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Em meio a cartas e bibliotecas : a presença de romances no Brasil e na Rússia no século XIX

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

LARISSA DE ASSUMPÇÃO

EM MEIO A CARTAS E BIBLIOTECAS: A PRESENÇA

DE ROMANCES NO BRASIL E NA RÚSSIA NO SÉCULO

XIX

CAMPINAS,

2018

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LARISSA DE ASSUMPÇÃO

EM MEIO A CARTAS E BIBLIOTECAS: A PRESENÇA DE

ROMANCES NO BRASIL E NA RÚSSIA NO SÉCULO XIX

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Teoria e História Literária na área de História e Historiografia Literária.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Azevedo de Abreu

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação defendida pela

aluna Larissa de Assumpção e orientada pela Profa. Dra. Márcia Azevedo de Abreu

CAMPINAS,

2018

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem

Dionary Crispim de Araújo - CRB 8/7171

Assumpção, Larissa de,

As79e AssEm meio a cartas e bibliotecas : a presença de romances no Brasil e na Rússia no século XIX / Larissa de Assumpção. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

AssOrientador: Márcia Azevedo de Abreu.

AssDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Ass1. Bibliotecas. 2. Ficção romântica. 3. Cartas. 4. Brasil História Império -Séc. XIX. 5. Rússia - Historia - -Séc. XIX. I. Abreu, Márcia Azevedo de. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Between letters and libraries : the presence of novels in Brazil and

Russia in the Nineteenth Century

Palavras-chave em inglês:

Libraries

Romance fiction Letters

Brazil - History - Empire - Nineteenth century Russia - History - Nineteenth century

Área de concentração: História e Historiografia Literária Titulação: Mestra em Teoria e História Literária

Banca examinadora:

Márcia Azevedo de Abreu [Orientador] Bruno Barreto Gomide

Jefferson Cano

Data de defesa: 09-11-2018

Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária

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BANCA EXAMINADORA

Márcia Azevedo de Abreu

Bruno Barretto Gomide

Jefferson Cano

IEL/UNICAMP

2018

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora,

consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na

Secretaria de Pós Graduação do IEL.

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Agradecimentos

O processo de realização de um mestrado não é simples, e a minha trajetória contou com diversas surpresas, percalços, dificuldades, mas também muitas alegrias e realizações. Tive a sorte de contar sempre com a ajuda e o apoio de pessoas incríveis, sem as quais esse resultado final não seria possível.

Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, à minha mãe, Miriam, que desde cedo me apresentou aos encantos do mundo da leitura e dos livros, e sempre incentivou meu desejo de dedicar minha carreira ao estudo da literatura. Agradeço também ao meu pai, Pedro, pelo apoio constante e interesse pela minha pesquisa, que me motivaram a chegar até aqui. Sem vocês, nada disso seria possível.

Agradeço também ao restante da minha família, que me incentivou e encorajou em todos os momentos.

Ao meu namorado, João, que acompanhou de perto todas as etapas de pesquisa, análise de dados, apresentação em eventos e escrita da dissertação. Obrigada pelo companheirismo, pela ajuda com problemas relacionados à tecnologia e por todo o amor que me dá ânimo para seguir sempre em frente.

Às minhas amigas de infância, Nádia Moda, Gabrielle Laporte e Juliana Arielo. Obrigada por fazerem parte da minha vida por tantos anos e por terem acompanhado de perto tudo o que eu vivi nos últimos 15 anos.

Agradeço imensamente à minha orientadora, a Profa. Dra. Márcia Abreu, que há seis anos me apresentou ao universo da História do Livro e da Leitura e guiou meus primeiros passos no mundo acadêmico. Obrigada pelo acompanhamento constante, e por todas as ideias, sugestões, correções e discussões sem as quais a realização desta pesquisa não seria possível.

Ao Prof. Dr. Mário Frungillo e à Profa. Dra. Lilia Schwarcz, que participaram da minha banca de qualificação e fizeram valiosas contribuições e comentários que auxiliaram na finalização deste trabalho.

A todos os colegas do projeto A Circulação Transatlântica dos Impressos – a globalização da cultura no século XIX, dentro do qual essa pesquisa se iniciou. Todas as discussões, debates e exposições foram essenciais para o aumento do meu repertório de leitura e decisões sobre a pesquisa. Agradeço principalmente ao William Tognolo, Beatriz

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Gabrielli e Taís Franciscon, que me acompanharam em aulas, eventos e reuniões, e que viram de perto a escrita desta dissertação e deram valiosas opiniões sobre o seu conteúdo.

Aos funcionários da Fundação Biblioteca Nacional e do Museu imperial de Petrópolis, onde eu pesquisei os dados utilizados neste trabalho, e que me ajudaram em tudo o que foi necessário durante a etapa de investigação.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela bolsa de mestrado (processo nº2016/06129-3) que permitiu que eu me dedicasse exclusivamente a esta pesquisa por dois anos. Agradeço também o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

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RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar a presença de romances na biblioteca imperial do Brasil e da Rússia e em documentos pessoais deixados por membros da família imperial brasileira e russa entre 1855 e 1917. Por meio dessa análise, buscou-se compreender se as obras ficcionais, raramente associadas à nobreza pela historiografia, faziam parte do seu cotidiano e eram lidas por membros da aristocracia, bem como quais eram as opiniões que eles tinham sobre esses livros. Outro ponto investigado pela pesquisa se refere à circulação de romances entre Brasil e Rússia, países distantes geograficamente e diferentes culturalmente. Por meio da pesquisa em catálogos de bibliotecas públicas, foram analisadas as semelhanças e diferenças entre os títulos e autores presentes nesses dois locais. Para investigar essas questões, foram utilizados como fonte a lista de obras ficcionais pertencentes à Coleção Teresa Cristina da Fundação Biblioteca Nacional, os catálogos do Gabinete Português de Leitura (1906) e da Biblioteca Pública da Rússia (1901 e 1903), documentos, cartas e diários deixados pela família do imperador Pedro II, que atualmente fazem parte do acervo do Museu Imperial de Petrópolis e cartas e diários da família do imperador Nicolau II, e que hoje pertencem ao museu do Palácio Alexandre. Ao final da pesquisa, concluiu-se que tanto a nobreza do Brasil quanto a da Rússia possuíam romances em suas bibliotecas pessoais, e que menções a obras desse gênero eram comuns em cartas escritas por membros da família do imperador Pedro II, do Brasil, e Nicolau II, da Rússia. As opiniões emitidas sobre esses livros eram geralmente positivas, e sua leitura era associada a momentos de lazer e compartilhada com familiares e amigos próximos. Além disso, foram encontradas diversas semelhanças entre os títulos e autores mais presentes Gabinete Português de Leitura, na biblioteca de Odessa e nas duas bibliotecas imperiais, o que é um indício de que Brasil e Rússia faziam parte de um mesmo contexto de circulação internacional de impressos.

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ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the presence of novels in the imperial library of Brazil and Russia and in personal documents left by members of the Brazilian and Russian imperial family between 1855 and 1917. Through this analysis, the objective was to understand if the fictional works, rarely associated with the nobility by historiography, were part of their daily life and were read by members of the aristocracy, as well as what opinions they had about these books. Another point investigated by the research refers to the circulation of novels between Brazil and Russia, countries geographically distant and culturally different. Through the research in catalogs of public libraries, we analyzed the similarities and differences between the titles and authors present in these two places. The sources of this research were the list of fictional works belonging to the Teresa Cristina Collection of the National Library Foundation, the catalogs of the Portuguese Reading Office (1906) and the Russian Public Library (1903), documents, letters and diaries by of the Brazilian imperial family, which are currently part of the collection of the imperial Museum of Petropolis, and the diaries and letters of the Russian imperial family, that are part of the Alexander Palace Museum. At the end of the research, it was concluded that both the nobility of Brazil and Russia had novels in their personal libraries, and that references to these books were common in letters written by members of the family of the Emperor Pedro II of Brazil, and Nicholas II of Russia. The opinions expressed about these books were generally positive, and their reading was associated with moments of leisure and shared with close family and friends. In addition, several similarities were found between the titles and authors present in the Portuguese Reading Office, the Odessa Library and the imperial libraries which are evidence that Brazil and Russia were part of the same context of international circulation of printed novels.

