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Onde diz - padrões de uso no português arcaico

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ONDE DIZ-

PADRÕES DE USO NO PORTUGUÊS ARCAICO

IANAÊ DE OLIVEIRA

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ONDE DIZ-

PADRÕES DE USO NO PORTUGUÊS ARCAICO

por

IANAÊ DE OLIVEIRA

Dissertação apresentada ao Curso de

pós-graduação em Estudos de

Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial ao grau de Mestre. Linha de pesquisa: teoria e análise linguística.

Orientadora: Professora doutora Mariangela Rios de Oliveira.

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Niterói

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

O48 Oliveira, Ianaê de.

Onde diz - padrões de uso no português arcaico / Ianaê de Oliveira. – 2012.

88 f.

Orientador: Mariangela Rios de Oliveira.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2012.

Bibliografia: f. 61-66.

1. Língua portuguesa - Gramática. 2. Mudança linguística. 3. Funcionalismo (Linguística). I. Oliveira, Mariangela Rios de. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título.

CDD 469.5

1. 371.010981

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IANAÊ DE OLIVEIRA

ONDE DIZ-

PADRÕES DE USO NO PORTUGUÊS ARCAICO

Dissertação apresentada ao Curso de pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial ao grau de Mestre. Linha de pesquisa: teoria e análise linguística.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª MARIANGELA RIOS DE OLIVEIRA – Orientadora Universidade Federal Fluminense

Prof.ª Dr.ª Maria Jussara Abraçado Universidade Federal Fluminense

Prof. Dr. Gerson Rodrigues da Silva Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Prof.ª Dr.ª Vanda Maria Cardozo de Menezes - suplente Universidade Federal Fluminense

Prof.ª Dr.ª Eliete Figueira Batista da Silveira - suplente Universidade Federal do Rio de Janeiro

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A meus pais, que desde pequena me ensinaram o valor dos estudos. A meu esposo Péricles, companheiro de tantas horas, incansável em afirmar que tudo vai dar certo. E deu. A meu querido filho Pedro, razão da minha vida, obrigada por toda a compreensão.

(6)

AGRADECIMENTOS

Dedico este espaço a todos que estiveram presentes em minha vida e principalmente,

Ao querido Pai do céu, por tantas vezes que vou a Ti;

A minha querida Ritinha, pela disposição de vir, fazer e acontecer tantas vezes; Ao meu avô Baptista (in memorian);

Aos professores da graduação e pós-graduação da UFF. Aos membros da banca. A cara Mariangela Rios de Oliveira, orientadora desta pesquisa e de momentos de minha vida; A todos os colegas da graduação e pós-graduação com quem compartilhei questões, dúvidas, trabalhos;

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EPÍGRAFE

Não atinou que a frase do discurso não era [...] de ninguém. Alguém a proferiu um dia, em discurso ou conversa, em gazeta ou em viagem de terra ou de mar. Outrem a repetiu, até que muita gente a fez sua. Era nova, era enérgica, era expressiva, ficou sendo patrimônio comum. Há frases assim felizes. Nascem modestamente, [...]; quando menos pensam estão governando o mundo, à semelhança das ideias.

(Assis, Machado de. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1997, p. 85)

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RESUMO

Este trabalho volta-se à análise qualitativa de onde diz, expressão encontrada hodiernamente apenas em sentido espacial, mas que, há alguns séculos, cumpriu trajetória espacial>textual. Onde diz, em função textual, é encontrado de modo recorrente em textos portugueses específicos do período arcaico da nossa língua, textos esses formadores do nosso corpus. Esse estudo é justificado pelo volume considerável

de onde diz entre os séculos XIV-XV, em contraponto com a falta de notícias em fontes de sincronias mais recentes da língua. Essa expressão compõe contexto argumentativo de molde discurso1 + onde diz [SN] + discurso2, sua função é identificar fonte indireta de informação. Parte-se do pressuposto que certo modo específico de dizer fez com que a expressão onde diz, de base locativa, cumprisse trajetória rumo à mudança linguística, para atuar como mecanismo de persuasão e instrumento de evidencialidade. Nas análises, são observadas pressões de subjetividade e inferência sugerida (Traugott; Dasher, 2005), gramaticalização de evidenciais (Ainkhenvald, 2006; Barnes, 1984) e Tradições Discursivas (Kabatek, 2004). O objetivo geral dessa pesquisa de cunho funcionalista (Traugott; Dasher, 2005; Hopper, 1991; Cunha; Oliveira; Martelotta, 2003) é investigar as realizações do onde diz. Os objetivos específicos são: (a) analisar qualitativamente, conforme a abordagem funcionalista, se a trajetória de abstratização de onde diz pode ser fruto de tendências sócio-comunicativa-cognitivas utilizadas por certa Tradição Discursiva; (b) verificar o grau de gramaticalidade do onde diz; (c) confirmar, ou não, a tendência à gramaticalização de evidenciais (Ainkhenvald, 2006; Barnes, 1984).

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ABSTRACT

This study aims to present a qualitative analysis of onde diz, found expression in our times only in a space sense, but, a few centuries ago, fulfilled the trajectory space > text. Onde diz, according to the textual function, is found recurrently in specific Portuguese texts of the archaic period of portuguese language; these texts constitute this

corpus. This study is justified by the considerable use of onde diz in XIV-XV centuries, in contrast to the lack of news in sources of synchronicities more recent of the language. This expression consists ofargumentative context of model argument 1 + onde diz [NS]

+ argument 2, and its function is to identify indirect source of information. It starts from the assumption that a certain specific way of saying the expression onde diz, with basic

locative, carried out trajectory towards linguistics change, to act as a mechanism of persuasion and an instrument of evidentiality. In the analysis, are observed pressures of subjectivity and invited inferencing (Traugott; Dasher, 2005), grammaticalization of evidentials (Ainkhenvald, 2006; Barnes, 1984) and Discursive Traditions (Kabatek, 2004). The general objective of this research functionalist (Traugott, Dasher, 2005; Hopper, 1991; Cunha, Oliveira, Martelotta, 2003) is to investigate the achievements of onde diz and specifically verify: (a) if the trajectory of abstratização of onde diz may be the result of socio-communicative-cognitive tendencies used by some Discursive Tradition (Kabatek, 2004); (b) the degree of grammaticality of onde diz; (c) to confirm or not the tendency of grammaticalization of evidentials (Ainkhenvald, 2006; Barnes, 1984).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 REVISÃO DA LITERATURA ... 16

1.1 Registro do onde em dicionários ... 16

1.2 Registro do onde em gramáticas ... 18

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 20

2.1 Abordagem funcional ... 20

2.1.1 Gramaticalização ... 21

2.1.2 Metáfora, metonímia e inferência sugerida... 24

2.1.3 Subjetividade e Intersubjetividade ... 28

2.2 Evidencialidade ... 30

2.3 Tradições Discursivas ... 35

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 38

4 ANÁLISE DE DADOS ... 45

4.1 Tipo (+) locativo (+) textual ... 50

4.2 Tipo (+/-) locativo (+) textual ... 51

4.3 Tipo (-) locativo (+) textual ... 53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 59

6 REFERÊNCIAS ... 61

(11)

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se insere no contexto do grupo Discurso & Gramática1, voltada para o projeto conjunto de pesquisa sobre advérbios. Desta feita, foi selecionada uma expressão formada em torno do elemento onde. De posse de textos do português arcaico, foi observado que esse elemento apresentava variação na sua função semântica e que, por vezes, não estava sozinho, mas também integrava expressões junto a outros elementos, dentre os quais: de onde em onde, onde quer que, onde diz. O objeto de estudo contemplado nesta dissertação é justamente um desses usos, o onde diz, que, partindo de referência a espaço, passa a exercer função textual com referência anafórica ou catafórica, conforme fragmentos (1) e (2), extraídos de nosso corpus de pesquisa:

(1) E pera esquyvar este pecado da vaam gloria, tambem he boo remedio nom fallar, screver ou dar aazo que se falle sem boo fundamento perante nos em nossos proprios feitos. E nas cousas feitas com entençom de virtude, conssiirar aquella pallavra de Davyd onde diz que o senhor quebrantará os ossos daquelles que fazem seus feitos principalmente por prazerem aos homẽẽs, mostrandonos que nom leixemos a nos meesmos fazer cousa que seja com proposito da vãã gloria.

