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Vista do ENTREVISTA DE QUISSAK JÚNIOR COM OLGA DE SÁ

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QUISSAK JR.

ENTREVISTA DE QUISSAK JÚNIOR COM OLGA DE SÁ

Quissak

Meu nome Quissak – e aproveito a ocasião para fazer um comercial -, o meu nome Quissak não termina com a letra K termina com a letra C, era Quissac em francês à moda de Brissac, Bussac, Lissac etc.. Mas era um nome de uma cidadezinha da província da França, no sudeste francês, do período medieval, do século XIII, o maior centro produtor de trigo e que fornecia todo o trigo para a França no período das Cruzadas. É o nome da cidadezinha Quissac, foi lá que se originou o meu nome, foi lá que se originou a minha família por parte de pai.

(Passeio pela casa e pela oficina)

Eu tenho paixão pela civilização pré-colombiana. Tenho verdadeira paixão. Só sobre a civilização pré-colombiana devo ter uns 300 livros.

Olga – Você lê tudo o que aparece? Quissak – Houve uma época em que tive uma febre, uma verdadeira febre de leitura.

Olga – E essas coisas sobre pirâmides, você lê também?

Quissak – Li. Posso lhe assegurar que a questão das pirâmides é uma questão muito importante. Mas, do que foi escrito, 99% é besteira. O aspecto realmente sério das pirâmides não é abordado nesses livros, que normalmente costumam circular. Mas considero a civilização pré-colombiana, em termos de civilização, que certos desígnios da civilização pré-colombiana antecedem em muito à civilização egípcia.

Olga – Mas você nunca foi pra lá. Quissak – Eu nunca fui a lugar nenhum. Tenho uma passagem interessante... Minha vida é cheia de passagens, que eu imagino interessantes, mas só eu acho interessantes, então me divirto sozinho. Foi o seguinte: quando eu era estudante, nossas professoras resolveram fazer uma excursão a São Paulo. Dentre as coisas que fomos visitar foi a Catedral da Sé. A Catedral da Sé, naquela época, estava num tal de não termina nunca, e realmente terminou. Fomos ver.

– Era um bando, cento e tantos estudantes, e lá um padre guiando, explicando. Eu me separei do grupo e comecei a analisar tudo. Tinham acabado de ser montados aqueles mosaicos enormes, que existem nas paredes laterais. Eu estava estudando distraído, e quando dei pela coisa meus colegas tinham desaparecido, as professoras tinham desaparecido, os ônibus tinham desaparecido e já era noite. Tinham se passado três horas, vim a saber posteriormente. Fiquei três horas além do tempo que eles ficaram lá e não me dei conta. Esqueci de tudo. Então é assim: A todos os lugares em que vou, me detenho observando as coisas. Eu não serviria, por exemplo, para fazer uma viagem turística em grupo.

Aqui tem dois nanquins, o nanquim preto e o nanquim sépia, são holandeses. Nesse aqui vai o nanquim preto, é o mais baixo. [...] Eu tenho que conhecer as cores pelo tato, porque trabalho com o rádio ligado. A senhora vai verificar que o rádio tá ligado. (ele liga o rádio). Por que? Porque eu só sei que eu estou pintando na hora em que eu não escuto mais. Então daí eu já estou inconsciente; não é inconsciente, estou desligado. Então é tudo pelo tato. Por essa razão é que tem uma fita nesse aqui, tem duas fitas nesse aqui e tem três fitas, não é para eu reconhecer oticamente. Eu

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QUISSAK JR.

reconheço oticamente, mas também só no

pegar, já sei... O primeiro é o sépia puro, o segundo é o sépia diluído meio a meio com água e o terceiro é o sépia diluído 5 por 1 em água. Então são três tonalidades em sépia e o preto.

Agora, os pinceis são pinceis para utilizar em óleo ou em acrílico, porque para o nanquim, só uso três pinceis. Só uso três pinceis mais nada do que três pinceis.

(Conversas paralelas sobre as fotografias, luz e o que seria fotografado.)

Olga – Na fase de criação da sua pintura: Vamos supor: você tem um desenho, porque você sempre desenha.

Quissak – Sempre desenho.

Olga – Vamos supor assim: Você teve uma ideia, aí você faz o desenho. Depois de todo esse processo você escolhe as cores, aí é outra fase, outra fase de criação...

