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Questões de gênero, violência letal contra mulheres e a lei do feminicídio

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Academic year: 2021

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GABRIELA TRINDADE

QUESTÕES DE GÊNERO, VIOLÊNCIA LETAL CONTRA MULHERES E A LEI DO FEMINICÍDIO

Ijuí (RS) 2019

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GABRIELA TRINDADE

QUESTÕES DE GÊNERO, VIOLÊNCIA LETAL CONTRA MULHERES E A LEI DO FEMINICÍDIO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador (a): Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2019.

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Dedico este trabalho, primeiramente, a Deus, pois sem ele em minha vida nada seria possível. Dedico a minha querida família que muito me apoiou, incentivou e acreditou em mim, especialmente, ao meu irmão, Diego, a minha cunhada Janice, que são inspirações e motivo de muito orgulho e a minha mãe que é à base de tudo. Também dedico a todos que de uma forma ou de outra me auxiliaram durante estes anos de jornada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Acima de tudo, agradeço a Deus pela coragem, persistência, vida e por nunca me abandonar nos momentos que até pensei em trancar a faculdade.

A minha mãe Teresinha, pelos seus cuidados, paciência, apoio e, principalmente, seu amor.

Ao meu irmão e a minha cunhada que sempre me ajudaram e apoiaram em todos os momentos dessa árdua vida acadêmica.

A minha orientadora, Prof Ester, mulher de garra, feminista, que luta e acredita em um mundo menos desigual, pessoa maravilhosa com quem tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, guiando-me pelos caminhos do conhecimento.

E a todos que, direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação e, ainda, colaboraram de uma maneira ou de outra durante a trajetória de construção deste trabalho. Meu muito obrigada!

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“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.” Boaventura de Sousa Santos.

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo analisar o contexto de violência contra a mulher, em especial a violência letal, avaliando o papel dos mecanismos legais protetivos, em consideração à lei do feminicídio. Para isso, propõe uma análise de questões históricas e de gênero, investigando de que modo o patriarcado e o machismo ainda repercutem na questão da violência contra a mulher. Com dados estatísticos, procura identificar o perfil de vítimas e agressores e examinar os mecanismos legais protetivos que buscam responder a essa realidade, oferecendo proteção e dignidade às vítimas. Destaca a importância do surgimento dos mecanismos legais, bem como políticas públicas como forma de segurança contra as ações do agressor. E, ainda, apresenta os índices de Feminicídio a partir da Lei nº 13.104/15, avaliando o nível de efetividade da referida norma.

Palavras-Chave: Feminicídio. Violência de Gênero. Maria da Penha. Feministas.

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ABSTRACT

This research aims to analyze the context of violence against the woman, especially lethal violence, evaluating the role of protective legal mechanisms, with special consideration to the law of Femicide. To this end, it proposes an analysis of historical and gender issues, investigating how the patriarchy and male still affect the violence issue against the woman. Statistical data seeks to identify the profile of victims, attackers and examine the protective legal mechanisms that seek to respond to this reality, offering protection and dignity to victims. It points out the importance of the emergence of legal mechanisms, as well as public policies like a form of security against the attacker‘s actions. It also shows the Femicide rates from Law 13.104 / 15, evaluating the effectiveness level of the referred standard.

Keywords: Femicide. Gender Violence. Maria da Penha. Feminist.

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Lista de Tabelas

Tabela 1 – Homicídio de mulheres no Brasil ... 63 Tabela 2 – Infográfico ... 64

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1. QUESTÕES DE GÊNERO, VIOLÊNCIA LETAL CONTRA A MULHER NO BRASIL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO E PREVENÇÃO. ... 14

1.1 Papéis de gênero, violência contra a mulher e lutas feministas ... 14

1.2 Violência contra a mulher no Brasil: aspectos históricos, dados estatísticos e perfil de vítimas e agressores ... 24

1.2.1 Modalidades de Violência ... 26

1.2.2 Perfil de vítimas e agressores ... 29

1.2.3 O Ciclo da Violência no casal ... 311

2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO E PROTEÇÃO À MULHER ... 411