(Leal conselheiro, título 12, fólio 15r, grifo nosso)

(2) [...] e as treevas nom o compreenderom, porque os pecadores nom conseguirom aquesta luz, nom por defeito da luz, mas por míngua sua deles. Onde diz Agustinho: “Assi como o homem cego, posto ao sol, presente é a El a luz do sol, mas el nom presente ao sol, [...]”.

(O livro de vita Christi, p. 35, grifo nosso)

No fragmento (1), observamos o onde diz no que se supõe ser o início da trajetória de gramaticalização. O onde retoma aquella pallavra de Davyd, no entanto, deixa transparecer sentido locativo mais virtual. Por sua vez, o verbo dizer se completa com a oração objetiva direta que o segue. Em (2), o comportamento é outro, a necessidade argumentativa imposta por certa tradição didático-religiosa permitiu que o sentido locativo fosse ampliado em um sentido mais textual, de modo a onde diz

1 O grupo Discurso & Gramática é voltado às pesquisas em linguística funcional. Atualmente, possui

sedes no Rio de Janeiro (UFRJ), Niterói (UFF) e Rio Grande do Norte (UFRN). Informações pelo site http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/

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retomar todo o contexto anterior e produzir uma sequência para todo o argumento posterior, embora se mantenha independente sintaticamente dessas orações.

A expressão onde diz em formato mais gramatical, como visto em (2), é encontrada em textos pedagógico-religiosos2 do português arcaico e, conforme defendemos aqui, é utilizada em contextos específicos para identificar uma fonte indireta de informação.

Como ponto de partida, realizamos uma pesquisa em busca de algum relato científico sobre a expressão onde diz, mas até o fechamento desse trabalho não foram encontrados registros em gramáticas, dicionários de língua portuguesa, ou mesmo, pesquisas acadêmicas sobre ele. Damos, com a presente dissertação, portanto, um passo para a investigação dessa expressão.

Necessária, ainda, foi a seleção do corpus. O texto de partida de que nos valemos foi o Orto do esposo, com número relevante de ocorrências de nosso objeto de pesquisa. Na sequência, vieram O livro de vita Christi, Leal Conselheiro, Livro das aves

e Demanda do Santo Graal, todos referentes ao final do século XIV e século XV. A

busca se direcionou para obras de outras sincronias, citamos o teatro de Gil Vicente,

Bíblia medieval portuguesa, Sermões de Padre Antonio Vieira, Padre Anchieta, Carta

de Caminha e, os corpus digitais Tycho Brahe, Alerj, PHPB, revista Veja, bem como, revistas no segmento de games, de carros (referentes às marcas Mitsubishi, Audi), de vôo das companhias Gol, Web Jet, Tam, publicações religiosas, etc. O onde diz não foi encontrado nessas sincronias mais recentes. Buscamos, também, em encíclicas (traduzidas para a língua portuguesa) de João Paulo II e de Bento XVI, nosso objeto de pesquisa, sem sucesso. Por último, pesquisamos o onde diz no site de busca Google. Obtivemos como resposta recortes do português contemporâneo em que o onde diz é utilizado em função locativa, como segue:

(3) Ao abrir uma URL, aparece caixa de dialogo onde diz:__IEPNGFIX: unclickable children of element: <DIV>__E não abre o site3. (grifo nosso)

2 Houaiss (2004, p. 247) define didático como “destinado a instruir, o que facilita a aprendizagem”. Nessa

mesma obra (p. 635), religioso é o “que tem elementos de adoração; ou que segue ou professa uma religião”. Dessa forma, são aqui chamados de textos didáticos-religiosos, aqueles que têm o propósito de educar socialmente, filosoficamente e/ou religiosamente. Esses textos impressos substituíram a tradição em que os grandes feitos eram passados oralmente.

3

Disponível em < http://answers.microsoft.com/pt-br/windows/forum/windows_xp-networking/ao-abrir-uma-url-aparece-caixa-de-dialogo-onde/592e4b35-e17a-4298-82e0-b329a5>, acesso dia 12/04/2011.

(13)

(4) A Dilma censurou o vídeo onde diz que nordestino não é brasileiro. Acontece que a verdade pode mais4. (grifo nosso)

Sem encontrar o onde diz como um introdutor de argumento de autoridade, conforme apresentado no fragmento (2), em outras sincronias, optamos em desenvolver o trabalho com o material referente aos séculos XIV e XV, representativo da fase mais antiga do português. Os textos Orto do esposo, O livro de vita Christi, Leal Conselheiro são de base argumentativa. Seus autores utilizam estratégia persuasiva que consiste em tomar argumentos de outrem (reconhecidos como autoridades da fé cristã, reis, filósofos, etc.) como alicerce para seus ditos. A Demanda do Santo Graal é uma novela de cavalaria5 repleta de valores religiosos. O Livro das aves segue a tendência dos bestiários6 medievais, discorrendo sobre os defeitos e virtudes de determinada ave. Todos em prosa.

A seleção do onde diz nesta pesquisa, portanto, se justifica pelo volume considerável desse uso na fase arcaica do português, em contraponto com a falta de notícias dessa expressão em fontes de sincronias mais recentes da língua. Partimos do pressuposto de que determinadas formas linguísticas, como onde diz, são usadas considerando-se: (a) fatores de ordem social, cultural e cognitiva; (b) fatores internos à linguagem, como por exemplo, as marcas de evidencialidade; (c) fatores externos, tais como o ambiente comunicativo, gênero textual, entre outros.

Duas são as hipóteses gerais aqui assumidas. A primeira considera que a estratégia argumentativa utilizada por certo modo específico de dizer fez com que a expressão onde diz, de base locativa, cumprisse trajetória rumo à mudança linguística, para atuar como mecanismo de persuasão e instrumento de evidencialidade. Essa hipótese vai ao encontro da proposta da atuação de pressões de subjetividade e inferência sugerida, defendidas por Traugott e Dasher (2005), bem como das pesquisas de Kabatek (2004) sobre Tradições Discursivas. Define-se subjetividade como “processo pelo qual o falante/escritor desenvolve, com o tempo, novos significados para

4 Disponível em <

http://coturnonoturno.blogspot.com/2010/05/dilma-censurou-o-video-onde-diz-que.html>, acesso dia 12/04/2011.

5

A Novela de cavalaria é um gênero medieval originário da Inglaterra e França que se estabelece em Portugal com a tradução do francês para o português da Demanda do Santo Graal. Conforme MOISÉS (2004, p. 38), novela de cavalaria é o modelo em prosa das poesias épicas.

6

Baseado em COSTA; MELO (19--, p. 203-204), a palavra “bestiário” no contexto acima, é adjetivo designador de livro relativo a animais irracionais; quadrúpedes.

(14)

lexemas [e construções], os quais codificam ou externalizam suas perspectivas [...]” (Traugott e Dasher, 2005, p. 30, 32, tradução livre). Por sua vez, inferência sugerida diz respeito às complexidades de comunicação em que o falante/escritor evoca implicaturas e convida o ouvinte/leitor a inferí-las (ibidem, 2005, p. 5). Por fim, Tradições Discursivas são atinentes a elementos linguísticos que, em ocorrências de repetição, podem ser representativos de determinadas culturas, grupos, instituições (Kabatek, 2005).