Quissak – O problema é o seguinte: durante 17 anos, quer dizer, eu desenho desde pequenininho, desde que eu me conheço... Mas durante 17 anos, por ter lecionado, eu passava três períodos por dia desenhando na lousa para meus alunos. Eu lecionava desde o desenhinho da primeira série ginasial até o terceiro ano científico o programa de geometria descritiva, em que eu ocupava duas lousas. Apagava a primeira para continuar o problema e gastava a aula inteira assim com um desenho de extrema complexidade. Nunca usei um compasso, um esquadro, nenhum instrumento, nada. Tudo sempre foi a mão livre. Os alunos brincavam comigo porque eu desenhava – a mão livre – um círculo e batia o centro. Eles queriam buscar o compasso para checar, para ver se estava em cima.

Consegui me libertar daquele aprendi-zado, do métier da pintura tradicional que papai pintava e aquele negócio todo, das imposições que ele fazia.

Tudo aquilo foi importante para mim, porque foi através daquilo que aprendi o que é perspectiva aérea, o que é composi-ção, o que é harmonia, o que é isso, o que é aquilo... O resultado era uma porcaria, mas eu aprendi a usar os materiais, apren-di apanhando.

O importante é esse momento: quando me libertei. Dizer que o problema é que eu nasci liberto, interiormente. Mas as circunstâncias da vida e o fato de eu ver no pai o meu mestre, o meu orientador, o que eu conhecia do mundo era a minha casa e mais nada. Tudo aquilo me parecia superior aquilo que existia dentro de mim, então eu deixava tudo que estava dentro de mim amortecido, jogado para último plano e realizava o que, segundo ele, deveria ser realizado. Bem, quando ele morreu, eu pus tudo para fora. Ele morreu no dia 5 de novembro de 1960.

Eu não queria magoá-lo, enquanto vivesse, me entende? Porque houve uma passagem terrível comigo, terrível, enquanto ele estava vivo. Ele era medalhado pelos salões e naquela época os salões eram dificílimos de se entrar. Porque o artista era muito mal visto naquela época, a pessoa no exercício das artes plásticas era muito mal vista e os poucos homens que dominavam o métier tinham estudado na Europa, nas Academias. Eles eram rigorosos na escolha de seus alunos, de seus discípulos e esse número, portanto, era muito restrito.

Se a gente fizesse um levantamento de quantos expositores havia nos salões oficiais do Brasil, naquela época, não passaria de 300 ou 350 pintores. Hoje, só no Estado de São Paulo tem 60 mil praticantes. E meu pai desejava que eu também me metesse com arte. Então, ele viu que não tinha jeito, eu pintava às escondidas. Ia para a casa das minhas irmãs pintar, escondia meus trabalhos atrás do guarda-roupa. Quando eu achei que tinha

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QUISSAK JR.

produzido meu primeiro trabalho – não foi necessariamente daquelas centenas de trabalho que eu fiz - , mas que eu considerei o meu primeiro trabalho, fui mostrar para ele, era a hora da janta: Ele disse: está uma

porcaria. Então eu levei vinte anos para

entender, porque ele disse que estava uma porcaria. Ele disse com muita sabedoria, com muita propriedade. Ele estava certo. A afirmação dele era correta, porque? Porque ele pretendia com isso dizer, para eu pensar a longo prazo. Ele, na condição de educador, sabia que ia matar, que ia estigmatizar o cara. Então, se eu fosse fraco para não resistir ao impacto daquela frase nos tempos que viriam, ele estaria fazendo um belo serviço.

Olga – Quer dizer que era sinal que não era um negócio essencial para você?

Quissak – É. Agora se, por ventura, eu conseguisse superar aquela frase, não me deixar vitimar por ela e persistisse, então eu estava fora do controle. Para ele não estava interessando se o trabalho era bom ou mau, interessava o destino do filho. Naquele trabalho eu expressei o que eu era. Era um bom trabalho, mas não tinha nada de acadêmico. Era trabalho expressionista, violento, porque era o retrato dele, era o retrato de meu pai e chocava com todos os dogmas da arte chamada acadêmica.