2.1 Documentos Internacionais ... 434

2.2 O conceito de violência doméstica e familiar no Brasil a partir da Lei 10.886/04 ... 44

2.3 A Lei Maria da Penha e os mecanismos de prevenção à violência, proteção à mulher vitimizada e de responsabilização do agressor. ... 466

3 O DIREITO A IGUALDADE DE GÊNERO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E O RESPEITO À DIGNIDADE FEMININA ... 54

3.1 A categoria jurídica do feminicídio a partir da Lei 13.104/15 ... 58

3.2 Âmbito de incidência da categoria feminicídio – A questão da discriminação por razões de “sexo” feminino no art. 121, Parágrafo 2º-A ... 61

3.3 Índices de feminicídio a partir da vigência da Lei 11.104/15 ... 64

3.4 Lei do feminicídio como política de prevenção e de proteção a mulher contra a violência letal: considerações críticas. ... 68

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INTRODUÇÃO

A Lei 13.104/15, intitulada Lei do Feminicídio, foi criada com o propósito de tentar reduzir as taxas de homicídio feminino no Brasil. Olhando em uma perspectiva histórica, verifica-se que as mulheres sempre tiveram um papel inferiorizado perante os homens e o patriarcado, sendo que tal desigualdade coloca a mulher como objeto de dominação e do interesse dos homens. Destarte, para assegurar posições de poder e de superioridade, não é incomum que o sistema social recorra ao uso da violência em suas variáveis formas. Quando esta se volta para a mulher, se tem a chamada violência de gênero e, no ponto mais exacerbado, o feminicídio, objeto principal do presente estudo.

O debate em torno deste tema é de extrema importância por ser ele um problema atual e constante em nossa sociedade. Estatísticas indicam que o Brasil é o quinto país em mortes violentas de mulheres, sendo que esses assassinatos cresceram 30 % (trinta) em 10 (dez) anos, tendo uma média de 13 (treze) mortes por dia.

Acerca dos objetivos, o estudo baseia-se na análise do contexto histórico sobre o lugar da mulher na sociedade, bem como no papel do feminismo e das lutas das mulheres por direitos iguais aos homens, demonstrando a importância dos diferentes movimentos, em especial aqueles desenvolvidos a partir dos anos 70 (setenta) do século XX, que colocaram em evidência o lugar subordinado das mulheres na sociedade. Também apresenta as diferentes formas de violência que vitimizam as mulheres, seus impactos na vida familiar, bem como as diferentes políticas públicas desenvolvidas destinadas ao seu combate.

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Em um segundo momento, o trabalho propõe uma análise em torno da Lei do Feminicídio, que será estudada junto com a Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, para se melhor entender os diversos tipos de violência que a mulher sofre rotineiramente e que, em muitos casos, por força do crescimento da espiral violenta resultam em sua morte. O propósito é também evidenciar a importância de se nomear esse fenômeno que muitas vezes foi tipificado como simples homicídio.

Por fim, aprofundando o momento central da pesquisa, serão apresentados aspectos normativos da Lei nº 13.104/15, suas características e impactos na determinação das penas e da responsabilidade dos agressores, bem como no número de mortes de mulheres no país. Tal análise busca avaliar, se e em que medida, a lei do feminicídio tem se mostrado efetiva na proteção das mulheres contra essa forma de violência, que se mostra a mais radical e que, em regra, ocorre no âmbito doméstico e familiar.

Para o desenvolvimento da pesquisa, a metodologia utilizada foi a do tipo exploratório que usa no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização foi empregado o método de abordagem hipotético-dedutivo, com descrição e análise reflexiva dos dados e das informações apresentadas durante a construção do trabalho.