Keywords: Brazilian Imperial Family, Russian Imperial Family, library, novel, letter, nineteenth century

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Sumário

INTRODUÇÃO _____________________________________________________ 11 CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO DAS FAMÍLIAS IMPERIAIS E A PRESENÇA DE ROMANCES NO CATÁLOGO DA BIBLIOTECA IMPERIAL DO BRASIL E DA RÚSSIA _______________________________________________________ 26

1.1FORMAÇÃO CULTURAL DOS LEITORES DA FAMÍLIA IMPERIAL DO BRASIL E DA

RÚSSIA ___________________________________________________________ 26 1.1.1 A Educação dos membros da elite portuguesa e brasileira ____________ 26 1.1.2 A Educação dos membros da elite russa ___________________________ 33

1.2ROMANCES QUE PERTENCERAM À BIBLIOTECA IMPERIAL DO BRASIL__________ 37 1.2.1 Autores e obras de maior destaque na biblioteca imperial do Brasil ____ 56 1.2.2 A Presença de romances no documento Livros pertencentes à sua Majestade a imperatriz e que se encontram em seu gabinete ________________________ 63

1.3 UMA COMPARAÇÃO ENTRE ROMANCES QUE PERTENCERAM À FAMÍLIA IMPERIAL DO

BRASIL E DA RÚSSIA _________________________________________________ 69 1.3.1 As Línguas e locais de edição de destaque_________________________ 70 1.3.2 Autores e obras nas bibliotecas __________________________________ 80

CAPÍTULO 2 – ROMANCES EM BIBLIOTECAS PÚBLICAS DO BRASIL E DA RÚSSIA _________________________________________________________ 85

2.1AS CIDADES DE ODESSA E DO RIO DE JANEIRO E A FORMAÇÃO DE DUAS DE SUAS BIBLIOTECAS PÚBLICAS _______________________________________________ 86

2.2UMA COMPARAÇÃO ENTRE OS CATÁLOGOS DA BIBLIOTECA PÚBLICA DE ODESSA E DO REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA ______________________________ 92

2.2.1 As Línguas e locais de edição, autores e títulos mais presentes em uma biblioteca pública da Rússia e do Brasil no século XIX____________________ 94 2.2.2 As Semelhanças e diferenças entre os autores e títulos mais presentes nas bibliotecas ______________________________________________________ 117

CAPÍTULO 3 – MENÇÕES A LIVROS E LEITURAS EM DOCUMENTOS PESSOAIS DAS FAMÍLIAS DO IMPERADOR PEDRO II, DO BRASIL, E

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3.1OESTUDO DOS DOCUMENTOS PESSOAIS DE MEMBROS DA FAMÍLIA IMPERIAL DO

BRASIL E DA RÚSSIA ________________________________________________ 127 3.1.1 As Visões sobre a prosa ficcional em cartas de membros das famílias de Pedro II e Nicolau II ______________________________________________ 128 3.1.2 Práticas de leitura e indicação de romances entre os membros das famílias de Pedro II e Nicolau II ___________________________________________ 136 3.1.3 Opiniões sobre determinados autores e gêneros ____________________ 147

3.2A LEITURA COMPARTILHADA DOS ROMANCES IVANHOÉ E A MORGADINHA DOS

CANAVIAIS PELA PRINCESA ISABEL E POR PEDRO II _________________________ 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS __________________________________________ 160 BIBLIOGRAFIA ___________________________________________________ 166

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Introdução

Dentro das pesquisas de História Cultural, diversos estudos têm sido realizados com o objetivo de entender a circulação das ideias e dos impressos, levando em consideração, entre outras coisas, o contexto em que eles foram produzidos e circularam. Roger Chartier, em seu texto “História e Literatura”, explica a importância de pensar o contexto e a materialidade de uma obra dentro desses estudos, que devem

dar (...) atenção às condições e aos processos que, muito concretamente, sustentam as operações de construção de sentido (na relação de leitura mas também em muitas outras) (...) [e] reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as ideias são descarnadas e (...) que as categorias dadas como invariantes, quer sejam filosóficas ou fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das trajetórias históricas.1

O autor propõe, assim, uma História da Literatura que considere as formas de canonização das obras, o contexto em que elas foram produzidas e as formas pelas quais elas foram lidas e adquiridas inicialmente. Dessa forma, é possível ter uma compreensão mais completa do que determinado livro representou no período em que circulou pela primeira vez e das formas pelas quais ele foi apropriado pelos leitores da época.

Com base nessa proposta, têm sido realizados diversos estudos que envolvem a produção, circulação e recepção de obras. Algumas dessas pesquisas foram desenvolvidas pelo grupo do Projeto Temático A Circulação Transatlântica dos Impressos – a Globalização da Cultura no Século XIX, dentro do qual este trabalho se inseriu. Esse projeto, que foi coordenado pela Profa. Dra. Márcia Abreu e pelo Prof. Dr. Jean-Yves Mollier e envolveu pesquisadores de quatro países diferentes (Brasil, Portugal, França e Inglaterra), teve por objetivo estudar os meios pelos quais os impressos circulavam e eram apropriados no século XIX e quais eram as práticas culturais inerentes a esses processos de circulação2. Esses estudos foram feitos com

1 CHARTIER, Roger. História e Literatura. In: CHARTIER, Roger. À beira da falésia: A História, entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: UFRGS, 2002.

2 Sobre a circulação de obras ficcionais e outros materiais impressos no século XIX, ver: ABREU, Márcia (org.). Trajetórias do Romance: Circulação, leitura e escritas nos séculos XVIII e XIX. Campinas: Mercado de Letras, 2008.

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base em fontes primárias, tais como anúncios de jornais, críticas, leilões, documentos da censura portuguesa, entre outros.

Uma das formas de abordar as bibliotecas nessas pesquisas é utilizar seus catálogos como fonte primária, pois estes permitem que, por meio da quantificação dos autores e títulos mais presentes nos acervos, bem como das línguas e locais de edição de destaque, seja possível obter indícios sobre a produção e a troca de materiais impressos entre diversos países no século XIX. Além disso, os catálogos podem revelar importantes informações sobre quais obras estavam disponíveis ao público que frequentava as bibliotecas.

Dentre os pesquisadores que utilizaram esse método para compreender as bibliotecas e o seu público estão Alexandre Paixão e Nelson Schapochnik3. Paixão, em sua tese Elementos

constitutivos para o estudo do público literário no Rio de Janeiro e em São Paulo no Segundo Reinado, utiliza os catálogos de 1858 e 1868 do Gabinete Português de Leitura como uma das

fontes para entender a circulação das obras de Alexandre Dumas entre uma parcela do público leitor carioca do século XIX. Parte dos dados que o pesquisador utiliza para analisar os catálogos foram retirados do trabalho de Schapochnik, que estudou a composição do acervo de bibliotecas públicas e gabinetes de leitura do Rio de Janeiro no século XIX. A partir da análise de alguns catálogos dessas bibliotecas, o pesquisador constata, entre outras coisas, que a prosa ficcional era um dos gêneros de maior destaque nesses estabelecimentos, e verifica quais autores e obras estavam presentes nesses acervos.

Dentre todos os estudos existentes até agora e que envolvem a história da formação de bibliotecas ou a análise de catálogos como fontes primárias para compreender a circulação de obras no século XIX, são poucos os que se voltam para os catálogos de bibliotecas particulares4, e mais raros ainda os que buscam compreender as bibliotecas pertencentes à elite da época,

3 PAIXÃO, Alexandro Henrique. Elementos constitutivos para o estudo do público literário no Rio de Janeiro e em São Paulo no Segundo Reinado. Tese (Doutorado em Sociologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. SCHAPOCHNIK, Nelson. Os jardins das delícias: Gabinetes literários, bibliotecas e figurações da leitura na corte imperial. Tese apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção de Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. Nicolau Sevcenko. São Paulo, 1999.

