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ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PRÁTICAS RELIGIOSAS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

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ANAIS DO SEMINÁRIO

INTERNACIONAL DE PRÁTICAS

RELIGIOSAS NO MUNDO

CONTEMPORÂNEO

Laboratório de

Estudos sobre Religiões e Religiosidades (LERR)

Universidade Estadual de Londrina (UEL)

20 a 22 de setembro

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In: Seminário Internacional de Práticas Religiosas No Mundo Contemporâneo (LERR/UEL), 4, 2016,

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“AS BRUMAS DE AVALON” (1982): PERSPECTIVAS TEÓRICAS A

PARTIR DA HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

Ana Carolina Lamosa Paes (UEM-G1)

Resumo: O presente artigo está vinculado ao Laboratório de Estudos em Religiões e Religiosidades (LERR) da

Universidade Estadual de Maringá, sob orientação da professora doutora Vanda Fortuna Serafim. Objetivamos analisar dois momentos de um ritual maior, que conta com o “Gamo-Rei” e o “Grande Casamento”, presentes no livro “As brumas de Avalon: a senhora da magia”, sendo este o primeiro volume de uma série de quatro livros de Marion Zimmer Bradley, escrito em 1979 e publicado em 1982, enquanto documento histórico para se pensar a História das Religiões. Nesse primeiro volume da coletânea, a história está centrada na resolução do conflito entre a ascensão da fé cristã, que chega à Bretanha por meio das invasões romanas, e a tentativa de resistência dos cultos pagãos, a partir da eleição de um novo rei descendente de Avalon, que nasce com a missão de unificar os povos, resistir aos saxões e governar unilateralmente para os cristãos e os pagãos. Em função da problematização da narrativa, a partir de Mircea Eliade (ANO), utilizamos os conceitos de “hierofania” e “cosmogonia”. Aproveitamos também os apontamentos de Roy Willis (ANO) acerca da interpretação de elementos presentes nos rituais.

Palavras-chave: Avalon. Cosmogonia. Hierofania. História das Religiões.

INTRODUÇÃO

O estudo em desenvolvimento trata da obra “As Brumas de Avalon”, de Marion Zimmer Bradley, escrita em 1979 e publicada em 1982, numa versão de volume único, pelo editor estadunidense Alfred A. Knopf. Apesar de ser uma única obra, ela aparece dividida em quatro livros: “A senhora da Magia”, “A grande Rainha”, “O Gamo-Rei” e “O Prisioneiro da Árvore”. No Brasil, foi publicado numa coletânea de quatro volumes pela editora Imago, traduzidos os três primeiros volumes por Waltensir Dutra e o quarto por Marco Aurelio P. Casarino. A mesma editora reeditou diversas vezes com alterações estéticas na capa e contracapa. Para este estudo, usamos o primeiro volume da última versão publicada.

A obra trata da lenda arturiana, tendo como fonte de inspiração a obra de Sir Thomas Malory, “La mort d’Artur” (1470), destoando um pouco da história mais comumente conhecida por nós, através da animação norte-americana “A espada era a lei” (The Sword in

the Stone), dirigido por Wolfgang Reithermane, baseado no livro de mesmo nome, primeiro

dos cinco volumes que compõem "O Único e eterno rei", de T. H. White e produzida pela Disney em dezembro de 1963. A animação conta a história da espada fincada na pedra e que

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só poderia ser retirada pelo verdadeiro herdeiro do trono. Usando uma abordagem inovadora, Bradley abre espaço para as mulheres da lenda, sendo este um significativo diferencial da história habitualmente conhecida. Ao criar a sua versão, a autora as coloca no centro de toda a mudança cultural e religiosa da época, restaura Morgana e a Senhora do Lago como partes ativas, reais e integrais do drama. A trama da obra se passa na Idade Média, durante os conflitos da Bretanha com os saxões invasores. Contém elementos de magia e reflete muito do que acreditamos ser um imaginário medieval, a respeito da vivência da religião.

O ponto de partida do enredo são as filhas de Avalon: Viviane, a Senhora de Avalon; Morgouse, sua irmã; Igraine, mãe de Artur e Morgana, aquela que deverá substituir Viviane, após sua morte, como Senhora de Avalon. O fato histórico perpassado pela lenda é a busca pela unificação da Bretanha, com o fim de lutar contra a invasão saxônica, e a disputa entre a fé cristã em ascensão e os cultos pagãos tradicionais da região. Tal rivalidade é

representada na obra porGwenhwyfar, esposa cristã e bastante submissa de Artur, e Morgana,

que vive a liberdade e autonomia proporcionada pelos cultos pagãos. A lenda do Rei Artur é contada do ponto de vista das mulheres, por meio das vidas, visões e percepções, especialmente, por Viviane e Morgana.

