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O enigma do espaço-tempo : considerações sobre a relação material entre a aceleração do mundo e a pós-modernidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

VICTOR HUGO ANDRADE ALVES

O ENIGMA DO ESPAÇO-TEMPO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO MATERIAL ENTRE A ACELERAÇÃO DO MUNDO E A

PÓS-MODERNIDADE.

SÃO CRISTÓVÃO/SE 2019

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VICTOR HUGO ANDRADE ALVES

O ENIGMA DO ESPAÇO-TEMPO: CONSIDERAÇÕES

SOBRE A RELAÇÃO MATERIAL ENTRE A

ACELERAÇÃO DO MUNDO E A PÓS-MODERNIDADE.

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Ivan Fontes Barbosa

SÃO CRISTÓVÃO/SE 2019

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Dedico o trabalho aos meus avós maternos, por tudo o que tenho, em todos os sentidos possíveis.

À minha tia Luciana, por sempre ter estado comigo nos momentos mais difíceis.

Ao meu tio Augusto, por me mostrar que mera questão sanguínea não define laços familiares.

Ao meu primo Leonardo, a quem considero um irmão. À Rafaella, amiga de longa data e hoje minha companheira.

À todos que acreditam, mesmo que melancolicamente, que a História ainda não deu o apito final e que no fim, ela estará do nosso lado.

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AGRADECIMENTOS

A possibilidade deste trabalho só foi possível mediante um esforço de pessoas que estão ou já passaram por minha vida.

Agradeço a minha avó Livônia, por continuar a ser uma mãe para mim, pessoas como ela são um dos motivos de quem eu sou hoje.

Agradeço a meu avô Antônio (in memoriam), por ter sido como um pai para mim e por ser o homem mais altruísta que conheci na vida.

Agradeço aos meus tios Luciana e Augusto, por estarem sempre comigo sempre e por me ajudarem na minha formação como ser humano.

Agradeço ao meu primo Leonardo, por estar sempre de bem com a vida, mesmo que tenha grandes problemas com tão pouca idade.

Agradeço a minha namorada Rafaella, que recentemente começou a caminhar comigo e me ajudar em tudo.

Agradeço ao Professor Rogério pela orientação e por ministrar de maneira fantástica as matérias de Sociologia.

Agradeço ao Professor Ivan pela orientação desde o projeto de mestrado, por pegar este trabalho já na reta final e pelos debates ligeiramente polêmicos na sala de aula, com uma maneira de ensinar muito mais baseada na formação humanista do que no ethos mercadológico que se apresentam já alguns cursos de humanas pelo Brasil.

Agradeço ao Professor Josadac (in memoriam) por ter sido um dos únicos professores que eu conheci do qual a formação religiosa não atrapalhou em nenhum momento os debates acadêmicos em sala de aula.

Agradeço ao Professor Caio Amado por ter sido o fator decisivo para que eu saísse de Engenharia e ingressasse nas Ciências Sociais, sendo uma pessoa maravilhosa e um grande intelectual, de um simplismo cada vez mais único nestes dias.

Agradeço aos meus grandes amigos, a quem considero igualmente família, não me cabe citar aqui, pois eles sabem quem são.

Agradeço os anos em que estive UFS, que me fizeram crescer como pessoa. Por essa razão, pretendo passar o resto de minha vida na instituição, em outras posições, se ela me permitir.

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“Nunca acreditei que a liberdade do homem consiste em fazer o que quer, mas sim em nunca fazer o que não quer, e foi essa liberdade que sempre reclamei, que muitas vezes conservei, e me tornou mais escandaloso aos olhos dos meus contemporâneos. Porque eles, activos, inquietos, ambiciosos, detestando a liberdade nos outros e não a querendo para si próprios, desde que por vezes façam a sua vontade, ou melhor, desde que dominem a de outrem, obrigam-se durante toda a sua vida a fazer o que lhes repugna, e não descuram todo e qualquer servilismo que lhes permita dominar.”

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RESUMO

Este trabalho consiste em demonstrar a relação material entre a aceleração do mundo e a pós-modernidade. A aceleração do mundo acontece no fenômeno de compressão do espaço-tempo, sendo este é gerado a partir das transformações tecnológicas que acabam por criar condições materiais possíveis para uma construção de sistemas de comunicação e transporte a nível global numa velocidade nunca vista. Esse processo acarreta efeitos profundos no sentido o qual o homem percebe o mundo e o espaço-tempo. A pós-modernidade é uma condição na qual o efêmero, o caótico e o historicamente descontínuo tornam-se dominantes nas relações sociais e na maneira de se perceber o mundo – não existem mais metanarrativas da quais precisamos seguir, tampouco há um objetivo final para que dê sentido a este estado de eterna mudança, caberia então ao homem aproveitar o estado presente contínuo que o mundo pós-moderno oferece, reforçando sua pluralidade e a diferença contra ideias como a uniformidade, a teleologia e a história. O problema que nossa pesquisa procurou responder foi: Qual a relação entre a compressão do espaço-tempo e a pós-modernidade? Onde se dá sua convergência? O método teórico utilizado foi o materialismo-histórico-geográfico, sendo necessário não só levar em conta a questão temporal, mas também o espaço, para se chegar a verdades históricas e geográficas, como diria David Harvey. Posteriormente, baseado no desenvolvimento dos três tópicos, procuramos incorporar a tese de que a condição material é dominante (em primeira instância) para a produção do sentido que o homem e sua sociedade tem sobre o espaço- tempo. A pesquisa foi de caráter teórico, baseado na pesquisa bibliográfica. Chegamos então a conclusão que a mudança do caráter de acumulação do capitalismo, do fordista para o flexível (a partir da processo de libertação do capital pelo globo) transformou o sentido do espaço-tempo para o homem, gerando na superestrutura a condição de efemeridade, fragmentação e instabilidade, condição esta da qual a pós-modernidade é formada.

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ABSTRACT

This work consists in demonstrate the material relation to the acceleration of the world and the condition of post-modernity. The acceleration of the world happens with the phenomena of the space-time compression, with this being generated on behalf of the technological transformations which ends up creating possible material conditions for construction of communications and transport systems in a global leve at a speed never seen before. This process generates deep effects in the sense which men perceive the world and space-time. Post-modernity is a condition which the ephemeral, the chaotic and the historically discontinuous become dominant on the social relations and the way it sees the world – there is no more metarratives that we can follow anymore, neither we have a final goal which gaves sense to this state of eternal change. To mankind, the only option which remained is to enjoy the continuous present condition which the postmodern world offers, reinforcing its plurality and difference against ideias such as uniformity, any kind of teleology and even history itself. The problem that our research sought out to answer was: What's the relation between the time-space and post-modernity? What are the convergences? The theoretical method used was geographical-historical- materialism, with it being necessary not only taking into account the time question, but space as well, to get to historical and geographical truths, as David Harvey said. Posteriorly, based on the development of the three topics, we sought to incorporate the thesis which the material condition is dominant (at first instance) for the production of meaning which man and his society has about space-time. This was a theoretical research, based on bibliographic research. Our conclusion is that the change in the character of capitalist accumulation, from fordism to flexible (starting with the process of liberation of capital to dominate the globe) transformed the meaning of space-time to man, generating in the superstructure the condition of ephemerality, fragmentation and instability which the condition of post-modernity is formed.