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1. QUESTÕES DE GÊNERO, VIOLÊNCIA LETAL CONTRA A MULHER NO BRASIL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO E PREVENÇÃO

O tema da violência contra a mulher tem sido, no contexto contemporâneo, um dos mais desafiadores e instigantes, especialmente, porque apesar dos avanços normativos das últimas décadas, identificam-se, no Brasil, crescentes níveis de violência letal (feminicídios), perpetuados em situação de violência doméstica e/ou familiar. Os avanços normativos mencionados foram fruto, principalmente, das lutas feministas que buscam há um século assegurar direitos às mulheres, consolidando a igualdade de gênero e libertando-as da violência e da opressão.

Tendo em vista tais questões, no presente capítulo, buscar-se-á discutir os fatos e dados relacionados a esta importante questão, procurando debater, relacionar e discernir esse contexto voltado ao cotidiano de muitas mulheres.

1.1 Papéis de gênero, violência contra a mulher e lutas feministas

Ao analisar a história da sociedade e das lutas feministas, observa-se que os principais temas de tais lutas referem-se ao reconhecimento e afirmação de direitos das mulheres e a superação da violência contra as mesmas, em especial aquela que se produz no âmbito doméstico e familiar. Neste campo, as discussões sobre os papéis de gênero construídos historicamente e as relações de subordinação e hierarquização entre homens e mulheres na sociedade, mostram-se muito importantes.

A palavra gênero vem criando cada vez mais perspectivas, seja em pesquisas científicas, seja no senso comum ou mesmo nas relações de trabalho. A importância desse assunto ganha bastante destaque quando se tratam de políticas públicas, em especial aquelas relativas ao enfrentamento da violência contra a mulher. Em contrapartida, quando se aborda o ―feminismo‖ não se tem essa mesma recepção e compreensão na sociedade, isso porque se construiu uma ideia de um tipo de

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―ameaça‖ das mulheres. Ao longo dos anos, a população foi desinformada sobre a real ideia do feminismo, que é a luta pelo reconhecimento e direitos iguais às mulheres. (GARCIA, 2015).

Por consequência,cabe frisar o que destaca Garcia (2015, p. 07):

É preciso ressaltar que, ao longo da história da sociedade ocidental, muitos discursos de legitimação da desigualdade entre homens e mulheres foram produzidos. A mitologia e as religiões são bons exemplos. Na Grécia Clássica e na tradição judaico-cristã, Pandora e Eva respectivamente desempenham o mesmo papel: o de demonstrar que a curiosidade feminina é a causa das desgraças humanas e da expulsão dos homens do Paraíso. Isto posto, é preciso mostrar a importância que o feminismo assume na sociedade, o que ele representa e como se relaciona com os papéis de gênero perante homens e mulheres, bem como na configuração de suas relações interpessoais. Neste aspecto, salienta Garcia (2015, p. 07):

O termo feminismo foi primeiro empregado nos Estados Unidos por volta de 1911, quando escritores, homens e mulheres, começaram a usá-lo no lugar das expressões utilizadas no XIX tais como movimentos das mulheres e problemas das mulheres, para descrever um novo movimento na longa história das lutas pelos direitos liberdade das mulheres. Esse novo feminismo visava ir além do sufrágio e de campanhas pela moral e pureza social buscando uma determinação intelectual, política e sexual. O objetivo das feministas americanas era um equilíbrio entre as necessidades de amor e de realização, individual e política, o que parecia algo muito difícil de conseguir.