4 Ver: ANASTÁCIO, Vanda. “Bibliotecas Particulares e Problemas Concretos”. In: ANASTÁCIO, Vanda (org). Tratar, Estudar, Disponibilizar: Um Futuro para as Bibliotecas Particulares. Lisboa: Banco Espírito Santo, 2013. ABREU, Márcia. “Uma biblioteca particular, dois proprietários e nenhum perfil de leitor. Um estudo dos livros de Daniel Pedro e João Guilherme Christiano Müller”. In: ANASTACIO, Vanda (org.) Tratar, estudar, disponibilizar: um futuro para as bibliotecas particulares. Lisboa: Banco Espírito Santo, 2013, pp. 59 – 70. BESSONE, Tania. Palácios de Destinos Cruzados: Bibliotecas, homens e livros no Rio de Janeiro: 1870-1920. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. CHARTIER, Roger. A Ordem dos livros. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1994. HUARTE MORTON, Fernando. Las bibliotecas particulares españolas de la Edad Moderna. Revista de Archivos, Bibliotecas y Museos, t. LXI, nº 2, Julho-Dez, 1955, pp. 556-576. DADSON, Trevor, Libros, lectores y lecturas: Estudios sobre bibliotecas particulares españolas del Siglo de Oro. Madrid: Arco Libros, 1998.

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como as diversas famílias reais e imperiais que viveram no período. Também existem poucas pesquisas que se dedicaram a comparar a presença de obras de ficção em catálogos de bibliotecas públicas e particulares, ou a analisar a menções a essas obras em documentos pessoais deixados por leitores do período.

Foi para tentar preencher algumas dessas lacunas que o foco desta dissertação é a análise dos catálogos de bibliotecas públicas e privadas do século XIX, bem como dos documentos deixados por membros das famílias dos imperadores Pedro II e Nicolau II. Sendo assim, esta dissertação tem como objetivo responder às seguintes questões, que estão distribuídas nos três capítulos deste trabalho: 1) Os membros da realeza do Brasil e da Rússia possuíam romances em suas bibliotecas, apesar de esse gênero ser normalmente associado a mulheres e pessoas de estratos mais baixos da sociedade? Se sim, quais eram os autores, títulos e locais de edição mais presentes em seus catálogos, e como eles se relacionam ao contexto maior de circulação de impressos do século XIX? 2) Quais eram os romances mais presentes em bibliotecas públicas do Brasil e da Rússia do mesmo período, destinadas a um número maior de leitores? Quais são as semelhanças e diferenças entre esses catálogos e os das bibliotecas da nobreza, e o que elas podem significar? 3) Os membros das famílias de Pedro II e Nicolau II realizavam a leitura de romances? Se sim, quais eram os critérios utilizados por eles para julgar um romance como sendo bom ou ruim? Quais títulos, autores e edições fizeram parte do seu repertório de leitura, e como eles se inserem no contexto de circulação internacional de romances?

Em relação ao primeiro e segundo grupo de questões, acredita-se que o estudo de bibliotecas particulares pode ajudar a compreender quais livros circularam entre os membros das elites brasileira e russa, que tinham uma posição política e social elevada na sociedade da época, formações culturais amplas e diferenciadas, acesso a diversos materiais impressos e enorme poder de compra para realizar frequentemente a importação e aquisição de livros. O segundo conjunto de perguntas diz respeito à comparação entre esses dados e informações semelhantes, retiradas de catálogos de bibliotecas públicas dos dois países. Essa comparação trará indícios sobre quais eram as semelhanças e diferenças entre os livros que circulavam entre essa elite e as obras disponíveis em bibliotecas públicas do Rio de Janeiro e da Rússia, voltadas para um público numericamente mais amplo e que provavelmente incluía pessoas com um menor poder aquisitivo. Por fim, a análise do terceiro conjunto de perguntas revelará se há evidências da realização de leituras por parte da realeza e como essa leitura era realizada.

É preciso destacar que, dentro das fontes utilizadas nessa pesquisa e que serão descritas mais adiante, serão analisados apenas os dados relativos à presença de obras de prosa ficcional

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(que abrangem os romances, os contos e as novelas), pois esse gênero teve grande circulação no século XIX e atingiu grande parte do público amplo do período, que podia encontrá-lo em jornais (por meio dos folhetins), gabinetes de leitura e bibliotecas públicas, ou comprá-lo por meio dos diversos livreiros e leiloeiros que atuavam no Rio de Janeiro na época. O interesse especial pela prosa ficcional também se baseou no fato de que, apesar do seu inegável sucesso de público, esse gênero foi inicialmente muito mal recebido pelos críticos literários, pois não fazia parte das poéticas clássicas, atingia diversos tipos de público (incluindo mulheres e pessoas de baixa renda) e tratava de situações consideradas imorais, o que era visto como um “perigo” imenso para os leitores5.

Após o ano de 1836, quando se dá o início do romance folhetim6, a forma de avaliar as obras ficcionais mudou, pois os críticos literários passaram a valorizar outros elementos nos romances, como enredo e a originalidade da narrativa. Mas, ainda assim, esse gênero não é muito visado nos textos críticos publicados na imprensa nem nos currículos escolares até o final do século XIX. Segundo Valéria Augusti, o romance tornou-se parte do currículo das escolas francesas apenas em 1923, não sendo sua leitura obrigatória nas salas de aula da França durante todo o século XIX7. Sendo assim, ao longo desse século, o gênero continuou sendo, muitas vezes, associado ao público amplo e a um tipo de leitura destinada a momentos de ócio e lazer. Esse estudo buscará verificar a validade dessas ideias, analisando bibliotecas pertencentes à nobreza e suas práticas individuais de leitura.

Serão utilizadas as seguintes fontes primárias para compreender a presença de romances entre a elite: o catálogo de parte da Coleção Teresa Cristina, em que podem ser encontradas obras que pertenceram à biblioteca imperial do Brasil, a “Lista de livros pertencentes à Sua Majestade a imperatriz e que se encontram em seu gabinete”, a lista de alguns títulos que fizeram parte da biblioteca imperial russa e alguns trechos de documentos pessoais, como cartas e diários, escritos e trocados entre membros das famílias do imperador Pedro II, do Brasil, e do imperador Nicolau II, da Rússia. Para verificar as semelhanças e diferenças entre o acervo dos nobres e aqueles destinados a públicos numericamente amplos, serão utilizados, os catálogos

5 ABREU, Márcia; VASCONCELOS, Sandra; VILLALTA, Luiz Carlos; SCHAPOCHNIK, Nelson. Caminhos do Romance no Brasil: séculos XVIII e XIX. Disponível em: <http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/ensaios/caminhos.pdf>. Acesso em 30 de setembro de 2018.

6 Sobre o aparecimento do romance folhetim e as mudanças que esse gênero causou na forma de se criar, avaliar e ler as obras ficcionais, ver: MEYER, Marlyse. Folhetim: Uma História. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 7 AUGUSTI, Valéria. Trajetórias da Consagração: Discursos da critica sobre o romance no Brasil oitocentista. Campinas: Mercado de Letras, 2010.

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de 1906 do Real Gabinete Português de Leitura e dois catálogos da Biblioteca Pública de Odessa, publicados em 1901 e 1903.

A biblioteca imperial do Brasil fazia parte do palácio de São Cristóvão, moradia da família real portuguesa, que veio para o país em 1808, e das famílias de Pedro I e Pedro II. Após a Proclamação da República, em 1889, o imperador Pedro II doou ao Brasil todos os livros e coleções da família imperial, por meio de uma carta destinada ao seu advogado e procurador Silva Costa, enviada em 18918. Após a separação dos livros, cerca de 24.270 obras foram para a Biblioteca Nacional, onde hoje fazem parte da Coleção Teresa Cristina.