A partir daí, aguentei a rebordosa, como a gente fala na gíria, e continuei, às escondidas, mas continuei. Quando estava com 15 anos de idade, e estava pintando algumas coisas seriamente, cheguei para o papai e disse que queria mandar um quadro para o salão permanente, com periodicidade. Fui expositor do Primeiro Salão Paulista de Belas Artes. O Salão Paulista surgiu muito tardiamente. O Salão Nacional não, o Salão Nacional veio da Exposição Geral de Belas Artes, foi da Primeira Imperial Escola de Belas Artes, foi resultante do rastro da Missão Francesa no Brasil.

Então ele falou: vai mandar como? Falei:

eu quero mandar, pai. Ele falou: meu filho, você tem que entender uma coisa: a arte é um ritual, é um negócio que toma a vida inteira. Você vai se machucar, vai se magoar. Eu disse: eu vou mandar, só para eu sentir que mandei, não alimento a menor esperança. E mandei.

Normalmente, os salões mandavam avisar quando o cara era aceito. Não veio comunicação nenhuma. Como imaginava meu pai um deus, nunca imaginaria qualquer coisa negativa a respeito dele. Pelos jornais, soube que iam inaugurar o Salão Nacional. Então, falei para o papai: papai eu queria ver o Museu. Eu nunca tinha ido ao Rio. Todas as coisas no mundo a respeito de mestres, de arte sabia pelos relatos dele, por ter ouvido falar, por ter lido livros que ele tinha em casa, consultado os catálogos, as imensas coleções de catálogos, que tinha em casa. Tinha catálogo do Salão de Paris desde 1870.

Ele falou: vou te dar um trocado, dá para

ir e voltar no mesmo dia, só vai dar para o sanduíche. Eu estava de uniforme de escola

e fui. Fui perguntando para os outros até chegar à Avenida Rio Branco. Então, eu de uniforme de escola, o trânsito estava impedido e aquela gentarada vestida a rigor!

As mulheres de vestidos longos, de chapéus, aqueles véus, muitas flores e coisa e tal. Me lembro do Oswaldo Teixeira, que era o diretor do Museu – eu lá no meio da rua - e cumprimentando um por um. Daí chegaram os Ministros de Estado, era um acontecimento naquela época e eu falei:

como é que eu vou entrar, eu não tenho convite, não tenho nada, como é que eu vou entrar? Daí

eu vi que todo mundo entrou e havia um grupo retardatário, apressadamente me abaixei e fui junto.

Quando entrei, já fiquei deslumbrado. Aliás, na minha vida tem uma porção de coisas interessantíssimas. O Museu tem aquela escada assim com duas alas, então tinha um grande quadro, hoje não deve estar mais lá naquele lugar, mas havia um

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QUISSAK JR.

grande quadro de uma mulher deitada,

do lado direito, no início da escadaria, pelo lado direito... Eu olhei: estava todo enfeitado de orquídeas e flores. O pessoal ia lá para dentro, para as salas que compunham o Salão. Então eu fui visitar. Entrei na primeira sala, me deslumbrei com tudo aquilo, entrei na segunda sala, entrei na terceira sala – para abreviar a história... Quando eu cheguei na terceira sala me deu um troço, me deu um negócio, porque as molduras dos meus quadros, eu próprio tinha feito. Então, de quina, assim, parecia ser a moldura que eu tinha feito. Então o próximo passo meu separaria o céu de tudo o mais. Eu dei o próximo passo. Era um trabalho meu, estava lá! Eu tinha sido aceito! Então eu fui correndo em direção ao trabalho, beijei o trabalho, cai de joelhos no chão e comecei a chorar. De joelhos, eu comecei a chorar.

Veio um cara me atender e falou: o que

é que está havendo, menino?

Eu falei: eu fui aceito.

Ele disse: o que!? Quantos anos você tem? Eu falei: 16.

E daí ele começou a chamar pessoas e falar: olha esse menino foi aceito!

Mas eu não sentia as coisas, eu estava atordoado.

Olga – E que quadro era esse Quissak? Quissak – Chamava-se Cabeça

de Moleque. Ele foi pós-datado,

obrigatoriamente, porque oficialmente eu não tinha idade legal para concorrer, então eu fui obrigado a pós-datar o quadro, mas o quadro foi feito quando eu tinha 15 anos não era nem 16. Foi feito quando eu tinha 15 e enviei quando eu tinha 16, mas o quadro foi pós-datado. E tinha a Velha Fazenda que está com a família de Alcides Galvão, que morreu num desastre de carro.

