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Despenalização do aborto e saúde pública no Brasil

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DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO E SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

Florianópolis 2015

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DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO E SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Maria Lúcia Pacheco Ferreira Marques, Dra.

Florianópolis 2015

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horas em que me ajudou. Por cada crítica. Pelo apoio ao tema, mesmo quando discordava de tudo que eu dizia. Por cada texto e por cada ideia que colaborou com o trabalho. Por torcer por mim e por me ajudar em tudo, sempre. E por ser minha pessoa preferida no mundo.

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Agradeço aos meus pais, pela educação e pela possibilidade de me deixarem livre para pensar, refletir e me posicionar conforme minhas experiências me conduziram.

Obrigada a professora Maria Lúcia Pacheco Marques, por aceitar a orientação do tema. E a professora Andréia Cosme, pela paciência em orientar a formatação.

Aos meus amigos da faculdade, pela companhia e por me ajudarem com as inúmeras dúvidas que surgiram durante a pesquisa.

Obrigada aos meus amigos: Patricia Fogaça, Mariana e Daniel Ortellado, Atená e Juliano Schneider, Michelle e João De Bona e Bárbara e Marcos Bianchi, por me ouvirem, por discutirem o tema, por torcerem por mim e por me apoiarem, ainda que o meu posicionamento do tema fosse diverso do deles.

Obrigada ao meu marido, a quem essa pesquisa foi dedicada, por toda paciência, apoio e companheirismo. Sem ele, como inspiração, o curso de Direito nem teria iniciado.

E finalmente, obrigada as mulheres que na ocasião dos meus atendimentos fonoaudiológicos no Hospital Universitário de Santa Catarina, optaram por dividir comigo suas experiências de abortos clandestinos e que inspiraram essa pesquisa.

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Esta pesquisa teve como objetivo analisar se a penalização do aborto é uma norma eficaz no Brasil, do ponto de vista econômico para o Estado, jurídico e de saúde pública. Tratou-se de analisar o atual posicionamento do estado brasileiro de considerar o aborto como crime, bem como de analisar se o alto número de mulheres que recorrem ao aborto, presentes em pesquisas oficiais, é compatível com o número de condenações criminais, efetivando a norma. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo com técnicas bibliográficas e documental. Constatou-se que a ilegalidade do aborto no Brasil não tem impedido sua prática, e segundo a Organização Mundial de Saúde anualmente, ocorrem 1,4 milhão de abortamentos espontâneo e inseguro, com uma taxa de 3,7 abortos para cada 100 mulheres entre 15 a 49 anos. E com relação a mortalidade materna, no ano de 2001, se tem o registro de 9,4 mortes de mulheres por abortamento em 100 procedimentos. Do ponto de vista das condenação, uma avaliação do Relatórios de Gestão Institucional dos anos entre 2011 e 2014, do Ministério Público de Santa Catarina, mostrou que o número de denúncias recebidas com relação ao aborto são irrisórios, se comparados aos números da realização de procedimentos apontados pelas pesquisas oficiais. Além disso, o Estado tem um gasto importante ao que se refere a internações no Sistema Único de Saúde, para curetagem pós procedimento inseguro. Assim, conclui-se que não há eficácia da norma para os parametros analisados. Por fim, entendeu-se que uma melhor forma de tratar o aborto à luz da legislação vigente é a ampliação da norma jurídica.

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1 INTRODUÇÃO...12

2 QUESTÕES RELACIONADAS AO ABORTO...14

2.1 INÍCIO DA VIDA...14

2.1.1 A visão da ciência...15

2.1.1.1 Teoria da Concepção...15

2.1.1.2 Teoria da Nidação...15

2.1.1.3 Teoria da formação das primeiras terminações nervosas...16

2.1.2 Visão do direito civil...17

2.1.3 Visão do direito penal...19

2.2 O QUE É MORTE...19

2.3 DO ESTADO LAICO...21

2.4 DO DIREITO À VIDA DO NASCITURO...23

2.5 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À SAÚDE...25

3 LEGISLAÇÃO E HIPÓSETES DE ABORTO...31

3.1 ABORTO: UM BREVE HISTÓRICO...31

3.1.1 Aborto e abortamento...32

3.2 FORMAS DE ABORTO...33

3.2.1 Considerações iniciais sobre o aborto na legislação vigente...34

3.2.2 Aborto natural ou espontâneo...35

3.2.3 Auto-aborto ou aborto consentido...35

3.2.4 Aborto provocado por terceiro sem consentimento...37

3.2.5 Aborto necessário ou terapêutico...38

3.2.6 Aborto sentimental ou ético...39

3.2.7 Aborto eugênico...40

3.2.7.1 Aborto de fetos anencéfalos...41

3.3 A LEGISLAÇÃO DO ABORTO PELO MUNDO...43

4 DA DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO...46

4.1 O ABORTO COMO FATO SOCIAL...46

4.2 QUEM REALIZA O AUTO ABORTO...47

4.3 DADOS DO DATASUS E A INEFICIÊNCIA DA PENALIZAÇÃO PARA O ESTADO...49

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1 INTRODUÇÃO

O aborto provocado ou aborto ilegal, como é chamado no Brasil, é uma prática que vem ocorrendo ao longo da história com diferentes interpretações. Na antiguidade, o aborto era apenas um modo contraceptivo, sem lhe atribuírem valores morais ou sociais negativos, valores estes, inseridos na era cristã que associou ao conceito religioso de pecado e posteriormente de crime, como é visto até hoje.

Apesar da tipificação legal, o aborto provocado ocorre com uma grande frequência, sendo a internação de mulheres pós esse procedimento, uma realidade diária nos hospitais, na maioria públicos, do país.

Neste cenário, tendo como fundo o Hospital Universitário de Santa Catarina, surgiu a motivação para esta pesquisa, na ocasião do estágio em saúde pública cursado pesquisadora na pós graduação referente a sua primeira profissão, Fonoaudiologia.

Do contato com várias mulheres que optaram por provocar aborto e que contaram nas entrelinhas, que teria sido a única possibilidade para momento em que viviam, houve o questionamento de como essa prática é comum, apesar de ser um crime.

A forma como o aborto é encarado no Brasil nunca fez com que a prática desaparecesse, e dificilmente fará, uma vez que não é possível, independente da sociedade ou cultura, abolir a suposição de se recorrer ao aborto para interromper uma gravidez indesejada, nem há como considerar que todas as gestações sejam desejadas por suas genitoras.

Apesar dessa realidade se apresentar diariamente na sociedade, a legalização e/ou a despenalização do aborto em defesa da saúde e a concepção como direito reprodutivo da mulher não são aceitos por todos. Mais do que isto, a realidade nos apresenta que, mesmo a lei sendo criminalizadora das mulheres nesta conduta, o aborto clandestino continua a ser praticado diariamente no Brasil, em clínicas pouco equipadas e oferecem grande risco à vida das mulheres que se submetem a esse procedimento inseguro.

Partindo então do desejo de entender sobre este tema e seus desdobramentos, e considerando o aborto como um grave problema de saúde pública atualmente no Brasil, se problematiza este estudo questionando se a penalização do aborto é uma norma eficaz na sociedade. Assim, o objetivo geral

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foi comprovar com dados estatísticos de pesquisas realizadas, que é alto número de mulheres que recorrem ao aborto clandestino e que o número de condenações criminais não é compatível com os resultados destas pesquisas.

E como objetivo específico, analisar como diminuir os resultados desastrosos do aborto clandestino, com a despenalização ou com uma ampliação da norma para casos em que o aborto não deva ser penalizado.

Para alcançar a resposta de pesquisa, utilizou-se o método dedutivo com técnica bibliográfica e documental e se trabalhou em cinco capítulo distintos.

O primeiro capítulo sendo a presente introdução, seguido do segundo capítulo intitulado por ‘Questões relacionadas ao aborto’ buscou analisar a discussão sobre os conceitos referentes ao início da vida humana em diferentes visões, conceito de morte, a importância do Estado laico para a democracia e sobre o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana associado ao direito à saúde e ao planejamento familiar.

