da O.I.T., em 20 de abril de 1948, assim como com a formação do Comitê Interamericano para o Progresso da Seguridade Social, e pela influência da Organização das Nações Unidas (O.N.U.).

A Seguridade Social e, portanto, os direitos previdenciários que a compõem, desempenham papel fundamental na política dos Estados contemporâneos. Sua principal manifestação se encontra na consagração constitucional da Seguridade Social, além do papel que possui no âmbito internacional com seus princípios incluídos nas Constituições dos organismos internacionais como da Organização das Nações Unidas (O.N.U.), Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.) e Organização Mundial de Saúde (O.M.S.).

Desse modo, forma-se uma política de Seguridade Social distinta da política de Seguros Sociais. Sua originalidade se expressa na medida em que: sua política proporciona uma garantia de conjunto para todos os riscos sociais; se estende a todo conjunto da população; foi capaz de realizar uma fusão dos antigos procedimentos que asseguravam a proteção contra os Riscos Sociais e criar técnica própria de cobertura dos riscos sociais, trazendo a ideia de solidariedade realizada através da redistribuição da renda nacional, abrangendo também a Assistência Social. Junto aos antigos serviços públicos de caráter puramente administrativos, a política contemporânea de Seguridade Social tem criado um novo serviço público de finalidade social.

Verifica-se que o conceito de Seguro Social de Bismark se desenvolve tendendo, com o tempo, a imanar-se progressivamente para o sistema de Seguridade Social idealizado por Beveridge, buscando conciliar a noção originária de proteção individual do trabalhador num contexto social mais amplo de valorização do indivíduo como pessoa, como explica:

(36)

os fundamentos do novo modelo protetor, voltado para a proteção das necessidades sociais [...].47

Após um período de formação (iniciado em 1883 até a Primeira Guerra Mundial); de universalização (em que houve a expansão geográfica da previdência social com a criação da O.I.T.); de consolidação (em meio à Segunda Guerra Mundial devido à necessidade da reconstrução dos países envolvidos e de assegurar-se o mínimo de bem-estar social), chega-se a um período de reformulação (que tem início no final da década de 70) com a gradativa implantação de um Estado mínimo, marcado por sucessivas reformas nos sistemas de previdências mundo afora48.

Nesse sentido, o Sistema de Seguridade Social atual passa por um momento de reavaliação em que os Estados se organizam avançando ou recuando, entre o mínimo e o máximo, dentro do que foi estabelecido internacionalmente pelo artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

O sistema jurídico de proteção social foi idealizado para ser um sistema em franca expansão, até mesmo pelas transformações das necessidades sociais e suas diferentes peculiaridades nos diversos países. Nesse sentido, Almansa Pastor, ao conservar uma visão idealista da Seguridade Social observa que:

[...] quanto maior a intensidade na proteção das necessidades, menor a extensão no âmbito de cobertura. No futuro, a tendência deve ser a conjugação da máxima extensão e intensidade na proteção.49

O conceito da Seguridade Social vem sendo, portanto, construído doutrinariamente ao longo da história, fruto do desenvolvimento da noção de

47DERZI, Heloisa Hernandez. Os beneficiários da pensão por morte: regime geral de previdência social. São Paulo: Lex Editora, 2004, p. 66.

48

(37)

proteção social, que se inicia relacionada ao exercício do trabalho e evolui para abranger, de forma indissociável, a condição da pessoa humana.

Nesse sentido, afirma Persiani que:

[...] a idéia de seguridade social exprime a exigência de que venha garantida a todos os cidadãos a libertação das situações de necessidade, na medida em que esta libertação é tida como condição indispensável para o efetivo gozo dos direitos civis e políticos.50

A tradicional concepção de risco que se caracterizava duplamente pela incerteza da ocorrência do fato (incertus an) como no tempo da sua ocorrência (incertus quando) altera-se no atual cenário do seguro social, na medida em que passa a acolher riscos certos ou parcialmente incertos como bem ilustra Venturi:

Connatural al concepto de riesgo resulta la incertidumbre de la contingencia cujas consecuencias pueden ser objeto de la relación de seguro. Incertidumbre que, sin duda, há de entenderse com gran amplitud. Puede ser absoluta, cuando la verificación de la contingencia dañosa es „incertus an e quando‟: estas características las presentan los seguros sociales de accidentes; enfermedades profesionales, invalidez, desempleo y maternidad. Puede ser también relativa, cuando la verificación de contingencia es tan sólo „incertus an‟, como em el seguro social de vejez, en el que la prestación se debe en uma fecha cierta, pero la supervivencia del asegurado resulta aleatória, o también cuando la verificación de la contingencia es tan sólo „incertus quando‟, como em el seguro para el caso de muerte, dado que „nihil certius norte, nihil incertus hora mortis‟. Em el seguro social de pensiones a los supervivientes concurren dos incertidumbres distintas, uma sobre el „quando‟ y uma sobre el „an‟, porque a la relativa a la fecha de la muerte del asegurado se anãde la relativa a la supervivencia o no de los familiares a su cargo que reúnam los requisitos para las prestaciones.51

Por isso, é preferível a utilização do termo contingência ou risco social para distinguir essa espécie diferenciada de risco que é definida por Ruprecht do seguinte modo: “[...] por contingências sociais pode-se entender todo acontecimento capaz de determinar uma necessidade social ou que, de algum modo, influi na vida

dos indivíduos”52.

50

PERSIANI, op. cit., p. 31. 51

VENTURI, op. cit., p. 560.

Imagem

Tabela  1  -  Fonte:  GENTIL,  Denise  Lobato.  A  Política  fiscal  e  a  Falsa  Crise  da  Seguridade  Social  Brasileira  –  Análise financeira do período 1990-2005
Tabela 2- Fonte: Análise da Seguridade Social 2009. Associação Nacional dos Auditores Fiscais da  Receita  Federal  do  Brasil  e  Fundação  ANFIP  de  Estudos  da  Seguridade  Social  –   Brasília:  ANFIP,  2010, p

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