Traugott e Dasher (ibidem) tomam por base pesquisas sobre mudanças semânticas semelhantes em línguas distintas e consideram que há princípios cognitivos e comunicativos operantes a favor dessas semelhanças. Tal proposição aproxima as abordagens funcionalista7 e cognitivista8. A subjetividade, entendida como a expressão de si mesmo, estaria presente nas implicaturas conversacionais a serem inferidas pelo interlocutor, as denominadas inferências sugeridas.

Por sua vez, Kabatek (ibidem) volta-se para o estudo das Tradições Discursivas. O estudo da história dos textos preconiza que determinadas formas ou fórmulas linguísticas são encontradas apenas em molde escrito que, em ocorrência de repetição, podem estar associadas a determinadas culturas, grupos, instituições. Sob esse prisma, o

onde diz pode estar associado à determinada época, cultura, etc.

A segunda hipótese que assumimos é que evidenciais tendem a se gramaticalizar. Define-se evidencial como a origem do conhecimento asseverado (Chafe & Nichols, 1988). Pesquisas nessa área revelam que algumas línguas marcam a evidencialidade em molde lexical ou gramatical. A evidencialidade é considerada gramatical quando realizada por afixos, clíticos ou marcada em categorias também responsáveis por outras funções. Esse é o caso da língua tariana e da língua colombiana tuyuka. Nessas línguas a expressão da evidencialidade está associada a sufixos verbais responsáveis também pelo tempo verbal (Ainkhenvald, 2006). Isso ocorre, por exemplo, neste fragmento da língua tariana: Juse irida dimanika-mahka. O sufixo -mahka,

7 Funcionalismo é uma corrente linguística que, [...] se preocupa em estudar a relação entre a estrutura

gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas. (Cunha, 2010, p. 158)

8 “Cognição é o “modo como nossa mente interage com o mundo que nos cerca, bem como os processos

que permeiam essa interação” (Martelotta; Palomanes, 2010, p. 177). Portanto, a abordagem cognitivista acredita na mente como um complexo de captação de experiência que são refletidas, dentre outras formas, na/pela linguagem.

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fornece duas informações: a primeira diz respeito a origem da informação e a segunda, revela que a ação ocorreu no passado.

Tendo em vista a gramaticalização de evidenciais em línguas distintas, a marca de evidencialidade lexical em língua portuguesa, como também os estudos mais básicos sobre gramaticalização, hipotetiza-se que a gramaticalização de evidenciais também pode ocorrer sob forma de um cline em que um item gramatical se torna ainda mais gramatical ao se unir a outro item em expressão. Dessa forma, estamos partindo do entendimento de que a expressão onde diz manifesta gramaticalidade, em que o onde +

diz formam expressão vinculada, em termos semântico-sintáticos, cumpridora de função

pragmática específica, voltada para a evidencialidade.

O objetivo geral é investigar as realizações do onde diz entre os séculos XIV- XV. Os objetivos específicos são: (a) analisar qualitativamente, conforme a abordagem funcionalista, se a trajetória de abstratização de onde diz pode ser fruto de tendências sócio-comunicativa-cognitivas utilizadas por certa Tradição Discursiva; (b) verificar o grau de gramaticalidade do onde diz; (c) confirmar, ou não, a tendência à gramaticalização de evidenciais (Ainkhenvald, 2006; Barnes, 1984).

Esta dissertação se divide em cinco capítulos, assim distribuídos: a primeira seção, intitulada revisão bibliográfica, traz levantamento de gramáticos e dicionaristas latinos e de língua portuguesa sobre como classificam e analisam o onde. No segundo capítulo, são discriminados os fundamentos teóricos desta pesquisa nas seções 2.1, 2.2 e 2.3, referentes respecivamente a Abordagem funcional, Evidencialidade e Tradições discursivas. A seção 2.1, Abordagem funcional, ainda conta com três subitens: o primeiro destinado a gramaticalização, o segundo referente a metáfora, metonímia e inferência sugerida e o último item é dedicado a subjetividade e intersubjetividade. Disponibilizamos no terceiro capítulo a metodologia utilizada na seleção do corpus, no levantamento dos fragmentos, bem como os diferentes aspectos observados e os procedimentos utilizados na posterior análise. O quarto capítulo associa os níveis de abstração (+) locativo, (+/-) locativo e (-) locativo a uma subseção respectiva: 4.1, 4.2 e 4.3. Alí os fragmentos são analisados especificamente e no seu grupo. No capítulo destinado às considerações finais, são trazidas as respostas encontradas e são abertas outras possibilidades de pesquisa a partir dos resultados alcançados. Em seção anexa final, encontram-se os fragmentos trabalhados e sua análise correspondente.

(16)

1REVISÃO DA LITERATURA

1.1 Registro do onde em dicionários

Foram realizadas pesquisas em dicionários latinos e de língua portuguesa, gramáticas históricas, tradicionais e funcionais a procura do onde diz, no entanto, não foi encontrado nenhum registro. Na falta de algum dado, seguem notícias do onde.

Não há consenso em dicionários latinos ou gramáticas históricas quanto ao correspondente latino de onde, podendo ser herdeiro de unde ou ubi. Sabe-se que muitos autores latinos confundiam suas funções, o que permaneceu como característica também nos textos portugueses.

O Dictionnaire Étymologique de la langue latine (Ernout; Meillet, 1967, p. 715, 747), por exemplo, afirma que onde é originado em ubi, que já em latim era empregado como advérbio de lugar onde, relativo, interrogativo e com a ideia de tempo . Unde, que pela forma poderia ter originado o onde, era o advérbio de lugar donde, como também relativo e interrogativo. O Dictionnaire illustré (Gaffiot, 1934, p.1621, 1627) acrescenta a função conjuntiva para ubi, fazendo referência ao sentido temporal. O Novíssimo

dicionário latino-português (Saraiva, 1993, p.1237, 1241) também afirma que ubi é

advérbio e relativo; acrescenta as funções temporal e conclusiva, bem como as construções em qualquer lugar que, onde quer que. O autor confirma unde como advérbio e relativo e, acrescenta as funções explicativa e causal. Por fim, o Dicionário

escolar latino-português (Farias, 1975, p.1037, 1041) faz referência ao caráter

adverbial, relativo, interrogativo e temporal para ubi e classifica unde como advérbio relativo interrogativo.

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Quadro 1: Representativo das funções de ubi, unde e onde: R E L A T IV O IN T E R R OG A T IV O A D V É R B IO T E M P O C ON C L U S Ã O C A U S A L A D V E R S A T IV O PR E POS Ã O PR ON OM E S U B S T A N T IV O E X PL IC A T IV O C ON J U N Ç Ã O UBI MEILLET X X X X GAFFIOT X X X X X SARAIVA X X X X FARIAS X X X X UNDE MEILLET X X X GAFFIOT X X X SARAIVA X X X X X FARIAS X X X ONDE DIC IONÁR IO FREIRE X X X X X GARCIA & NASCENTES X X X X FERREIRA X X X HOUAISS X X X ONDE GRAM ÁTICA RIBEIRO X X X SAID ALI X X CUNHA & CINTRA X X X NEVES X X X X CASTILHO X X X

Conforme o Quadro 1, apenas Saraiva discorda que ubi e unde tinham função interrogativa e também o único que inclui em unde as funções explicativa e causal.

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Destaca-se que as multifunções de onde são originadas no latim, encontrando consenso para ubi e unde apenas na função adverbial e relativa, conforme visto no Quadro 1.