O terceiro capítulo, ‘Legislação e hipóteses de aborto’, abordou a previsão legal no Brasil e uma breve explanação sobre a visão do aborto em outros países.

E o quarto e último capítulo teórico, ‘Da despenalização do aborto’, expos dados de pesquisas realizadas no Brasil, sobre a população alvo que realiza o auto aborto, sobre os dados do DATASUS ao que se refere as internações e procedimentos pós prática do auto aborto a ineficiência da norma ser criminalizadora das mulheres e da tentativa da despenalização do aborto no Brasil.

E finalmente, o quinto capítulo como a conclusão, que finaliza esta pesquisa.

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2 QUESTÕES RELACIONADAS AO ABORTO

Este capítulo introdutório realizará a discussão de temas como início da vida humana e morte e suas múltiplas visões em diferentes campos do conhecimento. Far-se-á uma breve explanação sobre a laicidade do Estado e impossibilidade e sua importância para decisões democrática. Além da discussão sobre o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana associado ao direito à saúde, com ênfase ao aborto, ao tratamento destinado às mulheres e ao direito do planejamento familiar.

2.1 INÍCIO DA VIDA

Até os dias atuais, a medicina, a filosofia e a ciência ainda não chegaram a um consenso sobre a definição do momento exato em que a vida humana começa.

A vida tem seu início com o nascimento e extingue-se com a morte, como considera Karagulian (2007), porém seu conceito de vida não pertence somente aos cientistas, aos filósofos, aos religiosos ou qualquer outro ramo do pensamento humano. O autor diz que se algum dia for possível chegar-se a uma definição única e absoluta, certamente será uma mistura de todos os conceitos defendidos pelos mais diversos ramos do saber humano. Será uma soma dos conceitos já conhecidos e aqueles que no futuro virão a se juntar a esse universo do conhecimento da raça humana.

Uma das discussões centrais a respeito do aborto para Kalsing (2011), gira em torno da questão do início da vida humana, ou seja, indaga-se sobre qual seria o momento exato em que o embrião pode ser considerado um ser humano.

A resposta a esta pergunta de quando começa a vida, conforme Martins, Martins e Martins Filho (2008), é imprescindível para o posicionamento da ciência jurídica perante as questões relacionadas a prática do aborto.

Diante desta questão sobre o início da vida humana, faz-se necessário citar o posicionamento da ciência, do direito civil e do direito penal, neste debate.

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2.1.1 A visão da ciência

Há várias teorias sobre o sobre o início da vida para a ciência, como: a teoria da concepção, teoria da nidação e a teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso central são as mais citadas e aceitas na literatura. Todas essas foram citadas por Andrade (2012), e se baseiam em diferentes critérios e medidas, sendo ainda um tema bastante controverso.

2.1.1.1 Teoria da Concepção

Há uma linha científica que entende que o início da vida ocorre a partir da fecundação, ou seja, o momento em que o óvulo é fertilizado pelo espermatozoide, chamado concepção, conforme Martins, Martins e Martins Filho (2008).

Para os defensores dessa teoria, é relevante que a fecundação ocorra no momento em que o gameta masculino alcança o feminino e se fundem (Karagulian, 2007).

2.1.1.2 Teoria da Nidação

No meio científico encontra-se várias teorias que determinam o início da vida humana, segundo Kaczor (2014), e uma bastante aceita é a que considera que a vida se inicia na nidação, sendo este o momento em que o óvulo fecundado se fixa à parede do útero, com endométrio já preparado para alimentá-lo. Segundo o autor, é a partir desse momento que o embrião passa a ter reais chances de sobrevivência, o que ocorre por volta da 2asemana após a fecundação.

A fundamentação dos defensores da teoria da nidação, segundo Teodoro (2012), se baseia na formação dos gêmeos monozigóticos, que se originam do mesmo embrião, o qual se divide após sua fixação no útero. Ou seja, antes da implantação não existiria vida, pois a separação em dois seres distintos com vida se daria em momento posterior.

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Está visão se corrobora quando se apresenta a discussão sobre reprodução assistida, diz Karaguliam (2007), uma vez que para os especialistas em fertilização humana e os fabricantes do dispositivo intrauterino (DIU), a vida começa quando o ovo nida, ou seja, se fixa na parede do útero, o que ocorre entre o 7oe 12o dia após a fertilização. Explica-se, inclusive, que antes da nidação o zigoto é muito instável e aproximadamente 25% dos óvulos fertilizados não conseguem se fixar no útero e são eliminados pelo organismo da mulher.

2.1.1.3 Teoria da formação das primeiras terminações nervosas

Também chamada de teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso central, esta tese entende que a vida passa a existir no momento em que surgem as primeiras emissões de impulsos elétricos que darão origem ao córtex cerebral, o que ocorre por volta da 2asemana de gestação, como ensina Karaguliam (2007).

O autor continua explicando que esta vertente faz um paralelo entre dois momentos: o início e o fim da vida. Pois, se o ser humano é considerado clinicamente morto no momento em que seu cérebro deixar de produzir sinais de atividade, é legítima a consideração que o feto está vivo no instante em que o cérebro emite os primeiros sinais elétricos (KARAGULIAM, 2007).

Como se considera que a vida humana termina com o fim das atividades cerebrais, deve-se considerar que ela se inicia a partir do instante em que começam a ser formadas as primeiras terminações nervosas do embrião, o que ocorre por volta da segunda semana de gestação, próximo ao momento em que há a nidação. (ANDRADE, 2012, p. 1).

Deste modo também entende Teodoro (2012), quando refere que é um marco de início da vida o momento que surge os rudimentos do que será o córtex cerebral, ou seja, o começo do desenvolvimento da organização básica do sistema nervoso central, que ocorre entre o décimo quinto e quadragésimo dia de evolução embrionária, podendo-se verificar as primeiras emissões de impulsos elétricos cerebrais, na oitava semana de gestação. Assim, se o ser humano é classificado como clinicamente morto no instante em que seu cérebro deixa de emitir sinais de

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atividade, então deve-se considerar vivo o feto no instante em que o cérebro emite os primeiros sinais elétricos.

Corroborando essa ideia Porto (2015) afirma que, até meados de século XX, para a medicina a morte acontecia quando uma pessoa parava de respirar ou o coração de bater. Porém, com o aparecimento dos aparelhos de ventilação mecânica que permitiam manter vivas pessoas incapazes de respirar por conta própria e do advento dos transplantes de órgãos, houve a necessidade de estabelecer critérios para caracterizar a morte. Estabeleceu-se então a morte encefálica, ou seja, a morte é decretada no momento em que cessam as atividades cerebrais, ainda que o coração continue pulsando. Diante disso, se a vida acaba quando o cérebro para, supõe-se que ela só começa quando o inicia a formação do cérebro.

2.1.2 Visão do direito civil

A lei 10.406/2002, Código Civil Brasileiro, apesar de não definir quando inicia a vida humana, dispõe em seu artigo 2o o surgimento da personalidade civil: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (BRASIL, 2002).

A legislação adotou como regra para o início da personalidade civil, o nascimento com vida, conforme Prado (2008), o qual é verificado por meio da respiração. Limongi (1999) afirma que, no sistema positivo brasileiro, a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, desde o momento em que o recém-nascido completou o nascimento e adquiriu vida autônoma, capaz de respirar independentemente da participação materna; todavia, a lei põe salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, isto é daquele que está para nascer, embora concebido, mas ainda não é pessoa.

Assim também entende Diniz (2010), que expõe que os direitos do nascituro estão elencados nos artigos 353, 375 parágrafo único, 372, 377, 458, 462 e 1718 do Código Civil, e permanecem em estado potencial. Se nasce com vida adquire personalidade, mas se tal não ocorre nenhum direito terá.

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Rodrigues (2003) conceitua nascituro como o ser já concebido, porém ainda intrauterino. A lei por sua vez, não lhe atribui personalidade, a qual ocorrerá se nascer com vida.

O nascituro, conforme Venosa (2006), é um ente já concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito no futuro, dependendo do nascimento.

