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Princípio da Vedação do Retrocesso – características

No documento MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (páginas 112-119)

CAPÍTULO 3. O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO E A SEGURIDADE

3.2 Princípio da Vedação do Retrocesso – características

Numa íntima relação à noção de segurança jurídica, Canotilho passa a desenvolver o princípio da proibição do retrocesso social, e assim o define:

[...] O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e

168

“Artigo 29º - Normas de interpretação

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e das liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados; c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza”.

169

“Artigo 1.2. Este artigo não prejudicará qualquer instrumento internacional ou lei nacional que contenha ou possa conter disposições de maior alcance”.

170

Artigo 41. Nada do estipulado na presente Convenção afetará disposições que sejam mais convenientes para a realização dos direitos da criança e que podem constar: a) das leis de um Estado Parte; b) das normas de direito internacional vigentes para esse Estado”.

efectivado através de medidas legislativas (“lei da segurança social”, “lei do subsídio de desemprego”, “lei do serviço de saúde”) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura a simples desse núcleo essencial. Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social captado em termos ideológicos ou de garantir em abstracto um

status quo social, mas de proteger direitos fundamentais sociais

sobretudo no seu núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.172

A doutrina brasileira, também vem discorrendo acerca do princípio, sem, contudo, defini-lo de maneira unânime.

Barroso e Barcellos afirmam que a vedação do retrocesso importa: “[...] a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedem ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente”173. Informam os

renomados autores que a proibição do retrocesso diz respeito especificamente às normas infraconstitucionais que regulamentem direitos fundamentais.

Luis Roberto Barroso traduziu o princípio da vedação do retrocesso, nos seguintes termos:

Por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido.

Nessa ordem de idéias, uma lei posterior não pode extinguir um direito ou garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição. O que se veda é o ataque à efetividade da norma, que foi alcançada a partir da sua regulamentação. Assim, por exemplo, se o legislador infraconstitucional deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito que dependia de sua intermediação, não poderá simplesmente revogar o ato

172CANOTILHO, op. cit., p. 332-334. 173

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Disponível em: <http://www.camera.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2003/arti_histdirbras.pdf>.Acesso em: 12 de jun. 2008, p. 3.

legislativo, fazendo a situação voltar ao estado de omissão legislativa anterior.174

Ingo Sarlet, na busca de aprofundamento maior sobre o tema, ressalta a íntima relação que guarda a proibição ora debatido com a segurança jurídica. Isso porque, um Estado de Direito autêntico (sob a ótica do pensamento constitucional contemporâneo) é também um Estado da segurança jurídica, “[...] de tal sorte que a segurança jurídica passou a ter o „status‟ de subprincípio concretizador do princípio

fundamental e estruturante do Estado de Direito”.175

Conforme o entendimento de Sarlet há uma interligação da segurança jurídica e o princípio da dignidade da pessoa humana numa conexão direta e perfeita, de forma que caso a estabilidade jurídica não seja confiável nas instituições estatais, a dignidade humana não estará nessas sendo devidamente respeitada, explica-se:

Com efeito, a dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranqüilidade, confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas. [...] Ademais, há que levar em conta que especialmente o reconhecimento e a garantia de direito fundamentais tem sido consensualmente considerado uma exigência inarredável da dignidade da pessoa humana (assim como da própria noção de Estado de Direito), já que os direitos fundamentais (ao menos em princípio e com intensidade variável) constituem explicitações da dignidade da pessoa, de tal sorte que em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa.176

Da mesma forma, no contexto da segurança jurídica, não exige a dignidade da pessoa humana somente uma proteção de atos retroativos que violem alguma de suas muitas manifestações; mas também, não abre mão (o princípio da dignidade da pessoa humana em análise ampla), de uma proteção contra:

[...] medidas retrocessivas, mas que não podem ser tidas como propriamente retroativas, já que não alcançam as figuras dos direitos adquiridos, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.177

174BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas. 5. ed. Rio

de Janeiro: Renovar, 2001, p. 158 e 159.

175

SARLET, op. cit., p. 436.

176

SARLET, op. cit., p. 437-438.

Nesse sentido, o estudo do princípio da vedação do retrocesso analisa se há a possibilidade de o legislador suprimir determinado conteúdo, seja por emenda à Constituição ou, por qualquer reforma na esfera legislativa, expresso na Lei Fundamental ou revogar norma regulamentadora de dispositivo constitucional voltado à proteção e garantia dos direitos sociais.