Para as informações da língua portuguesa, foram consultados três dicionários. O primeiro, o Dicionário da língua portuguesa (Freire, 1943, p. 3692) classifica o onde como advérbio; explica a utilização como relativo, comenta sobre a ocorrência no português lusitano das funções temporal e adversativa; cita o emprego de aonde por

onde, por fim, mostra a construção onde quer que, segundo o autor, uma locução

conjuntiva. O segundo, o Dicionário Caldas Aulete (Garcia; Nascentes, 1974, p. 2574) não faz referencia a função pronominal e acrescenta a construção de onde em onde com conotação espacial ou temporal. O Novo dicionário da língua portuguesa (Ferreira, 1986, p.1224) confirma a classificação do onde como advérbio e acrescenta a pronominal. O último, Dicionário Houaiss da língua portuguesa (Houaiss; Villar; Franco, 2001, p. 2064) traz na entrada do verbete a classificação adverbial, mas assume que é utilizado como advérbio relativo e produz uma relação de subordinação, desta feita, se trata também de uma conjunção. Esse volume faz referência ainda à construção

de onde em onde. Conforme os dicionários citados, permaneceu no português a função

latina espacial e a construção onde quer que. O onde diz não foi mencionado.

Observa-se no Quadro 1 o registro geral da função adverbial também em dicionários, no entanto, a diferença entre o advérbio e pronome, advérbio e tempo é de apenas um ponto, prova de que essas funções eram encontradas e possivelmente confundíveis. Por outro lado, a função conjuntiva não é abonada por três autores.

1.2 Registro do onde em gramáticas

Somam-se aos dicionários as informações, em modo resumido, das gramáticas de Ribeiro (1950, p. 448-449, 462, 474), Said Ali (1964, p. 185, 187), Cunha & Cintra (2006, p. 343, 351, 543), Neves (2000, p. 239, 369, 386) e por fim, Castilho (2010, p. 325, 367-369, 542). Em seu Serões grammaticaes, Ribeiro detalha as funções desempenhadas por onde, são elas: preposição, conjunção, advérbio de lugar. Said Ali simplifica, afirmando que o onde pode ser advérbio ou pronome. Mais recentemente, Cunha & Cintra limitam-se apenas a pronome relativo, advérbio relativo e interrogativo.

(19)

Neves assume que esse advérbio pode ser um locativo de constituinte relativo, pode ser usado para interrogar, como também, corresponder a um pronome substantivo, ao lado de que, quem e como. Castilho afirma que o onde é usado como pronome relativo em substituição ao em que, podendo ser também advérbio de lugar e interrogativo. Os gramáticos tomam por base a função adverbial e, a partir dela observam outras funções, como ficou demonstrado no Quadro 1.

Constata-se também que o advérbio é novamente a categoria geral de referência ao onde, seguida pelo pronome relativo.

Conclui-se que os autores, do latim à língua portuguesa, passando por dicionários e gramáticas, ratificam o onde como uma categoria adverbial seguido pela categoria de pronome relativo. Isso significa dizer que a forma onde tem como prototípica a função adverbial, enquanto as demais (pronome relativo, interrogativo e substantivo, preposição e conjunção) compartilham apenas algumas características do advérbio em determinados contextos.

(20)

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesse capítulo serão apresentadas sumariamente as bases teóricas utilizadas nessa pesquisa. A abordagem funcional é a base fundamental e, a partir dela, as investigações sobre a possível gramaticalização se desenvolvem. Nessa seção também são delineados os conceitos de Tradições discursivas e evidencialidade.

2.1Abordagem funcional

A abordagem funcionalista concebe a língua como instrumento de interação social, envolvendo o locutor, o seu interlocutor e o propósito de interação linguística. O funcionalismo estuda unidades contextualizadas a partir do uso real e “procura correlacionar as classes, as relações e as funções com as situações sociais concretas em que elas foram geradas” (Castilho, 2010, p. 68) em busca de regularidades que licenciem o discurso na relação não arbitrária entre uso e sistema.

O estudo que ressalta a função em detrimento da forma ganha força na constatação da não sinonímia e de paráfrases perfeitas, como também na verificação de uma mesma forma pode derivar distintos sentidos, no que se define como polissemia.

Os funcionalistas estabelecem a pragmática como fundamento da semântica e essa da sintaxe, isto é, sua estrutura é influenciada pelo discurso. No arcabouço da abordagem funcionalista, que contém nascedouros e trajetórias diferenciadas, a linha adotada nesta pesquisa tem base norte-americana, à luz dos autores Traugott; Dasher (2005), Hopper (1991), Cunha; Oliveira; Martelotta (2003).

O funcionalismo não exclui dos seus estudos a sincronia ou a diacronia, ao contrário, acrescenta a possibilidade pancrônica. A arbitrariedade do signo observada fora do uso real pelos formalistas é superada pela não arbitrariedade (em diferentes graus) conforme conclusões empíricas em situações de uso efetuadas pelos funcionalistas, citam-se o sufixo –inho, se comportando ora como designador de afetividade, ora como pejorativo, ora como superlativo, bem como as diversas formas de impessoalização do sujeito, tais como verbo na 3ª pessoa do plural, partícula

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apassivadora, entre outros (Cunha; Costa; Cezario, p. 31. In: Cunha, Oliveira, Martelotta (2003)).

A não arbitrariedade entre forma e função admitida pelos funcionalistas supõe a iconicidade. Neves (2004, p. 104) afirma que

“a consideração de uma motivação icônica para a forma linguística implica admitir (em maior ou menor grau, dependendo do nível de radicalização), por exemplo, que a extensão ou a complexidade dos elementos de uma representação linguística reflete a extensão ou a complexidade de natureza conceptual”.

Portanto, a estrutura da língua reflete de algum modo a estrutura da experiência e, por sua vez na conceitualização humana do mundo, chegando às propriedades da mente humana. Eis um ponto de aproximação das abordagens funcionalista e cognitivista (definidas acima), do qual se pode constatar que o onde diz é um produto cognitivo e interativo.

2.1.1 Gramaticalização

A gramática de uma língua é composta por níveis de maior e menor estabilidade. Esse movimento acontece inicialmente em nível de discurso e seu uso progressivo constitui a gramática. Hopper (1987, apud Gonçalves, p. 15) com a noção de “gramática emergente” entende a “gramática das línguas como constituídas de partes cujo estatuto vai sendo negociado na fala, não podendo ser separado das estratégias de construção do discurso”.

Nesse contexto, acredita-se que os diferentes graus de gramaticalidade do onde

diz foram estimulados por necessidade discursiva e negociados na interação por meio de

subjetividade e inferências sugeridas. Define-se subjetividade como processo pelo qual o falante/escritor desenvolve, com o tempo, novos significados para lexemas [e construções], os quais codificam ou externalizam suas perspectivas [...].” (ibidem, p. 30, 32, tradução livre). O termo inferência sugerida diz respeito às complexidades de comunicação em que o falante/escritor evoca implicaturas e convida o ouvinte/leitor a inferi-las (Traugott e Dasher, 2005, p. 5).

(22)

As categorias gramaticais, numa perspectiva prototípica (Givón, 1995; Taylor, 1989), possuem mais atributos compartilhados em posição central, ao passo que, nas extremidades, há menos atributos compartilhados. Tal concepção prototípica concorre para interpretar o onde diz em seu deslizamento de uma categoria para outra. Na seção 1, Revisão da literatura, conforme a bibliografia utilizada, constatou-se que as categorias mais prototípicas para o onde são de advérbio e relativo. Acredita-se que em algum ponto anterior na trajetória de onde diz, a função locativa fosse a mais prototípica (conforme encontrado no corpus, embora se trate de um lócus (+) textual). Essa forma sofre um processo de abstratização, se tornando o onde diz evidencial.

