SIGNIFICADO
NO
PENSAMENTO
LING
ÜÍ
STICO
Carla Martins
Doutorando em Lingüística - Fac
.
de Letras/UFRJFundação Oswaldo Cruz
ABSTRACT
:
This paper discusses the concept of
‘
meaning’
in Linguistics, pointing out thetheoretical limits faced by contemporary semantics and pragmatics, concerning the
relation
between
language andcontext
.
The aimof
the paper isto
argue thatone
approach of american discourse analysis
-
Bateson’
s
, Goffman'
s
and Gumperz’
s interactional sociolinguistics - can contributeto
the discussion of the relationship mentioned.
Introdu
çã
o
Parece óbvio que a Lingüística - disciplina que estuda
um
dos instrumentos centrais da comunicação humana-
devesse ter como um de seus objetos privilegiados os mecanismos aplicados pelos falantes para construiredecodificaros
sinais lingüí
sticos.
Os estudos, no entanto, a respeito do significado, neste século, têm ocupado um
papel marginal na ciência ling
üí
stica. Tal condição tem como origem diversos fatores,dentre os quais podemos destacar o pouco interesse pelas questões
sem
ânticasdemonstrado pelos dois paradigmas dominantes neste século, o estruturalismo e o
gerativismo [Marques, 1990)
.
Apesar deste quadro histórico,
as teorias
lingüísticas vêm colocando a discus-são do ‘significado
'
como um problema relevante, dando à semânticae à
pragmáticapapel de destaque. Mesmo na teorias da gramática, como o gerativismo, observaram
-se os limites de investigar aquele aparato sem relacioná-lo a processos semânticos
.
r
Se a gramática pode ser definida como os mecanismos de que os indivíduos fazem
£5®
E«
uso para criar um
n
úmero infinito desenten
ças dotadas de sentidoe
a semántica é ocampo que estuda os mecanismos que tornam possível interpretar e produzir o sentido das sentenças, a correlaçã
o
entre os dois campos de estudosvem
sendo consideradade fundamental importancia para a compreensão dos fenô
menos
da língua (Lyons,1981; Goddard, 1998)
.
Neste panorama de recuperação do interesse da lingüística pelo significado,
é necessário analisarmos a configuração atual de dois campos de estudo
:
a semântica e a pragmática.
Em função do caminho histórico percorrido pela ling
üí
stica, a semânticaen
-contra
-
se
hojeem uma
"
crise de identidade"
.
Esta crise se identificaem
dois fatos: a
semântica não desenvolveu, ao contr
á
rio da morfossintaxe e da fonologia, princí
piosteóricos e metodológicos formais e não foi plenamente incorporada como um campo de conhecimento da lingüística
.
Segundo llari e Geraldi (1985), asem
ântica não
atende aos requisitos que definem um campo de investigação como científico, poisnão se configura como um domínio definido, e não apresenta métodos de análise
validados e categorias articuladas
.
Em suma,
a semântica não definiu seus problemascentrais
.
Podemos afirmar que a pragm
á
ticase
encontra em
impasse semelhante ao da semântica no que diz respeitoà
dificuldade de se constituir como um campo científico.
A pragmática tem sido consideradaa "
lata de lixo da lingüí
stica”, pois, apesar de ser hoje séria e intensamente investigada,“
aínda parece mais um amontoado heterogéneo de dados, problemas e pontos de vista do que um domínioteórico bem definido
”
(Dascal, 1980; 8).
Portanto, dado
o
car
áter perifé
rico ocupado pela semântica e pragmá
ticanos estudos lingüísticos neste século, ambos
os
campos passam porum
processo deafirmação como ciência, do que
se
deduz que inexiste,na
lingüística,uma
teoria do significado.
Um dos passos mais relevantes na
constitui
ção desta teoria seria a investigação
da relação entre língua e contexto, que
se
traduz na definição de significado literal enão
-
literal.
A pragmática tem tratado desta relação, apontando ora os riscos de um‘não
-
literalismo’ ou ‘contextualismo’
exarcebado (Dascal, 1987), oraa
dificuldade deestabelecer a distinção entre estas duas dimensões do significado ( Alwood, 1981)
.