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SUMÁRIO

Sumário

1 – Introdução ... 9

1.1

– Objetivos ... 13

1.1.1

– Objetivo Geral ... 13

1.1.2

– Objetivos Específicos ... 13

1.2 – Metodologia ... 13

2

– O Tempo ... 15

2.1

– O problema dos “Dois Tempos” ... 16

2.1.1

– O Tempo Físico e seus partidários ... 17

2.1.2

– O Tempo Social e seus partidários ... 19

2.1.3

– A resposta elisiana ao problema ... 21

2.1.4

– A Materialidade na Síntese Temporal ... 23

2.2

– Condição Histórica do Tempo ... 26

2.2.1

– Noções de Tempo na Condição Pré-moderna ... 27

2.2.2

– Noções de Tempo na Condição Moderna ... 31

3

– O Espaço ... 34

3.1

– Espaço na Modernidade ... 35

3.2

– Espaço e Globalização ... 41

3.3

– Observações Finais sobre o Espaço ... 47

4

– A Condição do Espaço-tempo nos dias atuais ... 48

4.1

– Compressão do Espaço-tempo e a Pós-Modernidade ... 50

4.2

– A Relação entre a Pós-Modernidade e o Neoliberalismo .. 54

5

– Considerações Finais ... 59

(9)

9 1

Introdução

Atualmente – e mais do que nunca – vivemos em uma era de processo contínuo de impermanência no mundo, finalmente podendo afirmar que o ethos heraclitiano sobre o modo como as coisas estão sempre condenadas a eterna mudança nunca foi tão descritivo da condição humana. A atual mutação do espaço- tempo que é fomentada principalmente por disposições econômicas criam uma visão de mundo fragmentada e caótica para os sujeitos que nela vivem – tudo torna-se passageiro, artificial, mercantilizado e descartável – sejam as mercadorias ou o homem.

Sennett (2006, 2009) e Harvey (2008), relacionam a fragmentação com o processo de “flexibilização” do trabalho: A partir das transformações dos anos 70 e 80 na economia, o enfoque na adequação do trabalho inteiramente ao capital criaram novas formas sócio-culturais de encarar as relações cotidianas entre os homens.

A partir das imposições na forma como o mercado configura-se atualmente, os sinais da fragmentação recaem sob várias formas: (1) afrouxamento de laços com família, amigos e comunidade, resultado de uma maior jornada de trabalho e/ou distanciamento maior destes grupos diante de uma disponibilidade maior para o trabalho; (2) a impermanência em um posto, ou seja, os empregos do novo capitalismo são em sua maioria passageiros e tidos como “projetos” ao invés de “carreiras”, logo o sujeito deve “pular” de emprego em emprego, gerando incertezas sobre seu futuro; (3) o afastamento das instituições sociais que outrora garantiram um mínimo de bem estar social, dando-lhes não só estabilidade financeira quanto um projeto de vida determinado a partir dos ganhos que sua classe poderia garantir.

Byung-Chul Han (2016) sustenta que em nossa era a (o que o autor chama de) vida ativa, isto é, a vida ligada ao trabalho e a produção que tornou-se dominante desde a modernidade, acaba por reduzir o homem a um incessante estado de cinismo, descrença e rejeição para com preceitos como lealdade, compromisso e a promessa e para com grupos como amigos e mesmo a família. A vida ativa está intimamente ligada também para com a aceleração do tempo e espaço (este não sendo a causa para o autor, mas um efeito da atual dissincronia do tempo), cujo imperativo faz com que precisemos estar trabalhando o tempo todo, acabando por nos degradar como sociedade e nos impossibilitar nosso reconhecimento como

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10 seres autênticos e contempladores da vida.

A era em que nós vivemos é denominada por autores como Lyotard (2009), Harvey (2008), Han (2016) como de era pós-moderna. Embora a maneira como encaram esta condição por tais autores seja diferente, todos eles concordam numa era de efemeridade, instabilidade e de fragmentação.

Efemeridade, porque nada é feito para durar – desde as mercadorias, as relações, o consumo. Tudo torna-se a curto prazo e sem compromisso. Instabilidade pois a confusão num mundo globalizado e as tecnologias de comunicação instantânea e de transportes cada vez mais rápido requerem uma mobilidade maior do individuo no mundo, ele não tem saída a não ser seu movimento pelo espaço ou ser arrastado pelo espaço que lhe é retirado de seus pés, partindo para áreas marginalizadas, como guetos e favelas. Fragmentação, pois não há mais um “eu” unificado que possa justificar uma narrativa de vida, pois dado a instabilidade e efemeridade que permeiam o sujeito, a história de sua vida torna-se meros fragmentos, episódios desconexos que nada tem a ver um com o outro.

Segundo Bauman

Agnes Heller conta que num dos seus vôos de longa distância conheceu uma mulher de meia-idade, empregada de uma empresa de comércio internacional, que falava cinco línguas e possuía três apartamentos em três lugares diferentes. Ela migra constantemente entre diversos lugares e sempre está para cima e para baixo. E faz isso por conta própria, não como membro de uma comunidade qualquer, embora muitas pessoas façam como ela ... O tipo de cultura de que participa não é a cultura de um determinado lugar, mas a de um tempo. É a cultura do presente absoluto. (BAUMAN, 1999, n.p.)

Consoante ao fenômeno da degradação, Sennett reflete sobre os efeitos da fragmentação em torno da analise do cotidiano de um empreendedor no capitalismo flexível:

Esse conflito entre família e trabalho impõe algumas questões sobre a própria experiência adulta. Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável. (SENNETT, 2009, p. 27)

(11)

11 Também é notável o destaque do crescente fenômeno de individualização que inicia na modernidade mas é intensificado na condição pós-moderna, pois vemos que

A individualização chegou para ficar; toda elaboração sobre os meios de enfrentar seu impacto sobre o modo como levamos nossas vidas deve partir do reconhecimento deste fato. A individualização traz para um número sempre crescente de pessoas uma liberdade sem precedentes de experimentar – mas (timeo danaos et dona ferentes) traz junto a tarefa também sem precedentes de enfrentar as consequências. O abismo que se abre entre o direito e à auto-afirmação e a capacidade de controlar as situações sociais que podem tornar essa auto-afirmação algo factível ou irrealista parece ser a principal contradição da modernidade fluida – contradição que, por tentativa e erro, reflexão crítica e experimentação corajosa, precisamos aprender a manejar coletivamente. (BAUMAN, 2001, p. 47).

Essas transformações que mantem este eterno estado de mudança foram empreendidas tanto pelo avanço tecnológico que insiste em diminuir a distância cada vez mais, por criar métodos e técnicas que consigam acelerar cada vez mais o tempo; como também pelo próprio capitalismo, modo de produção atualmente dominante no planeta, responsável pela concretização das aplicações tecnológicas que observamos, objetivando seu interesse exclusivo na sua própria reprodução como sistema, visando o lucro e sua expansão espacial – necessidades que são igualmente importantes para a sobrevivência do capital.

O tempo aqui torna-se uma categoria fundamental para a produção de mercadorias em massa e para a corrida de inovação e eficiência que as empresas desejam atingir e assim garantir seu espaço (ou até hegemonia) nos mercados. Desde a Revolução Industrial, observamos uma tendência cada vez maior da conquista do tempo peço espaço, isto é, a aceleração do tempo não só acaba por diminuir a distância entre os fluxos econômicos, mas também transforma rapidamente o espaço.

O fenômeno da compressão do espaço/tempo advém tanto das técnicas criadas para a aniquilação do espaço pelo tempo, isto é, o tempo basicamente deixa de existir frente o seu percurso pelo espaço, como também (e talvez mais primordial ainda) o uso dessas técnicas a serviço do modo de produção capitalista em sua fase atual, com o capital livre para circular pelo globo e para modificar espaços e determinar o destino da maior parte da população a partir da motivação do lucro.