Daí o cara me deu um cartãozinho e botou no bolsinho do uniforme: meu

pai tinha sido recusado. Meu pai já era praticamente hors-concours, porque papai tinha ganhado medalha de prata e tinha sido recusado. Eu não queria voltar para casa, eu queria morrer. Então eu amaldiçoei a pintura, amaldiçoei tudo. Em casa, quando eu lembrei do cartãozinho, fui olhar o cartãozinho, estava escrito: Pascoal Carlos Magno. O homem que veio me socorrer foi Pascoal Carlos Magno.

Eu me mantive em silêncio, menti, disse que havia sido recusado, que o Salão estava muito bonito etc.. Só para não esquecer do detalhe daquela mulher que estava à direita, deitada, foi pintado pelo Calixto Cordeiro que é bisavô da minha mulher e é o retrato da avó da Vilma, que é filha dele, da dona Anita. Só disse que o Salão estava muito bonito, só isso e continuei a pintar.

Eu dividia o meu tempo entre os estudos, entre as obrigações do lar e a pintura e ocupava 16 horas por dia e ainda escrevia no jornal para ganhar 50 mil reais por mês. Redigia o Correio Paulista, um jornal de Guará, eu tinha uma coluna chamada Atualidade, isso desde os quinze anos. Eu queria criar coisas, mas sempre preso naquele universo.

Quando papai morreu, eu vivia problemas pessoais imensos. Eu tinha ido bem para longe para ele não saber dos meus problemas. Ele estava morrendo e eu não queria aumentar o sofrimento dele. Quando morreu, imediatamente eu me reencontrei com a Vilma, casei com a Vilma e sem um centavo no bolso, com problemas de matar qualquer homem – um homem de 50 anos daria tudo que tinha para não ter os problemas que eu estava tendo naquela idade – e fomos para uma casinha modesta e lá então eu comecei a criar. As primeiras colagens feitas no Brasil, foi lá que eu fiz.

Vamos até o ateliê. O negócio é o seguinte: obra pronta, como eu falei, eu não tenho nada. Prefiro fotografia de trabalho, porque como não há foto a cores mesmo, eu prefiro fotografia de trabalho inacabado porque, em termos de reprodução, ele dá uma reprodução muito melhor. Muito melhor do que trabalho pronto.

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QUISSAK JR.

Olga – Mas, você vai permitir que saia alguma obra acabada ou não, daquelas fotografias?

Quissak – Não, não, tudo a seu critério. Olga – Então, eu trago para você ver. Nós estamos fotografando alguma coisa colorida, mas é dificílimo fotografar e além disso não sai bem, não sei como é que vai sair.

Quissak – Conta uma coisa, uma coisa que está muito no seu mundo, mas no meu mundo não está muito não, não, sabe? Existe milagre?

Olga – Ah, eu acredito que sim. Muito raro. Depende, eu acho, da fé da pessoa. Se acreditar, eu acho que sim. Você está querendo um milagre?

Quissak – Demais, nossa!

Olga – Porque você queria, para trabalhar mais, Quissak?

Quissak – Está vendo aqui? Aqui, era uma veia alta, as minhas veias desapareceram, eu não tenho mais veia. As minhas veias eram todas, salientes, havia algumas com meio centímetro de altura. Destruíram todas, todas foram necrosadas. No hospital, necrosaram todas. Acabaram com a minha coluna vertebral. Eu estava com uma suspeita de ruptura no diafragma. O médico me levou ao hospital para tirar uma radiografia, mas eu falei para ele assim: olha faz uma radiografia desde aqui de

cima, que pegue daqui até os rins, assim pega o diafragma também, mas eu quero tirar uma dúvida.

No momento em que estávamos no laboratório, o médico radiologista me chamou: Quissak vem cá. Eu entrei no laboratório, ele me mostrou a minha radiografia. A minha coluna. As pessoas se queixam quando estão com bico de papagaio. Eu estou com bico de papagaio em todas as vértebras sem exceção, em todas. Estou com quatro vértebras deslocadas, fora do eixo, três vértebras macerando. Não quero falar de doença não, quero um milagre. Quero um milagre, eu preciso trabalhar. O que eu fiz até agora foi um ligeiro aprendizado. O que eu tenho para fazer, só tendo muita saúde. Eu quero saúde, quero a disposição de enfrentar 16, 20 horas seguidas de trabalho. São coisas que não podem ser interrompidas. Eu interrompo o meu trabalho de 15 em 15 minutos e depois de três horas, não aguento mais nada. Daí vem o desespero. Hoje, passei em desespero desde as quatro horas da manhã até as nove horas da manhã: cinco horas.