A biblioteca imperial, apesar de ser a maior biblioteca do palácio de São Cristóvão, não era a única – na moradia da família imperial, também existiam bibliotecas menores, formadas por membros específicos dessa família e localizadas em seus gabinetes pessoais. Esse é o caso da coleção de livros da imperatriz Teresa Cristina, esposa de Pedro II, que foi catalogada na lista de Livros à sua majestade a imperatriz e que se Encontram em seu gabinete9. Essa lista, manuscrita e não datada, contém as informações principais sobre algumas obras que pertenceram à imperatriz Teresa Cristina, consorte de Pedro II. Esse catálogo será analisado nesta pesquisa como fonte de compreensão sobre quais livros estavam mais próximos da imperatriz, que tinha o poder de controlar os títulos que entravam e saíam de seu gabinete pessoal. Dessa forma, será possível encontrar as semelhanças e diferenças entre as características gerais da biblioteca frequentada por todos que moravam em São Cristóvão e as da coleção privada da imperatriz que, certamente, tinha seus gostos e preferências pessoais de leitura, que provavelmente se refletiam em sua coleção pessoal de livros.

Ao analisar tanto o catálogo da biblioteca imperial quanto a lista de obras que pertenceram à imperatriz Teresa Cristina, é necessário considerar o histórico de formação das coleções de livros dos reis e a imagem que a biblioteca dos monarcas teve desde os tempos antigos. Se, muitas vezes, para o público amplo do período, os livros poderiam ser vistos apenas como objetos de leitura e entretenimento, na biblioteca dos reis estes objetos tinham muitas vezes um significado diferente. Segundo Petrucci:

o modelo constituído pela ‘biblioteca do príncipe’, símbolo de poder e modo de ostentação social e cultural e, ao mesmo tempo, local de estudo

8 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Typographie, Lithographia e Encadernação a vapor de Laemmert & C., 18.

9 O documento Lista de livros pertencentes à sua majestade a imperatriz que se encontram em seu gabinete pertence ao acervo de Manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional.

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e erudição, caracterizou-se no contexto como a base institucional peculiar de conservação da cultura letrada entre o século XVI e início do XIX10.

Roger Chartier faz uma afirmação semelhante, em seu livro Histoire de l’édition française. Ao escrever sobre a presença de obras literárias nas bibliotecas dos príncipes italianos, no século XV, o autor afirma: “Os príncipes do norte da Itália mantinham muitos livros em torno deles (...). Eles estão ligados a uma outra categoria de colecionadores, os grandes senhores ou pessoas coroadas, (...) amantes de livros belos, algumas vezes muito belos para serem lidos.”11

Essa prática de utilizar os livros como símbolo de poder e erudição, comum entre os nobres desde a Idade Média, se estendeu à família real portuguesa. Segundo Lilia Schwarcz:

A Real Biblioteca fazia parte dos louros e da própria representação oficial do Estado. Herdeira de muitos reinados, das vicissitudes e dos gostos de diferentes soberanos, a “livraria régia”, como era também conhecida, expressava o interesse dos monarcas portugueses pelo livro ou, ao menos, pelas vantagens políticas e simbólicas que um acervo como aquele trazia (...). O fato é que a Real Livraria personificava o orgulho nacional diante de sua cultura, assim acumulada, e enchia os olhos daqueles reis carentes de sinais que indicassem progresso num Império tão visivelmente distanciado do restante da Europa12.

É provável que essa visão sobre os livros e as bibliotecas, que predominou por tantos anos entre os membros da família real portuguesa, tenha permanecido quando ela veio para o Brasil e iniciou a biblioteca do Palácio de São Cristóvão. É possível, ainda, que esse pensamento tenha sido transmitido aos seus descendentes, membros da família imperial brasileira. Por isso, muitos podem ter sido os motivos que levaram os livros a entrarem para o acervo dessa biblioteca, não

10 PETRUCCI apud SHAPOCHNIK, Nelson. “Sobre a Leitura e Presença de Romances nas Bibliotecas e Gabinetes de Leitura Brasileiros”. In: ABREU, Márcia (org.). Trajetórias do Romance... Op.cit.

11 CHARTIER, Roger; MARTIN, Henri Jean. Histoire de l’édition Française. Paris: Fayard, 1989. No original: “Les princes du nord de l’Italie prêtaient beaucoup de livres autour d’eux (…). Eux-mêmes se rattachent à une autre catégorie de collectionneurs, très grands seigneurs ou têtes couronnés (…) amateurs de beaux livres, parfois trop beaux pour être lus.” Tradução minha.

12 SCHWARCZ, Lilia Moritz. A Longa viagem da biblioteca dos reis: Do Terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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necessariamente relacionados aos gostos e interesses de leitura de seus proprietários: muitas das obras podem ter sido adquiridas por serem raras ou especiais; podem ter sido ofertadas por delegações estrangeiras como parte da representação diplomática; podem ter sido doadas aos membros da família imperial pelos próprios escritores ou editores, interessados em atrair as benesses do imperador. Dessa forma, o acervo a ser estudado possivelmente possuía um caráter mais político do que pessoal, representando a cultura e erudição da nobreza e não seus gostos ou escolhas privadas.

Ainda que os livros tivessem sido obtidos em sua totalidade pelos membros da família imperial, não seria possível inferir que, apenas por se tratar de uma biblioteca particular, seu catálogo traria informações sobre preferências literárias. A pesquisadora Márcia Abreu mostra, em seu artigo “Uma biblioteca particular, dois proprietários e nenhum perfil de leitor”, como nem sempre um catálogo traz informações ou indícios sobre as leituras ou as preferências de seus proprietários13.

Existem alguns documentos, que serão abordados ao longo deste trabalho, que mostram encomendas de livros feitas pelos membros da família imperial, mas que não são comprovadamente fruto de escolhas pessoais de leitura.14 Ainda assim, esses documentos trazem indícios interessantes sobre os títulos e a materialidade das edições que circularam em ambientes frequentados pela elite. Um deles, intitulado “Gastos de Sua Majestade o imperador com livros”15, contém recibos de livrarias do Rio de Janeiro, com a lista de livros encomendada em nome do imperador Pedro II e pagos com o orçamento do palácio. No entanto, não é possível saber com certeza se esses livros chegaram a ser lidos pelos membros da família imperial, ou até mesmo a qual morador do palácio eles estavam destinados. A leitura de obras ficcionais por essa família pode ser confirmada apenas por meio do estudo de suas cartas e diários pessoais, que podem conter menções a livros, práticas de leitura e preferências literárias e cuja utilização nesta pesquisa será discutida mais adiante.

O outro catálogo a ser analisado nesta dissertação é o dos livros da família imperial russa, que hoje são propriedade da Biblioteca do Congresso, dos Estados Unidos. Como já mencionado anteriormente, esse catálogo servirá como fonte de comparação para a biblioteca da família imperial do Brasil, com o objetivo de verificar o caráter transnacional da presença de romances em bibliotecas no século XIX. Essa família da nobreza russa, que era composta

13 ABREU, Márcia. Uma biblioteca ... Op. cit.

14 Estes documentos estão conservados no Museu Imperial de Petrópolis – Coleção Grão-Pará. 15 Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Coleção Grão-Pará.

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pelos membros da dinastia Romanov, governou o país desde o século XVI. A moradia oficial dos seus membros desde 1754 foi o Palácio de Inverno, fundado pela imperatriz Catarina e que permanece preservado até hoje, como um museu de arte e cultura. Era nesse palácio que se encontrava a grande biblioteca da família imperial e também as coleções menores de obras, que eram mantidas por seus membros em seus gabinetes pessoais de leitura, como fazia a família imperial do Brasil. O pesquisador Igor Viktorovich Zimin, em seu artigo sobre as bibliotecas do palácio, escreve que apenas a imperatriz Catarina II possuía mais de 40.000 livros em sua biblioteca e seu filho, o futuro imperador Paulo I, possuía cerca de 1.15016. Porém, em 1837, o Palácio de Inverno pegou fogo e grande parte das coleções de livros foi perdida. Nos anos seguintes, os imperadores, imperatrizes e seus filhos continuaram a ter suas bibliotecas particulares que tinham seus cômodos específicos e separados dentro do palácio.