Bauman (1999) nos mostra que um exemplo que marca a era atual da compressão espaço-temporal é o efeito dos chamados “proprietários ausentes”, isto

(12)

12 é, detentores de propriedades em um nível global que não vivem no espaço no qual são donos ou vivem se deslocando pelo globo, a partir do uso de seu poder econômico. Essas elites detentoras deste título estão cada vez mais desprendidas do poder político e cada vez mais tomam o mundo como sua “casa/vizinhança”.

Por outro lado, a transformação social da qual essa condição humana fragmentada emerge também depende da produção social do espaço, como vemos em vários autores (SANTOS, 1994; HARVEY, 2008; GODOY, 2008; COSTA, 2014) a importância da relação dialética entre o homem, o espaço e o tempo.

O problema de nossa pesquisa foi: Qual a relação entre a compressão do espaço-tempo e o período pós-moderno? Quais são os fatores determinantes na construção destes fenômenos?

O estudo do tema apresentado acima se faz necessário para compreender as transformações sociopolíticas e culturais do mundo contemporâneo e como as categorias que serão debatidas influenciam e poderão influenciar o mundo a partir de seus novos desdobramentos, já que estes fenômenos afetam diretamente a sociedade, fazendo com que o campo das Ciências Humanas, principalmente a Sociologia, tenha de se adequar às novas formas de sociabilidade e as novas condições em que o homem torna-se contigente, e não mais no controle (ilusório ou não), de sua própria criação.

Desenvolvemos o trabalho com a intenção de dividir a monografia em três partes: Na primeiro tópico tentaremos discutir a evolução epistemológica da síntese do tempo, destacando a visão elisiana nos problemas entre as narrativas dos defensores da noção de “tempo físico” de um lado e os defensores do “tempo social”, de outro. Ainda no tocante ao tempo, analisaremos o sentido dele tanto na condição pré-moderna – em seus variados estágios, já que civilizações contemporâneas entre si poderiam ter noções diferentes de tempo – quanto na condição moderna, esta que universalizaria uma versão baseada no trabalho em detrimento de outras.

Na segunda parte, passaremos a explicar o espaço e sua relação tanto com a modernidade, quanto para com o processo de globalização. Neste sentido, procuraremos responder como a transformação do espaço tem consequência na sociedade e como é construído o sentido do espaço para o homem. Iremos discorrer também sobre como o sistema econômico capitalista age e retroage no espaço mundial, destacando o regime de dominação de espaços sobre outros espaços e da

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13 expansão espacial a partir dos interesses econômicos.

Na terceira parte, faremos uma analise relacional do fenômeno da compressão do espaço-tempo, da condição pós-moderna e do neoliberalismo como fase atual do capitalismo globalizado: Pretendemos mostrar as conexões entre os três processos e apontar as causas principais de suas convergências, além dos seus impactos que ecoam até os dias de hoje.

1.1 – Objetivos

1.1.1 – Objetivo Geral

Analisar o fenômeno da compressão do espaço-tempo e sua relação com a condição fragmentada do sujeito na pós-modernidade. Onde se dá a sua convergência?

1.1.2 – Objetivos Específicos

• Mapear as noções de espaço e tempo pela história;

• Discutir o caráter do processo de Globalização e sua influência na modificação do espaço-tempo;

• Apontar a natureza social do sentido do espaço-tempo pelo homem. 1.2 – Metodologia

Dada a natureza teórica na qual produzimos nossa pesquisa, adotamos como método exclusivo a revisão bibliográfica, tomando como referenciais teóricos autores primordiais como: Norbert Elias, G. J. Whitrow, David Harvey, Henri Lefebvre, Milton Santos, Zygmunt Bayman e Fredric Jameson. Acreditamos que com este aporte teórico podemos discutir com maior precisão a condição humana perante os tempos atuais e também um maior entendimento sobre o processo de conhecimento histórico e geográfico que imaginamos estar ligado ao desenvolvimento das categorias do espaço-tempo. A partir da ótica materialista- histórica-geográfica, tomamos que as ideias que uma sociedade tem sobre si estão ligadas intimamente na maneira em que esta sociedade se organiza materialmente. Neste caso,

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14 analisamos que os sentidos criados pelo espaço-tempo estão ligados às percepções simbólicas que o homem faz da realidade que nela vive. Portanto, investigamos as práticas materiais, fundadas no modo de produção capitalista (do qual a condição pós-moderna é contemporânea) para encontrar a convergência material entre os processos de compressão de espaço-tempo e pos-modernidade.

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15 2 – O Tempo

Um dos maiores enigmas que atravessam tanto os campos das ciências quanto o campo da filosofia é o enigma do tempo. Este termo sofreu várias modificações ao longo de sua história, com autores e tradições de diferentes raízes aplicando cada qual a ideia de tempo a sua maneira, criando então seus axiomas a partir do que eles entendiam pelo tempo e assim desenvolvendo sua teoria temporal, tendo seu objeto como início, meio ou até mesmo como um fim.

Certamente houveram concepções similares entre os autores/escolas que assim ousaram definir ao menos historicamente o que o tempo era, ou (de forma mais razoável) o que eles entendiam ao aplicar: Para alguns, o tempo era imutável e externo ao homem, este tempo independeria da existência da humanidade, sendo o tempo um objeto real, ligado a natureza na qual criar-se-ia uma lógica que seria possível explorar suas propriedades e então medi-lo. Este tempo seria algo possível de ser observado, todavia era fundamental manter certa distância para que ele pudesse ser constatado a partir de leis físicas e fórmulas matemáticas.

Para outros, o tempo não era senão uma abstração da mente, uma concepção criada ora pela alma, ora pela consciência, de maneira a priori – sendo a observação do tempo por nós na realidade uma projeção da consciência nesta última, o que significa então que sem o homem o tempo não existiria.

Segundo Silva (2010), foi a partir do desenvolvimento das sociedades que a palavra tempo tomou acepções diferentes, desde aquelas sociedades em que não haviam sequer a noção de algo conceitual como o tempo, até as sociedades mais complexas em que o tempo era empregado de forma mais racionalizada (e burocrática), justamente pela ordem das coisas que, por exemplo, no ocidente capitalista era requerido para se viver, ou seja, um tempo construído sistematicamente voltado para as atividades do mundo do trabalho.

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16 No tópico a seguir, pretendemos desenvolver sobre a polêmica entre duas grandes tradições que tentaram definir o tempo. Para isto, utilizaremos em maior ou menor nível, a ótica de Norbert Elias (e seus simpatizantes), sociólogo alemão que escreveu em 1988 a obra Sobre o Tempo. No último tópico da Parte I, iremos examinar brevemente sobre como certas sociedades em alguns pontos da história encaravam o tempo.

2.1 – O problema dos “Dois Tempos”

Como havia sido exposto anteriormente, existiram autores que usaram o tempo a partir de um conceito externo, fora do homem, observável na natureza e independente ao sujeito e outros usaram como um conceito ligado internamente ao homem, algo que como outros conceitos como o de “razão” lhe é inato. O primeiro conceito seria ligado ao chamado tempo físico e o segundo, seria o tempo social. Esse binarismo não seria homogêneo, visto que existiam muitos pontos em desacordo e várias posições diferentes entre os autores de um mesmo campo.

Outro fator seria apontar que a divisão entre tempo físico e social (ou entre objetivistas e subjetivistas) seria uma ótica proposta pela visão elisiana já que

O filósofo espanhol José Ferrater Mora, por exemplo, considerou que as teorias antigas e modernas acerca do tempo poderiam ser divididas basicamente entre absolutistas e relacionistas, sendo que na época contemporânea haveria um quadro mais diversificado em que se destacariam as abordagens fenomenológicas e metafísicas – a maioria vinculando o tempo à experiência vivida. Já o filósofo italiano Nicola Abbagnano distinguiu três abordagens filosóficas fundamentais do tempo: a que considera o tempo como ordem mensurável do movimento, que normalmente reduz o tempo à causalidade; a que define o tempo como

movimento intuído, que normalmente reduz o tempo à consciência ou à

alma[...] e, por último, a abordagem metafísica heideggeriana – que concebe o tempo como estrutura de possibilidades. (CARVALHO, 2014, p. 34-35).