Complementa, ainda, Garcia (2015, p. 08):

Desse modo, o feminismo pode ser definido como a tomada de consciência das mulheres como coletivo humano, da opressão, dominação e exploração de que foram e são objeto por parte do coletivo de homens no seio do patriarcado sob suas diferentes fases históricas, que as move em busca da liberdade de seu sexo e de todas as transformações da sociedade que sejam necessárias para este fim. Partindo deste princípio, o feminismo se articula como filosofia política e, ao mesmo tempo, como movimento social. Referindo-se ao feminismo e seu papel no processo de questionamento de todas as formas de opressão de gênero, Joice Graciele Nielsson (2018) observa que somente, a partir do início do século XX as teorias feministas passaram a desenvolver críticas consistentes, não apenas em relação as dimensões da

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desigualdade e da injustiça nas relações de gênero, mas também quanto às próprias teorias da justiça. Para a autora

O feminismo chega ao século XX vivenciando o que algumas autoras têm denominado a primeira onda feminista. Tal onda representaria o surgimento do movimento feminista, que nasceu como movimento liberal de luta das mulheres pela igualdade de direitos civis, políticos e educativos, até então reservados apenas aos homens. (NIELSSON, 2018, p. 133)

Para Nielsson (2018), os movimentos feministas do final do século XIX e início do século XX buscavam a transformação da condição da mulher na sociedade o que se daria, especialmente, pela possibilidade da participação política por meio do voto.

Existem muitas definições e correntes de pensamento sobre o feminismo, mas observa-se nelas um elemento comum, o de se constituir como teoria política e prática social, o que o leva a ser um movimento mais abrangente, à medida que converte a vida das mulheres que dele participam, levando-as a refletir sobre o ser mulher na sociedade e sobre as diferentes formas de dominação e violência a que estão submetidas. Para Garcia (2015, p. 09), o feminismo como prática social

[..] supõe dar-se conta das mentiras - pequenas ou grandes – em que a história, a cultura, a economia, os grandes projetos, os pequenos detalhes do cotidiano estão alicerçados Supõe enxergar os micro machismos, as pequenas manobras realizadas por muitos homens todos os dias para manter sob seu poder as mulheres e a estafa que supõe manter duplas ou mais jornadas de tarefas. Ser consciente de que estamos infra representadas na política e ver como a mulher é coisificada dia a dia na publicidade. Supõe saber que segundo a ONU uma em cada três mulheres no mundo já sofreu algum tipo de maus tratos ou abuso. (Garcia, 2015, p.09):

Constata-se, por conseguinte, que o feminismo produz uma espécie de modificação na vida das mulheres e as relações que possuem exteriormente. Garcia (2015, p. 10) traça com clareza o importante panorama que envolve o feminismo e as mudanças que espelham na sociedade:

O feminismo é uma consciência crítica que ressalta as tensões e contradições que encerram todos esses discursos que intencionalmente confundem o masculino com o universal.

O feminismo engloba muitas expectativas e muitas vontades operantes. Incide em todas as instâncias e temas relevantes desde as questões sobre os novos processos produtivos até os desafios impostos pelo meio

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ambiente. Sua importância é de tal calibre que não podemos conhecer todas as suas consequências, cada um de seus efeitos pontuais seja a diminuição na taxa de natalidade, a transformação industrial, a organização do trabalho. O feminismo é uma lanterna que mostra as sombras de todas as grandes ideias gestadas e desenvolvidas sem a participação das mulheres e muitas vezes à custa das mesmas: democracia, desenvolvimento econômico, Estado de Bem-Estar Social, justiça, família, religião. As feministas empunham esta lanterna com orgulho por ser a herança de milhões de mulheres que partindo da submissão forçada – enquanto eram atacadas, ridicularizadas, vilipendiadas – souberam construir uma cultura, uma ética e uma ideologia nova e revolucionária para enriquecer e democratizar o mundo. Esta é a luz que ilumina os quartos escuros da intolerância dos preconceitos e dos abusos.

Importante ressaltar sobre a cor adotada como símbolo pelo movimento feminista: o lilás. Trata-se de cor que homenageia 129(cento e vinte e nove mulheres) mulheres que morreram em uma tecelagem norte-americana no dia 08 de março de 1857 quando o dono da fábrica, diante da greve de suas funcionárias, ateou fogo no galpão com todas as mulheres presas dentro do prédio, as quais estavam trabalhando com tecido na cor lilás. Dá-se à data de Dia Internacional da Mulher devido a esse acontecimento. Ainda há várias outras versões, mas esta é dotada pelas feministas do mundo inteiro (GARCIA, 2015).