Além disso, Zimin traz indícios sobre a formação das bibliotecas: o pesquisador afirma que os membros da família imperial possuíam bibliotecários que se encarregavam de comprar livros para alimentar as coleções, mas que suas compras eram feitas de acordo com as “preferências dos monarcas”. Apesar dessa prática, os membros da família imperial também podiam adquirir seus próprios livros, encomendando-os aos livreiros e gastando, muitas vezes, grandes quantias nessas compras17.

Após o assassinato do imperador Nicolau II e de toda a sua família, em 1917, grande parte dos 69.000 livros que faziam parte das bibliotecas do palácio foi vendida para colecionadores de livros da própria Rússia e de outros países e instituições públicas18. Foi dessa forma que, em 1930, 1.300 livros, que faziam parte dessas coleções pertencentes às famílias do imperador Alexandre III e Nicolau II, chegaram aos Estados Unidos e hoje pertencem ao catálogo da Biblioteca do Congresso, onde os dados para essa pesquisa foram obtidos.

16 ZIMIN, Igor Viktorovich. БИБЛИОТЕКИ ЗИМНЕГО ДВОРЦА: КНИГИ, БИБЛИОТЕКАРИ, ИМПЕРАТОРСКИЕ СЕМЬИ (1762–1917 годы). [The Winter Palace Libraries: Books, librarians, imperial Families (1762-1917)]. Новый исторический вестник, n. 1 (43), 2015.

17 Alguns documentos da família imperial russa mostram que, no ano de 1856, apenas a imperatriz Maria Alexandrovna gastou 750 rublos em sua biblioteca. Ver: ZIMIN, Igor Viktorovich. Op. Cit. Segundo os pesquisadores Tracy Dennison e Steven Nafziger, nos anos de 1840, um oficial do estado da Rússia ganhava entre 250 e 700 rublos por ano, e um trabalhador temporário de São Petersburgo ganhava 500 rubos anuais. Com base nesses dados, é possível perceber que a imperatriz Maria Alexandrovna gastou uma quantia de dinheiro considerável em sua biblioteca. Ver: DENNINSON, Tracy, NAFZIGER, Williams. Micro-Perspectives of 19th

century Russian Living Standards. Massachusetts: Department of Economics, Williams College, 2007.

18 TROFIMOVA, DL. СУДЬБА БИБЛИОТЕКИ ИМПЕРАТОРА НИКОЛАЯ II В XX ВЕКЕ (ПРОБЛЕМА

РЕКОНСТРУКЦИИ). [O Destino da biblioteca do imperador Nicolau II no século XX: O Problema da reconstrução]. In: Международная научно-практическая конференция «Румянцевские чтения — 2018. [Conferência científica e prática internacional "Leituras de Rumyantsev - 2018"], 2018, Moscou. Anais da Conferência científica e prática internacional "Leituras de Rumyantsev – 2018”. Moscou: Russian State Library, 2018.

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Todas essas informações mostram como a biblioteca do Palácio de Inverno foi, como a biblioteca do palácio de São Cristóvão, alimentada por diferentes pessoas, que adquiriam seus livros a partir de fontes diversas e não necessariamente de acordo com seus gostos pessoais de leitura. Portanto, não é possível analisar essa pequena parcela da biblioteca e buscar por dados significativos sobre gostos literários ou sobre a totalidade do acervo, que foi construído ao longo de muitos anos e separado após a morte da família. Além disso, por se tratar da biblioteca de pessoas que, como a família imperial do Brasil, pertenciam à aristocracia do período, é preciso considerar que muito de seus livros podem ter sido adquiridos por seu valor simbólico, muito comum nas “bibliotecas dos reis”, ou recebidos como presentes de origem diversa, não estando no acervo exclusivamente para a realização de leituras.

Apesar dessas constatações, o estudo catálogo dos livros da família russa e brasileira pode trazer vestígios sobre a circulação de romances entre Europa, Brasil e Rússia no século XIX, além de permitir a identificação das semelhanças e diferenças entre alguns dos livros disponíveis para a leitura de membros duas famílias imperiais, que viveram em partes diferentes do mundo e em períodos muito próximos do final do século XIX.

É preciso frisar que as famílias imperiais do Brasil e da Rússia, apesar de terem seus acervos de livros comparados nesta dissertação, divergiam bastante entre si. Ambas possuíam diferente importância política e social no período, além de trajetórias muito distintas, desde o período da ascensão das dinastias Bragança e Romanov até o seu declínio, ocorrido no final do século XIX e início do XX. No entanto, nesta pesquisa, os membros dessas duas famílias estão sendo compreendidos como parte da elite de seus respectivos países e que, por isso, possuíam uma formação cultural distinta da dos leitores dos estratos médios e baixos da sociedade, a quem a leitura de romances foi associada pela historiografia. O estudo das obras em seus acervos permite, dessa maneira, verificar a existência de títulos de prosa ficcional entre a elite de dois países geograficamente distantes em um mesmo período.

Outro ponto importante a ser destacado é que o objetivo desta pesquisa não foi, em nenhum momento, reconstruir o acervo das bibliotecas imperiais, recuperando os títulos, edições e autores que fizeram parte dessas coleções. O que está sendo chamado de biblioteca imperial neste trabalho é, portanto, apenas uma pequena parcela das obras que foram adquiridas pelas bibliotecas dos palácios e estiveram próximas aos membros da realeza do Brasil e da Rússia. Esses dados representam uma amostra daquilo que foi o acervo de obras ficcionais desses locais, mas foram considerados representativos o suficiente para investigar a presença de romances entre membros da elite dos dois países estudados.

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Para compreender melhor o catálogo de livros pertencentes a duas famílias nobres do período e as semelhanças e diferenças que podem existir entre esses acervos e os livros disponíveis em bibliotecas públicas, os catálogos das bibliotecas imperiais serão comparados, como já mencionado anteriormente, ao catálogo da Biblioteca Pública de Odessa e ao do Gabinete Português de Leitura.

A Biblioteca Pública de Odessa é um estabelecimento localizado na Ucrânia, em um território que, no período estudado, fazia parte do império russo. Esse estabelecimento foi fundado no ano de 1830, em um período em que a Rússia passava por um momento de valorização da cultura e da literatura nacional, e foi formado principalmente por meio de compras financiadas pelo governo, doações de nobres russos ou ainda por intermédio de uma lei, que fazia com que fosse enviado para a biblioteca ao menos um exemplar de cada obra publicada em Odessa.

O Real Gabinete Português de Leitura, por outro lado, é uma biblioteca formada em solo brasileiro, no ano de 1847. Ele se localiza no Rio de Janeiro e, no momento de sua fundação, tinha por objetivo principal o enaltecimento da cultura e literatura portuguesas. Ele também poderia ser frequentado por qualquer tipo de leitor, desde que fosse paga a subscrição anual de 12$ réis. Por não possuir o mesmo objetivo e o acesso gratuito existente na biblioteca da Rússia, os catálogos desses dois estabelecimentos apresentam algumas diferenças, que serão exploradas ao longo deste trabalho.