Após seu lançamento, a coletânea esteve na lista dos Best Sellers do New York

Times por três meses e, devido a seu sucesso, foi adaptada para filme no ano de 2001, sob

direção de Uli Edel, roteiro de Gavin Scott, produção de Bernd Eichinger e Gideon Amir, com fotografia de Vilmos Zsigmond e trilha sonora de Lee Holdridge. Sob título “The Mists of Avalon”, o drama com duração de 183min, foi trazido ao Brasil com o nome de “As Brumas de Avalon”, sendo distribuído pelos estúdios Warner Bros. Pictures, e conta com nomes como Anjelica Houston no papel de Viviane, Julianna Margulies como Morgana,

Caroline Goodall como Igraine, e Edward Atterton atuando como Artur. (PINHEIRO, 2011)

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Zimmer Bradley, ao longo de sua vida, esteve envolvida e explorou diversas crenças – Pre-Gnostic Nicene Catholic Church, Neopaganismo (influenciado por Dione Fortune). Embora se apresentasse como cristã, explorou crenças neopagãs e tinha interesse especial pelo ocultismo, o que a levou a estabelecer o Centro para a Religião Não-Tradicional.

Estrutura e enredo da obra

O objeto de estudo para produção do presente artigo é “A Senhora da Magia”, primeiro livro da coletânea “As Brumas de Avalon”. A obra conta a história de Igraine, filha de Avalon, que é dada em casamento a Gorlois, duque da Cornualha, no intuito de selar uma união entre a fé cristã e o povo de Avalon.

A história tem início com Gorlois lutando em batalhas persistentes na região da Bretanha, e Igraine recebendo em Tintagel, seu palácio, a visita de Viviane, Alta Sacerdotisa, acompanhada de seu pai Taliesin, o Merlin. Nessa visita, Viviane revela a Igraine que tivera uma visão na qual Gorlois morreria em alguns meses sem deixar herdeiros, e lhe diz também que ela irá gerar o líder que salvará a Bretanha, mas que esse filho não será fruto do seu casamento com Gorlois e sim com um homem que usa o símbolo do dragão ou serpente e que não é saudoso dos cultos cristãos, o rei Uther Pendragon.

Igraine se sente usada e mostra-se contrária, dizendo sentir-se como fantoche dos desejos da Deusa, mas com o retorno de Gorlois e anúncio da iminente morte do Rei da Bretanha, percebe que será difícil de escapar ao seu destino. Ambos viajam e quando chegam para se despedir do rei, Igraine conhece Uther e sente-se atraída por ele. Com a ajuda da magia e de Merlin eles conseguem enganar a todos em Tintagel, proporcionando, assim, ao casal, a noite na qual Igraine concebe o filho. Casam-se imediatamente após a morte de Gorlois, que acontece logo em seguida a tais fatos. Desta união nasce Artur, aquele que irá tornar-se Rei da Bretanha.

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ela volta a Avalon acompanhada da sobrinha, que pouco a pouco vai questionando os aprendizados cristãos e incorporando os valores pagãos.

Depois de anos de treinamento, Morgana se torna uma sacerdotisa e lentamente avança para a substituição de Viviane como Senhora de Avalon. Nesse momento, ambas recebem a visita de Lancelot, chamado de Galahad em Avalon, filho único de Viviane e fruto do casamento sagrado. Neste encontro Morgana se apaixona por Lancelot e este quase a corresponde, mas após o encontro com Gwenhwyfar se vê imediatamente preso aos seus encantos. Tal situação causa profundo desgosto em Morgana que, a partir daquele momento, torna-se uma mulher bastante fria quanto aos assuntos do coração.

Por sua vez, Artur, criado por outra família, é chamado para reivindicar o trono da Bretanha, já que Uther se aproxima da morte. Para cumprir a profecia, Artur deve passar pelo ritual do Gamo-Rei e, se obtido o sucesso, receber a espada Excalibur, vinda da lenda, como forma de selar o acordo de que governaria tanto para os cristãos quanto para Avalon.