Olga - Você me deu aquele dia a chave desse milagre que você está procurando.

Quissak - Ah, mas eu fiz uma ressalva. Na minha vida, eu apliquei a minha vida no sentido de tentar observar e compreender os fenômenos e tentar dar o melhor de mim para tudo e para todos e sempre e sempre crer em Deus, mas não crer assim. Ter certeza, crer, enxergar, ver, sentir, viver, respirar, me alimentar dele 24 horas por dia. Só Ele existe, não existe mais nada que não seja Ele, só Ele existe. Então por isso, com relação a todas as pessoas da minha vida, consegui tudo, mas o preço que eu tive que pagar foi que eu não consegui nada comigo, eu não consegui nada. Eu só peço arrego como um pedinte.

Trabalhos prontos, tenho nas paredes. Tem alguma coisa num quarto lá em cima. Tem uma bobajada toda esparramada pela casa. Agora, o negócio, eu acho que é ir ao

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QUISSAK JR.

ateliê, o ateliê talvez inspire mais e a gente

faz o caminho ao contrário.

Tá tudo tão escuro aqui, esses spots não funcionam.

Olga – Nós trouxemos lâmpadas. Quissak – Olha é uma pena, é uma pena. Esse desenho é um desenho de que eu gosto muito, mas é uma pena que não dê para fotografar. A gente volta, a gente volta depois. Não reparem na minha roupa, eu não troquei porque eu só ando em casa com essas roupas. Eu achei que seria meio artificial, se eu colocasse uma roupa, especialmente.

São sete passarinhos, somos nós sete daqui de casa, e ele tá assim, eu não mexo, eu adoro teia de aranha. Não conhece a lenda do Malba Tahan: que o homem salvou uma pequena aranha na vida, mas foi o único bem que ele fez? Então, quando ele chegou no céu, não tinha nada para contar. Daí, lá pelas tantas, ele se lembrou que salvara uma aranha. É justamente ela que ia lançar para ele um fio para ele subir ao céu. Então ele foi pelo fio, mas quando estava no meio fio, viu uma multidão de pecadores tentando pegar o mesmo fio para subir, daí, nessa hora, brotou o egoísmo no coração e ele falou: saiam daí, esse fio é meu. Nessa hora o fio se rompeu.

Aqui a bandeira O Cristo em cima e o problema da horizontalidade, o problema da verticalidade. A melhor obra que eu fiz na vida, da série lá em cima, o Cristo sem a cruz, crucificado no próprio ar e essa mesa que a Teresa nunca pode saber, que eu tenho. Essa mesa foi do frei Galvão.

Olga – Se ela souber vai querer levar para o Museu.

Quissak – Essa aqui é a caixa de tintas do meu pai, aqui o tripé que era para ele se

sentar, aqui uma paleta de cimento, onde ele imprimiu a mão dele e o resto são as tranqueiras que as crianças me dão, que eu ponho todas aí, não desprezo nenhuma. Tudo tem uma pequena simbologia. Não há nada que não tenha simbologia: uma pedra polida, uma pedra quebrada, a cabeça da Justiça decepada, as garrafas comemorativas da saga da vida nossa. E as crianças quando iam no ribeirão ou no mar, por exemplo, catavam conchinhas e traziam pra mim, ou pedrinhas; eu guardo todas e arquivo todos os desenhos, rabisquinhos que eles fazem, tudo. Vou enchendo pastas, quando as pastas estão suficientemente cheias vão para os arquivos, naquele quarto.

Essa mesa aí eu chamo de Bateria do

Algures. A energia que emana daqui! Tem

pessoas que não conseguem sentar aqui, à noite não conseguem sentar, saem do lugar, não sentam, não aguentam. Os cães que eu tive, todos eles, ficam volteando à noite aqui, nesse lugar, saltando no mesmo lugar.