Da fluidez dos limites categóricos acima citados se concebe a concepção clássica para a gramaticalização: processo pelo qual palavras de uma categoria lexical plena (nomes, verbos e adjetivos) podem passar a integrar a classe das categorias gramaticais (preposições, advérbios, conjunções), que, por sua vez, podem se tornar afixos. Atualmente, essa visão foi ampliada para a passagem de qualquer material linguístico para mais gramatical, saindo do limite das unidades, chegando a construções9 (Bybee, 2003). É sob a concepção de gramaticalização que se constitui a pesquisa, visto que

onde diz realiza funções em um continuum espacial>textual. No fragmento (5), é

observada sua função mais gramatical:

(5) [...] o seu nome glorioso deue seer chamado ẽ começo de toda boa obra, e ẽno seu sancto nome deue o homẽ de fazer toda cousa, onde diz o apostolo: Jrmããos, qualquer cousa que fezerdes, todo fazede ẽ nome do Senhor Jhesu Christo, [...].

(Orto do esposo, livro 1, cap 1, fólio 2v, grifo nosso)

Conforme o fragmento acima, percebe-se que o onde diz exerce uma função evidencial como introdutor de argumento de autoridade, o apóstolo. Ao se gramaticalizar em formato de expressão, onde diz passou a ter sua colocação restrita e funcionalidade mais específica.

9

A definição atualmente mais usada para construções tem base em Goldberg (2006, p. 4) ao afirmar que: “construção é um pareamento de forma e significado <FS>, cujos aspectos de “F” e de “S” nem sempre estão previstos por esses elementos individualmente presentes em sua composição, nem por outras construções preexistentes na língua”. (tradução livre do original: “C is a CONSTRUCTION iff ᵈᵉᶠ C is a form-meaning pair <F S> such that some aspect of F or some aspect of S is not strictly predictable from C’s component parts or from other previously established constructions”).

(23)

Pode-se afirmar, então, que gramaticalização é um tipo específico de mudança observada em unidades linguísticas, bastante produtiva, que pode ocorrer nas línguas naturais nos níveis discursivo, semântico e sintático, promovendo alteração no estatuto categorial dessas unidades. À medida que as propriedades vão se alterando, a unidade passa a integrar novas categorias.

A motivação para a gramaticalização, segundo Neves (2004, p.130),

está tanto nas necessidades comunicativas não satisfeitas pelas formas já existentes, como na existência de conteúdos cognitivos para os quais não existem designações linguísticas adequadas, devendo observar-se, ainda, que novas formas gramaticais podem desenvolver-se a despeito da existência de estruturas velhas funcionalmente equivalentes (Heine et al., 1991, p. 29-30).

A gramaticalização é entendida como um processo, nos termos de Heine et al (1991, p. 4), que acontece de modo gradual. A trajetória de gramaticalização se dá de modo unidirecional, caminhando em direção à abstração e à aquisição de novos significados. Conforme Gonçalves et al. (2007, p. 37):

“parece que ao processo de gramaticalização só poderia ser atribuído um único e fundamental princípio: o princípio da unidirecionalidade, verificável, como hipótese, por meio da atuação dos vários mecanismos, partes constitutivas do fenômeno da gramaticalização”.

Comprova-se o princípio da unidirecionalidade pelos graus de gramaticalidade assumidos por onde diz conforme a trajetória espaço>texto. Isso vai ao encontro das pesquisas de Heine et al (1991) e Martelotta (2004). Em sua tese, Martelotta (ibidem) afirma “[...] exist[ir]em, no texto, elementos de organização interna que são provenientes da gramaticalização de dados espaciais, que podem ou não, [...] expressar intermediariamente expressões temporais” (p. 45).

Hopper (1991) destaca o surgimento de novas funções para as mesmas formas e de novas formas para funções já existentes. O autor relaciona cinco princípios identificáveis nos primeiros estágios de gramaticalização que “revelariam” os graus de mudança, são eles, divergência, especialização, estratificação, persistência, descategorização. Essa pesquisa dará conta dos dois primeiros princípios.

(24)

O princípio da divergência faz referência aos diferentes níveis de polissemia ou gramaticalização de uma mesma unidade. A unidade mantém aspectos da forma de origem, embora com funções diferentes. Para a função locativa textual nesses seis séculos que separam o corpus da atualidade, ocorreu uma estabilização, enquanto que, para a função textual houve gramaticalização e, na sequência, seu possível desaparecimento.

A especialização é constatada quando a frequência de uso de uma unidade suplanta a outra, confirmando o processo mais adiantado de gramaticalização da primeira. Segundo esse princípio, ocorre um estreitamento nas possibilidades de uso. A função onde diz evidencial tem um volume considerável de elementos acima do onde

diz locativo textual no corpus trabalhado.

Quanto ao recorte temporal, Traugott & Heine (1991) confirmam que a gramaticalização atua nos recortes diacrônico ou sincrônico. Essa pesquisa tomará a gramaticalização em perspectiva sincrônica, observando o fenômeno sintático e pragmático-discursivo. Entende-se que o recorte sincrônico, integrando o final do século XIV e século XV, amplia em detalhes uma trajetória que pode ter passado despercebida em estudos de natureza temporal maior.

2.2.2 Metáfora, metonímia e inferência sugerida

Tradicionalmente, a metáfora e a metonímia são conhecidas como recursos para o enriquecimento dos textos de escritores e poetas. No entanto, destacam-se seus usos contínuos nos mais diversos gêneros textuais, como em meio jornalístico, político, didático, etc. Bem mais que isso, metáfora e metonímia são processos cognitivo-funcionais inerentes à linguagem humana (Traugott; Dasher, 2005).

A metáfora, no século XX, foi considerada como o principal veículo para a mudança semântica, restando à metonímia a posição mais secundária (Traugott; Dasher, ibidem, p. 28). Nesta virada de século, pesquisas empíricas têm reconhecido o valor da metonímia, muito além da contiguidade e associação. Traugott; Dasher (ibdem, p. 27) destacam a dimensão dinâmica desses mecanismos e passam a chamá-los de processos de metaforização e metonimização, vistos a seguir:

(25)

“metaforização é basicamente um princípio analógico que envolve conceptuar um elemento de uma estrutura conceitual Cᵃ, em termos de outro elemento Cᵇ. Uma vez que opera ‘entre domínios’ (Sweetser 1990:19; original em itálico), os ditos processos motivados pela metaforização são conceituados primeiramente nos termos da comparação de ‘fontes’ e ‘alvos’ nos domínios conceptuais diferentes (e descontínuos), embora limitados por relações paradigmáticas de igualdades e diferenças”10 (ibidem, p. 28).

A metonimização é interpretada pelos mesmos autores como:

“[...] mecanismo conceptual que sugere inferências na associação; no fluxo contínuo da fala/escrita passam a ser semantizados ao longo do tempo”11

. [Acreditam ainda que a] a metaforização é considerada [...], em muitas vezes, como o resultado da mudança metonímica”12 (ibidem, p. 29)

Portanto, a transferência conceptual é desencadeada pela metáfora, que aproxima domínios13 cognitivos diferentes. A gramaticalização por metáfora se revela quando o sentido de um domínio (+) concreto é transferido para outro (+) abstrato, em relações paradigmáticas. Por sua vez, a gramaticalização por metonímia resulta da contiguidade de domínios conceptuais induzida pelo contexto discursivo, em relações sintagmáticas.

O olhar valorativo para a metonímia destaca o contexto do evento, os papéis do falante/escritor - ouvinte/leitor14 comprometidos em “dizer não mais do que devem e,

10“Metaphorization is primarily an analogical principle, and involves conceptualizing one element of a

conceptual structure Cᵃ in terms of an element of another conceptual structure Cᵇ. Since it operates ‘between domains’ (Sweetser 1990:19; italics original), processes said to be motivated by metaphorization are conceptualized primarily in terms of comparison and of ‘sources’ and ‘targets’ in different (and discontinuous) conceptual domains, though constrained by paradigmatic relationships of sames and differences”.