Disto isto, agora iremos analisar a dicotomia elisiana do tempo, tendo em vista uma tentativa de melhor compreender o que cada tradição argumentava em prol de deter uma concepção universal do tempo em seu favor, ao menos em termos gerais.

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17 2.1.1 – O Tempo Físico e seus partidários

Iniciaremos aqui com a versão mais “nova” do tempo, a noção do tempo físico seria resultado, de certa forma, de uma compreensão empírica de questionamentos já feitos no período helenístico, supostamente confirmados posteriormente e transformando assim este conceito como um aspecto oposto do tempo social.

Essa corrente tem início nas especulações de Platão sobre o tempo, a partir do seu diálogo chamado Timeu, onde o primeiro afirma que este mundo seria uma espécie de simulacro do mundo das ideias, contrapondo os conceitos de tempo e eternidade. O primeiro seria uma forma efêmera e que não haveria como tirar verdades, já que estava sempre em transformação, o tempo aqui seria condenado ao eterno movimento, sem que houvesse uma forma de encontrar qualquer realidade. A eternidade seria algo imutável e compreensível, algo em que pudesse conceber a verdade, sendo um modelo ideal. (GADAMER apud SILVA, 2010)

É possível conceber então que o tempo poderia ser interpretado como algo preso no vir a ser, enquanto a eternidade (em Platão), é. Podemos observar que o tempo (e mesmo a eternidade) são conceitos que estão fora do sujeito, são dados a algo externo, seja a partir do movimento dos astros como no caso platônico, ou então no movimento uniforme baseado em cálculos mais precisos, como veremos em breve.

Podemos também observar a sobreposição da eternidade sobre o tempo, sendo o primeiro a perfeição e o segundo um retrato imperfeito do primeiro, pois

na minha opinião, temos primeiro que distinguir o seguinte: o que é aquilo que é sempre e não devém, e o que é aquilo que devém, sem nunca ser? Um pode ser apreendido pelo pensamento com o auxílio da razão. pois é imutável. Ao invés, o segundo é objecto da opinião acompanhada da irracionalidade dos sentidos e, porque devém e se corrompe, não pode ser nunca. Ora, tudo aquilo que devém é inevitável que devenha por alguma causa, pois é impossível que alguma coisa devenha sem o contributo duma causa. Deste modo, o demiurgo põe os olhos no que é imutável e que utiliza como arquétipo, quando dá a forma e as propriedades ao que cria. É inevitável que tudo aquilo que perfaz deste modo seja belo. Se, pelo contrário, pusesse os olhos no que devém e tomasse como arquétipo algo deveniente, a sua obra não seria bela. (PLATÃO apud LOPES, 2011, p. 93- 94).

Conforme Elias (1998), é no fim do período medieval em que acontece uma transformação do pensamento acerca do tempo, com o avanço da matemática e da observação dos fenômenos como “naturais” ao invés de “divinos”, em que há de fato uma tentativa de se aproximar de uma concepção de “regularidade” através de equações e a partir de uma lógica baseada no conceito de “natureza” ou “tempo

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18 natural” não necessariamente mais invocando o viés teocêntrico medieval. Assim estava a nascer uma concepção mecânica do tempo, a partir das observações das bolas de canhão e do que o físico perceberia mais tarde como movimento acelerado, observando objetos em queda livre.

Segundo Machado (2012), Newton entendeu o tempo a partir propriedades físicas específicas como: (1) Uniforme, ou seja, ocorre com uma velocidade constante e não é passível de aceleração; (2) Linear, significando que o tempo se desloca de um ponto para outro de forma retilínea; (3) Continuo, que perdura sem interrupção; (4) Infinitamente Divisível, isto é, pode ser medido e dividido em infinitas partes.

Continuamos aqui a observar o desenvolvimento histórico dos autores que conceberam o tempo como algo real, natural e independente do homem. O tempo físico (ou objetivo) passou de algo meramente especulativo, como observamos brevemente no viés platônico, para um objeto observável e passível de medidas e até leis físicas, estas justificadas por equações matemáticas e experimentos empíricos feitos principalmente por físicos, aliados também por debates de filósofos sobre a natureza física do tempo. Na Idade Média, o pensamento teocêntrico detinha hegemonia no campo da filosofia e teologia, sendo de maior notabilidade as tradições da patrística e escolástica, com seus respectivos pensadores. O pensamento teocêntrico que nestes últimos emanava, estava sendo minado em favor de uma concepção onde agora o homem e não mais uma entidade divina, seria o centro em relação ao universo.

Com isto em mente, não seria estranho compreender o contexto da ruptura neste viés ontológico de intelectuais (sobretudo no campo da física) como Galileu e Newton, eles começavam a compreender o universo de maneira mecanicista, não obstante, com o sujeito renascentista na centralidade de tudo. Por essa ótica, afirmamos ser razoável a necessidade de separar este homem que agora era o fator primordial da natureza, ou seja, existia para os pensadores de uma temporalidade real, uma necessidade da distância do observador em relação ao objeto e ao fenômeno. O cientista seria mero observador dos fenômenos naturais e assim criaria “leis” que explicariam a natureza e suas propriedades ad eternum.

No século XX, Einstein seria o maior e mais importante representante do tempo objetivo, que teria se desgastado, desde o começo da era moderna. O físico alemão acaba por rejeitar a teoria do tempo absoluto newtoniano e optaria por reformular

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19 boa parte do campo da física. Para Einstein o tempo seria relativo, dependendo do referencial, seu observador e suas coordenadas no espaço. (ELIAS, 1998)

Isso abriu caminho para um conceito de tempo não mais monolítico, mas passível de “n” possibilidades, dando origem a Teoria da Relatividade e dando um passo maior no que Elias chama de síntese conceitual, embora reconhecendo as limitações do físico alemão dado que

[...]foi a Einstein que coube evidenciar que o tempo é uma forma de relação, e não, como acreditava Newton, um fluxo objetivo, um elemento da criação nas mesmas condições que os rios e as montanhas visíveis, e tão independente quanto eles da atividade determinativa dos homens, a despeito de seu caráter invisível. Mas o próprio Einstein não foi muito longe e não conseguiu escapar por completo à coerção do fetichismo verbal. A sua maneira, ele restituiu substância ao mito do tempo reificado, através, por exemplo, de fórmulas que sugeriam que o tempo, em certas circunstâncias, podia contrair-se ou dilatar-se. Ele só evocou os problemas do tempo dentro dos limites do quadro de referência dos físicos. Ora, um exame crítico do conceito de tempo implica que tornemos igualmente inteligível a relação entre tempo físico e tempo social, ou, em outras palavras, entre a maneira de determinar o tempo com referência à "natureza" ou com referência à "sociedade". Mas Einstein não se havia atribuído essa tarefa, a qual, aliás, não é da competência do físico. (ELIAS, 1998, p. 38).

Por fim, devemos reiterar que os autores deste campo do tempo como objeto físico se caracteriza por um campo heterogêneo e que se mantém como um conjunto por poucas intersecções (embora centrais), como o tempo como algo fora do homem, algo passível de ser estudado como objeto da natureza, como quaisquer outros objetos físicos e não como um dado que inclua o homem como parte do objeto a ser investigado. Neste sentido o homem assume sempre a posição de investigação de algo que lhe é externo e nunca algo que faz parte dele mesmo, ainda que o tempo tenha influência direta e total no exercício tanto do sentido como da concretude da existência humana.