Contudo, apesar destes
esfor
ços, a lingüística ainda não
construiu
um modeloexplicativo da relaçã
o
entre lí
ngua econtexto
.
Tal relaçã
o
vem ainda sendo foco deconsidera
ção
de
linhasde
aná
lise dodiscurso de natureza antropológica e sociológica,
como
a etnografia dacomunica
ção
,a
an
álise daconversa
e asoc
ïolingüistica interacîonal, que colocam como questãobásica
a
definição
do significado sociocultural.
2 4
Dentre estas tradições,
destacamos
a
sociolîngüistica interacional, que focalizaos significados sociais e lingüísticos criados
durante
a
intera
çãoverbal
diferenciándo-se das teorias pragmáticas, por ampliar o escopo das interpretaçõ
es
e de sinais verbaise não verbais analisados
.
O presente artigo tem
como
objetivo apontar as contribuições da sociolîngüistica interacional para a discussão de impasses hoje considerados relevantes pelas análises do significado lingüístico.
Tais impasses podem ser resumidos em dois pontos:
a definição do conceito de ‘significado’ e a construção de uma teoria que identifique e articuleos
fatores lingüísticos, sociaise
cognitivos que estariam na basedo mesmo
.
Na primeira
se
ção
,o
texto traça um breve panorama do tratamento dadopela semântica e pela pragmática à relação entre texto e contexto
.
O objetivodesta seção é apontar que a abordagem restrita do conceito de contexto por estes
dois campos coloca limites à constituição de uma teoria do significado lingüístico
.
A segunda seção discute o conceito de significado na sociolîngüistica interacional, a partir das obras de Goffman,Gumperz e Bateson, enfatizando a relaçãoentre texto
econtexto
proposta por estalinha
.
Por fim, nas consideraçõ
es
finais, destacamos quea
análise do significado proposta pela sociolîngüistica
interacional,ao
buscar desenvolver uma teoria do contexto, pode contribuir na elaboração de uma teoria do significado na Lingüística.
A rela
çã
o
entre texto
e
contexto
nas
teorias
semâ
nticas
e
pragm
á
ticasSegundo Marques (op
.
c/f.
:
15),a sem
ântica tem por objeto“
o
estudo do significado (sentido, significação} das formas lingüísticas:
morfemas, vocábulos,locuções, sentenças, textos etc
.
, suas categoriase
funções na linguagem"
.
A constituição do campo da semântica tem-se dado, dentro da teoria da
gram
á
tica, na perspectiva da exclusão do contexto como categoria pertinente aoestudo do significado
.
Assim, Katz e Fodor ( 1977:
90, apud Marques, op.
c/f.
} defendem a prioridade de uma teoria interpretativa independente do efeito seletivo docontexto
.
A não
sinonimia
entre o significado literal eo
contextuai se resolveria nos seguintes termos:os
falantes atribuem à sentença contextualizadauma
das interpretações queesta apresenta isolada
.
A perspectiva de definir
a sem
ânticacomo
um estudo da competência gra-matical do falante tem-se concretizado de diferentes formas
.
Os estudos semânticos têm-se restringido à análise do significado cognitivo e dos fenômenos vinculados à sentença, excluindo, portanto, o valor sociocultural dos signos e as relações designificado estabelecidas em textos. A semântica tem-se furtado ainda a considerar
äSS
ÊO
£
£
os chamados
"
usos desviantese
figurados"
, como a metáfora.
Emsuma
,a
sem
ánticatem marcado
sua
posição em
desconsiderar as noções
de"
texto”
e"
contexto".
Neste progrjma teórico, segundo Katz (1982; apud Marques, op
.
c/t.