Ainda assim, a comparação entre esses acervos permitirá que se verifiquem as semelhanças e diferenças entre as obras que circulavam entre um público numericamente amplo do império russo e brasileiro em um mesmo período. O levantamento desses dados é importante pois traz indícios sobre a difusão internacional dos romances e permite identificar se há pontos de contato entre os livros disponíveis para os nobres e para as pessoas comuns desses dois países. Sabe-se que, para um entendimento maior das obras que faziam parte do acervo de estabelecimentos públicos de grande alcance e com o mesmo objetivo, seria mais vantajoso utilizar os catálogos da Biblioteca Pública de São Petersburgo e da Fundação Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, que possuíam a mesma finalidade, sendo ambas as bibliotecas nacionais de seus respectivos países e abertas ao público sem a necessidade de subscrição. No entanto, a dificuldade em encontrar catálogos de um mesmo período desses dois locais fez com que se optasse pela análise dos acervos acima mencionados. Apesar das diferenças no modo de funcionamento, no público alvo e nos objetivos, esses dois estabelecimentos oferecem uma interessante base para a análise de quais obras ficcionais estavam em circulação em dois centros

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urbanos do Brasil e da Rússia no período, podendo ser lidas pelas pessoas alfabetizadas dos dois países. Além disso, a comparação entre os autores, línguas, locais de edição e títulos presentes nestes catálogos e informações semelhantes retiradas das bibliotecas da família imperial brasileira e da família do imperador Nicolau II permitirão que se verifique se existiam divergências significativas entre os romances que circulavam entre estratos diferentes das sociedades brasileira e russa.

Os catálogos de bibliotecas públicas, assim como as outras fontes que serão analisadas nesta dissertação, apresentam alguns limites que devem ser considerados. Não é possível afirmar, por exemplo, que seus livros representam o gosto do público amplo carioca e russo do período: afinal, seus acervos não eram formados diretamente pelos leitores, e sim pelos diretores dos estabelecimentos, bibliotecários e por meio de doações. Além disso, não é possível identificar com certeza qual seria o público leitor que frequentava essas bibliotecas: sabe-se que ele era formado por pessoas alfabetizadas, de diferentes estratos sociais. Ainda assim, a comparação entre os catálogos da biblioteca de Odessa, do Gabinete Português e dos livros das famílias imperiais permitirá a análise das semelhanças e diferenças entre o que compunha a biblioteca da elite e os livros pertencentes a bibliotecas mais amplas e frequentadas por um público muito maior e com formações culturais diferentes da nobreza.

Todas as comparações realizadas entre os catálogos da biblioteca imperial do Brasil e da Rússia e os do Gabinete Português de Leitura e da biblioteca de Odessa foram auxiliadas pela ferramenta CITRIM, um banco de dados online utilizado pelos pesquisadores do Projeto Temático de cooperação internacional A Circulação Transatlântica dos Impressos – A Globalização da Cultura no Século XIX, do qual esta pesquisa fez parte. Essa ferramenta colaborativa possibilita que os pesquisadores cadastrem os dados referentes aos romances encontrados em suas pesquisas (como o título, ano, autor e informações sobre suas diferentes edições e traduções) e os relacionem aos indícios de circulação estudados por eles (como catálogos de bibliotecas e de livreiros, inventários, leilões, críticas, anúncios em periódicos, entre outros). Dessa forma, esse banco de dados permite que os dados recolhidos pelos membros do Projeto Temático possam ser armazenados em um só lugar, e que todas as informações sobre a circulação dos impressos do século XIX seja compartilhada entre todos.

Além disso, o CITRIM possui uma ferramenta de “Busca Avançada”, por meio da qual é possível realizar diversas combinações entre todas as informações contidas no banco de dados. Selecionando os campos relativos ao ano de publicação, autor e catálogos de biblioteca, por exemplo, é possível descobrir quantos romances de Alexandre Dumas publicados até 1850

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estão presentes na biblioteca imperial e comparar esse resultado com o de outras bibliotecas, catálogos de livreiros ou anúncios do mesmo período. Essa ferramenta, apesar de, como todos os bancos de dados, conter apenas uma parcela dos indícios da circulação de romances no século XIX, representa uma maneira mais segura e prática de quantificar e analisar os dados e, por isso, foi utilizada nesta pesquisa para a verificação dos números de publicações, autores, línguas e locais de edição presentes nos acervos de bibliotecas estudadas e para a realização da comparação entre os catálogos da biblioteca imperial do Brasil e da Rússia e das bibliotecas localizadas no Rio de Janeiro e em Odessa.

Todas essas comparações e análises relativas aos catálogos das bibliotecas imperiais permitirão identificar quais eram as características gerais de seus acervos e qual o espaço ocupado por romances. Porém, restava saber se as obras ficcionais presentes nessas coleções particulares foram lidas pelos membros da elite brasileira e russa. Por isso, com o objetivo de compreender a leitura de romances por essas pessoas, serão analisados, neste trabalho, alguns trechos dos diários e cartas da família imperial brasileira, que fazem parte do acervo do Museu Imperial de Petrópolis, e de documentos semelhantes da família imperial russa, disponibilizados no site do Palácio Alexandre.

O estudo de cartas e documentos pessoais de leitores19 do século XIX pode trazer informações sobre suas práticas de leitura, além de auxiliar na compreensão do contexto em que determinada obra circulou e das suas formas de recepção pelo público leitor de diferentes países. Em seu artigo “Do Livro à Leitura”, Roger Chartier escreve sobre a importância de se criar uma história do Ler, que mostrará como “as significações dos textos, quaisquer que sejam, são constituídas, diferencialmente, pelas leituras que se apoderam deles”20. O autor também ressalta a importância de “dar à leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva,

19 A importância do estudo de documentos de leitores pode ser observada em alguns trabalhos, como é o caso da pesquisa de Robert Darnton sobre Jean Ranson, um leitor do século XIX que deixou cartas nas quais ele cita as obras que estava lendo. Estas cartas nos permitem entrar em contato com a visão que um leitor comum tinha das obras que circulavam em sua época, da maneira como ele lia, e a maneira com que trabalhava o conteúdo das obras. Esse estudo permitiu que o autor atestasse “a apropriação do rousseauismo pelo público provinciano às vésperas da Revolução”. DARNTON, Robert. “A leitura rousseauista e um leitor ‘comum’ do século XVIII”. In: CHARTIER, Roger et al. Práticas da Leitura. 2. ed. São Paulo: Estação da Liberdade, 2001. p. 143-176. Sobre os estudos de leituras e leitores, ver também: CHARTIER, Roger et al. Práticas da Leitura. Op. cit. BURGOS, Martine; EVANS, Christophe; BUCH, Esteban. Sociabilités du livre et communautés de lecteurs. Paris: BPI-Beaubourg, 1996. CHARTIER, Roger. Histoire de la lecture dans le monde occidental. - Paris: Seuil, 1997.

LÉVEILLÉ, Laure. De la Lecture populaire à la lecture publique. Eléments du débat politique et du discours

officiel sur les bibliothèques, 1878-1898. Paris: Université de Paris, 1988. LYON-CAEN, Judith. La lecture et la

vie. Les usages du roman au temps de Balzac. Paris: Tallandier, 2006. LYONS, Martyn. Le triomphe du livre:

Une Histoire sociologique de la lecture dans la France du XIXè siècle. Paris: Promodis, 1987.

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produtora”21 e de “pensar que os atos da leitura que dão aos textos significações plurais e móveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados no objeto lido”22.

Esse encontro de maneiras de ler, tanto coletivas quanto individuais, bem como a herança de práticas, repertórios e protocolos de leitura podem ser observados nas cartas e diários das famílias dos imperadores Pedro II e Nicolau II, escritos entre meados e final do século XIX. Nessas cartas, os membros das famílias escrevem sobre a forma como realizam as leituras (em voz alta ou em silêncio, sozinhos ou em grupo, em ambientes sociais ou privados, em algumas horas ou ao longo de meses, etc.), sobre a indicação e a troca de livros, e ainda sobre seus gostos pessoais de leitura, suas opiniões sobre personagens, enredos, gêneros e autores e suas interpretações dos romances.