2.1.2 – O Tempo Social e seus partidários

Esta corrente apresenta uma variedade de concepções que tratam o tempo como algo interno e natural do homem, moldado a partir de seus componentes naturais, tais quais a “razão”, a “alma”, o “espírito” e/ou a “consciência”. Este tempo seria algo que, sendo expressão de uma capacidade humana de abstração da matéria, tornaria a medida física do tempo uma mera projeção da consciência na realidade. O que existiria então seria tempo dos homens e sem estes o primeiro cessaria sua existência.

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20 Seria possível notar que em geral, a maioria senão todos os pensadores que advocaram a noção de um tempo subjetivo estariam dentro do campo idealista, dado que eles ao adotarem o tempo subjetivo como algo real e o tempo físico como algo ilusório ou uma mera projeção da subjetividade, estariam necessariamente optando ao menos por uma sobreposição da ideia em detrimento da matéria ou até mesmo em alguns casos negando a própria existência da matéria, como veremos em certos exemplos a seguir.

De acordo com Carvalho (2014), Agostinho foi um dos principais teóricos desta corrente, inaugurando uma forma de pensamento ímpar a partir da sua obra

Confissões, onde este argumentaria por uma única expressão de tempo absoluto e

unicamente vivido, que independeriam das relações com outros homens, mas estaria ligado ao homem em si e com a sua vontade de ligar-se ao eterno (Deus).

O mesmo ainda divagaria sobre a questão dos três tempos:

Mas o que agora parece claro e manifesto é que nem o futuro, nem o passado existem, e nem se pode dizer com propriedade, que há três tempos: o passado, o presente e o futuro. Talvez fosse mais certo dizer-se: há três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro, porque essas três espécies de tempos existem em nosso espírito e não as vejo em outra parte. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a intuição direta; o presente do futuro é a esperança. (AGOSTINHO apud SÁ, 2011, p. 102).

Para Silva (2010), Henri Bergson argumentava de maneira similar em relação a prioridade da consciência (ou ideia) para com o físico (ou matéria) – a noção de tempo seria então ligada a noção de duração da nossa própria vida. Isto é, o tempo seria contínuo e seria a partir da consciência que o tempo sairia do interior para o exterior, até atingir um nível universal. O filósofo francês ainda ratificaria que as únicas coisas passíveis de duração seriam as coisas com consciência, relegando as coisas exteriores a nós como participantes do processo temporal criado em nós.

Em Kant vemos que a possibilidade do conhecimento começa com o fator empírico, embora não tenha se originado nele mesmo, já que o conhecimento é um dado a priori da mente. Portanto, as experiências não podem ser materiais, elas são somente subjetivações do que o filósofo chama de “faculdades da mente”. Nos é afirmado que

[...]o tempo é simplesmente uma condição subjetiva da nossa alma (humana), intuição (que é sempre sensível, isto é, na medida em que somos afetados por objetos), em si, fora do sujeito, não é nada […] Ele possui uma única dimensão: diversos tempos não são simultâneos, mas sucessivos (assim como diversos espaços não são sucessivos, mas simultâneos). (KANT apud CARNEIRO, 2004, p. 230-231).

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21 Podemos observar que estes autores que advocam a ideia subjetiva do tempo, têm em comum a ideia de que não se aprende o tempo por nenhum fenômeno empírico, tampouco ele é algo externo ao homem, no qual possa ser estudado como objeto da natureza, como pretendem os objetivistas. Ele faz parte da alma (Agostinho) ou da consciência (Kant) humana, sendo inato e universal a todo e qualquer sujeito existente em qualquer parte do mundo.

2.1.3 – A resposta elisiana ao problema

Após a demonstração das teorias dicotômicas do tempo, Elias as criticou a partir de uma convergência que ambas demonstravam – o “tempo”, seja ele objetivo ou subjetivo, acreditava numa ideia de tempo absoluto e imutável encontrado na natureza e passível de observação como objeto ou como algo presente a priori no sujeito (como uma característica inata), sem que houvesse um desenvolvimento temporal que viesse por via empírica ou até mesmo pela história. O fato aqui reside que em ambos os casos a divisão e sua respectiva antinomia era resultado do próprio nascimento das duas categorias de tempo, a partir da separação do homem, cultura e sociedade da natureza.

Este acontecimento foi produzido de maneira concomitante com a noção de que para se estudar os fenômenos sociais e/ou físicos de maneira rigorosa era necessário antes de tudo ter uma distância clara entre sujeito e objeto, sociedade e

natureza – logo, quando houve a “descoberta” do tempo físico, este passou a ser

oficialmente uma representação muito mais próxima ou até mesmo um protótipo do que era conhecido como tempo, enquanto o tempo social foi relegado a algo criado de maneira artificial e arbitrária, ligada somente ao mundo dos homens, como resultado de possíveis disputas de poder ou por questões culturais, etc.

Afim de rejeitar as duas concepções trazidas até aqui, Elias defende a ideia de uma base menos antropocêntrica, isto é, centrada menos no homem como sujeito isolado da natureza e dos outros homens, mas como um componente primordial mas ao mesmo tempo integrado com todos os componentes que estão ao redor dele, seja a natureza, sociedade ou até mesmo o universo em sua totalidade. O tempo não seria mais algo imutável, mas parte de um “fluxo incontável de gerações” e desenvolvido a partir do que Elias chama de “síntese geracional”, que seriam gerações de homens que contribuiriam com a evolução do sentido do tempo.

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22 Obviamente não seria uma evolução no sentido positivista, seja no caso do tempo e/ou no caso humano, mas uma evolução baseada em retrocessos e progressos de acordo com o seu tempo histórico. (CARVALHO, 2014)

Elias desenvolve assim seu próprio conceito de tempo, no qual o denomina de

tempo social, embora afastando-se dos subjetivistas ao afirmar que não há nenhuma

condição inata desta concepção no ser humano, mas é um conceito que é criado e desenvolvido a partir das relações sociais entre homens e não apenas centrado em um homem só, além de ser um processo lento para suas sínteses e mudanças em seus respectivos paradigmas, desta maneira, o conceito de tempo perderia seu caráter “místico” ou “enigmático” e passaria a ser encarado como fruto de sínteses totalizantes na história da humanidade.

Por conseguinte, o tempo elisiano é um tempo simbólico, dado seu caráter relacional e baseado nas experiências, temos a ideia assim que

O tempo cumpre justamente essa função, a de ordenação. Ele é uma instituição social aprendida por cada um dos indivíduos em seu processo de desenvolvimento e racionalização. Quanto mais jovem uma criança é, menos noção de tempo ela terá, ao crescer ela vai se familiarizando com o tempo, distinguindo a posição ordenada das coisas, o que aconteceu ontem, acontece agora e acontecerá depois. Isso é condição imprescindível para a inserção dessa criança nos meios sociais. É muito comum ouvir uma criança dizer: “amanhã eu fiz a tarefa de casa”, o que mostra o caráter convencional e não natural do tempo já que não existe algo determinado na cabeça da criança que mostre a ela objetivamente o que é o passado, o futuro e o presente, mas no decorrer de sua vida ela desenvolve um sistema de autodisciplina que envolve o aprendizado de instituições como o tempo. (SILVA, 2010, p. 175).

Consoante Carvalho (2014), Elias define o tempo como símbolo relacional e

socialmente comunicável. (p. 50). As duas últimas citações só reafirmam o caráter

historicista de sua sociologia do tempo, que seguindo essa lógica não haveria como conceber outro caminho – o tempo seria uma construção coletiva de gerações que sempre esteve num contínuo processo de desenvolvimento em direção a uma síntese cada vez mais complexa e mais sistematizada da noção do seu próprio tempo – portanto, o tempo seria o que os homens em determinado momento temporal, determinassem a partir de sua racionalização conceitual do “objeto”.