).
a se
-mántica devería enfocar fenómenos como a sinonimia (pé de
ma
çã/
macieira ) , asimilaridade (
a
base de significadocomum
-
‘fêmea
’
-
de t/a
,vaca
, freirá,irm
ã, mulher,é
gua, atriz),a anton
ímia (sussurar
/
gr/far),a
hiperonímia [ polegar/
dedoJ
e
hiponímía(fiumano/menino), a anomalia (sabão mal cheiroso;
có
cega mal cheirosa ) ,a
ambiguidade (
lexical
:
botão
;sentenciai:
fomeseu
caf
é
), a redudância (um
nu despido),a
verdade metalingüí
stica (bebés
não s
ão
adu/fos),a contradi
ção
(bebés são adu/fos),a indeterminaçã
o
de condição
de verdade (bebés são espertos), a inconsistênciasemântica (João está vivo e morto ) , a implicação
sem
ântica (ocarro
é
vermelho/
o
carro
é
colorido ), o valor de verdade da pressuposição {Onde está
a chave? supõecomo
verdadeira
A chave está
em
a
/gum /ugar), a compatibilidade (Quando João
chegou? João chegou
ontem
),e
a implicação (Qua/a
cor
do carro vermelho? ).
Colocado
este
quadro,é
relevante questionarem que medida uma semânticadesta natureza pode
tratar
dos problemas relativosao
significado.
As relações
designificado
nos
fenômenos
acima aventados só podemser
discutidos em função de fatoresnao
-
lingüí
sticos:
a produção de uma sentençacomo "
Mulheress
ão mulheres"
(Grice, 1975)só
pode ser analisadase
considerarmos ocontexto
.
Mesmo
se
desconsiderarmos
os fenômenos
complexos acima apontados, ob-servamos que até o simples valor de verdade de
uma
sentença
como "
eu estoucom
fome" é dependente de fatores contextuais, dentre
os
quais podemos destacara
dê
ixis
(Lyons, 1979), base da identificação
do referente do pronome"
eu"
e
, portanto,da definição do valor de verdade da
sentenç
a
.
Assim, a desconsideração das
no
ções de‘
texto
’ e ‘contexto
’
coloca para asemântica limites para a
an
álise dos fenômenos
definidos comofundamentais
por+
este pr
ó
prio campo.
Em especial, fenômenos
como
a
verdade metalingüística, aambigüidade
e
a compatibilidadesentenciai
só podem ser tratados de forma aprofundadaem uma
teoria queconsidere o contexto
.
A pragmática emerge
como
um campo da lingüística que busca superaralguns desses impasses da
sem
ântica, investigandoos
fenômenos
de significado nos quais é fundamentala
consideração docontexto
.
A pragmá
tica se configura, assim,como
"
o estudo das relações entre língua econtexto
bá
sicasà aná
lise do processode compreensão da língua
"
(Levinson, 1983:
21).
Dentro
datradi
ção
de estudos pragmáticos, destacamos, para fins dean
álise,trabalho de Grice e de Searle
.
Vejamos, portanto, otratamento
da noção de26
contexto em cada um destes autores.
Grice estabelece uma distinção entre dois tipos de significado, o significado
do falante - de caráter pragmático
-
e o significado convencional - de naturezasemântica
.
Na proposta de Grice, o primeiro está relativamente desvinculado dosegundo, ou seja, o que o
falante intenciona
comunicar não
está
necessariamenterelacionado com
o
significado convencional (Grice, 1957, apud Schiffrin, 1994).
Osignificado do falante, não estando subordinado ao código, pode ser inferido por
processos bastante diferentes da decodificação gramatical e lexical
.
r
E central na obra de Grice o conceito de ‘implicatura1
: uma inferência sobre a intenção do falante que resulta do uso de significados semânticos e princípios
conversacional
.
Grice enfoca exatamente as implicaturas do tipo conversacional:
as inferências não convencionais que não estão marcadas discursivamente por
conectivos como
“
portanto”
, sendo fruto da capacidaderacional
dosfalantes
(Grice,1980)
.
A base que possibilita a formulação das implicaturas pelo ouvinte é o
“
princípio da cooperação”
:“
faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, nomomento em que
ocorre
, pelo propósitoou
direção do intercâmbio conversacionalem que você está engajado
"
(Grice, op.
cit, 86).