As informações retiradas dos documentos das famílias imperiais podem trazer indícios sobre como determinado romance ou autor foi recebido no Brasil e na Rússia em períodos muito próximos e por pessoas de formação cultural ampla e de diferentes nacionalidades. Devido ao fato de as cartas estudadas nesta pesquisa serem documentos pessoais, íntimos e de pouca circulação (que visavam apenas ao interlocutor da carta, que era sempre uma pessoa do círculo familiar mais próximo), supõe-se que, neles, os autores retratem sua privacidade e seu cotidiano. É necessário, porém, considerar que o destinatário das cartas afeta o que nelas se diz, o que pode fazer com que as missivas das princesas para seus pais (que eram em grande parte responsáveis pela sua educação e disciplina) contivessem conteúdos e informações diferentes dos que elas compartilhariam com suas mães ou irmãs e não correspondessem exatamente a suas reais práticas de leitura (que poderiam incluir, por exemplo, a leitura de livros mal vistos na época e que, provavelmente, não seria compartilhada com o pai ou o restante da família). Além disso, é preciso levar em consideração que nem todos os documentos enviados pelos membros dessas famílias foram conservados e doados ao Museu Imperial de Petrópolis e que, portanto, não é possível ter uma visão completa sobre as trocas de experiências de leitura e opiniões sobre livros que foram transmitidas por meio desse suporte, dentro do período estudado.

É preciso considerar, também, os limites existentes na análise dos diários da imperatriz Teresa Cristina e dos imperadores Nicolau II e Pedro II. É muito provável que, por se tratarem de pessoas públicas, eles imaginassem que seus documentos pessoais um dia pudessem ser lidos

21 Idem. Op. Cit. 22 Idem. Op. Cit.

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além do contexto familiar e que, por isso, controlassem as informações e opiniões que revelavam por meio deles. Portanto, os imperadores e a imperatriz provavelmente pensavam cuidadosamente sobre tudo o que escreviam nestes documentos, ocultando aquilo que acreditavam que pudesse manchar sua imagem pública. Dessa forma, as práticas de leitura e menções a romances contidas nos diários não têm, necessariamente, uma correspondência real com a vida dessas pessoas: certamente, muitas das leituras consideradas de pouco valor não foram descritas e muitas das leituras de textos socialmente valorizados podem ter sido acrescentadas sem que tivessem realmente sido realizadas.

Todas essas informações serão levadas em consideração adiante, quando forem estudados os documentos pessoais desses membros da família imperial do Brasil e as suas cartas, enviadas entre 1860 e 1889. Nestes documentos, serão analisadas as menções a livros e leituras, a maneira como essas práticas se davam e as opiniões referentes a determinados romances e romancistas, que serão comparadas com outros estudos sobre a circulação de obras no século XIX. Uma análise mais aprofundada será realizada em relação aos relatos de leitura de duas obras: Ivanhoé, de Walter Scott e A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis, cujas leituras em conjunto, acompanhadas por troca de cartas, suscitaram diversas discussões literárias entre o imperador Pedro II e sua filha, a princesa Isabel. Os dados contidos nessas cartas permitirão acompanhar as opiniões pessoais de uma parcela da elite brasileira sobre alguns dos romances que circularam no século XIX, tornando possível perceber qual o ritmo de leitura, as preferências literárias e os critérios utilizados para a avaliação de romances por membros da família imperial.

Esses mesmos elementos serão buscados e analisados nas cartas enviadas pelo imperador Nicolau II, pela imperatriz Alexandra e pelas duquesas Olga, Tatiana, Maria e Anastácia entre 1895 e 1917, período posterior ao dos documentos dos membros da família imperial do Brasil. Com base na análise da correspondência das duas famílias, as suas práticas de leituras, troca de romances, indicações e opiniões sobre as obras serão comparadas, e suas semelhanças e diferenças serão utilizadas como forma de análise para verificar se, por viverem em países distantes e com culturas diferentes, a forma de ler romances desses membros da nobreza também sofria alterações.

Todas as análises contidas nesta dissertação estarão distribuídas em três capítulos. No primeiro, serão analisados a formação cultural de alguns membros da família imperial brasileira e russa, os catálogos de livros presentes em uma parcela da biblioteca imperial do Brasil, a Lista de Livros da Imperatriz Teresa Cristina e alguns dados sobre a biblioteca imperial da Rússia. O

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centro dessa análise será a quantidade de obras, a atualidade dos livros presentes nas bibliotecas, os autores e títulos em destaque e os locais e línguas de edição dos romances. Esses dados serão comparados entre si, verificando-se as semelhanças e diferenças entre os catálogos de duas bibliotecas pertencentes à nobreza do século XIX.

No segundo capítulo, será realizada a comparação dos catálogos de 1901 e 1903 da Biblioteca Pública de Odessa e do catálogo de 1906 do Real Gabinete Português de Leitura. Dessa forma, pretende-se identificar quais eram as semelhanças e diferenças entre os romances presentes no acervo de bibliotecas públicas e também entre os livros das elites do Brasil e da Rússia do século XIX. Esses dados trarão informações sobre a circulação de romances no período e permitirão a comparação entre os autores, títulos, línguas e locais de edição que se destacavam em cada um dos estabelecimentos.

Por fim, no último capítulo, serão analisados os trechos dos diários e cartas das famílias imperiais, que relatam práticas de leitura e opiniões sobre romances. A partir dessa análise, serão buscados indícios sobre preferências de leitura e serão realizadas comparações entre o que era lido por cada uma das famílias, com o objetivo de identificar como se dava esse contato de membros da elite com os romances.

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Capítulo 1 – A Educação das famílias imperiais e a presença de

romances no catálogo da Biblioteca imperial do Brasil e da Rússia

1.1 Formação cultural dos leitores da família imperial do Brasil e da Rússia

Para compreender melhor como eram os hábitos de leitura dos membros das famílias imperiais e a composição de sua biblioteca pessoal, é preciso entender como se deu a formação cultural e escolar desses leitores. Afinal, sua maneira de ler, os conteúdos que foram priorizados pelos seus tutores e as disciplinas que eles estudaram podem ter tido forte influência em suas práticas de leitura individuais ou em grupo, ou até em muitas de suas escolhas literárias.

1.1.1 A Educação dos membros da elite portuguesa e brasileira

A biblioteca imperial do palácio de São Cristóvão provavelmente começou a ser formada a partir do ano de 1808, quando a família real de Portugal se mudou para o Rio de Janeiro. Alguns dos habitantes do palácio, como Pedro I, Pedro II e suas respectivas esposas e filhos foram educados ao longo de todo o século XIX, período que será estudado nesta pesquisa.

Os herdeiros do trono de Portugal, pertencentes à dinastia dos Bragança, recebiam desde pequenos uma educação especial, como quase todos os príncipes e princesas das monarquias europeias do período. Dessa forma, Pedro de Alcântara de Bragança e Bourbon, filho do rei Dom João VI e primeiro imperador do Brasil, iniciou seus estudos com apenas 6 anos, quando ainda morava no palácio de Queluz, em Portugal. Segundo o historiador e biógrafo Paulo Rezzutti, os primeiros tutores de Pedro foram o matemático e astrônomo José Monteiro da Rocha e o frei Antônio de Nossa Senhora da Salete, que dava aulas de latim e literatura.23

A ação desses tutores não era completamente independente. Ainda segundo Rezzutti, a educação dos herdeiros do trono de Portugal era pautada por duas obras de pedagogia: os

Apontamentos para a Educação de um Menino Nobre (1734), de Martinho de Mendonça Pina

e de Proença, e o Breve Desenho da Educação de um Menino Nobre (1781), de José Caetano Brandão24. Essas obras têm por objetivo guiar a educação dos jovens príncipes, e seu conteúdo explica detalhadamente como deve ser a educação desses pequenos nobres: as informações

23 REZZUTTI, Paulo. D. Pedro: A História não contada. São Paulo: Leya, 2015. 24 REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: A História não contada. São Paulo: Leya, 2017.

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contidas nelas vão desde a alimentação das crianças e os exercícios que devem praticar até o modo como devem ser ensinadas e as disciplinas essenciais, que incluem a Gramática Latina, a Geografia, a História e a Matemática.