Para responder tal questão, segundo Sarlet178, o princípio da vedação do retrocesso decorre implicitamente do ordenamento constitucional brasileiro, extraído das seguintes normas constitucionais: o princípio do Estado Democrático e Social de Direito (em que se destaca o princípio da segurança jurídica, a que necessariamente assenta a proteção da confiança e a manutenção de um patamar mínimo de segurança contra medidas retroativas e atos retrocessivos em geral, considerando que as normas constitucionais expressamente dedicadas à proteção contra a retroatividade, onde se inclui o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, que são insuficientes para alcançar todas as situações que integram uma noção mais ampla de segurança jurídica); o princípio da dignidade da pessoa humana (o qual determina a satisfação de uma existência condigna, ou seja, da proteção dos direitos sociais, por meio de prestações positivas que serão inviáveis se colocadas abaixo de um nível mínimo de proteção aos mesmos); e o princípio da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º, da CRFB/88), que também abrange a maximização da proteção dos direitos fundamentais; que também otimiza a eficácia e efetividade do direito à segurança jurídica, reclamando a maior proteção possível em detrimento às medidas de caráter retrocessivo.

Ocorre que no que diz respeito à proteção contra medidas retroativas o universo de situações que integram a noção mais ampla de segurança jurídica vai além das manifestações específicas e expressamente previstas na Constituição Federal de 1988, dentre as quais se destacam a proteção dos direitos adquiridos, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, (inciso XXXVI, do art. 5º).

178

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição do retrocesso social no direito constitucional brasileiro. REVISTA DE DIREITO SOCIAL. Porto Alegre: Notadez, n. 4, 2004, p.35.

Desse modo, conforme explicação de Canotilho179, além da sua íntima

relação com a própria segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito, impõe ao poder público o respeito pela confiança depositada pelos cidadãos em relação a uma certa estabilidade e continuidade da ordem jurídica como um todo e das relações jurídicas especificamente consideradas.

Nessa mesma linha de raciocínio, Ingo Sarlet afirma que os órgãos estatais, “[...] estão sujeitos a uma certa auto vinculação em relação aos atos anteriores. Esta, por sua vez, alcança tanto o legislador, quanto os atos da administração e, em certa medida, dos órgãos jurisdicionais”180. Isso porque o

Estado, por ter como corolário a segurança jurídica e proteção da confiança, encontra-se vinculado não apenas às imposições constitucionais no âmbito de sua concretização no plano infraconstitucional, mas aos seus atos realizados outrora.

No entanto, existem, na doutrina, defensores do não reconhecimento de um princípio da proibição de retrocesso na esfera das conquistas sociais, posição essa a qual defende, em síntese, que o conteúdo dos direitos fundamentais sociais não se encontra, de regra, definido no nível da Constituição; sendo ainda, indeterminável sem a intervenção do legislador181.

Nessa linha argumentativa, numa posição crítica acerca do tema, Suzana Barros observa que:

[...] a admissão de um princípio da proibição do retrocesso social, entendido como uma garantia dos direitos sociais perante a lei conflita com o princípio da autonomia do legislador, uma vez que o nível de determinação constitucional desses direitos parece ser nenhum.182

Sobre tal posicionamento doutrinário, Sarlet o contrapõe afirmando que a defesa da absoluta autonomia do legislador nesse âmbito estaria, na verdade, fulcrada na fraude do teor do texto constitucional. Isso porque, mesmo tendo-se em conta que o espaço de atuação do legislador é variável, ainda quanto aos direitos

179

CANOTILHO, op. cit., p. 256-257.

180SARLET, 2004, op. cit. p. 36. 181MENDONÇA, op. cit., p. 218 e ss. 182

BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de

Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica,

sociais, não se pode admitir que em nome dessa liberdade de conformação do legislativo se esvazie ou se desvalorize o teor jurídico dos direitos sociais, bem como sua própria fundamentalidade. Leia-se:

Com efeito, em se admitindo uma ausência de vinculação mínima do legislador (assim como dos órgãos estatais em geral) ao núcleo essencial já concretizado na esfera dos direitos sociais e das imposições constitucionais em matéria de justiça social, estar-se-ía chancelando uma fraude à Constituição, pois o legislador – que ao legislar em matéria de proteção social apenas está a cumprir um mandamento do Constituinte – poderia pura e simplesmente desfazer o que fez no estrito cumprimento da Constituição. Valendo-nos aqui da lição de Jorge Miranda (que, todavia, admite uma proibição apenas relativa de retrocesso), o legislador não pode simplesmente eliminar as normas (legais) concretizadoras de direitos sociais, pois isto equivaleria a subtrair às normas constitucionais a sua eficácia jurídica, já que o cumprimento de um comando constitucional acaba por converter-se em uma proibição de destruir a situação instaurada pelo legislador.183

Corroborando tal posicionamento, Luís Roberto Barroso184 sustenta que mediante o reconhecimento de uma proibição de retrocesso está a se impedir a frustração da efetividade constitucional, na medida em que, caso o legislador opte por revogar o ato que deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito, estaria acarretando um retorno à situação de anterior omissão inconstitucional.