Sustentado por este princí
pio, Griceestabelece ainda uma lista de máximas conversacional
:
quantidade (se/
a informativocomo requerido ), qualidade (não d/ga o que você acredita ser falso e não diga senão
aqu/7o para que você possa fornecer evidência adequada),relação (se
/
a re/evanfe) emodo (se
/
a
claro ) (Grice, op.
cit.
, 86-
7).
As implicaturas se baseiam na crença compartilhada por falantes e ouvintes
de que
estas
má
ximas não são, em geral, burladas durante aconversa
.
Por exemplo,um di
á
logo do tipo (Grice, op.
cit , 93):
A - Estou sem gasolina
.
B
-
Há um posto na próxima esquina.
é coerente, na medida em que A não interpretaria que B estaria infringindo a máxima da relação e, portanto,
este
intencionou comunicar que o posto podeestar
aberto, vendendo gasolina
.
Caso as máximas sejam burladas,
este
fatoé
significativo,produzindo també
muma implicatura
.
A burla das máximas na verdade mostra que estas são efetivamenteoperacionais
.
Assim, uma sentença como“
Você é o açúcar do meu café
"
, quecontém uma falsidade catégorial, quebraria a máxima da qualidade
.
Esta quebraimplica na interpretação pelo ouvinte de que o propósito do falante nã
o
é definir oreferente
“
você" nos termos da sentença, e sim remeter aoutro
significado(metafórico) (Grice, op
.
c/f.
)Já apontamos anteriormente que Grice afirma que o significado do falante
constituí uma categoria independente do significado literal da sentença
.
No entanto,uma leitura de sua obra nos aponta que este autor defende que o significado literal
1» a>
.
5não deve
ser
descartado naan
átise das implicaturas.
Ao discutir os fatorescom
os quaiso
ouvinte opera para inferir, Grice coloca em primeiro lugarexatamente
osignificado literal (ou
‘
convencional
'
):
Para deduzir que urna implicatura conversacional determinada se faz presente, o
ouvinte operará com os seguintes dados: (1 ) o significado convencional das palavras
usadas, juntamente com a identidade de quaisquer referentes pertinentes; (2) o
princípio da cooperação e suas máximas; (3) o contexto, lingüístico ou extralingüístico,
da enunciação; (4) outros itens de seu conhecimento anterior; e (5) o fato (ou fato
suposto) de que todos os itens relevantes cobertos por ( 1 ) - (4) são acessíveis a ambos
os participantes e ambos sabem ou supõem que isto ocorra. (Grice, op. cit
.
: 93)Contudo,apesar de considerar o significado
convencional
como
componenteda implicatura, confirmado
no
trecho destacado acima, Gricen
ão
discutecomo
este
tipo de significado seria operado.
Podemos supor quea
implicatura produzidapela sentença "Você é o açú
car
do meu café" sóse
explica pela consideração de propriedadessem
ânticas de"
humano"
no item lexical"voc
ê"
; no entanto,estaan
álisenão é
encontrada
explícitamente na obra deGrice
.
Além da não definição da relação
entre
contexto e significado literal, outrolimite na pragmática griceana é o nã
o
tratamento da própria noção
de contexto. Embora Grice se refira aos contextos"
extralingüísticos” e ao conhecimento de mundodos falantes, respectivamente nos itens (3)
e
(4) do trecho destacado, ele não ofereceelementos para analis
á
-
los.
Esta limitaçã
o
é assumida pelo próprioautor
ao apontar que não foram tratadas por ele"questões a propósito de que tipos de focos derelevância podem existir, como se
modificam no curso da conversação, como dar conta do fato de que o$ assuntos da
conversação são legítimamente mudados, e assim por diante. Considero o tratamento
de tais questões excessivamente difícil e espero retornar a elas em um trabalho
posterior." (Grice, op. cit: 87)
Conforme apontaremos a seguir,a teoria de Searle (1969; 1995),deimportância semelhante à de Grice
nos
estudos pragmáticos, tambémcarece
de umaan
álise mais aprofundada do contexto enunciativo.