A ilha de Avalon é o centro pagão do poder e um mundo invisível e resguardado pelas brumas, porém ameaçado pelo cristianismo que avança pela Inglaterra. Viviane, com a intenção de salvar Avalon, toma uma difícil decisão que irá atingir Morgana de forma pessoal e causará uma grande cicatriz no relacionamento de ambas. Na tentativa de unir a linhagem de Avalon com a de Artur, Viviane trama para que Morgana, como parte do seu treinamento de sacerdotisa, participe de um ritual de fertilidade durante as festividades do início da Primavera. Durante o ritual, acontece o chamado Grande Casamento, que é quando Morgana, a Donzela Caçadora, e Artur, o Galhudo – a Deusa e o Deus – deverão consumar o ato sexual. O que Morgana não sabe é que o homem escolhido é seu irmão Artur. Aos primeiros raios de sol da manhã, já como humanos e não como deuses, é quando eles percebem quem são realmente. Morgana retorna a Avalon tomada por um profundo sentimento de traição da parte de Viviane e, sem sucesso, busca confrontá-la.

Morgana e outros de Avalon vão à cerimônia de coroação de Artur e lá reencontra sua mãe Igraine e a Tia Morgouse, que logo percebe que sua sobrinha está gestante, e busca descobrir informações sobre a gravidez. Morgana fica ainda mais perplexa, pois desconhecia tal fato, e assim nada revela à tia Morgouse, que se oferece para ajudar com o bebê.

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do Rei Lot onde sua tia Morgouse a acolhe para que passe todo o período em que gestará o herdeiro do Rei da Bretanha.

Hierofania, cosmogonia e tempo mítico: uma análise do ritual do Gamo-Rei e do Grande Casamento

A fim de analisar o livro “As brumas de Avalon”, enquanto documento histórico, na perspectiva da história das religiões, partimos do conceito de “hierofania”, tal qual definido teoricamente por Mircea Eliade (1992), para pensar tanto os espaços sagrados presentes na obra quanto a hierofania e a repetição da cosmogonia inicial. Assim, a partir destes conceitos, faremos o recorte do capítulo XV da obra, onde encontramos os rituais do Gamo-Rei e do Grande Casamento, em cujo texto podemos identificar as referidos concepções, para então buscar desvelar uma maior compreensão das significações e simbologias por trás de ambos.

Com relação à interpretação através dos objetos simbólicos apresentados na obra, podemos evidenciar, num primeiro olhar, a presença do Gamo, uma espécie de mamífero da família dos cervídeos, encontrado no Sul da Europa, com cerca de 1,75m de comprimento, chifres em forma de galhada plana, com várias pontas, e pelagem castanha manchada de branco. Parte do ritual constitui-se pela luta entre o consorte masculino escolhido e o maior e mais forte gamo do bando. É preciso matar o gamo para substituí-lo, enquanto galhudo, e assim derramar o sangue, isto é, consumar o sacrifício.

Ele triunfou, ele matou...

...o sangue de nossa Mãe jorrou sobre a terra... ... o sangue do Deus foi derramado sobre a terra... ... e ele se levantará e reinará para sempre...

... ele triunfou e triunfará para sempre até o fim do mundo... (BRADLEY, 2008, p.192).

Em Roy Willis (2007) encontramos uma referência a respeito da imagem do cervo e dos chifres, quando ele chama de “Cernunnos, o Chifrudo” sendo atribuído a uma deidade masculina, representando fertilidade e abundância, e também o provedor:

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represente a fertilidade e o renascimento da terra na primavera. A associação com a serpente é sugestiva, pois a serpente é um símbolo generalizado de fertilidade e renascimento, ligado ao mundo subterrâneo. Na tradição gaélica, ela ressurge no dia de Santa Brígida, marcando o retorno da primavera. A serpente de cabeça de carneiro ligada a Cernunnos simboliza duplamente, portanto, virilidade e renovação (WILLIS, 2007, p.179).

O autor também traz uma contribuição acerca da lenda arturiana, bastante enraizada na tradição céltica, mas que, segundo ele, só se tornou prestigiosa e popular quando caiu nos gostos da literatura medieval da Europa Continental. “No entanto, Artur já era uma figura conhecida na tradição galesa pelo menos desde o início do século VIII. Em uma das referências mais antigas, a de Nennius em sua história dos bretões, Artur é um líder guerreiro que defende seu país contra os invasores saxões” (WILLIS, 2007, p.189). Entretanto, Willis (2007) afirma que grande parte dos contos sobre Artur são situados como “mito e folclore”, embora haja alguma referência a “Artures” guerreiros. Ademais, encontra-se juntamente desta referência a imagem de uma ilustração medieval onde a Excalibur é atirada ao lago e é pega pela Senhora do Lago antes mesmo de atingir a água, que nos faz perceber que, embora um tanto quanto diferentes, as histórias coincidem em alguns pontos.