Segundo Garcia (2015), há uma análise rebuscada que a teoria feminista desenvolveu a partir de quatro conceitos-chave: androcentrismo, patriarcado, sexismo e gênero. Inicialmente, é importante debater sobre estes dois últimos. São pontos intimamente relacionados e que servem para embasar explicações sobre as sociedades contemporâneas, identificar modos de exclusão, compreender suas explicações e sugerir resultados para transformar essa realidade.

Garcia (2015, p. 14) explica com precisão o significado de sexismo:

O machismo é um discurso da desigualdade. Consiste na discriminação baseada na crença de que os homens são superiores às mulheres. Na prática utiliza-se esse conceito para qualificar atos ou palavras com as quais normalmente de forma ofensiva ou vulgar se demonstra o sexismo subjacente à estrutura social [...].

O sexismo se define como o conjunto de todos e cada um dos métodos empregados no seio patriarcado para manter em situação de inferioridade, subordinação e exploração o sexo dominado: feminino. O sexismo abarca os âmbitos da vida e das relações humanas. Ou seja, não se trata de costumes, piadas ou manifestações do poderio masculino em momento determinado, mas de uma ideologia que defende a subordinação das mulheres e todos os métodos utilizados para que essa desigualdade se

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perpetue. Um exemplo é a divisão da educação por sexos, constante na nossa sociedade que tem oscilado entre ensinar as meninas unicamente a costurar e a rezar até a proibição de ingressarem na universidade ou exercerem certas profissões.

Uma boa definição de gênero, sobre os conceitos-chave, é formulada por Garcia (2015, p. 15):

Quando falamos de gênero, referência a um conceito construído pelas ciências sociais nas últimas décadas par analisar a construção sócio histórica das identidades masculina e feminina. [..]

O conceito de gênero é a categoria central da teoria feminista. Parte da ideia de que o feminino e o masculino não são fatos naturais ou biológicos, mas sim construções culturais. Por gênero entendem-se todas as normas, obrigações, comportamentos, pensamentos, capacidades e até mesmo o caráter que se exigiu que as mulheres tivessem por serem biologicamente mulheres. Gênero não é sinônimo de sexo. Quando falamos de sexo estamos nos referindo à biologia – as diferenças físicas entre os corpos – ao falar gênero, as normas e condutas determinadas para homens e mulheres.

Deve-se evidenciar a importante diferença entre sexo e gênero, nas quais,

são determinantes, pois como seres culturais a biologia não interfere, principalmente, em nossas condutas. A teoria feminista busca proporcionar entendimento sobre tais questões. Joan Wallach Scott (1989) traz uma importante definição sobre gênero e sexo:

―Gênero, é como substituto de ―mulheres‖, é igualmente utilizado para sugerir que a informação a respeito das mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica no estudo do outro. Este uso insiste na ideia de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado dentro e por esse mundo. Esse uso rejeita a validade interpretativa da ideia das esferas separadas e defende que estudar as mulheres de forma separada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada a ver com o outro sexo. Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para as várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as ―construções sociais‖ – a criação inteiramente social das ideias sobre os papeis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de ser referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres‖. (SCOTT, 1989, p. 7).

Como se pode entender, a ideia de estudar gênero e sexo está interligada, e com isso, ao longo do tempo e dos estudos das feministas, vários conceitos e

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definições vêm sendo criados, modificados, tudo isso para ajudar as mulheres na sociedade.

O estudo das questões de gênero foi construído aos poucos. Nos anos 70, por exemplo, a ―mulher‖ era apenas representada por mulheres ocidentais, brancas, burguesas e heterossexuais.