Passemos, portanto,a uma
breve exposição dos pressupostos desteestudioso
.
A
teoria
de Searle propõeo
ato de falacomo
aunidade
básica dacomuni
-caçã
o
.
O objetivo final éestabelecer uma
teoria geral do significado, identificando de quantas formas diferentes a língua pode ser usada.
Uma questão básica consiste em explorar as relações entre o significado literal
significado da
emiss
ão do falante, já queuma
mesma
emissão pode Para identificare
distinguir tais atos, Searle da sentença e odesempenhar diferentes atos de fala
.
propõ
e
doze aspectos,dentre
os quais destacamoso
propósito do ato,o
status dofalante
e
doouvinte
, as relações
com oresto
do discurso, e oconteú
dopropos
ícional.
A partir destas considerações,
o autor
estabelece
cinco tipos de atos de faladiretos
(assertivos
, diretivos, compromissivos, expressivos edeclarativos
)e suas
respectivas2 8
Nos atos de fala diretos, portanto, nã
o
hátens
ão entre significado literal enão
literal
sendoo
primeiroum
dos aspectos que defineo
significado comunicativodo enunciado
.
Mais complexos são os atos de fala indiretos, isto é, aqueles
em
que a signifi-cação da emissão do falante e a significação da sentença divergem
.
Um ato de fala indireto é,portanto,um
ato ilocucionário realizadoindiretamenteatrav
és da realizaçãode um
outro
, como no enunciado “Você quer abrir a porta?"
.
Neste, o propósito dofalante não é requerer
uma
informação do ouvinte e sim criarno
mesmo
um efeitoque
o
leve a executar a ação
em
questão.
Searle levanta quatro aspectos para a an
á
lise dos atos de fala indiretos:"Para ser mais específico, o aparato necessário para explicar a parte indireta dos
atos de fala indiretos inclui uma teoria dos atos de fala, alguns princípios gerais de
conversação cooperativa (alguns dos quais foram discutidos por Grice (1975) ) e a
informação factual prévia compartilhada pelo falante e pelo ouvinte, além da habilidade para o ouvinte fazer inferências
.
" (Searle, 1995:50)Searle compreende a habilidade para fazer inferências
como
uma estratégia que consiste em estabelecer, primeiramente, que o propósito ilocucionário primáriodiverge do literal e,
em
segundo lugar, qual seja o propósito ilocucionário primário.
Em resumo, podemos afirmar que Searle nã
o
fornece elementos para acons
-trução de
uma
teoria a respeito do contexto. Nãoestá
definido na obra desteautor
como
o
ouvinte tomaa
decisão que "o propó
sito ilocucionário primário diverge do literal" ecomo
a“
informação prévia factual"
atua na definição doato
de fala em questão.
Emsuma
, não está claro como se operacionalizam as habilidades do falantepara inferir
.
Assim, nas tradições de Grice e Searle, podemos afirmar que a
pragmá
tica,embora incorpore a
no
ção de intenção do falante,não
explora plenamente a relaçãoentre
língua econtexto
, o que coloca limites à identificação do significado lingüístico.
Entre os elementos que compõem a habilidade de inferir, destacamos o con
-texto sociocultural da interação, que contribuína
definição decomo
devem ser inter-pretados os enunciados. Assim, o significado dos
enunciados
é construído a partir daestrutura de expectativas sobre a
natureza
do eventosocial
do qual tais enunciadosfazem parte e, concomitantemente, para o qual os
mesmos
contribuem.
Um atopode ser identificado
como
umaasser
ção ou uma crítica, dependendo do eventoquestão, que define
o
papelsocial
dos interactantes,e
de pistascontextuais
,em
m
como
a entoação.
Na
se
ção
a seguir,discutimos
a
sociolïngüisticainteracionat
,buscando
iden-tificar,
nesta
linha de análise,os
elementos
contextuais
que podem servir demat
é
ria-prima para elaboração de
uma
teoria do significadocom
o enfoquena
lí
ngua emcomunicação
.