Ocorre o nascimento quando a criança é separada do ventre materno não importando tenha sido o parto sido natural, feito com o auxílio de recursos obstétricos ou mediante intervenção cirúrgica. O essencial é que se desfaça a unidade biológica, de forma a constituírem mãe e filho dois corpos, com vida orgânica própria, mesmo que não tenha sido cortado o cordão umbilical (GONÇALVES, 2010, p. 101 ).

Porém, o Direito Civil Brasileiro não é unanime sobre qual teoria se deve adotar para entender o início da vida humana, havendo três correntes a serem explicadas: teoria natalista, a teoria concepcionista e a teoria da personalidade condicional.

Os defensores da teoria natalista, conforme Asfor (2013), consideram que esta prevalece no Direito Civil e descrevem que o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois é exigido para tanto o nascimento com vida. Assim, tal sujeito teria apenas mera expectativa de direito, a qual se concretiza no momento em que respirasse fora do ventre materno.

Tartuce (2011) explica que na teoria concepcionista, os direitos da personalidade referentes à vida, à integridade física, à honra e à imagem, estes seriam atributos ao nascituro desde o momento da sua concepção, enquadrando-o como pessoa e não como perspectiva de pessoa com expectativas de direitos.

Sobre a teoria da personalidade condicional, está se apresenta como uma mescla das duas anteriormente citadas e Chinelato (1999) define, esta como aquela pela qual a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, ou seja, são direitos eventuais.

Em sua obra, Silva (1997) entende que o aborto ainda é um tema contravertido e que no seio da Constituinte, foram consideradas três tendências: a que a vida se iniciaria na concepção, a segunda que diz que a condição do sujeito de direito se daria ao nascer com vida e a terceira afirmava que a Constituição não

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deveria tomar partido neste tema, hipótese que não teve acolhida. Assim, a decisão de quando inicia a vida humana é imprescindível para este debate. No entanto, a decisão caberá à legislação ordinária, onde no direito penal se definirá a penalização ou despenalização do aborto.

2.1.3 Visão do direito penal

A doutrina penal também conceitua a vida em humana em formação e conforme Mirabete (2015), os artigos que se destinam a este estudo, consideram a vida intrauterina desde a concepção, onde já existe um ser em geme, crescendo e se aperfeiçoando, assimilando substâncias, se movimentando, apresentando função cardíaca e funções típicas de vida. “O bem jurídico tutelado pelos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal é a vida do ser humano em formação. Protege-se a vida intrauterina, para que possa o ser humano desenvolver-se normalmente e nascer (PRADO, 2008, p. 105).

Assim, a privação do nascimento configura crime para a legislação penal brasileira, conceituada como aborto, segundo Damásio de Jesus (2010).

Porém, Silva, Diniz e Neto (2010) afirma que a vida humana tem início com a fecundação, mas que sua proteção jurídica tem início a partir da nidação, momento este em que o óvulo fecundado se fixa na parede do útero e inicia a gestação.

Neste sentido, Cunha (2015) afirma que nos casos de reprodução in vitro, quando a fecundação é desenvolvida fora do útero materno, a lei penal não se alcança tutela, uma vez que a legislação somente prevê infração no caso de gravidez intrauterina, sendo então um fato atípico, e corroborando a teoria da nidação.

2.2 O QUE É MORTE

Tanto o conceito de vida como da morte são assuntos complexos em sua definição. O doutrinador Mirabete (2015) entende que, não há um único sinal que possa ser considerado como definitivos para o diagnóstico da ocorrência da morte. Assim, fala-se em morte clínica para a paralisação da função cardíaca e respiratória,

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morte cerebral como a ausência de impulsos elétricos cerebrais e ainda em morte biológica, que consiste na deterioração celular.

Karaguliam (2007) explica que, a classe médica considera que o indivíduo ao ficar sem oxigênio por tantos minutos, acaba por destruir maciça e definitivamente células do encéfalo, o que leva a morte encefálica.

O conceito de morte encefálica foi abordada e muito bem explorada pelo do Ministro Marco Aurélio de Mello em seu voto da ADPF 54/DF, de onde ser extrai o seguinte trecho:

[...] assim, o critério de morte encefálica permite o reconhecimento da irreversibilidade do estado de morte ao mesmo tempo em que reconhece o funcionamento de outras partes do organismo humano, mas que em breve sucumbirão. Também na morte encefálica vê-se que o critério é utilitário, ainda que baseado na certeza atual sobre a irreversibilidade da perda da atividade cerebral. Nada impediria que, com a continuidade do funcionamento dos órgãos, ainda que por aparelhos e apoio médico, se considerasse o indivíduo vivo, mas apto a doar porque a morte é iminente (BRASIL, 2012).

Desta forma Karagulian (2007) considera que, antes do advento dos transplantes de órgãos e tecidos, o conceito de morte era estabelecido pelo cessar total e permanente das funções vitais. Atualmente, entende-se que ocorre por vários processos degenerativos associados que desencadeiam um progressivo cessar da vida, em sucessivas etapas, e não em um único evento.

No Brasil, a Resolução 1.480/97, do Conselho Federal de Medicina, define a constatação da morte encefálica quando fica demonstrada, de forma inequívoca, a ausência de atividade elétrica cerebral ou a ausência de atividade metabólica cerebral ou a ausência de perfusão sanguínea cerebral. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 1997).

O Ministério da Saúde define que:

A morte encefálica é a definição legal de morte. É a completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro. Isto significa que, como resultado de severa agressão ou ferimento grave no cérebro, o sangue que vem do corpo e supre o cérebro é bloqueado e o cérebro morre (BRASIL, 2008).

Este critério de morte foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei n. 9.434/97 (alterada pela Lei n. 10.211/2001), que dispõe sobre a

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remoção de órgãos e tecidos e partes do corpo humano para a consecução de transplantes e tratamentos médicos, que conforme seu artigo 3odisciplina:

Art. 3o A retirada post mortem de tecidos, órgão ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplantes, mediantes a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina (BRASIL, 2001).

Assim Kaczor (2014), afirma que está estabelecido no ordenamento jurídico que uma pessoa está clinicamente morta quando há registro eletroencefalográfico mostrando que não há mais sinais de que células cerebrais estejam funcionando, fato que deve ser considerado juridicamente para seus efeitos.

2.3 DO ESTADO LAICO

A literatura sobre o aborto indicam as crenças e seus valores religiosos junto com seus entendimentos sobre o início e final da vida, como uma grande barreira na despenalização do aborto, pois divulga sua visão contrária sobre à prática e influencia a sociedade neste sentido, conforme Campos (2007). E Emmerick (2008) conclui que apesar de ser ponto relevante sobre o tema, não será desenvolvido neste trabalho, pois o Estado brasileiro, desde a Constituição da República de 1891, é definido como laico, ou seja, um Estado independente da igreja, ao mesmo tempo que respeita o direito e o exercício de todas as religiões.

Cabe citar então que, a Constituição Federal de 1988 não estabeleceu apenas, como direito fundamental, a liberdade religiosa em seu artigo 5o , inciso IV. Mas também, em seu artigo 19, inciso I, instituiu o princípio da laicidade do Estado, que impõe neutralidade dos poderes públicos em relação às diversas concepções religiosas existentes no país, como ensina Sarmento (2014).

Os referidos preceitos estabelecem:

Art 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantias, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

[...]

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I- estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embarcar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvadas, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (BRASIL, 1988).

Neste contexto Emmerick (2008), explica que considerando o paradigma do Estado Democrático de Direito torna-se inaceitável, que os valores de qualquer religião sejam reconhecidos de forma impositiva e unilateral. As convicções religiosas de um grupo, por maior que ele seja, não poderá ser acolhida como verdade para a coletividade, uma vez que o direito à liberdade de expressão e opinião também é garantia constitucional, e assim, como podem ser colocadas acima do direito.