No que se refere às obras de ficção, mais especificamente às “novelas amatórias”, estas deveriam, segundo a obra Apontamentos para a Educação de um Menino Nobre, ser completamente vedadas aos príncipes, pois poderiam corromper os costumes. Nas palavras de seu autor:

He sem controvérsia que as Poesias, e Novellas amatórias se hão de occultar totalmente aos meninos, como summamente prejuduciaes, e que por nenhum pretexto se deve permittir semelhante lição, abominando a pureza da latinidade, que pode inficionar os costumes; e nesta matéria recomendamos a mayor severidade, e o mais exquisito melindre; porque nella se deve aos meninos mais delicado respeito, que a nenhuma dama.25

Pedro I foi, portanto, ensinado segundo esses materiais do século XVIII, que priorizavam os bons costumes e eram contra a leitura de romances pelos príncipes. Esse livro colabora com a visão que não associa os nobres à leitura de obras ficcionais, ligadas de alguma forma ao prejuízo do leitor. Essa visão do autor, apesar de não necessariamente ter ligação direta com as opiniões pessoais de Pedro I sobre obras ficcionais, pode ter influenciado sua visão sobre o gênero.

A educação da princesa Leopoldina Habsburgo, futura imperatriz do Brasil, também era pautada por um livro próprio. Segundo Rezzutti, as linhas de educação dos príncipes da dinastia Habsburgo foram reformadas por Leopoldo II, filho da imperatriz Maria Teresa e avô de Leopoldina26. Segundo as normas instituídas por ele, as crianças nobres deveriam ser criadas para a tarefa de governar. Os herdeiros também recebiam uma educação ampla: Leopoldina, desde cedo, passou a estudar leitura, escrita, alemão, francês, italiano, dança, desenho, pintura, história, geografia e música; em módulo avançado, matemática (aritmética e geometria), literatura, física, latim, canto e trabalhos manuais. Além disso, as crianças encenavam em

25 PROENÇA, Martilho de Mendonça de Pina. Apontamentos para a educação de hum menino nobre. Lisboa: Oficina de Joseph Antonio da Sylva, 1734. Disponível em: http://purl.pt/129. Acesso em: 01 out. 2018.

Em todas as citações existentes neste trabalho, foi mantida a ortografia original. 26 REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: A História não contada. Op. cit.

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récitas teatrais, óperas e balés, com o objetivo de perder a timidez e treinar para falar em público27.

No que se refere aos estudos de literatura, Leopoldina leu, em suas aulas, segundo o biógrafo Karl Oberacker, livros de diversos gêneros e épocas, como as obras de Cornelius Nepos, Titus Livius, Herder, Müller, Cervantes e Camões28. É difícil saber a opinião que a princesa tinha sobre as obras ficcionais. Sabe-se que, ao longo da vida, ela teve contato com alguns escritores como Goethe, de quem era amiga próxima e com quem se reuniu algumas vezes para a leitura de poesias e peças de teatro29.

Além disso, em 1817, logo antes de partir para o Brasil, Leopoldina escreveu, em francês, suas “Resoluções”. Esse documento continha algumas metas que a imperatriz queria manter durante seus dias, como ter uma hora regrada para se deitar e se levantar30, fazer leituras espirituais pela manhã31 e fazer atos de esperança e caridade32. Uma de suas resoluções diz respeito às leituras que ela não deve fazer: “Eu evitarei todas as leituras que são contrárias à nossa santa Religião, que ofendem a delicadeza de consciência e que excitam a sensualidade ou qualquer paixão”33. As palavras escolhidas pela princesa para falar desse tipo de leitura lembram o livro utilizado na educação de Pedro I, que aborda também o efeito que essas obras teriam sobre os leitores.

Dessa forma, é possível perceber que, apesar de terem sido educados em lugares diferentes, Pedro I e a imperatriz Leopoldina tiveram formações parecidas, em que estudaram disciplinas de todas as áreas do conhecimento e aprenderam a se manter longe de “leituras perigosas”. Sabe-se, porém, que existe uma distância entre o que é aprendido e o que se pratica: terem escutado de seus mestres que determinado tipo de leitura não era indicada certamente não impediria o casal de adquirir esses livros, que poderiam ser obtidos a partir de diversas fontes. Ainda assim, esses dados trazem indícios sobre o que os príncipes e princesas de

27 KANN, Bettina. “Apontamentos sobre a infância e a juventude de Leopoldina”. In: KANN, Betina & LIMA, Patrícia Souza (org.). D. Leopoldina: Cartas de Uma imperatriz. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.

28 OBERACKER, Karl. A Imperatriz Leopoldina, sua vida e sua época: Ensaio de uma biografia. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultural, 1973.

29 Idem,

30 “Mes Résolutions”. In: OBERACKER, Karl. Op. cit. No original: “Je tâcherai d’avoir toujours une heure reglée, pour me lever, et pour me coucher (…).” Tradução minha.

31 Idem. No original: “Je ferai tous les matins une meditation sur une lecture spirituelle.” Tradução minha. 32 Idem. No original: “Je produirai souvent des actes de foi d’espérance et de charité”. Tradução minha,

33 Idem. No original: “J’eviterai toutes les lectures, qui sont contraires à notre sainte Religion, que blessent la délicatesse de conscience, et qui excitent la sensualité ou une passion quelconque.” Tradução minha.

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diferentes lugares da Europa aprendiam e escutavam sobre a leitura de obras ficcionais em suas aulas e tornam mais fácil entender porque esse tipo de obra geralmente não é associada à elite. Pedro de Bragança, filho desse casal e futuro imperador do Brasil, também teve uma educação pouco associada à leitura de ficção. Pedro II foi nomeado imperador do Brasil depois da abdicação de seu pai, em 1831, quando tinha apenas 5 anos. Desde então, ele recebeu uma educação que abrangia todas as áreas do conhecimento: essa formação pode ter influenciado o gosto que ele ganhou pelos estudos e pela imagem de imperador inteligente, estudioso e culto, que prevalece em grande parte das biografias e outros trabalhos sobre esse personagem histórico.

Sua educação moral, após a morte da mãe, em 1826, ficou a cargo de dona Mariana de Verna Magalhães Coutinho, a condessa de Belmonte que, segundo a pesquisadora Marli Quintanilha, o educou com base recomendações de Dialogues sur l’Éloquence, de Fénelon. Essa obra, que dizia que os filhos deviam ser educados segundo o Catéchisme Historique, fez com que a Condessa elaborasse o Pequeno Catecismo Histórico, formado por 61 lições que resumiam os fundamentos da fé católica34. Dessa forma, o futuro imperador teve uma educação moral rígida e baseada na fé católica, como era comum aos monarcas de seu tempo.

No que se refere ao estudo de outras disciplinas, Pedro II teve dois tutores principais: José Bonifácio, escolhido por Pedro I, em 1831, mas afastado do cargo após dois anos, devido a acusações de que estava conspirando contra a Coroa; e o Marquês de Itanhaém, que se tornou então responsável pela educação desse soberano. Segundo Quintanilha, o imperador recebeu uma instrução enciclopédica, que normalmente era aplicada aos príncipes e, “assim, adquiriu noções de tudo: do conhecimento científico à equitação, música, dança, pintura e jogo. A educação literária foi também ininterrupta. Estudou, com afinco, as línguas vivas e mortas, falava inglês, francês, alemão, espanhol, italiano e provençal.”35

O marquês de Belmonte chegou a elaborar um texto com as 14 instruções para serem observadas pelos mestres do imperador na educação literária e moral de dom Pedro. Segundo Mozart Monteiro, essas instruções mostram como o marquês desejava que o monarca se tornasse um bom dirigente do seu povo e um homem culto, “não possuindo a cultural falsa dos conhecimentos inúteis, mas sim a cultura sólida dos conhecimentos exactos”36. Nota-se assim,

34 QUINTANILHA, Marli Maria Silva. A Educação e a ação político-educativa do imperador do Brasil, Pedro II. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2006.

35 Idem, p. 11.

36 MONTEIRO, Mozart. A Infância do imperador. Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, t. 98, v. 152, p. 32-44, 1927.

Referências

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