11“Construed as a conceptual mechanism by which invited inferences in the associative, continuous

stream of speech/writing come to be semanticized over time” (p. 29).

12“Metaphorization is regarded as [not only a constraint on but also] often the outcome of metonymic

change” (p. 29).

13 Domínio, conforme Sardinha (2007, p. 31) é a “área do conhecimento ou experiência humana. [...]. Há

dois tipos de domínio: fonte e alvo. O domínio-fonte é aquele a partir do qual conceitualizamos alguma coisa metaforicamente [...]; geralmente é algo concreto, advindo da experiência. O domínio-alvo é aquele que desejamos conceitualizar; esse é o domínio abstrato. [...]. Um domínio-fonte pode servir a vários domínios-alvo; [...].

14 O ato de escrever, apesar de não interativo e monológico, é direcionado a um público específico, o que

exige uma seleção linguística para alcançar o efeito desejado. Assim, o leitor também é considerado um participante ativo da interação (Duranti; Goodwin, 1992; Chafe, 1994, apud Traugott; Dasher, 2005, p. 17-18)

(26)

portanto, significar mais”15 (ibidem, p. 29). A importância do papel do locutor e interlocutor na busca do novo sentido está associada às impressões e aos sentimentos de ambos, presentes na interação.

Dessa forma, a trajetória de mudança semântica de onde diz locativo textual em direção a onde diz evidencial teria início no evento da construção do texto, quando o ponto de vista do escritor foi codificado na/pela expressão de semântica evidencial, a fim de ser interpretado pelo seu leitor, mediante processo de metonimização.

As relações metafóricas e metonímicas estão relacionadas ao pressuposto da

inferência sugerida. Esse termo, emprestado de Geis; Zwicky (1971), é tomado por Traugott; Dasher (ibidem, p. 05) em formato ampliado, agora “destinado a elidir as complexidades de comunicação em que o falante/escritor evoca implicaturas e convida o seu ouvinte/leitor a inferi-las”16. Em outras palavras: um novo significado é sugerido por um quadro discursivo sintagmático proposto pelo locutor, a ser inferido por seu interlocutor; trata-se de processo que associa aspectos de raciocínio e estratégias retóricas. Observa-se que o onde diz em formato evidencial ocorre em situação discursiva específica, sendo encontrado recorrentemente no modelo discurso1 + onde

diz [SN] + discurso 2, tal como proposto nesta dissertação.

Sobre especificamente a metáfora e a metonímia, os autores admitem que, (1) a princípio, esses processos não são excludentes17 (ibidem, p. 29), mas que, (2) a primeira tanto pode fornecer o contexto antecedente, quanto o resultado da mudança18 (ibidem, p. 9), ou ainda que (3) há hipótese da segunda ser mais básica para linguagem e cognição do que a primeira19 (ibidem, p. 28-29). Conclui-se, então, que metáfora e metonímia podem ocorrer conjuntamente e sem predisposição para que aquela ocorra antes dessa, ou vice-versa. No entanto, a metonímia tem sido apontada como antecendete da metáfora no que concerne à mudança semântica no contexto.

15 “say no more than you must, and mean more thereby” (p. 29). Baseado na segunda máxima de Grice

(1989 [1975]).

16 “[…] it is meant to elide the complexities of communication in which the SP/W evokes implicatures

and invites the AD/R to infer them” (p. 05).

17

“Neither conceptual metaphorization nor conceptual metonymization in principle excludes the other”. (p. 29)

18 “We will argue that metaphorical, analogical relationships often provide the background contexts for

and often appear as the resulting products of change […]”. (p. 9)

(27)

Os graus de gramaticalidade de onde diz, com base no material trabalhado, podem ser representados conforme segue:

Em ponto à esquerda na trajetória, o onde diz locativo textual torna-se (+) gramatical na função de onde diz evidencial, conforme grifo nos fragmentos (6) e (7):

(6) Outrossy, taaes persoas como dito he, leterados e pertee[n]centes para ello, podem leer e studar pellos liuro[s] dos filosafos gentiis pera emtender as Sanctas Scripturas e pera exposiçom dellas e outrossy pera cõfirmaçom da fe, porque muytas cousas ha ẽnos livros dos filosafos que uallem muyto pera confirmaçõ da nossa fe, onde diz em hũũ começo de hũũ liuro da Trii[n]dade de Boecio que a nossa fe he tirada das cousas mais dedentro da filosafia.

(Orto do esposo, livro 3, cap. 11, fólio 30r, grifo nosso)

(7) [...] Moisés empero nom braadava per clamor de boca, mas com desejo do coraçom. Onde diz Santo Agustinho: “O braado ao Senhor é entençom de coraçom e aficamento de devoçom e deleitaçom em ela”.

(O livro de vita Christi, p. 91, grifo nosso)

Onde diz, tal como verificado em (6), desencadeou uma recategorização20, resultando na estabilização no que antes eram duas formas livres e, agora, é uma forma presa, ou pelo menos dependente, em formato evidencial, encontrada recorrentemente, conforme fragmento (7) acima.

Em estágio subsequente, a expressão onde diz sofre redução, o verbo dicědi sofre erosão e o elemento onde assume a função de onde diz, utilizando o mesmo ambiente semântico, como verificado no fragmento (8):

(8) E algũas vêzes, por tal que, tirado o ajudador, possa melhor veer sua imperfecçom e se conhocer. Onde o Psalmista: “Eu disse na minha avondança __ Nom me mudarei desto pera sempre”; [...].

(O livro de vita Christi, p. 113, grifo nosso)

Considerando a proposta de Traugot; Dasher (ibidem), falante/escritor e ouvinte/leitor “selecionam elementos lexicais e outros recursos de conjuntos paradigmáticos de construções [metáfora] e fazem uso em relações essencialmente

(28)

sintagmáticas e associações [metonímia]”21

(p. 9), ou seja, a significação se realiza na interpretação das proposições no discurso.

2.1.3 Subjetividade e intersubjetividade

Tendências recorrentes no quadro da mudança semântica encontradas em idiomas distintos e em épocas diferentes (citam-se, por exemplo, o verbo must no inglês moderno, bem como o sufixo verbal japonês –beki (-besí), ambos utilizados ora com o sentido de “obrigação”, ora de “possibilidade”), fizeram Traugott e Dasher (2005) afirmar que há “caminhos previsíveis para as ocorrências de mudança semântica entre diferentes estruturas conceituais e os domínios da função da linguagem” 22

(p. 01). Para dar conta dessa previsibilidade seriam necessários mais que os fatores tempo e uso. Dessa forma, os autores defendem “intrinsecamente a ligação com os processos cognitivos e comunicativos através dos quais os significados pragmáticos são convencionalizados e reanalisados como polissemias semânticas”23 (loc.cit.), bem como a vinculação desses com os processos de inferência sugerida (vista acima) e subjetividade-intersubjetividade (definidos na sequência).

Subjetividade, na pesquisa funcionalista, é um conceito relativamente novo e uma das maiores motivações para a mudança semântica. Define-se como um “processo pelo qual o falante/escritor desenvolve, com o tempo, novos significados para lexemas [e construções], os quais codificam ou externalizam suas perspectivas [...]”24

(ibidem, p. 30, 32 tradução livre), mais que isso, a subjetividade “revela a perspectiva ou ponto de vista no discurso”25

(Finegan, 1995, p. 1, apud Traugott; Dasher, 2005, p. 20). Percebe-se que a subjetividade é tratada em perspectiva ampliada, na qual Percebe-se enquadram não só

21“[…] draw from paradigmatically organized sets of constructions, lexical items, and other resources,

on-line production and processing make use of essentially syntagmatic relations and associations.”

22“[…] we show that there are predictable paths for semantic change across different conceptual

structures and domains of language function”.