José Vicente dos Santos Mendonça185 que, ao debater sobre as diversas

posições doutrinárias sobre o tema, ao referir-se quanto à distinção entre uma vedação genérica do retrocesso (aplicável às normas constitucionais em geral, cujo único efeito é impossibilitar que a legislação infraconstitucional que densifique as normas constitucionais delas demandantes seja, pura e simplesmente, revogada e não substituída por nenhuma outra) e uma proibição específica (essa voltada para a impossibilidade de redução do patamar jurídico alcançado quanto aos direitos sociais); e, à fundamentação do princípio da vedação do retrocesso na efetividade das normas constitucionais; afirma que, se a Constituição não traz somente um “[...] ser [...]”, mas também um “[...] dever ser [...]”, e se adquire força quando seus comandos são concretizados em sede legislativa – e assim vêm a realizar a sua

183

SARLET, 2007, op. cit., p. 448-449.

184

BARROSO, 2001, op. cit., p. 158-159.

pretensão de eficácia –, é conseqüencia natural que se proíba ao legislador frustrar a efetividade e a eficácia já alcançadas pela Constituição mediante a revogação de lei que regulamente suas disposições.

Sobre a acepção garantista do nível de realização dos direitos fundamentais sociais proposta pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Exma. Ministra Carmem Lúcia Antunes da Rocha enfatiza:

De se atentar que prevalece hoje, no direito constitucional, o princípio do não-retrocesso, segundo o qual as conquistas relativas aos direitos fundamentais não podem ser destruídas, anuladas ou combatidas, por se cuidarem de avanços da humanidade, e não dádivas estatais que pudessem ser retiradas segundo opiniões de momento ou eventuais maiorias parlamentares.186

Cumpre observar que o § 1º, do art. 5º da Lei Maior, impõe a proteção efetiva dos direitos fundamentais não somente contra a atuação do poder de reforma constitucional (de acordo com o disposto no art. 60, da CF88), mas também contra o legislador ordinário e os demais órgãos estatais que, em que pese estarem obrigados a um dever pleno de desenvolver e concretizar eficazmente os direitos fundamentais, não podem por vontade própria suprimir, pura e simplesmente ou estreitar seu conteúdo de maneira que invada o núcleo essencial do direito fundamental, ou ainda, atente contra as exigências da proporcionalidade e razoabilidade187. Portanto, o princípio da proibição do retrocesso, resulta, também, diretamente do princípio da maximização da eficácia de todas as normas de direitos fundamentais.

Desta feita, sempre que o legislador, comissiva e arbitrariamente, retornar a um estado correlato a uma primitiva omissão inconstitucional ou reduzir o grau de concretização de uma norma definidora de direito social, haverá retrocesso social o qual se traduz numa conduta omissiva do legislador, que, ao editar lei que revoga, total ou parcialmente, legislação anterior,

[...] retorna arbitrariamente ao estado originário de ausência de concretização legislativa da norma constitucional definidora de direito

186

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes da. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a

Exclusão Social. Revista Interesse Público, vol. 4, 1999, p. 41. 187SARLET, 2004, op. cit., p.37.

social ou reduz o nível dessa concretização a patamar inferior ao compatível com a Carta Magna.188

Numa perspectiva jurídico-evolutiva da sociedade, sempre que houver avanço na concretização em sede legislativa de normas definidoras de direitos fundamentais sociais, fica vedado ao legislador a possibilidade de, injustificadamente, extinguir ou reduzir o nível de concretização já conquistado. Assim, a vedação do retrocesso assume verdadeira feição de princípio constitucional fundamental implícito ao ponto de poder remetê-lo, no âmbito da estabilidade das relações jurídicas inerentes à segurança jurídica e à proteção da confiança, ao princípio do Estado de Direito, quanto, na condição de garantia da manutenção das conquistas sociais já firmadas, ao princípio do Estado Social, sendo ainda corolário da máxima eficácia e efetividade das normas de direitos fundamentais sociais e à segurança jurídica, assim como da própria dignidade da pessoa humana189.

3.3 Aplicabilidade do princípio da vedação do retrocesso no Direito

No documento MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (páginas 112-119)