Em seu voto na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 54/DF, o Ministro Marco Aurélio de Mello realizou uma ampla exposição sobre a laicidade do Estado, de onde se extrai o seguinte trecho:

Ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião. Todavia, como se vê, as garantias do Estado secular e da liberdade religiosa não param aí – são mais extensivas. Além de impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem que o estado endosse concepções morais religiosas, vindo a coagir, ainda que indiretamente, os cidadãos a observá-las. Não se cuida apenas de ser tolerante com os adeptos de diferentes credos pacíficos e com aqueles que não professam fé alguma. Não se cuida apenas de assegurar a todos a liberdade de frequentar esse ou aquele culto ou seita ou ainda de rejeitar todos eles. A liberdade religiosa e o estado não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais, tais como o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução. (BRASIL, 2012, p. 12)

No Estado laico então, segundo Sarmento (2006), além das crenças serem questões privadas, o exercício da autoridade pública não se relaciona com preceitos religiosos. Há nos poderes estatais imparcialidade com relação ao pluralismo religioso.

O mesmo autor, em artigo anteriormente publicado ao supracitado, ainda cita sobre o Estado laico, que segundo ele é um:

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Imperativo, não só sob o prisma ético, como também sob a perspectiva jurídico-constitucional, que os atos estatais, como as leis, medidas administrativas e decisões judiciais, baseiem-se em argumentos que possam ser aceitos por todos os que disponham a um debate franco e racional – mesmo pelos que não concordam com o resultado substantivo alcançado. Caso contrário, haveria tirania – eventualmente tirania da maioria sobre a maioria – mas jamais autêntica democracia (SARMENTO, 2006, p. 141).

Desta forma, Emmerick (2008) afirma que, o laicismo do Estado, ou seja, sua neutralidade religiosa, é uma qualidade ou requisito imprescritível para o exercício das liberdades democráticas. Então, qualquer tentativa de interferência de qualquer religião nos assuntos do Estado deve ser repugnada de imediato pelos detentores do poder, uma vez que os argumentos religiosos são incompatíveis com os princípios democráticos, e que não podem ser questionados.

Assim a autora conclui que é pressuposto do Estado Democrático de Direito a elaboração das leis e que a execução de políticas públicas sejam destinadas a toda a coletividade, independentemente de seus preceitos morais e crenças religiosas de inclusive quando se trata de temas como o aborto. Desta forma, o Estado laico deve garantir a todos o exercício da liberdade de consciência e o direito de tomar decisões livres e responsáveis (EMMERICK, 2008).

2.4 DO DIREITO À VIDA DO NASCITURO

Dentro da temática da despenalização do aborto, uma grande discussão gira em torno do direito à vida conferido ao feto.

Cabe aqui, antes de entrar na questão de fato, diferenciar os termos despenalização e descriminalização, que conforme Gomes (2007) explica, despenalização é a característica marcante da exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. E descriminalização, é entendida por retirar da conduta o caráter criminoso, ou seja, deixa de ser crime.

Retornando a questão sobre o direito do nascituro, Cólon (1996), entende que esta visão que defende a ‘vida do feto’ tem receptividade nas análises legais, que argumentam a superioridade do direito à vida sobre outros direitos, a partir de uma

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definição de vida em termos biológicos abstratos. Assim, ao contrapor a vida da mulher à vida do feto, a autora considera que se esvazia o papel da mulher na reprodução. Passa-se a humanizar a vida do feto e desumanizar a vida da mulher, que é vista como uma ‘incubadora’, um meio que propicia a vida, ou seja, se coisifica o papel da mulher” (CÓLON, 1996, p. 3).

A tentativa de equalização do direito à vida por parte de ambos, mãe e feto, por estar fundamentada numa concepção essencialista e meramente biológica de vida humana, ignora os aspectos subjetivos, culturais, sociais e políticos da mãe, ou seja, reconhece na vida humana apenas o aspecto da sobrevivência biológica, ignorando que ela tem uma dimensão subjetiva própria de cada ser humano, um modo peculiar de dar-lhe sentido cultural e socialmente. Cada indivíduo no seu grupo social desempenha papéis, criando uma "imagem" própria e sendo reconhecido por suas funções, pelo significado que tem para a comunidade. Politicamente, cada indivíduo está ligado a uma comunidade maior diante da qual tem direitos e deveres, e com o qual o Estado também assume tarefas por meio de políticas públicas, visando não só a sua sobrevivência mas também a sua qualidade de vida. Ao falarmos em "qualidade de vida" e não só em sobrevivência, estamos introduzindo um critério importante e decisivo na avaliação das condições da vida humana, pois não se trata apenas de defender a vida a qualquer custo, mas que as pessoas, ou seja, os/as cidadãos/ãs tenham condições de usufruir de uma existência realmente "humana" (ALDANA, 2008, p. 4)

O debate sobre a proteção da vida intrauterina, conforme Sarmento (2006), tem sua tese defendia a partir do prisma que a vida humana intrauterina tem proteção constitucional, mas com intensidade substancialmente menor do que a vida de alguém já nascido.

O autor ainda sustenta seu posicionamento, afirmando que à vida do nascituro não é uniforme durante toda gestação. Pelo contrário, essa tutela vai aumentando progressivamente na medida em que o embrião se desenvolve, tornando-se um feto e depois adquirindo viabilidade uterina. Assim, o tempo de gestação é fator de preponderante importância na mensuração do nível de proteção constitucional atribuído à vida pré-natal (SARMENTO, 2006).

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2.5 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À SAÚDE

Assim, para Teodoro (2012), esses conceitos de vida e morte somados aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, direito à vida e do direito fundamental à saúde deram base à discussão sobre o aborto e foram considerados imprescindíveis para se estabelecer a legislação atual nos casos que o aborto é autorizado pela lei.

Desta forma, ao analisar a Constituição Federal, em seu artigo 1o, inciso II

onde se consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, Karagulian (2007), afirma que tendo como pressuposto fundamental a liberdade e a autonomia da vontade dos seres humanos, estes devem ser responsabilizados pelas consequências de seus atos. E acredita que a influência do Estado ou de terceiros é injustificada no âmbito da vida privada, incorporando a noção contemporânea de cidadania.

A análise dos direitos humanos para Kaczor (2014), parte da premissa de que tais direitos tem uma natureza dinâmica e, portanto, são frutos da necessidade de cada sociedade em determinado momento, ou seja, que a sua construção está relacionada aos anseios e as necessidades de cada sociedade por um mundo que reconheça de forma plena a dignidade da pessoa humana, sendo uma invenção que se constrói e reconstrói historicamente.

Na perspectiva dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito, Emmerick (2008), defende que a criminalização do aborto no Brasil, configura uma violação dos direitos das mulheres, uma vez que o Estado se abstém ao enfrentar um grave problema de saúde pública, nada mais faz que intervir na esfera individual e privada do feminino, indo na contramão dos direitos fundamentais das mulheres, numa patente violação do direito à igualdade de gênero.

Sarmento e Piovesan (2007), esclarece que, considerando a mulher sujeito de direito e com base nos direitos à liberdade, à vida e à saúde, o direito internacional considera que os Estados devem conferir à essas, a partir de suas próprias convicções morais e religiosas, a interrupção de uma gravidez indesejada. E mais que isso, que ao consideramos o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo como pressuposto fundamental a liberdade e a autonomia da vontade dos

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seres humanos, homens e mulheres devem ser responsáveis pela autodeterminação de suas ações e de suas próprias vidas.

O princípio da dignidade da pessoa humana se relaciona com o direito à saúde que está estabelecido como um direito social e fundamental pleno na Constituição Federal, que em seus artigos 6o e 196 o incluiu como dos direitos e garantias fundamentais. Assim, o artigo 196 estabelece:

Artigo.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)

O direito a saúde não mais se resume a mera ausência de doença ou patologia em uma pessoa. É um equívoco manter esta visão, pois desde a criação da Organização Mundial da Saúde – OMS – em 1946, no Preâmbulo do ato fundador, firmado em 22 de julho 1946, define como saúde o completo estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade (BRASIL, 2015). No Plano de Ação da Conferência Mundial sobre a população e desenvolvimento, realizado na cidade do Cairo, em 1994, foi reconhecido como direitos humanos os sexuais e reprodutivos, conforme citado por Campos (2007).