O problema é o seguinte: esse “ser, crer,

idealizar” é um polo, é o polo masculino; ousar, realizar e calar é o polo feminino, mas

eles existem no homem e na mulher ao mesmo tempo. Eles se complementam. O sétimo é o indivíduo que se projeta naquilo que faz. Aquilo que ele faz é o reflexo dele, é a luz que emana dele ou a sombra, ou é aurora ou é uma noite profunda. Ou é uma coisa que está consoante com essas seis palavras e compõem a sétima ou diluem as seis, por completo, por ser uma coisa negativa.

Olga – O que é aquele C que você põe com aqueles três pontos, Quissak?

Quissak – A minha assinatura real é um círculo. Agora isso em termos de arte, mas em termos pessoais não posso alimentar a presunção do círculo. O circulo é assinatura em termos de pensamento, em termos de filosofia. Então o círculo,

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para mim, é a imagem perfeita de tudo, do micro ao macro. Ele é o elemento mais representativo que existe, é a plenitude. Então é, ao mesmo tempo a unidade, não oferece arestas. Isso para efeito dos valores, para efeito filosófico, para mim não. Eu sou absolutamente imperfeito, então não é um círculo, é um C, é como se fosse um C, um círculo aberto. Os três elementos, os três pontos que compõem o triângulo, que é exatamente a minha condição de um ser imperfeito, portanto, poligonal, não totalmente circular.

Esse tríptico, essa trilogia é aquilo que eu chamo para ficar vizinha de mim, eu me inscrevo dentro dela para obter força dessa trilogia, desses três pontos. Esses três pontos poderiam ser: o bem, a verdade e a beleza; poderiam ser o Pai, o Filho e Espírito Santo; poderiam ser a onisciência, a onipotência e a onipresença; poderiam ser o um, o dois e o três e assim sucessivamente, todas as trilogias que se possam compor. Eu as coloco na minha vizinhança e me inscrevo nelas, na minha condição de imperfeição. Isso olhando isoladamente.

Agora em função do porquê eu as coloco na assinatura, às vezes, muito raramente debaixo da letra K, é porque o meu nome originalmente Quissak no lugar do K era C, era à moda francesa de Brissac, Lussac etc.. Então era Quissak com C, então por isso eu aproveitei e coloco ele em baixo.

Foi exposta, na VIII Bienal de São Paulo, mas formava polípticos. Era um conjunto enorme. Esse conjunto foi para os EUA, foi selecionado pelo presidente da Fundação

Interamericana para as Artes, e por um

famoso pintor americano, chamado Frank Stella. Levaram esse trabalho e os outros que compõem a série e durante cinco anos viajaram pelos EUA e pelos países da América Latina.

Olga – As camisas, você fez uns quadros também com elas?

Quissak - Fiz, os auto-retratos. Cheguei a fazer dez auto-retratos só com a camisa. Na verdade, quem sente mais o meu drama é a minha camisa e é absolutamente inconsciente, tudo nela é um registro.

Olga – Posso levar lá fora para tirar uma fotografia?

Quissak - Tenho mais colorida do que essa, lá em cima... Não. É a que eu usei por último. Essa aqui a Wilma lavou, por isso veio pra cá. Eu prefiro uma suja.

Olga – Já pensou, tudo isso que ele tem aí?

Quissak - O quadro só mostra mesmo aquilo que ele é, quando terminado. Mas o pulo do gato, eu criei por último. A coisa é a seguinte: todos os trabalhos meus têm sete etapas. Eu não pego um trabalho e vou do começo ao fim. Nunca fiz isso, a não ser no meu começo. Nessa época, eu ia do começo ao fim, produzindo porcarias, anos a fio. Então, agora não. Agora, faço uma coisa depois encosto. Quando ele quer eu pego e continuo e assim vou indo. São sete etapas e realmente ele só vai ser aquilo que eu desejo na sétima, se eu acertar, se eu errar eu perco tudo.

(**Sete é um número mágico.)

Sete é um número cabalístico, mas o meu número pessoal é 18.

*18 de 9 de 1935.

Eu faço as minhas contas.

Olga – Wagner, aquele quadro grande, que você fez, foi para a Bienal.

Quissak - Ah, que o Oto tem, que a criança está dormindo...

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QUISSAK JR.

Olga – Estava assim: nova versão de

18/09/35.