£
»
O significado
na
socioling
üfstica
interacional
1:
A sociolingüística interacional coloca
como
foco central de aná
lise o conhe -cimento sociocultural-
cognitivo que se constrói ese
expressanas
interações face aface e que
est
ão
na
base das interpretações da situação
comunicativa
, dos papéisdesempenhados e dos enunciados produzidos pelos participantes
.
A questã
o
bá
sica desta linha de análise sociolingüí
stica é, portanto,o
quãobem sucedida é a comunicaçã
o e
como
este sucesso está
relacionado ao conhecimento sociolingüí
stico.
Assim, são focos centrais da sociolingüísticainteracional a forma como os membros de
uma
comunidade identificam os eventos de fala, como o input social varia no curso da interação ecomo
o conhecimentosocial produz
a
interpretação das mensagens.
O significado é, portanto, construídopor um processo complexo de sinais ling
üí
sticos e não
lingüí
sticosancorados
no contexto.
É central
à
discussão do contexto,na
sociolingüí
stica interacional,o
conceitode ‘enquadre’
:
o conhecimentosociocultural-
cognitivo que está na base das interpretações
a
respeito dos enunciados.
Partindo do princípio de que
a comunica
ção verbal humana opera em dife -rentes níveis de abstração, Bateson (1972) demonstrou que qualquer instância comunicativa só pode ser entendida à luz de uma "metamensagem”
sobre comocategorizar e interpretar tal instância
e
as ações componentes damesma
.
A esta metamensagem, Bateson denominou"
enquadre"
("
frame"
).
O enquadre define oconjunto de mensagens inclu
í
dasno
mesmo
e fornece instruçõesao
receptor sobrecomo
entendê-
las.
Ainda segundo Bateson ( op
.
c
/f.
), os enquadres, embora tomem comoreferência uma realidade mais concreta e mais básica, não representam aquilo que seria representado por tal realidade
.
Tomandocomo
exemplo o enquadre"
brincadeira
"
,o estudioso observa que "a dentada [debrincadeira
] refere-
se
à mordida,
mas
não representa aquilo que seria representado pelamesma
"
(p.
180).
Neste sentido, Bateson (op
.
c
/f.) conclui que adiscrimina
ção entre"
mapa"
-a língua - e "territ
ó
rio" - os objetos denotados pela língua - é sempre passível deanular
-se, pois
os
golpes usados na brincadeira podemser
confundidoscom
os golpes usadosno
combate
.
Ocar
áter dinâmico e complexo dos enquadresest
á,portanto
, no fatode que
nestes
o"
mapa"
e o
"
territó
rio" sãosimultaneamente
neutralizados
ediscriminados
.
1t Segundo Rgueroa (1984),a sociolingüística interacionalde Gumperz tem sua basena sociologiainteracional (Goffman
),na análise
da conversa (Garfinkel e os etnometodólogos),na pragmática (Austin), na etnografia da comunicação (Hymes) ena Escola deLon
-dres ( firth e Holliday). Já Schiffrin (I994]r embora considere a sociolingüística ¡nteraciona! um campo de investigação posterior aos
citados e que,portanto, os resgata, destaca comopitares Gumperz e Goffman (que, por sua vez, tem como uma de suas fontes o
interacionísmo simbólicode Bateson).No presente trabalho, destacaremos apenas os pressupostos teóricos de Gumperz,Goffman e
Bateson. Arazãoparaesterecorteestána centrafidade dos trabalhosdestes estudiososnaconfiguraçãoda sociofinguísficainteracional
comoum campo de investigação especffico.
Na mesma linha de Bateson (op
.
c/7.
), Goffman ( 1974:10) afirma que osignificado das ações sociais é definido em função de principios
-
os frames-
que governam e organizam os eventos sociais.
Assim, Goffman aponta comoum
objetobásico das análises sociointeracionais
os
enquadres e as "vulnerabilidades" às quaisesses estão sujeitos
.