É por isso que segundo Elias (1998), os homens ao se afastarem tanto da natureza para analisar os objetos acabaram por tomar essa divisão ilusória entre sociedade humana e natureza física, como se houvesse de fato alguma divisão real entre os dois, ou como se os homens estivessem num plano diferente do plano dito natural. A humanidade ao refletir em relação ao tempo como algo absoluto e

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23 imutável, independente da visão objetiva ou subjetiva, acabou por naturalizá-lo. Não perceberam que o tempo de certa maneira servia como os símbolos matemáticos – como estes, o tempo tirado do seu contexto simbólico não mais fariam sentido ou sequer existiriam, principalmente num mundo sem homens.

O sociólogo alemão então propõe uma nova dimensão para o universo, sendo que as três primeiras corresponderiam ao espaço, a quarta ligada ao tempo (em sua versão física) e a quinta, a qual ele denominou uma dimensão ligada a “experiência vivida ou consciência.” (ELIAS, 1998, p. 66). Sendo assim, todas as dimensões teriam seu sentido construído na origem da relação simbólica entre os homens e a determinação da mais nova dimensão sobre todas as outras seria um fator presente e contínuo no desenvolvimento das concepções de espaço e tempo.

De fato, a existência dessa nova dimensão é uma teorização complexa, que uniria todas as noções dimensionais anteriores a partir desta abordagem com a noção da experiência simbólica que nós reproduzimos quando falamos em tempo. Isso também consistiria em criar mais uma nova evolução na síntese de altíssimo nível que atualmente obtemos e serviria para dar o primeiro passo a um conceito desmistificado do tempo, isto é, o inicio da solução do problema histórico do tempo.

2.1.4 – A Materialidade na Síntese Temporal

A contribuição sobre o caráter do tempo em Norbert Elias é extremamente importante para o debate atual do tempo, que tanto parece como também sempre foi muito menor no campo das ciências humanas do que no campo das ciências naturais, o sociólogo alemão chega a apontar o fato de que inclusive sociólogos acharam que este debate não pertencia ao campo sociológico, por exemplo.

Destacaríamos aqui o viés histórico do pensamento elisiano, ele não só estava interessado em reunificar os “tempos” que ele argumentou como nada mais que uma mera divisão artificial feita pelos homens que nela acreditaram (dado sua condição histórica) existir. Elias não estava aqui somente preocupado em juntar o tempo, mas também desvendar o por quê da divisão dos tempos em primeiro lugar. Assim questionou tanto a escola objetivista (o tempo como fator externo ao homem) quanto a subjetivista (o tempo como fator interno a priori ao homem) ao tratar o tempo como algo que existiria independente da relação social dos homens, apontando assim a concepção elisiana do tempo – fundada na natureza simbólica, que tomaria várias

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24 formas a partir das relações sociais entre os homens, num esforço que demandaria gerações para que se produzisse um certo grau de evolução, isto é, uma síntese de alto nível.

Ele ainda supõe a partir de sua linha de raciocínio que a fase em que nos encontramos nada mais seria que somente uma fase histórica passível de uma nova contribuição da noção do tempo, onde a obra dele participaria para mudar a concepção atual para uma nova, repetidamente colocando ênfase na história como motor primordial da síntese:

Se é mais fácil, para os homens das sociedades posteriores, apreender o mundo com conceitos decorrentes de um alto nível de síntese, não é por eles serem mais inteligentes ou "melhores", de algum modo, mas simplesmente por terem chegado mais tarde, por haverem nascido numa fase da sucessão das sociedades ao longo da qual o saber social aumentou, sem que ninguém houvesse planejado isso. (ELIAS, 1998, p. 139).

É notável também perceber a rejeição não só do binarismo nas tradições do pensamento do tempo, mas qualquer tradição da filosofia da mente quando o mesmo cita a ideia de que “é perigoso não nos mostrarmos perfeitamente sinceros, não nos esforçarmos por abandonar todos os disfarces, sejam eles idealistas, materialistas ou de outra ordem. Esse é um luxo que já não nos podemos permitir.” (ELIAS, 1998, p. 130)

Com base no que foi citado, afirmamos que a sociologia elisiana se baseia numa forma extremamente sofisticada de historicismo holístico, dado que o seu desenvolvimento está inteiramente ligado na rejeição de escolas binárias (em vários sentidos) e sua sociologia ser totalmente amparada na história da reprodução social. Seu primor pela história é inegável, não somente para o desenvolvimento do seu conceito de tempo, mas para quaisquer símbolos que fossem produzidos de maneira similar, como os números matemáticos que já foram citados.

Carvalho (2014) claramente indica uma polêmica na teoria elisiana sobre o seu real distanciamento da teoria subjetivista. Ora, a sua distância para com a visão do tempo físico é clara, não haveria em Elias nenhuma maneira de como o tempo seria um dado exterior ao homem. O problema aqui é com a teoria subjetiva, embora saibamos que ao contrário dos subjetivistas, o sociólogo alemão não consideraria um tempo inato no homem em si, mas sim um tempo criado de acordo com a história e a experiência da relação social entre homens, ainda sim seria difícil negar que ele estaria muito mais próximo do último grupo do que o primeiro – todavia, o que

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25 geraria mais suspeitas seria a seguinte afirmação:

Elias teria se apartado dela, já que seu conceito de tempo também se ligaria à experiência vivida ou à consciência. Sobretudo se considerarmos que, em lugar de um Santo Agostinho ou de um Bergson, ele tendeu a sugerir o exemplo de Kant como expressão da abordagem subjetivista, o que é bastante controverso – aliás, o próprio Elias teria insistido na naturalização kantiana do tempo.[…] Nesse sentido, o tempo, de acordo com Elias, não seria uma propriedade dos movimentos dos corpos celestes – como pensava Aristóteles – e tampouco uma propriedade da alma – como defendia Santo Agostinho –; não seria um dado objetivo, independente da realidade humana – como propunha Newton – e tampouco uma simples representação “subjetiva”, enraizada na natureza humana – como postulava Kant. O que unia esses dois últimos era muito mais o fato de ambos, para Elias, considerarem o tempo existencialmente independente de qualquer experiência ou aprendizagem humanas – tanto a individual quanto a acumulada na sucessão das gerações.[...] Apesar de concordar com essa ideia, Johan Goudsblom, um aluno e discípulo de Norbert Elias, declarou que considerar as cinco dimensões uma criação humana poderia gerar conclusões enganosas, já que os seres humanos são parte do universo natural quadridimensional. Por isso valeria a pena perguntar: em que medida a afirmação de Elias acima – num universo sem homens não haveria tempo – implicaria num posicionamento, subjetivista e antropocêntrico, segundo o qual a quinta dimensão seria uma criação humana? (CARVALHO, 2014, p. 55-56).

Dito isto, não nos compete aqui nesta pesquisa investigar se de fato Elias acabou inconscientemente por cair no binarismo do viés subjetivo/kantiano, mas apontar que a teoria elisiana que se pretendeu rejeitar todas as outras posições referidas como ilusórias para o autor, acabaria por ser criticada justamente por não ter se afastado o suficiente – mesmo que o fizesse, de qualquer modo, a tese holística de Elias ainda não seria, por si só, justificável ao ponto de se abandonar completamente quaisquer outras teses anteriores a esta e não olhar para trás. Igualmente, não nos caberia aqui enfrentar sua tese ou advogar por uma das duas escolas binárias as quais foram rejeitadas pelo sociólogo alemão, o que pretendemos é somente mostrar que há controvérsias que não foram ainda resolvidas sobre a sua teoria do tempo.