Quissak - Naquela época, eu escrevi demais nos trabalhos. Fiz centenas e centenas de pequenos desenhos, esboços, croquis, coisas rápidas. Foi uma noite, em que minha mulher estava no hospital. Naquela noite eu fiz 53 croquis, 53 esboços numa noite. E engraçado, eu não mexi nos 53, não procurei melhorar nada, só fiz passepartour, vidro e emoldurei. A maior parte deles está hoje na coleção do Gilberto Chateaubriand, filho do Assis Chateaubriand.

Olga – Ele fez uma exposição em São Paulo...

Quissak - Ele tem muitos trabalhos, tem uma coleção muito grande, muito grande! E foram todos, eu não fiquei com nada. Quer dizer, tudo o que eu estava sentindo, eu fazia. Se eu estava sentindo um negócio, por exemplo, extra-pintura, eu escrevia. Se era conta que eu estava fazendo, dívida que eu tinha, o que tinha a pagar. Se era um negócio transcendente, metafísico, filosófico, fosse lá o que fosse, eu escrevia.

Numa certa época, aprendi que o meu maior inimigo eram meus olhos. Os olhos são os maiores inimigos de todas as pessoas no que tange à fenomenologia visual. Então, resolvi tentar fazer uma higienização desse defeito meu da seguinte forma: mandei fazer solução de nitrato de prata a 5%, eu mandei fazer vários litros; então é água, é só água. Eu pegava os papeis, à noite, grandes folhas de papel, e desenhava com água, sem ver o que estava desenhando, eu não sabia o que estava desenhando, porque eu não estava vendo. No dia seguinte, quando o sol nascia eu estendia as folhas no quintal e os desenhos apareciam. Mas só que desses desenhos não restou nenhum, porque o próprio

nitrato de prata, com o passar das semanas, come o papel, corroi o papel.

Mas foi um excelente método que eu encontrei para soltar o braço, desinibir. É uma experiência interessantíssima, porque a gente cria aquilo mentalmente e o braço funciona como se fosse, vamos dizer assim, um terminal. O pincel, um eletrodo. Então há aquele processo de transferência. Nesse processo de transferência, os olhos são agentes muito severos, são críticos implacáveis e muitas vezes colocam em descaminho aquilo que está lá no íntimo da gente. Seria o sétimo véu.

A arte não é apenas um elemento representativo de uma coisa, ela não é uma depositária de uma situação formal. Nesse caso, ela deixa de ser arte para ser outra coisa, não é mais arte. Eu não me preocupava em atingir esses limites, eu me preocupava com a coisa simples, ali estava a parcela da humanidade que me era mais próxima: a minha família. Exatamente nessa época eu estava fazendo as bandeiras.

Em São Paulo, a violência do meio artístico não admitia, depois do que aconteceu comigo na VIII Bienal, que eu conseguisse varar o júri para a XIX Bienal. Quando eu consegui varar o júri para a XIX Bienal disseram que seria simplesmente absurdo se eu conseguisse por três vezes. Então o ambiente para mim era de um desafio insuperável. Eu não saberia onde buscar forças nem meios, e talento e gênio eu não tinha. Eu tinha capacidade de suar, de trabalhar, isso eu tinha. Então, enquanto eu estava fazendo os trabalhos pretos, minha mulher estava fazendo um tricô, um negocinho para uma das crianças, eu peguei uma folha de papel de embrulho de pão e fiz um croqui rápido dela.

(Interrupção: uma moça entra dizendo ter um senhor esperando na sala. )

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QUISSAK JR.

Quissak - Então, quando começaram a surgir visitas de fora para minha casa, porque eu me transformei num personagem curioso, todo mundo olhava tudo, mas... não davam nenhuma atenção para aquele pedacinho de papel que estava espetado no prego e eu estava à procura dele. Eu tenho um terceiro desafio e não tenho mais como. Eu atingi meus limites, não há como. Procurava em todos os cantos, entrava em profunda meditação. Nada adiantava. Repentinamente, dou de cara com aquele pedacinho de papel: é isso, e foi daí que tudo surgiu.