Por"
vulnerabilidades
"
, o autor compreende questões teó
ricasrelativas à complexidade de organização dos enquadres em interações espontâneas,
lais
como
"
onde termina ecome
ça um enquadre?”:
"
o enquadreem
focoé
o
mesmo para todos os participantes envolvidos?"; e"
que enquadres estão em disputa?"
.
Para analisar a contribuição de Goffman ao estudo do significado, portanto,
o que merece destaque é seu interesse nas fronteiras entre os enquadres
.
Aproximando as preocupações de Goffman coma
produção
das interações verbais, a questãocentral que se coloca, portanto, não é onde está o significado básico
ou
qual é osignificado básico dos
enunciados
produzidos na interação,mas como estes
significados-
muitasvezes
em conflito-
s
ão produzidos.Goffman (1981)
retoma
a noção de"
enquadre”como
um objeto central à análise sociointeracional do discurso, redimensionando-
a a partir do conceito defoof/ng
.
Goffman destaca,ma
ïs uma vez, o caráter dinâmico da organização dainteração, ao observar que
a estrutura
desta pode ser definida como uma sucessão não linear de footings.O conceito dá ênfase
ao
fato de queos
participantes, ao estruturaremos
eventos dentro de determinado enquadre, negociam relaçõ
es
interpessoais,assumindo uma determinada postura naquela unidade interacional
.
As mudançasna
estrutura de participação
-
ouvintese
falantes
-
e no
formato de produção - satírico ourespeitoso, presente ou futuro, direto
ou modalizado
-
constituem, portanto, a baseestrutural da mudança de footing
.
Segundo Goffman (op
.
c/7.
), são marcas da mudança de footing as mudançasde tom, de volume, de ritmo, de
intensidade
, daidentidade
social das pessoasenvolvidas, dos recipientes, da forma de se dirigir e selecionar outro participante, da
postura corporal e do
c
ódigo.
O estudioso lembra anecessidade
de aprofundar os estudos dos processos lingüí
sticos de produção
do fenômeno
do foof/ng,ultrapassando,desta forma, as
descri
ções
puramentesociol
ó
gicas das relaçõesentre
os participantes,tais como
"
status social"
e“
sexo".
Gumperz (1982)
toma como
base dos estudossociointeracionais
oconceito
xssde
"
atividade de fala"
(speech activity )e
as
“
pistas decontextualiza
çâo
”,
(confexfual/'zaf/on eues)
.
Gumperz define “ atividade de fala"
como
a unidade bá
sicada interação, socialmente significativa,
em
termos da qual o significado é avaliado.
As
“
pistas decontextualiza
çâo"
constituem
qualquer traço lingüístico, paralingüí
sticoe nã
o
-verbal que contribuam paraa
sinaliza
ção
de pressuposiçõescontextuais
.
i»
s
JS
De maneira semelhante a Bateson e Goffman (op
.
cit ), Gumperz enfoca aconversa
nãocomo
um evento coeso, mas comouma sucess
ão de atividadescon
textu
alizadasou
"enquadradas"
.
Uma forma de sinalizar a mudança
de enquadre é o"
code sw/fching"
(Gumperz, 1982:
59J
:“
a
justaposição de passagens de falapertencentes a dois sistemas
ou
subsistemas gramaticais distintos"
.Para Gumperz, o significado social
é
negociado a partir do relevo dado pelosparticipantes a aspectos presentes
no
evento.
As pistas de contextualização não determinam o significado, e sim limitam a interpretação, destacando alguns aspectosdo conhecimento de mundo e minimizando outros
.
Ou seja, existem,na
interação,significados
"
latentes", que nãoest
ão em
destaque, mas estão presentes.
O conflitosobre qual dos significados deve
ser
colocadoem
relevoé
o
que estána
base da negociação a
respeito da atividadeem
foco.
Cabe destacar
os
limites com os quais asociointeracional se
depara diante deste programa teórico.
De forma semelhante à semântica eà
pragmá
tica, asociointeracional não estabeleceu claramente a relaçã
o
entre informação lingüística e contextuai.
Conseqüêncîa disto é o fato deas
an
álisesnem
sempre deixarem clarocomo
texto
e contexto interagem para detonar as inferênciascomunicativas
.