Da leitura do artigo 196 da Constituição Federal, pode-se perceber que o conceito de saúde foi concebido não apenas como estado biológico, mas em sentido amplo, nos mesmos parâmetros das disposições internacionais, seja da Organização Mundial de Saúde, seja de outros documentos internacionais, uma vez, que de acordo com o referido artigo, a saúde é dever do Estado e direito fundamental de todos e todas, compreendendo o tratamento de doenças e prevenção, ou seja, a saúde deve ser promovida e recuperada, devendo seu acesso ser prestado de forma universal e igualitária, estabelecendo um conceito amplo de saúde, que engloba o bem-estar físico, mental e social de todas as pessoas (EMMERICK, 2008, p. 86).

Peixoto (2009) interpreta que, o direito a saúde possui tanto um aspecto defensivo, que trata de impedir que um terceiro, incluindo o próprio Estado, possa por meio de suas ações causar um dano a saúde física e/ou psíquica de uma pessoa, quanto um aspecto prescricional, que encara a saúde como um dever do Estado, devendo este implementá-la através de políticas públicas.

Considerando todos esses conceitos e entendendo que a saúde pública é negligenciada no Brasil, o aborto figura um dos graves problemas encarados pela

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sociedade, que segundo Fernandes (2007), a ilegalidade não impede que abortos sejam realizados, o que contribui para o emprego de técnicas inseguras e restringe a confiabilidade das estatísticas sobre essa prática.

Campos (2008), defende que a violação dos direitos humanos reconhecidos nos tratados internacionais ainda é uma realidade, na proporção em que se verifica uma implementação inadequada das políticas públicas voltadas para o atendimento da saúde dos órgãos internacionais e do paradigma de proteção integral à saúde da mulher.

Os avanços na legislação são insuficientes para Emmerick (2008), pois muitas vezes não são acompanhados de ações concretas e efetivas para a garantia dos direitos humanos das mulheres, uma vez que apesar de todos os compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro perante a ordem internacional e das recomendações internacionais, não há, efetivamente, um empenho do governo brasileiro em descriminalizar/ legalizar o aborto.

No Dossiê Aborto: Morte Preveníveis e Evitáveis, as pesquisadoras Martins e Mendonça da Rede Feminista de Saúde (2005), constataram que a permanência da penalização do aborto agrava a situação da saúde da mulher e faz com que gravidezes indesejadas sejam interrompidas de forma clandestina e insegura, o que contribui para o aumento da morbidade e mortalidade materna no Brasil. O aborto clandestino é a 3acausa de mortalidade materna no país e a 5acausa de internação na rede pública de saúde.

Loureiro e Vieira (2004) igualmente analisam que, o aborto provocado é uma das principais causas de morbi-mortalidade materna em países onde existem restrições legais ao aborto, especialmente quando são realizados por pessoal não qualificado. As mulheres que não morrem podem ter complicações graves, como hemorragia, septicemia, peritonite e choque. Outras podem ter sequelas físicas, como problemas ginecológicos e infertilidade, assim como maior chance de complicações em gestações subsequentes.

O aborto realizado em condições inseguras figura entre as principais causas de morte materna e é causa de discriminação e violência institucional contra as mulheres nos serviços de saúde. Violência que pode traduzir-se no retardo do atendimento, na falta de interesse das equipes em escutar e orientar as mulheres ou mesmo na discriminação explícita com palavras e atitudes condenatórias e preconceituosas. Pela representação simbólica da maternidade, como essência da condição idealizada do ser mulher e da realização feminina, o aborto pode sugerir uma recusa da maternidade e por

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isso pode ser recebido com muitas restrições por parte dos profissionais de saúde (BRASIL, 2005, p. ).

Concordando com os autores supracitados, Sarmento e Piovesan (2007), afirma que o abortamento inseguro resulta em trágicos efeitos, praticados sobretudo por mulheres dos grupos mais vulneráveis da população, acarretando num grave problema de saúde pública. Assim, o Estado há que considerar uma nova postura diante deste tema, à luz dos direitos humanos, pois não basta uma revisão na legislação, mas também a implementação de políticas públicas para combater o elevado número de mortes e graves riscos à saúde decorrentes da prática do aborto ilegal.

Para Campos (2007), os serviços de orientação sexual, de planejamento familiar, o favorecimento de contraceptivos, o tratamento, a prevenção e detecção de doenças sexualmente transmissíveis não são satisfatórios, e não atendem a população na sua totalidade. Os serviços de pré-natal, perinatal e pós-natal, e de atendimento aos casos de violência sexual, apesar dos avanços, ainda não funcionam na perspectiva do atendimento integral à saúde.

2.6 DO DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR

O planejamento familiar, comentado na citação supracitada, tem proteção legal, assegurado na Constituição Federal. Nesta discussão, se associada ao tema sobre dos direitos reprodutivos, o artigo 226, parágrafo 7o da Constituição Federal que reza que:

Art. 266, §7o: Fundado o princípio da dignidade da pessoa humana e da

paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desses direitos, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas (BRASIL, 1988).

Segundo Emmerick (2008), para regulamentar o artigo 226, parágrafo 7o da Constituição Federal, foi aprovada a Lei no 9.263/96 que dispõe sobre o Planejamento Familiar, que apesar de inúmeros dispositivos desfavoráveis aos direitos sexuais e reprodutivos, definiu o planejamento familiar de forma satisfatória:

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Art. 2º Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal (BRASIL, 1996).

Assim também disciplina a Portaria n. 373 do Ministério da Saúde, de 27 de fevereiro de 2002, quando expõe que ações relacionadas à saúde da mulher, como o planejamento familiar, vinculadas à atenção primária, são parte das responsabilidades mínimas da gestão municipal, conforme define a Norma Operacional da Assistência à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2002).

A finalidade do planejamento familiar, segundo Diniz (2007), é tornar a decisão de constituir família uma atitude pensada, desejada, feita de forma responsável, bem compreendida e assumida através da difusão de conhecimento e informação à população sobre métodos conceptivos e contraceptivos. É fundamental que as pessoas que querem formar um núcleo estejam conscientes da sua postura e preparadas para receberem filhos, tanto econômica quanto psicologicamente, de forma a propiciar um ambiente sadio e equilibrado para a sua prole.

As pesquisadoras Costa, Guilhem e Silver (2006) afirmam que apesar de haver um discurso consensual baseado nos princípios do direito à saúde e na autonomia das mulheres e dos casais sobre a definição do tamanho da prole, a realidade brasileira mostra restrições do acesso e da oferta aos serviços de planejamento familiar. O processo de implantação do planejamento familiar no SUS requer a superação de problemas relativos à oferta de métodos contraceptivos, assim como o aperfeiçoamento das atividades e da organização dos serviços de atenção às práticas educativa e às consultas clínicas.

A autora infra citada concorda com as dificuldades de colocar em prática o ideal de planejamento familiar e cita que:

O Planejamento Familiar, enquanto ação em saúde, tem sido reconhecido como uma necessidade do ser humano, mas apresenta controvérsias entre o que é praticado pela Sociedade e o que é normatizado pelo Estado e, ainda, disponibilizado pelos serviços de saúde (COELO, 2005, p. 1)..

A dificuldade de implementação de condutas que efetivem o planejamento familiar no Brasil, tem o aborto clandestino como um dos seus produtos, conforme Campos (2007), que considera que muitas mulheres apesar de saberem que estão

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praticando um ato ilícito, preferem assumir os riscos de lesões, infecções, possibilidade de infertilidade permanente ou mesmo de morte, associadas as consequências de ordem psicológicas e de grande tensão emocional.

Neste capítulo se estudou alguns conceitos importantes para a discussão da temática do aborto, que é bastante controversa, porém, fundamental para abordar a previsão legal desta prática, o que será realizado no capítulo a seguir.

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3 LEGISLAÇÃO E HIPÓSETES DE ABORTO

Neste capítulo, será abordada a previsão legal do aborto existente e sua penalidades conforme o Código Penal e como é a abordagem sobre a legislação e punibilidade no direito comparado.