Doravante, aceitaremos alguns aspectos da teoria elisiana, como sua ênfase no viés histórico para análise do tempo, do espaço e de outros problemas que teremos de lidar. De fato, acreditamos que o tempo foi em parte uma construção empírica e sócio-histórica, embora não aceitemos a tese holística de síntese, ou ao menos sua rejeição binária. Aceitaremos no lugar do holismo elisiano, a concepção do materialismo-histórico-geográfico proposto por David Harvey em sua obra A

Condição Pós-Moderna. Não tomaremos como um simples determinismo material

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26 aceitamos aqui a primazia da matéria em última instância, isto é, acreditamos que no caso elisiano as sínteses nas relações dos homens tiveram uma causa material, embora não fosse unilateral, onde as ideias e inclusive os símbolos influenciaram-se dialeticamente com a matéria, todavia reafirmando o fator desta última como base determinante. Na palavras de David Harvey:

[...]o materialismo-histórico-geográfico é um modo de pesquisa aberto e dialético, em vez de um corpo fixo e fechado de compreensões. A metateoria não é uma afirmação de verdade total, e sim uma tentativa de chegar a um acordo com as verdades históricas e geográficas[...] dessa perspectiva materialista, podemos afirmar que as concepções de tempo e do espaço são criadas necessariamente através de práticas e processos materiais que servem à reprodução da vida social.(HARVEY, 2008, p. 321, 189).

2.2 – Condição Histórica do Tempo

Até agora discutimos a proposição elisiana e dialogamos com vários autores sobre a concepção de tempo que o autor alemão defendeu, afim de demonstrar seu caráter histórico do tempo e retirar dele certas questões, como essa mesma tese de desenvolvimento historicista do tempo que já expliquei anteriormente tendo como meta incorporá-la a uma concepção materialista da transformação do tempo.

De forma alguma temos a pretensão de cobrir aqui toda a história da construção do sentido do tempo durante a civilização humana, mas de maneira bem mais modesta pretendemos sublinhar certas modificações que ocorreram em certos momentos históricos.

A partir de agora, investigaremos exemplos que possam ter em parte alguma relação com transformações envolvendo necessidades materiais de maneira evidente ou onde a mera busca pelo conhecimento empreendida por atores históricos acabaria por transformar profundamente as relações sociais, além de contribuir com novas e mais sofisticadas maneiras de se pensar o tempo – em outras palavras: Tais transformações teriam não somente o potencial de gerar novas tecnologias, como por exemplo a invenção da clepsidra (relógio de água) ou o astrolábio, mas tornar possível novas formas de refletir o tempo a partir da existência desses novos instrumentos.

Para fins práticos, analisaremos separadamente dois períodos históricos sobre a transformação da noção de tempo. Primeiramente focaremos na era pré- moderna, isto é, no desenvolvimento do tempo das sociedades que estão situadas desde o período da pré-história até o final da idade média. Posteriormente iremos nos voltar

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27 para o período moderno, focando principalmente a função do tempo na sociedade capitalista industrial.

2.2.1 – Noções de Tempo na Condição Pré-moderna

Durante o período pré-histórico, o homem desenvolveu uma primeira percepção do que era o tempo – embora não soubesse diferenciar de maneira precisa a relação entre passado e presente (a noção de futuro ainda demoraria um pouco), ele não mais vivia num presente contínuo como os outros animais, tendo consciência de que suas ações criavam memórias de coisas que o mesmo já havia feito. Com isto, a ideia de passado começa a aparecer a partir da reflexão que o homem pré-histórico produz sobre suas próprias ações.

O filósofo Paul Radin em seu livro Homem Primitivo como Filósofo (1957) destaca a existência de dois arquétipos do homem na pré-história: O homem de ação e o homem pensador – o primeiro seria o tipo mais comum e voltado para as atividades cotidianas, ele teria apenas em mente o objetivo de cumprir de maneira mecânica o que necessitava fazer, como construção de armas e a caça para sua sobrevivência. O segundo tipo, supostamente muito mais raro, vê na transformação de tudo que lhe é externo, mudado pelo próprio homem ou não, procurando por explicações que possam decifrar o por quê da existência da fugacidade mundana. O homem do tipo pensador percebe que não há como explicar o mundo externo sem que haja algum tipo de estabilidade, logo ele precisa transformar o mundo em algo estático justamente para atribuir-lhe de significado, sua preocupação então volta-se para a procura de algo que permaneça, algo que continue a existir enquanto tudo muda, assim é justamente nesse sentido que surge a necessidade de compartilhar o conhecimento, dado que eventualmente este homem não irá mais existir, julga-se necessário criar um mecanismo a partir da linguagem para que o conhecimento transcenda o próprio tempo. O grande problema com a tradição oral de conhecimento seria que esta dependeria da memória e não seria tão “sólido” ou “fiel” em um mundo transitório, isso é melhor observado quando o homem pensador posteriormente adota a prática de pintura na parede para descrever um acontecimento, sendo que eventualmente acontece uma evolução para os chamados ideogramas, com a transição crucial sendo destes últimos para fonogramas, finalmente adotando um tipo de comunicação oral que pudesse ser

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28 imortalizado no espaço, encontrando nele sua permanência. (RADIN apud WHITROW, 1990)

Poderíamos aqui destacar o caráter reflexivo do homem pré-histórico, visto que nossa tentativa moderna de sistematizar fenômenos e pensamentos a partir de categorias pode ser observável na vontade citada acima de criar essa estabilidade universal, ou seja, uma maneira de tentar eliminar o tempo (mesmo que temporariamente) do espaço e explicar o que o agora quer dizer, ou descobrir o que há em comum deste com que o antes significou e o que continuará a significar no

depois.

É essencial frisar de maneira similar a passagem de uma sociedade nômade para o estabelecimento da sociedade agrícola já no período paleolítico, onde o homem tomou uma maior preocupação sobre os períodos de tempo onde haveria maior abundância ou escassez de animais e plantas, assim gerando uma necessidade de exercer maior controle sobre o tempo e a natureza.

Segundo Martins (1998), é no Egito Antigo que é desenvolvida a ideia de “marcação do tempo”, tendo seu calendário de 12 meses com cada mês tendo 30 dias, fora os cinco dias extras para a festa egípcia de fim de ano. Embora as três estações do ano sejam baseadas no movimento do sol, é evidente que entra também no imaginário egípcio uma relação entre o rio Nilo e o deus Osíris, dado que os ritos que se fazem em prol deste último são parte de um ciclo de prosperidade.

Foram também os egípcios responsáveis não somente pelos relógios de sol como também desenvolveram as clepsidras, cuja sua utilização seria feita de forma muito mais efetiva primeiramente pelos gregos e posteriormente pelos romanos, isso acabaria por contribuir imensamente para uma cosmovisão determinística da temporalidade. Ora, a concepção de tempo da civilização egípcia era de um tempo em ciclos, pois o agora seria uma mera repetição de tudo que já aconteceu no passado, a crença na imortalidade e na encarnação dos deuses nos governantes reafirmavam essa ideia de repetição e até predestinação.