23“[…] we argue, intrinsically bound up with the cognitive and communicative processes by which

pragmatic meanings come to be conventionalized and reanalyzed as semantic polysemies.

24“Subjectification is the semasiological process whereby SP/Ws come over time to develop meanings for

Ls that encode or externalize their perspective and attitudes as constrained by the communicative world of the speech event, […]” (p. 30)

(29)

constituintes lexicais e gramaticais como também conectores discursivos26 (ibidem, p. 11), tais como onde diz, que realiza uma suposta intenção persuasiva do locutor.

A pragmática, como “mola propulsora”, junto a cognição e estratégias retóricas favorecem a utilização de formas linguísticas sob nova codificação de sentido, tal qual ocorre com onde diz, que, partindo de um sentido locativo, desenvolve uma função mais discursiva. Esse processo recebe influência do verbo dicěndi, que produz um desbotamento no caráter espacial do onde ao se unir a ele em expressão. O resultado é um onde diz que satisfaz o propósito cognitivo-comunicativo, ao ter o significado evidencial alcançado no uso assim condicionado.

As atitudes do falante/escritor perante seu ouvinte/leitor envolvem intenções e estratégias codificadas semasiologicamente27, portanto, a subjetividade é requisito para a intersubjetividade. Clark e Carlson (1982, apud Traugott; Dasher, 2005, p. 31) definem intersubjetividade como “uma mudança que resulta no desenvolvimento de significados que revelam explicitamente a concepção do destinatário”28

, ou seja, o falante/escritor codifica significados (onde estão encravadas suas concepções) direcionados a um ouvinte/leitor específico. Essas codificações podem se convencionalizar em novas polissemias, as chamadas inferências sugeridas, definidas anteriormente.

Portanto, a gramaticalização de onde diz em trajetória espacial>textual é parte integrante de uma estratégia de (inter)subjetividade que se destina a convencer o interlocutor a agir/pensar de determinado modo. Essa estratégia possui um “modelo” composto de discurso1 + onde diz [SN] + discurso2. A persistência em usá-lo pode estar ligada ao alcance dos resultados, a intersubjetividade.

26 Define-se conector discursivo comounidades linguísticas invariáveis que marcam na superfície textual

as relações lógicas entre orações, segmentos textuais ou entre macroproposições, de forma a interpretar como pertencentes a uma unidade maior, o texto (Disponível em: < http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/diccio_ele/diccionario/conectordiscursivo.htm >. Acesso 15 dez 2011. Tradução livre do original: Los conectores son unidades lingüísticas invariables que marcan en la superficie textual las relaciones lógicas que se dan entre oraciones, entre segmentos textuales o

entre macroproposiciones de forma que se puedan interpretar como pertenecientes a una unidad mayor, el texto.

27“[...] mudanças no significado específico de itens lexicais e construções (Traugott e Dasher, 2005, p. 32) 28“Intersubjectification, […], is a change which results in the development of meanings that explicitly

(30)

Foi visto, portanto, que Traugott; Dasher (ibidem) desenvolvem suas pesquisas funcionalistas levando em conta aspectos cognitivistas. Ambas as abordagens revelam que a relação entre linguagem, pensamento e experiência influencia na dinâmica da significação. O sentido por sua vez, está envolvido em uma atividade conjunta de diferentes domínios do conhecimento, sendo negociado pelos interlocutores em situações contextuais específicas. Sobre isso, Martelotta; Palomanes (2010, p.183) reiteram que “os conceitos humanos associam-se à época, à cultura e até mesmo a inclinações individuais caracterizadas no uso da linguagem”.

2.2 Evidencialidade

Dendale;Tasmowski (2001) reconhecem a conferência em Berkeley (1981) e sua posterior publicação em livro sob o título Evidentiality: the linguistic coding of

epistemology (Chafe; Nichols, 1986) como marco para a pesquisa de evidencialidade

como tópico em linguística. Chafe; Nichols (1986) postulam que a evidencialidade diz respeito à origem do conhecimento asseverado. Daquela conferência para cá o conceito permaneceu, embora revisto e refinado.

Considera-se que determinar, ou não, a fonte da informação, é parte de uma estratégia comunicativa. Em cerca de 25% das línguas no mundo é de primeira ordem informar a fonte da informação em que a declaração foi baseada (se foi vista, ouvida ou inferida), no entanto, dentro desse quadro há uma variação. Umas só revelam se a informação foi adquirida de modo direto ou indireto; em outras, se foi vista, ouvida, etc. (Aikhenvald, 2006, p.1).

“Evidencialidade ou evidenciais, [embora o nome sugira], nada têm a ver com evidências”29 (Aikhenvald, 2006, p. 04, tradução livre) ou com o grau de certeza sobre a proposição. As pesquisas nesta linha teórica se direcionam conforme a língua estudada, pois, segundo Lazard (2001, p. 360), “todas as línguas têm meios de qualificar suas declarações de introdução de referências para a origem da informação”30. Umas se

29 “‘Evidential’ and ‘evidence’ as a linguistic category differs from ‘evidence’ in common parlance. 30

“[...] all languages have means of qualifying utterances by introducing references to the origin of information, […]”.

(31)

utilizam do modo lexical e outras do modo gramatical, embora aspecto cognitivo seja universal.

No português brasileiro, em geral, se utiliza do modo lexical na articulação da evidencialidade. Conforme pesquisas de Casseb-Galvão (2004), há indícios, por exemplo, da gramaticalização do diz que para asseverar a origem da informação. O uso de verbos declarativos e perceptivos (Castilho, 2010, p. 358-365) resulta em evidenciais como: eu vi, disseram-me, dizem que, nós percebemos, etc. As conjunções “segundo,

conforme, etc. geram uma declaração em conformidade com o que disse outro emissor”

(Neves, 2000, p. 926). Seguem exemplos do Leal conselheiro:

(9) Ca o siso, segundo nossa dereita linguagem, nom esta no entender e falar soomente, [...].

(título 8, fólio 11v, grifo nosso)

(10) Contra os quaaes diz sancto Agostinho que se querem alegrar com os sanctos, e as tribullaço~o~es nom querem soportar com elles.

(título 4, fólio 8r, grifo nosso)

Tal qual visto acima, onde diz [SN] corresponde à linha de evidenciais de ordem lexical. Importante relatar que, embora se trate de um evidencial lexical, onde e diz passaram por uma trajetória de gramaticalização se tornando uma expressão (conforme visto em seção anterior). Juntos assumem uma função distinta das que possuíam originalmente separados.

A evidencialidade também pode ser gramaticalizada com a ocorrência de clíticos, afixos, como morfemas para a designação da fonte da informação. Estudos como o de Barnes (1984) sobre a língua colombiana tuyuka, de Weber (1986) sobre o quechua do Peru e, de Aikhenvald (2004) sobre a língua tariana (encontrada a noroeste da Amazônia) apontam para essa direção. A língua tariana se utiliza de sufixos atrelados a verbos para definir se a informação teve origem no autor da proposição, se constatada, se tem origem em outrem, ou é de ordem não marcada31. Nessa língua, a não ocorrência do sufixo resulta em uma expressão agramatical, a ver em (11). Todos os exemplos têm

31

No contexto evidencial, marcada tem sentido diferente da abordagem funcionalista. Aqui, marcada, pode ser substituída por necessária.