3.1 ABORTO: UM BREVE HISTÓRICO

A realização do aborto nem sempre foi considerada um crime e sua prática apresentou diferentes interpretações, como afirma Campos (2007). Conforme a autora, ao longo da história, encontra-se que o aborto era considerado um

continuum contraceptivo em diversas sociedades da Antiguidade, e que sua prática

tolerada e aceita, sem atribuição de valores morais e sociais. Assim, sua condenação moral, e posteriormente legal, foi congruente com a necessidade de provocar um aumento demográfico em muitas regiões.

A prática do aborto, durante longo lapso temporal, não era prevista como delito. Predominava, inicialmente, a total indiferença do Direito em face do aborto, considerando o feto como parte integrante do organismo materno e, de conseguinte, deixando a critério da mulher a decisão acerca da conveniência ou não de dar prosseguimento à gravidez. A administração de substâncias abortivas, porém, era vedada, em razão do perigo provocado – ou da lesão efetivamente produzida – para a saúde da mulher. (PRADO, 2015, p. 103).

A visão sobre a prática do aborto foi modificando conforme a evolução das sociedades e das legislações. Resumidamente Bitencout (2009), explica sobre está mudança no que se refere ao aspecto jurídico no Brasil, iniciando pelo Código Criminal do Império de 1830, que não criminalizava o auto aborto, mas que punia a prática quando realizada por terceiros, com o sem consentimento da gestante.

Igualmente explica Capez (2015) quando considera que no Brasil, o código do Império de 1830 nada previa sobre o crime de aborto, praticado pela própria gestante, mas apenas criminalizava a conduta de terceiros que realizassem o ato, com ou sem o consentimento dela. No código de 1890 então, passou a prever o crime de aborto praticado pela gestante e somente com o Código Penal de 1940, que tipificou o crime de aborto provocado, sofrido, e o consentido.

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Bitencourt (2009), reitera entendimento exposto, quando expõe que no Código Penal de 1890 já criminalizava o aborto praticado pela própria gestante e autorizava o procedimento para salvar a vida da mãe, punindo-se culposamente por imperícia do médico ou da parteira, se ocorresse a morte da gestante. E finalmente, cita do Código Penal de 1940 e atual legislação vigente no Brasil, que tipifica três figuras de aborto: provocado, sofrido e consentido, que serão trabalhados individualmente durante este capítulo.

3.1.1 Aborto e abortamento

A palavra aborto vem do latim aboriri, significando “separar do lugar adequado”, como explica Nascimento (2000), que também conceitua o ato como a interrupção da gravidez com a morte do feto. Segundo Bitencourt (2008), é a interrupção da gravidez antes de atingir o limite fisiológico, isto é, durante o período compreendido entre a concepção e o início do parto, que é o marco final da vida intrauterina.

Santos (1998), entende que o termo a “aborto” é uma corruptela da palavra, e a definição obstétrica do abortamento é a perda de uma gravidez antes que o embrião e posterior feto, seja potencialmente capaz de vida independente da mãe.

Ao que se refere ao abortamento, Emmerick (2008) define como a interrupção violenta da gravidez antes de seu termo natural, com a consequente morte do feto, podendo ser expulso do organismo materno, ou não. A morte do feto poderá ocorrer no interior do ventre de sua mãe ou quando da sua expulsão. Então, dois são os pressupostos do abortamento: a interrupção da gravidez e a morte do feto.

Jesus (2012), considera que a palavra abortamento tem maior significado técnico do que o termo aborto, pois o primeiro indica a conduta de abortar, enquanto que o segundo seria o produto a concepção cuja gravidez foi interrompida.

Alguns autores utilizam a expressão abortamento e o termo aborto como sendo o mesmo ato, porém Azevedo (1967) propõe sua diferenciação, sendo o primeiro para designar o ato de se expulsar o feto, e o segundo o produto do abortamento.

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Igualmente, Bastos (1991) distingue os termos, sendo o aborto o produto conceptual eliminado, e o abortamento a interrupção da gravidez antes 20 semanas de sua evolução, ou quando o produto conceptual eliminado pesa 500 gramas ou menos.

O entendimento do autor supracitado se relaciona com o conceito do Ministério da Saúde que refere aborto como a interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª semana, com o produto da concepção pesando menos de 500 g, sendo este eliminado no processo de abortamento (BASTOS, 1991).

As causas de abortamento são várias, entretanto, na maioria das vezes, permanecem indeterminadas e inúmeras gestações são interrompidas por decisão própria da mulher (BRASIL, 2010).

A denominação dos termos aborto e abortamento apresenta divergência na literatura, como foi citado anteriormente, porém, independente dessas variações, Teodoro (2012) cita que o legislador se utilizou da expressão aborto para designar o delito propriamente dito, ou seja, a ação de praticar a interrupção da gravidez acompanhada da expulsão do feto. Então, esta expressão significa tanto a expulsão violenta do feto, como o produto dela gerado.

Desta forma também entende Prado (2015), quando cita que o aborto é a morte do nascituro intra uterum ou pela provocação de sua expulsão, uma vez que é necessário que se constate que havia gravidez em curso e que a causa da expulsão seja proveniente da intervenção abortiva, para se estabelecer o delito.

Para que se configure aborto então, conforme o Código Penal entre seus artigos 124 a 127, há necessidade da expulsão do feto e de sua morte, não importando qual veio primeiro (BRASIL,1940). E Capez (2015) afirma que, a objetividade jurídica da legislação penal é tutelar a vida humana, especialmente a vida intrauterina.

3.2 FORMAS DE ABORTO

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3.2.1 Considerações iniciais sobre o aborto na legislação vigente

O aborto é severamente punido pela legislação brasileira, mas este fato não faz com que deixe de ocorrer diariamente, pela avaliação de Campos (2007). Passa-se então, as formas frequentes da realização desta prática.

Agnello e outros (2015), referem que o aborto inseguro ou não pode ser realizado de forma química, cirúrgica ou física, porém ambas práticas são ilegais e quando realizadas clandestinamente oferecem grande risco para mulher, uma vez que são feitas por pessoas sem qualificação necessária e em locais anti-higiênicos. Além do que, existe uma relação direta entre o aborto inseguro e mortalidade materna.

Um dos métodos utilizados para o aborto provocado é o medicamentoso, porém o tipo de remédio utilizado para a prática deveria ser de uso restrito de hospitais e clínicas devidamente especializados e credenciados, conforme Arilha, (2012), cita abaixo:

Atualmente a realização de um aborto pode ser feito de maneira simples e efetiva, com o uso de medicamento fartamente pesquisado desde os anos 80, e cuja eficácia vem sendo difundida globalmente. Trata-se do misoprostol, uma prostaglandina sintética, inicialmente produzida para o combate a úlceras gástricas e que com o transcurso do tempo vem se mostrando um dos melhores produtos para o abortamento, em qualquer época da gravidez. Se associado ao mifepristone, tal eficácia mostra-se, todavia mais significativa. Hoje, várias portarias criam barreiras à administração do medicamento, atualmente restrito ao uso hospitalar e unicamente para estabelecimentos cadastrados. (ARILHA, p. 2, 2012).

Além, do uso de medicamentos, o aborto também pode ser realizado por via cirúrgica em clínicas clandestinas, conforme Kaczor (2014), onde a remoção do conteúdo presente no útero se faz por aspiração e curetagem, sendo uma intervenção rápida, mas quando realizada sem a técnica necessária é de grande risco para a mulher que se submete ao procedimento.

Na literatura penal, Prado (2015) considera que há três meios para que o aborto seja provocado, sendo meio químico ou bioquímico, meio físico ou meio psíquico. Resumidamente, o autor explica que o primeiro se trata de substâncias introduzidas no organismo da gestante para a expulsão do produto da concepção; o

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segundo, são mecanismos, térmicos ou elétricos, aplicados diretamente ou indiretamente no corpo ou aparelho genital da genitora; e o terceiro, seriam ações de ordem psíquica, como sustos, choques morais e violência emocional.