Encontramos também referências de interpretações possíveis acerca do animal gamo, na obra de Chevalier (1993), onde ele nos conta que muitas vezes o cervo é comparado a árvore da vida, já que em sua galhada podemos identificar pontos como a renovação periódica. “Simboliza a fecundidade, os ritos de crescimento, os renascimentos. [O cervo é uma imagem arcaica da renovação cíclica]” (ELII apud CHEVALIER, 1993, p.223). O cifre carrega a simbologia do poder. Evoca os prestígios da força vital, da criação periódica, da vida inesgotável e da fecundidade; o que reflete diretamente as características por trás do ritual, que tem um caráter bastante acentuado no que diz respeito a fertilidade e celebração da vida (CHEVALIER, 1993).

Pensando nesta noção de “criação periódica”, podemos nos recordar de Mircea Eliade (1992) e seu conceito de cosmogonia. A cosmogonia constitui-se pela fundação de um Cosmo, que pode vir a se dar a partir de uma hierofania. Pela definição do referido autor, podemos conceituar “hierofania” como sendo a anunciação do sagrado: “O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano” (ELIADE, 1992, p.13).

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identificar sua ocorrência durante o ritual do Grande Casamento, em que homem e mulher, sendo tomados pelos Deuses, a partir dessa tomada não mais controlam seus atos, já que agora são movidos pelos desejos divinos:

Ofuscada, aterrorizada, semiconsciente apenas, sentiu a força da vida tomar posse de ambos, movendo seu corpo sem vontade, movendo-o também, guiando-o vigorosamente para dentro dela, até que ambos começaram a se mexer, sem saber que força os dominava (BRADLEY, 2008, p.193).

No trecho apresentado acima percebemos que a personagem Morgana sofre uma ausência do controle de si, para conceder lugar apenas à presença dos deuses. Nesta passagem, é passível de observação que Morgana presencia uma manifestação do sagrado, dos deuses, em seu próprio corpo. A partir desse momento, o corpo de Morgana torna-se uma hierofania, pois os deuses o utilizam para compor seus desejos, como parte do plano sagrado. Morgana, tomada pela presença sagrada, é preparada para o ritual de uma forma em que se configura uma purificação: “Foi levada da ilha ao amanhecer, em silêncio, envolta em mantos e véus de tal modo que nenhum olhar profano pudesse ver a consagrada, numa liteira fechada, de maneira que nem mesmo o sol poderia brilhar em seu rosto” (BRADLEY, 2008, p.229).

Desse modo, a partir da ocorrência da hierofania temos então a fundação de um espaço sagrado, e este espaço dura por toda a noite em que ambos nele estão, e em poder dos deuses, manifestando-se. “Todo espaço sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferente” (ELIADE, 1992, p.20).

A manifestação do sagrado implica também, de acordo com Eliade (1992), a instauração de um tempo mítico, ligado à carência cronológica comum no âmbito do profano. Durante a narrativa do Grande Casamento, a questão do tempo é um fator bastante representativo durante o ritual. A percepção do tempo por Morgana é alterada e ela já não tem mais a noção de sua passagem: “o tempo arrastando-se e correndo, sucessivamente, Morgana começou a ver – e de muito longe parecia ter visto isso antes, numa visão, alguma vez, em algum lugar, há muito tempo [...]” (BRADLEY, 2008, p.234).

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[...] a criação cósmica, ou pelo menos sua realização, é o resultado de uma hierogamia entre o Deus Céu e a Terra Mãe. Este mito cosmogônico,bastante difundido, é encontrado sobretudo na Oceania da Indonésia à Micronésia – ,mas também na Ásia, na África e nas duas Américas. Ora, como vimos, o mitocosmogônico é o mito exemplar por excelência: serve de modelo ao comportamentodos homens. É por isso que o casamento humano é considerado uma imitação da hierogamia cósmica (ELIADE, 1992, p.72).

Tendo como base estas noções de Eliade (1992), conseguimos perceber o ritual do Grande Casamento como a manifestação de uma criação cósmica, ou seja, de uma cosmogonia. Isso é evidenciado pela tomada do corpo de Morgana e Artur pela Deusa e pelo Deus, ambos tomados pelo sagrado, no qual a ritualística do casamento e do sexo, levando à cosmogonia, sendo uma hierogamia cósmica.