(32)

a mesma proposição “José jogou futebol”, alternando o sufixo em negrito que informa a origem da informação e a ação verbal no tempo passado (Aikhenvald, 2006, p. 02-03):

(11) a: Juse irida di32-manika33-ka34 (Vimos isso) b: Juse irida dimanika-mahka (Ouvimos isso)

c: Juse irida dimanika-nihka (Inferimos por evidência visual) d: Juse irida dimanika-sika (Assumimos pelo que sabemos)35 e: Juse irida dimanika-pidaka (Fomos informados)

Apesar do conceito de evidencialidade se limitar à indicação da fonte da informação, Aikhenvald (2006, p. 6) reitera que “a evidencialidade pode adquirir significados secundários como confiabilidade, probabilidade, possibilidade (como extensões epistêmicas), mas que ela não tem”36. Nessa linha, Dall’aglio-Hattnher (2001) e Lucena (2008) produziram estudos que tratam do nível de envolvimento/comprometimento de políticos em seus discursos. A primeira autora analisou o discurso do ex-presidente Collor e acrescentou postulados que dizem respeito ao nível de compartilhamento da fonte. A segunda analisou os discursos dos deputados da Assembleia Legislativa do Ceará fazendo uso do nível epistemológico.

Embora haja um dissenso no que diz respeito à sobreposição das categorias evidencialidade e modalidade, Haan (1999), Lazard (1999, 2001), DeLancey (2001) e Aikhenvald (2006) consideram evidencialidade como categoria cheia e não como uma subcategoria da modalidade.

Em outra linha, Casseb-Galvão (2004) estuda os evidenciais sob a temática da gramaticalização. Segundo a autora, o uso do diz que no PB incorreria em um reportativo de mito, processo que aconteceria quando o sujeito não é preenchido.

No contexto da gramaticalização de evidenciais, há indícios de que a gramaticalização que uniu onde + diz em uma expressão teve estágio subsequente, que corresponderia à utilização apenas do onde para apontar a origem da informação.

32 Prefixo de 3ªpessoa do singular. 33 Verbo.

34

Sufixo evidencial.

35 A diferença entre ‘c’ e ‘d’, ou seja, entre ‘assumir’ e ‘inferir’, é que a primeira está relacionada a

evidência visual e a segunda, ao raciocínio lógico.

36

“Evidentials may acquire secondary meanings – of reliability, probability, and possibility (know as epistemic extensions), but they do not have to”.

(33)

Importante afirmar que o contexto linguístico da ocorrência do onde como evidencial é semelhante ao contexto da ocorrência de onde diz, conforme fragmento (12):

(12) Moralmente, a luz alumea nas treevas, porque a virtude se mostra nas aversidades e a virtude na infirmidade se acaba. Onde Sam Gregório: “Nom conhece alguém quanto aproveitou, salvo na aversidade; [...]

(O livro de vita Christi, p. 35, grifo nosso)

Os trabalhos dos pesquisadores brasileiros têm como base os postulados de Willet (1988, apud Dall’Aglio-Hattnher, 2011). Segundo esse autor, há dois meios para a obtenção da informação, direto ou indireto. Quando a fonte da informação é originada no próprio falante, ou seja, é por ele atestada, tem-se a evidência direta. Se esta informação chega por intermédio de outrem, é chamada indireta relatada. Do mesmo modo, se a informação é deduzida por raciocínio, trata-se de evidência indireta inferida. Veja-se a figura (1):

Figura 1: Tipologia para a evidencialidade conforme Willet (1988):

O onde diz, conforme encontrado no corpus, corresponde a uma evidência adquirida por meio de uma informação indireta relatada conforme destacado na Figura 1. Observe-se o fragmento (13):

(13) Zacarias, consiirando a sterilidade da molher e a velhice de ambos, nom o creeo, e por êsto foi mudo atees o tempo do parto, significando que, já viindo Cristo, a lei e as profecias seriam compridas e cessariam, calando-se. Onde diz Sam Crisóstomo: “Portanto Zacarias, sacerdote dos Judeus, foi mudo, porque já

ATESTADA INFERIDA

DIRETA INDIRETA

EVIDENCIALIDADE

(34)

convém cessar e calarem-se os sacrifícios que por os pecados do pôoboo ofereciam. [...]”.

(O livro de vita Christi, p. 57-59)

Extrapolando os limites do objeto de pesquisa aqui tratado e observando o contexto de sua ocorrência, percebe-se que essa estrutura é encontrada recorrentemente no molde: discurso1 + onde diz [SN] + discurso2. Em modo restrito, o primeiro discurso (posicionado anteriormente ao onde diz) é a manifestação do enunciador1 (autor). O segundo discurso (posicionado posteriormente ao onde diz) é manifestação do enunciador2, ou seja, exterior ao texto e a ele trazido a fim de compor uma estratégia argumentativa do enunciador1, observe-se o Quadro 4:

Quadro 4: Contexto evidencial

DISCURSO 1 EVIDENCIAL DISCURSO 2

(ENUNCIADOR 1): Zacarias, consiirando a sterilidade da molher e a velhice de ambos, nom o creeo, e por êsto foi mudo atees o tempo do parto, significando que, já viindo Cristo, a lei e as profecias seriam compridas e cessariam, calando-se.

Onde diz Sam Crisóstomo: (ENUNCIADOR 2): “Portanto Zacarias, sacerdote dos Judeus, foi mudo, porque já convém cessar e calarem-se os sacrifícios que por os pecados do pôoboo ofereciam. [...]”.

Detecta-se que os discursos 1 e 2 são semelhantes, inclusive utilizam os mesmos sintagmas, citam-se Zacarias, mudo, cessar e calar. O segundo discurso é mais valorado por dizer se tratar das palavras de São Crisóstomo. Isso indiretamente causa alguns sentidos lógicos: (a) o enunciador concorda com São Crisóstomo; (b) o enunciador tem conhecimento religioso, literário; (c) tendo São Crisóstomo a sabedoria dos santos, da religião, da igreja, etc., reconhecidos pelo imaginário, suas verdades são inquestionáveis para aquela sociedade; (d) se São Crisóstomo é inquestionável, o enunciador também, e por consequência, a sua obra e aí alcança a persuasão; por outro lado, se (e) as palavras ditas como sendo de autoria de São Crisóstomo, acaso a ele não pertencerem, a estratégia persuasiva do enunciador é destruída. A partir desses itens

(35)

pode-se afirmar que, a subjetividade do enunciador é revelada pela informação que ele enuncia.

O evidencial Onde diz Sam Crisóstomo é independente sintaticamente de ambos os discursos. Do discurso 1 é separado pelo ponto final. Do discurso 2 é separado pelos dois pontos. As partes não compartilham elementos.

Seguindo as pistas para a realização dessa pesquisa, possivelmente o onde diz, como fonte indireta de informação é herdeiro de uma Tradição Discursiva com uso específico em determinados contextos. Assim se explicaria a dificuldade em encontrá-lo em outros tempos.

2.4 Tradições Discursivas

A origem do que viria a ser uma visão histórica sobre oralidade e “escrituralidade” (Simões, 2009) se deve a Schlieben-Lange (1983, 1993), o que em pouco mais de uma década se tornaria a proposta de Kabatec (2004), as Tradições Discursivas.

Para definir esse conceito, é preciso voltar a Coseriu (1981), a Koch & Oesterreicher (1997). Coseriu entende que a linguagem é uma atividade universal executada dentro de uma tradição histórica, embora realizada individualmente, os quais comporiam os três níveis da linguagem. Na sequência, Koch e Oesterreicher (ibidem) entendem que é necessário haver uma ampliação do nível histórico da linguagem, acrescentando os domínios da língua particular e tradições discursivas, conforme Quadro 5:

Quadro 5: Explicativo das Tradições Discursivas conforme Koch (1997):

NÍVEL DOMÍNIO TIPO DE NORMA TIPO DE REGRA UNIVERSAL ATIVIDADE DE FALAR NORMAS DO FALAR REGRAS DO FALAR HISTÓRICO

LÍNGUA PARTICULAR NORMAS LINGUÍSTICAS REGRAS DA LÍNGUA

TRADIÇÕES DISCURSIVAS NORMAS DISCURSIVAS REGRAS DISCURSIVAS

Referências

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