3.2.2 Aborto natural ou espontâneo

O conceito de aborto natural, para Mattar, Camargo e Daher (2003), é a eliminação do concepto antes da viabilidade haver sido adquirida, que possui várias associações para ocorrer e que é um momento frustrante para os casais que experimentam este evento.

São numerosas as causas ditas naturais para o abortamento, de acordo com Santos (1998), e variam de acordo com a fase de implantação do embrião, podendo ser ectópica-tubária, ovariana, abdominal e cervical.

A interrupção involuntária da gestação, conforme Barini e outros (2000), é multifatorial devendo-se considerar os aspectos anatômicos, endócrinos, genéticos, infecciosos e imunológicos da gestante. Noguez e outros (2008) complementam o este conceito, afirmando que deve-se também levar me conta às condições socioeconômicas, à exposição ambiental e ocupacional da mulher.

O aborto natural é a interrupção espontânea da gestação e neste contexto não figura crime, igualmente ao aborto acidental, que ocorre de um traumatismo, como explica Capez (2015).

3.2.3 Auto-aborto ou aborto consentido

O auto aborto é a prática de realizar a interrupção da gravidez por conta própria, segundo Pinto e Tocci (2003), utilizando-se de medicação via oral, injeções intramusculares, introdução de instrumentos no útero, pressão violenta do abdômen, entre outros métodos, para sua realização. Ou permitir que um terceiro realize esta conduta, como realizado em clínicas clandestinas.

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O artigo 124 do Código Penal prevê as duas condutas por meio das quais a própria genitora pode interromper sua gestação, por meio químico, físico ou mecânico, causando a morte do feto: com a primeira, a própria mulher provoca abortamento em si; e a segunda, ela consente que um terceiro provoque o ato, ensina Prado (2008).

A conduta típica, com efeito, no auto aborto, consiste em provocar o aborto em si mesma, isto é, interromper a sua própria gestação; mas a gestante pode praticar o mesmo crime com outra conduta, qual seja, a de consentir que outrem lhe provoque o aborto. Nesta segunda figura, consentir no aborto, exigem-se dois elementos: a) consentimento da gestante; b) execução do aborto por terceiro (BITENCOURT, 2009, p. 136-137).

Segundo a Lei 2848/40, o aborto quando realizado pela gestante ou pela permissão da mesma, para que alguém que lhe provoque a prática, a pena é de um a três anos de detenção, conforme artigo 124. Diferente de quando um terceiro realiza o aborto, com consentimento da gestante, onde a pena muda para reclusão de um a quatro anos, como prevê o artigo 126.

Assim, Nascimento (2000), considera que quando o abortamento citado pelo artigo 124, é realizado por terceiro , este que realiza o aborto com autorização da genitora incidirá nas penas do artigo 126, pena esta cominada com reclusão de um a quatro anos. É imprescindível que este consentimento seja válido, uma vez que a lei não hospedará o consentimento realizado por gestante menor de 14 anos alienada ou débil mental, ou seja, inimputável, ou ainda mediante violência, grave ameaça ou fraude. Cabe então destacar, que caso a gravidez da vítima menor de 14 anos se enquadre no requisitos mencionados anteriormente, configura estupro de vulnerável, conforme artigo 217-A, do Código Penal).

Para se considerar que há consentimento válido na prática do aborto, é necessário que a gestante, necessariamente, possua capacidade para consentir, não se tratando de capacidade civil. Neste campo, o Direito Penal é menos formal e mais realístico, não se aplicando as normas do Direito Privado. Leva-se em conta a vontade real da gestante, desde que juridicamente relevante. O terceiro que praticar manobra abortiva na gestante, que consentiu validamente, responderá pelo delito do artigo 126 do CP (CAPEZ, 2015, p. 154).

Cabe observar que se da intervenção para o aborto ocorre a aceleração do parto, mas o feto sobrevive, por motivos alheios a vontade de quem provocou, há aborto tentado, conforme Prado (2015). Ainda se considera que, no caso de o agente induzir apenas o parto antecipado, sem causar qualquer lesão a gestante ou

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ao feto, não haverá crime. A explicação do autor continua afirmando que se dos meios empregados para a conduta abortiva, o feto nascer vivo e posteriormente morrer em consequência das manobras empregadas, o delito de aborto é consumado e caso a morte do neonato se por causas independente, haverá tentativa do ilícito em questão.

3.2.4 Aborto provocado por terceiro sem consentimento

O aborto sofrido ou sem consentimento da gestante, é realizado por terceiro e tipificado pelo artigo 125, conforme a legislação penal vigente (BRASIL, 1940).

Para provocar este tipo penal, segundo Bitencourt (2009), não é necessário ocorrer mediante violência, fraude ou grave ameaça; basta o emprego de simulação ou mesmo dissimulação, ou qualquer outra forma de despojar a atenção ou estado vigil da gestante. Ou seja, basta que a gestante não tenha noção que o fato esteja sendo praticado em seu corpo.

Em se tratando desta prática Prado (2015) considera que, o agente emprega a força física, a ameaça ou a fraude para a realização das manobras abortivas, sendo que reputa-se o a realização do aborto sem consentimento, quando a gestante tenha se mostrado, por palavras ou atos, contrária ao ato ilícito durante a gestação ou quando a gravidez é desconhecida.

Jesus (2012) explica que, O discernimento da ofendida pode ser real ou presumido. Real, quando o sujeito emprega violência, fraude ou grave ameaça. Presumido, quando ela é menor de 14 anos, alienada ou débil mental.

Capez (2015) reafirma o entendimento acima quando refere que, o dissentimento empregado contra a gestante pode ser real ou presumido. Assim, entende-se por real, quando há o emprego de fraude que induz a gestante ao erro; grave ameaça, na aplicação de promessas de um mal grave, inevitável ou irresistível, visto também como chantagens emocionais; e violência, quando há emprego de força física contra a gestante, estando todas as hipóteses citadas no artigo 125 do Código Penal. E o dissentimento presumido, presente no artigo 126, parágrafo único, 1a parte, da mesma legislação, que considera que não há

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consentimento da genitora o ato que não for livre e espontâneo nesta conduta. Igualmente, se a vítima for menor de 14 anos, alienada ou débil mental.

Assim, nos termos do artigo 125 do Código Penal, Nascimento (2000) afirma que o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, é indiscutivelmente o mais grave, em face dos demais tipos, tendo pena de reclusão de três a dez anos.

Desta forma também entende Teodoro (2012), ao defender que a ausência de consentimento da gestante pode ser entendida como uma espécie de qualificadora do crime, pois a pena aplicável a esta espécie, diferente da pena de detenção do artigo 124, é de reclusão e o tempo varia de três a dez anos. Esta modalidade é considerada mais gravosa, pois atinge dois objetos jurídicos, a vida do feto e a integridade física da mãe. Além disso, atinge outros bens que não devem ser desprezados pela doutrina, como a integridade psíquica da gestante, o direito à maternidade e à paternidade e o direito ao planejamento familiar.

Há alguns casos em que o aborto não é punido na lei penal vigente, como nos ensina Prado (2015), onde as indicações aceitas são nomeadas: terapêutico ou necessário, sentimental ou ético e eugênico, que serão trabalhados a seguir.

3.2.5 Aborto necessário ou terapêutico

A legislação brasileira possui algumas exceções ao que se refere a punição da prática do aborto, conforme Pinto e Tocci (2003), e uma delas é o chamado abortamento terapêutico, que consiste naquele que é recomendado pelo médico como recurso extremo para salvar a vida da mãe.

Nos termos do artigo 128 do Código Penal, não se pune aborto praticado por médico: I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido do consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

O aborto necessário é a interrupção da gravidez realizada pelo médico quando a gestante estiver correndo perigo de vida e inexistir outro meio para salvá-la. Consonante a doutrina, trata-se de espécie de estado de necessidade, mas sem a exigência de que o perigo de vida seja atual.

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Assim, há dois bens jurídicos (a vida do feto e da genitora) postos em perigo, de modo que a preservação de um (vida da genitora) depende de destruição do outro (vida do feto) (CAPEZ, 2012, p. 158).