Já na Grécia antiga o debate entre os filósofos trariam conceitos similares aos de outras civilizações (contemporâneas aos gregos ou não), como por exemplo a semelhança entre a visão histórica dos egípcios e a base filosófica do que se viria a chamar de estoicismo, onde ambos gregos e egípcios concordariam em algum tipo de regularidade em do tempo, na visão de que existem leis fundamentais, sejam elas dadas por deuses ou uma natureza divina racional em si que poderia controlar o

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29 destino dos homens. No entanto, nos interessaria aqui investigar a noção heraclitiana do tempo, dado que

[…]Heráclito apresenta concepções realmente novas, e é mais conhecido por nós devido a sua doutrina de “eterna mudança”.[...] Num mundo em constante mudança, o tempo assume um papel fundamental: o fluir das coisas ocorre no tempo ou, se preferirmos, é antes desse fluir que nos permite abstrair a noção temporal. As ideias de Heráclito pareceram, a muitos, impossibilitar qualquer conhecimento verdadeiro sobre o mundo. Se tudo muda, o conhecimento é impossível, pois o objeto a ser conhecido transforma-se constantemente. Isso levará outros filósofos, como Parmênides, Platão e Aristóteles, a combater Heráclito, buscando uma “permanência”, ao invés de “mudança”. O desenvolvimento científico, ao longo de sua história, foi marcado profundamente por esse embate, e podemos considerar que a procura das “leis fundamentais da natureza” sempre foi uma tentativa de descobrir o que permanece na mudança. Encontramos nesse debate, inclusive, as raízes mais profundas das concepções “metafísicas” e “dialética” do conhecimento[...](MARTINS 1998, p. 78-79).

Para Whitrow (1990), com o advento do pensamento cristão e sua transformação em religião de Estado no Império Romano no ano de 380 d.C., o viés (neo)platônico com Santo Agostinho e posteriormente aristotélico com Tomás de Aquino acabaria por suprimir o pensamento de Heráclito como blasfêmia e a então Igreja Católica continuaria mantendo o título que o filósofo ganhara desde o período clássico – Heráclito, o Obscuro. De fato, o pensamento de que tudo flui não estaria consoante com a ideia de um Logos cristão, uma entidade eterna que persistiria o tempo ou até mesmo estaria fora dele.

O cristianismo acaba por conceber uma nova forma de ver o tempo para o homem, já que até então tanto o grego como o romano observavam de maneira dominante o passado e o presente, independente de acreditar se o tempo era cíclico (como acreditavam os estoicos) ou não. A instituição católica, pautada numa concepção (neo)platônica de que Deus havia criado o universo junto com o tempo e estaria fora deste último, acabaria por advogar uma ideia de futuro inédita, onde o curso dos acontecimentos que estão por vir são fruto da novidade (ou boas novas) que Deus preparou em seu plano. Haveria no entanto uma diferença polêmica entre a visão cristã já institucionalizada com a visão dos chamados “cristãos primitivos”, onde estes últimos viam a Segunda Vinda de Cristo como o fim dos tempos, assim estes grupos antigos demonstravam negligência sobre quaisquer problemas com o tempo ou cronologia – afinal, se o futuro desejado era iminente e com este acabaria de uma vez por todas com o tempo, por qual motivo os cristãos deveriam se preocupar com questões temporais? (WHITROW, 1990)

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30 Afim de resolver o problema do tempo que torna-se evidente em Agostinho, Tomás de Aquino no período medieval retoma a perspectiva temporal de Aristóteles em detrimento da visão platônica. A diferença está na consideração do início do tempo, onde tanto Tomás de Aquino quanto Aristóteles reafirmariam que o tempo sempre existiu e não foi criado junto com o universo, logo Deus estaria dentro do tempo – seu tempo. Ora, Tomás de Aquino desenvolveu a ideia de que não haveria uma categoria apenas de tempo, se para Aristóteles o tempo estava ligado ao movimento, era possível que cada entidade tivesse o seu próprio tipo de tempo: (1) o tempo dos homens, com início, meio e fim;

(2) o tempo de Deus, este eterno;

(3) o dos anjos e ideias que teriam começo mas, de acordo com a vontade divina, não teriam fim. (MARTINS, 1998)

O surgimento do relógio mecânico no contexto europeu do séc XIII foi provavelmente a invenção mais importante em relação ao tempo no período medieval, é sabido que ele iria influenciar mais tarde a concepção mecanicista não só do tempo mas do universo, concepção está do qual trataremos mais adiante. Cabe ainda ressaltar que obviamente o surgimento deste instrumento e seu desenvolvimento estão intimamente ligados a Igreja Católica, que era a instituição mais poderosa nesta época e cabia a ela centralizar o conhecimento humano para seus interesses políticos e religiosos, como por exemplo desde a precisão em que se fazia necessário o horário para tocar os sinos e realizar rituais, até criar datas com objetivos de combate as religiões e/ou crenças denominadas “pagãs”. Isso é contrastado com a época medieval do mundo árabe, onde boa parte do conhecimento grego perdido no continente europeu encontrou seu refúgio principalmente no Oriente Médio e norte da África, onde seria mais propício a sua manutenção, dado o rigor dogmático e monolítico que a Igreja até então impunha. Para Whitrow:

[...]procedente del mundo islámico, que, en aquellos días, gozaba de un mayor grado de civilización y experiência científica y tecnológica que Occidente[...] Bagdad se convirtió en la verdadera sucesora de Alejandría, la antigua capital intelectual del mundo helenístico. El conocimiento de la ciencia y la tecnología griegas, combinado con las tradiciones persas e hindués, y potenciado por mayores estudios e inventos científicos, se difundió hacia outros lugares del mundo islámico.[...] (WHITROW, 1990, p. 106-107).

(31)

31 2.2.2 – Noções de Tempo na Condição Moderna

O impacto do relógio mecânico no fim da Idade Média influenciou a visão de vários pensadores sobre o funcionamento do tempo e também do universo. René Descartes (1596-1650) e sua filosofia racionalista acabou por buscar uma explicação da origem do universo a partir de uma analogia que estava condizente com o funcionamento do relógio mecânico – o universo descartiano é composto por engrenagens que estão organizadas em uma perfeita harmonia e funcionam de acordo com “leis naturais” que são universais. Sendo assim, é claro que para haver tal perfeição é preciso que haja um criador, a quem Descartes logicamente atribui a Deus, retomando uma analogia antiga de Deus como o “grande relojoeiro”, agora não só do tempo mas também do universo.

As afirmações posteriores de Newton sobre a natureza absoluta do tempo tiveram suas influências diretamente do pensamento determinístico e mecânico descartiano que acabaram não por criar somente um novo paradigma na física, mas reforçar o pensamento uniforme do tempo na Idade Moderna, pois

a partir dessa época, já existe uma associação entre a noção de tempo e a vida diária, os relógios passam a marcar todas as horas do dia, e não somente as horas das orações, o tempo une-se ao ritmo do trabalho da semana. De todo modo, ainda que os relógios passassem a regular o tempo e as atividades, a posse dos relógios não era algo comum entre as pessoas[...] (TONELLI, 2008, p. 211).

No entanto, houveram reações ao pensamento racionalista e ao modo como o método cartesiano se desenvolveu, principalmente a partir dos escritos do filósofo italiano Giambattista Vico (1668-1744), este sustentaria uma grande tese de que para se entender o homem era preciso, antes de tudo, entender o seu passado, isto é, sua própria história.

De acordo com Whitrow (1990), o pensamento de Vico seria uma rejeição da aplicação totalizante do método cartesiano, Vico acreditava que esta metodologia deveria ficar restrita apenas no campo da matemática e da lógica, sendo que não era aplicável ou nem mesmo desejável sua utilização em assuntos ligados a natureza ou sociedade. Para o italiano, a única maneira de se conhecer dependeria unicamente do fato destas mesmas coisas serem nossos produtos, em outras palavras, só podemos conhecer o que criamos. Aqui a história seria perfeitamente compreensível, já que todas as coisas que aconteceram nela como: Criação de instituições sociais, tradição e costumes, a língua do povo, suas leis e outros fatores

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