Desenhei minha família, desde minha mulher dando à luz a cada um dos meus filhos, desde rabiscos, croquis mal insinuados, dois ou três traços, até trabalhos enormes e tudo mais, como ele sendo uma parcela da humanidade. Aí se entra dentro de uma outra seara que se pode estabelecer uma tese, em que não se pretenda provar, mas estabelecer um paralelo entre a própria evolução da humanidade e os percalços da humanidade, para evoluir com a evolução do ser humano singular, a partir do momento que nasce e passa por todas as etapas do seu desenvolvimento e das do seu relacionamento com o seu semelhante e com o mundo que o cerca.

Estaria relatando essa própria história da humanidade através da evolução, do desenvolvimento dos meus próprios modelos, ou seja, da parcela da humanidade que me era mais próxima. Foi o que eu fiz até hoje. Tudo isso sempre com uma tônica. A tônica é esta: as crianças, as figuras estão sempre com os olhos fechados, os movimentos são todos movimentos absolutamente espontâneos, não existe um músculo retesado, não existe um momento de tensão, não existe ansiedade, não existe cólera, não existe ódio, não existe inveja, não existe nenhum sinal negativo na estrutura do ser. É uma paz absoluta e uma integração absoluta, independentemente da situação em que

eles se encontram, em perfeita harmonia com o universo.

Quando as pessoas veem falar comigo sobre certas coisas eu digo: olha, pára de falar, olha para o universo. O universo está todo em paz, é só você que não está em paz. O universo está aí como um referencial para o próprio ser humano nas mínimas coisas, não precisa ser um universo distante. No estágio histórico em que estamos vivendo, numa transição do século, em que os próprios homens se perguntam para onde vamos, o que vai acontecer, ou que tudo está colocado em cheque, como seria o homem do próximo século, do próximo milênio? Como seria a humanidade, como seria a educação, como ela deveria ser abordada?

Aquilo que hoje temos como ciências será reinfocado e revalorizado de maneira tal a reescaloná-las para estabelecer uma justa hierarquia de valores mais condigna com o ser humano. Tudo isso tem implicações sociológicas, implicações psicológicas, implicações políticas. Em última análise, aquilo que eu faço são pequeninas parábolas. Eu poderia, em lugar disso, querer dar um show daquilo que chamo de criatividade e eu faria com a maior facilidade, porque o fiz no passado e poderia fazê-lo hoje. Mas não me interessa. Porque? Porque eu não quero ser um atleta artístico, quero deixar apenas uma pequena mensagem.

Arte não é um processo olímpico competitivo, não há necessidade de grandes aparatos para que a arte possa ter valia. Mas a questão de poder observar, captar, sentir a singularidade da obra de um determinado autor só pode surgir, a posteriori, quando a visão é uma visão abrangente e se tem uma visão abrangente da obra, de todos os percalços e caminhos pelos quais essa obra passou para que, no conjunto, ela possa oferecer, já propiciando uma condição de síntese, oferecer condições para conclusões mais

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corretas, mais aproximadas. Se bem

que até hoje os historiadores, os estetas, debatem e polemizam sobre os autores do passado, das mais variadas formas até às vezes irreverentemente, aliás na maioria das vezes. Num ponto eu tento conservar minha paz , que felizmente é o meu céu, mas ao mesmo tempo é o meu inferno, paradoxalmente: é que para conservar o estado de graça do meu trabalho numa época de desgraça absoluta, me sinto tão acuado nos meus sentimentos, nas minhas sensações e em todos os flancos de qualquer célula minha, que é como se eu tivesse de pagar o preço de ver o meu espírito passar diariamente por uma máquina de moer espíritos para poder tentar sobreviver.

Não esqueça de uma coisa, eu preciso de um milagre.

Olga – Eu sei, você vai confiar, a gente vai ajudar e Deus vai lhe conceder.

Quissak - - Descobri, já faz muitos anos, que os elementos pronominais, as pessoas do singular, foram inventadas para serem postas em prática na linha horizontal do braço da cruz. Mas os pronomes plurais, no braço vertical. Existia uma correspondência entre a primeira pessoa no singular o eu-eu, tu, ele, nós, então o sinônimo do eu é nós, que o eu é profundamente egoísta. A palavra egocêntrica, apesar de ser muito repetida e ganhar muitos sentidos, tem o sentido de ser uma espécie de vértice para onde todo o universo converge, para aquela singularidade. E o movimento direcional, em termos de física, deve ser o oposto, ou seja, não é um ângulo que converge, mas é um vértice que se abre.

Referências

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