Durante o ritual, Morgana faz diversas observações que nos servem de pistas para interpretar a ocorrência do Grande Casamento sob a perspectiva cosmogônica, pois, afinal, este ritual ocorre na Primavera, momento em que tudo ganha ou retorna à vida:

Estavam num morro, a cavaleiro de um vale coberto por floresta espessa, vazio e silencioso, mas Morgana pôde sentir a vida que palpitava lá dentro – os gamos movendo-se com pés silenciosos e leves, os animais subindo nas árvores, os pássaros nos ninhos, alçando voo, movimentando-se, o pulsar da vida do início da fase da primeira lua cheia da primavera (BRADLEY, 2008, p.232).

Sendo muito forte a ligação da mulher com a terra, Mircea Eliade (1992, p.69) nos fala sobre este elo estabelecido entre o “dar a vida” que cabe à mulher tal qual reflete a característica do solo, a tarefa da maternidade: “Mas como ousaria eu cortar a cabeleira de minha mãe? ”. Na narrativa do ritual, logo no início, enquanto Morgana é preparada para uma nova fase do rito, identificamos um momento em que ela recebe um arranjo, feito com as primeiras flores colhidas naquela estação: “[...] coroaram-na com as primeiras flores da primavera” (BRADLEY, 2008, p.233).

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Outra característica muito interessante a se pensar a respeito das simbologias presentes na narrativa do ritual é acerca da lua. O ciclo lunar tem grande significação ao se pensar sua relação com a mulher. A lua regula o ciclo das marés e o ciclo da menstruação, por exemplo. “O ciclo menstrual contribuiu, sem dúvida, para tornar popular a crença segundo a qual a Lua é o primeiro esposo das mulheres. Os papus consideram a menstruação como uma prova das ligações que as mulheres e as moças têm com a Lua [...]” (ELIADE, 1993, p.137).

Considerações finais

O presente artigo buscou apresentar, através de levantamentos no corpo da obra, uma série de apontamentos e indagações possíveis a se fazer na obra literária “As brumas de Avalon” (2008), ainda que este é um estudo preliminar e restrito a um primeiro olhar a respeito do tema. Nossa proposta foi a de analisar a referida obra, a partir da perspectiva da História das Religiões e, neste sentido, utilizamos conceitos definidos por Mircea Eliade (1992) que nos pareceram fundamentais.

Fazendo um recorte do capítulo XV, percebemos que o Gamo-Rei e o Grande Casamento podem se apresentar como narrativas mitológicas. Com isso, algumas evidências no decorrer do capítulo nos evidenciaram como, no caso de Morgana, ocorreu manifestação do sagrado, ou seja, hierofania. Além disso, o ritual que precede o Grande Casamento, assim como o ato que o consuma, podem ser entendidos como uma cosmogonia.

Dessa forma, os conceitos apresentados pelo historiador das religiões, Mircea Eliade (1992), podem ser de grande auxilio teórico ao olharmos para uma fonte literária como é o caso de “As brumas de Avalon”. Contudo, ressaltamos que as considerações de Eliade (1992) sobre hierofania, cosmogonia e tempo mítico, são apenas possibilidades, não anulando as demais perspectivas que podem ser usadas ao observarmos a totalidade da fonte.

Referências

BRADLEY, Marion. As brumas de Avalon: A senhora da magia. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Imago, 2008.

CAMPBELL, J. O poder do mito. Betty Sue Flowers (Org.). São Paulo, Palas Athena, 1990.

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símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro, José Olympio, 1993.

ELIADE, Mircea. Tratado de história das religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1993.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Tradução de Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo, Martins Fontes, 1991.

ELIADE, Mircea. História das crenças e das ideias religiosas. Volume I. Da Idade da Pedra aos mistérios de Elêusis. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.

MALORY, T., Sir. Le morte d’Artur. [S.1.:s.n.]. Disponível em: <http://www.sacred-texts.com/neu/mart/mart494.htm> Acesso em 05 de setembro de 2016.

PINHEIRO, R.K. Viviane e Morgana: uma nova dicotomia em meio à tensão discursiva de as Brumas de Avalon. 351p. (Tese) Doutorado em Letras, Universidade Católica de Pelotas, 2011.

WILLIS, Roy. Mitologias: deuses, heróis e xamãs nas tradições e lendas de todo o mundo. (Tradução de Thaís Costa e Luiz Roberto Mendes Gonçalves). São Paulo, ). São Paulo, Publifolha, 2007.

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