Gostarí
amos
de enfatizar,contudo,que o programa teó
rico da sociolingüí
sticainteracional, a partir da categoria enquadre, fornece
elementos
estruturais
paraa
construçã
o
deuma
teoria docontexto
.
Esta estaria baseadaem
aspectossocioculturais
,como
a definição
social do evento, o papei social dos falantes e a postura dosmesmos
diante do que está sendo dito.
Assim,os
estudos de Bateson,Goffman
e Gumperz indicam pistas para a investigação
da relaçãoentre
língua e contexto,pois asinfer
ências dos falantes a respeito dosenunciados
estãoreferenciadas
nestes elementos
contextuais
.
Neste
sentido
, estatradi
ção deestudos
vem
investigandoos
elementos estru-turais que identificam
o
contexto:
sinais
não-
verbais
everbais
,tais
como a
prosó
dia,o
code switching, o silêncio,as
expressões
formulaicas,as
rotinasdiscursivas
, a escolhalexical, a
estrutura
sintá
tica
.
Assim,a
línguaé
,nesta
tradi
ção de estudos, resultado deinferências
contextuais
,mas
também cria contexto.Considera
çõ
es finais
O presente trabalho teve
como
objetivo traçar
, na trajetó
ria deconstitui
ção
da ciência ling
üí
stica, a busca deconstituir
campos cientí
ficos de investigação
do3 2
significado, considerando nesta trajetória as tradições da semântica, da pragmá
tica,Em nossa
an
á
lise, observamoscomo
a
primeiraexcluiu
deseu
campo deinteresses o estudo do “
texto
”
e do“
contexto”
, centrando-
se
na análise de fenômenossentenciais baseados no significado lexical dos componentes das proposições
.
Apontamos ainda que a pragmá
tica,apesar daconsidera
ção
dosconceitos
de"
texto"
e
"contexto", não elaborou uma teoria da relaçãoentre
ambos, nãoestabelecendo
,assim, categorias estruturais que permitam analisar
as
inferências produzidas pelosfalantes em interaçõ
es
concretas.
Tais limites
nos
levaram,em
nossa aná
lise, a considerar uma das tradições
socioantropológicas de análise do discurso:
a
sociolingüí
stica interacional.
Esta, apartir do conceito de enquadre
-
esquemas sociocognitivos queservem
de referênciapara a interpretação dos
enunciados
- vem-sededicando
a desenvolver uma teoriado contexto e
sua
relação como
sistema lingüístico.
Apesar deste programa teórico,a sociointeracional vem
-
se
deparandocom
os mesmos problemas dasem
ânticae
dapragmática: a dificuldade de distinguir significado literal e
contextuai
e de descrevera
relaçãoentre
ambos.Gostar
íamos
de destacar, por fim, que a investigação da relação entre signi-ficado lingüístico
e
contextuai implementada pelasociointeracional
pode.contribuirna
constituição deuma
teoria
do significado.
A discussão da relação entre
texto e
contexto
em situações
de interaçãoconcretas pode fornecer
elementos
para enriqueceras
discussões a respeito de pontosfocais dos estudos
sem
ântico-
pragmáticos,como
, por exemplo, a ambigüidade.
Estatem sido até hoje tratada como fenômeno meramente sentenciai ou dependente
exclusivamente
da ‘intenção
’ do falante.
A ambigüidade pode ser tratada, nasfronteiras de
uma
abordagem interacional,como
um
fenômeno inerenteà
s negociaçõesverbais
:como
umconflito
de enquadres que serealiza
lingüísticamente
.
Para tal, énecess
árioconsiderar
a língua não somentecomo
um
código ouinstrumento
de inferências, cuja principal função é comunicar,como o
fazem asteorias semânticas e pragmáticas
.
É precisoconsiderar
tambéma
línguacomo
ação,palco de conflitos
e
mal-
entendidos
propositais.
Nossa suposição é que talum
como
consideração pode ampliar as teorias a respeito do significado lingüístico
.
&
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