Ao que se refere ao inciso I do artigo citado, Nascimento (2000) ressalta que, tal aborto somente poderá ser feito em casos graves, diagnosticados pelo médico, e é baseado no estado de necessidade. Assim, os casos mais conhecidos, considerando risco à gestante que autorizam o aborto terapêutico, são hemorragias, cardiopatias, trombose, estado epilético, edema pulmonar, diabetes, tuberculose, leucemia e anemia grave.

O fundamento do estado de necessidade se aplica, segundo Prado (2008), pois a conduta do médico visa afastar de perigo atual – ou mesmo iminente – bem jurídico alheio (vida da gestante), cujo sacrifício, não era razoável exigir-se. O mal causado é menor do que aquele que se pretende evitar.” (PRADO, 2015 p. 115).

Desta forma, diagnosticado o risco à gestante, o médico responsável não necessita de autorização da genitora ou de seu representante legal, para realização do procedimento, conforme Bitencourt (2008).

3.2.6 Aborto sentimental ou ético

Passando a análise do inciso II do artigo 128, Capez (2015) explica que é a realização do aborto por médico nos casos em que a gravidez decorreu de um crime de estupro. Desta forma, o estado não pode obrigar uma mulher a levar adiante uma gestação que provem de uma violência, considerando os danos psicológicos irreversíveis que o fato possa causar.

Nesta toada, Nascimento (2000) expõe que:

Ninguém pode obrigar que a mulher estuprada hospede em seu útero uma maternidade de um ato sexual repugnante, gerado da violência de uma degenerado e que lhe marcará até o fim de seus dias o trauma de tão grande iniquidade (NASCIMENTO, 2000, p. 81).

Além dos casos de estupro, Bitencourt (2009) explica que atualmente a doutrina e a jurisprudência admitem, por analogia, o aborto sentimental (ou ético) quando a gestação advém de atentado violento ao pudor, que se equipara tão

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repugnante quanto o crime de estupro. Apesar de serem tecnicamente distintos, a gravidade do ato e de seu resultado justificam esta orientação.

Para a realização da intervenção nos casos de aborto sentimental, o médico responsável necessita da autorização da gestante ou de seu representante legal e de prova idônea do atentado sexual, conforme Capez (2015), uma vez que não se exige para o procedimento cirúrgico, para tanto, autorização judicial, processo judicial ou sentença condenatória contra o autor do crime de estupro.

3.2.7 Aborto eugênico

Jesus (2012) afirma que, este tipo de aborto é considerado para impedir a continuação da gravidez, uma vez que haja possibilidade da criança com taras hereditárias, porém não é um tipo penal agasalhado na legislação penal brasileira.

A indicação deste tipo de aborto não é prevista no código penal brasileiro, de acordo com Teodoro (2012), e sua indicação permite a intervenção quando existam riscos comprovados que o embrião ou o feto sejam portadores de anomalias genéticas graves.

Dentro da finalidade visada pela indicação eugenésica, cabe diferenciar a priori entre tipos ou modalidades diferentes na prática do aborto, independentemente de qual seja a fundamentação adotada. Em primeiro lugar, e esta seria a forma mais primitiva de previsão, seria o aborto praticado em mulher grávida deficiente. Em segundo lugar, o aborto pratica em mulher em razão da idade avançada da mulher grávida. Em terceiro, o aborto praticado, sem diagnóstico pré-natal, em virtude das características dos pais, constituindo o aborto eugenésico “preventivo” uma modalidade desta hipótese. Por fim, o aborto praticado quando do diagnóstico pré-natal se deduz ou se presume a existência de determinada doenças – graves ou incuráveis – no ser em gestação (PRADO, 2015, p. 118).

Então, conforme Capez (2015), quando há diagnóstico médico definitivo atestando que não será viável a vida fora do útero, a indução antecipada do parto não tipifica o crime de aborto, considerando que a morte do feto é inevitável, em decorrência de patologia congênita.

No entanto, o aborto eugênico é um tema bastante controverso na literatura jurídica. Assim, Teodoro (2012) comenta que enquanto para alguns autores a motivação para realizar a intervenção está longe de ser uma excludente de ilicitude,

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e deve ser entendida como uma qualificadora desta figura delituosa, e que as decisões judiciais autorizadoras desse procedimento devem ser reveladas como inconstitucionais, para outros autores é um ato inconstitucional impor penalidade a este tipo de intervenção, por ferir direitos fundamentais da mulher, igualmente protegidos, como a liberdade e a dignidade.

Este impasse se mostrou bastante extenso durante o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 – ADPF 54/ DF, votada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2012, com relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello e que garantiu que no Brasil, a interrupção terapêutica da gravidez de feto anencéfalo não é considerada crime (BRASIL, 2012).

3.2.7.1 Aborto de fetos anencéfalos

A anencefalia, conforme Fernandes (2007), é um defeito no desenvolvimento embrionário do sistema nervoso central, é uma malformação fetal incompatível com a vida, sendo uma anomalia que ocorre por falha na formação do tubo neural e tem como resultado a ausência da maior posição do cérebro, crânio e couro cabeludo, sem cobertura de ossos e pele.

A etiologia da anencefalia não é definida, para Kaczor (2014), sendo sua origem multifatorial, coexistindo fatores genéticos e ambientais em proporções variadas. Porém, o autor afirma que há fortes indícios na atuação de ácido fólico que vem apresentando resultados proficientes quanto a prevenção do não fechamento do tubo neural. Sabendo-se também que não há cura e nem sobrevida do feto após o nascimento com tal alteração.

Considerando a descrição acima citada, Emmerick (2008) entende que se está diante de uma grave alteração na formação do cérebro, que determina que seu funcionamento está comprometido para que o indivíduo se desenvolva e sobreviva.

Igualmente, entende Penna (2005), quando relata que na condição da anencefalia se está diante da mesma situação da morte cerebral, da configuração da impossibilidade de consciência. E assim complementa que, um o feto anencefálico é um feto morto, pelo conceito de morte neurológica, e que mesmo sendo levado a

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termo, não terá condições de se desenvolver e potencialmente se tornar uma pessoa.

Assim, se faz necessário trazer o conceito de morte cerebral, sendo aquela que ocorre quando não mais se verifica função no encéfalo, porém há a manutenção de batimentos cardíacos, conforme a lei 9434/97, que em seu artigo 3o diz que no momento em que dois médicos atestam a morte cerebral, pode-se realizar a retirada de órgão e tecidos do indivíduo (BRASIL, 1997).

No que toca o abortamento do feto anencéfalo ou anencefálico, entendemos que não há crime, ante a inexistência de bem jurídico. O encéfalo é a parte do sistema nervoso central que abrange o cérebro, de modo que sua ausência implica na inexistência de atividade cerebral, sem a qual não se pode falar em vida. A Lei 9434/97, em seu artigo 3o, permite a retirada post mortem de tecidos e órgãos do corpo humano depois de diagnosticada a morte encefálica. Ora, isso significa que, sem atividade encefálica, não há vida, razão pela qual não se pode falar em crime de aborto, que é a supressão da vida uterina. Fato atípico, portanto (CAPEZ, 2012, p. 162).

Por este entendimento, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTPS – propôs perante o Supremo Tribunal Federal em outubro de 2004, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, questionando a constitucionalidade da incidência do Código Penal, na hipótese de interrupção da gravidez de feto anencéfalo, conforme Sarmento (2006).

Como resultado, a Suprema Corte (BRASIL, 2012), votou por maioria na ADPF-54 QO/ DF, 20/10/2004, de relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello, que é direito constitucional da gestante se submeter à operação terapêutica de parto de fetos anencéfalos, a partir de laudo médico atestando tal deformidade, assim, não se considerando crime de aborto no Brasil nesta ocasião.

Desta forma, caberá somente à mulher ou ao casal o julgamento pela continuação ou não da gestação, de acordo com Karagulian (2007), sendo que, seja qual for a decisão, de interrupção ou continuação da gestação, deve ser respeitada e que sejam conferidos todos os cuidados médicos e psicológicos numa situação ou noutra.

Referências

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