Sobre a relevância do feminismo para a superação de tal perspectiva, Garcia (2015, p. 19) diz:

O feminismo dos anos 70 acreditava que se podia definir uma categoria chamada ―mulher‖ e que elas compartilhavam certas experiências e perspectivas trans históricas e transculturais e as práticas discursivas nos textos literários ou nas análises críticas procediam diretamente nessas experiências.

Coloca-se, somente, que a inclusão das mulheres no tratamento de todas as temáticas é um caminho que deve ser pautado por inclusão do debate, o ponto de vista dessas mulheres precisa ser inserido para a ampliação da discussão.

Ademais, ao discorrer sobre o feminismo, é interessante trazer sua evolução histórica. As ondas do feminismo tiveram seu marco inicial no XIX, sendo que os estudiosos a dividem em três grandes ondas. Essa divisão temporal põe como uma espécie de ponto inicial da evolução do feminismo o séc. XIX, ainda que se saiba que a evolução ocorreu antes, porém, sem essa terminologia de feminismo, colocada por autores como ―pré-feminismo‖ (ÊNFASE, 2019)

Garcia (2015, p. 20) cita as classificações das ondas do feminismo. A primeira onda teve seu marco com a obra de Poulain de La Barre e o movimento Revolução Francesa, a segunda onda teve seu início no século XIX e, por fim, a terceira onda abarca o movimento dos anos 60 e 70 e as novas tendências que nasceram no final dos anos 80. Garcia (2015, p. 38) descreve, de forma bastante elucidativa, a situação citada:

O texto de Poullin de La Barre Sobre a Igualdade entres os sexos, publicado em 1673 – em pleno auge do movimento das preciosas – é considerado a

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primeira obra feminista que se centra explicitamente em fundamentar a demanda pela igualdade sexual. Com essa obra, assistimos uma verdadeira mudança no estatuto epistemológico da querelle ou guerra entre os sexos: a comparação entre homens e mulheres abandona o centro do debate e torna-se possível uma reflexão sobra a igualdade.

Em sua obra, aplica os critérios da racionalidade às relações entre os gêneros. Antecipando-se aos iluministas, critica especialmente o apego aos preconceitos e defende o acesso ao saber às mulheres como remédio contra a desigualdade e como parte do caminho ao progresso que responde aso interesses da verdade. O filósofo publicou outros textos sobre o mesmo tema. Sua intenção era mostra como se pode combater a desigualdade sexual por meio da educação e quis desmontar racionalmente as argumentações daqueles que defendiam a inferioridade das mulheres.

Acrescenta, ainda, Garcia (2015, p. 28):

É de sua autoria a célere frase: ―A Mente não tem sexo‖, e inaugurou uma das principais reinvindicações do feminismo tanto naquela que se costuma chamar de primeira quando na segunda onda do feminismo: a educação. É preciso ressaltar ainda que La Barre desenvolveu uma ideia parecida ao que séculos mais tarde chamaríamos de discriminação positiva ou ação afirmativa. Ele parte da ideia de que as mulheres, como coletivo social, historicamente foram roubadas em tudo o que era seu: ―Além das várias leis que fossem vantajosas para as mulheres”.

Além disso, Garcia (2015) chama a atenção para o fato de a Revolução Francesa ser marcada pelo protagonismo das mulheres, em eventos Revolucionários e nas mais diversas causas pela igualdade sexual. A presença destas se deu nas mais diferentes esferas, seja no popularismo ou na composição na luta de batalha e o intelectual. Sendo representado na maioria das vezes por burguesas que reivindicavam direitos civis das mulheres, criação de jornais e grupos femininos com o propósito de exigências de direitos políticos.

Destarte, segundo esta autora, a segunda onda teve seu surgimento no século XX e pode-se afirmar que sua origem está atrelada a grandes movimentos sociais emancipatórios, como explica Garcia (2015, p. 51):

[..] o feminismo aparece, pela primeira vez, como um movimento social de âmbito internacional, com identidade autônoma e caráter organizativo. O ingresso das mulheres na cena política produziu-se sobre a base filosófica e jurídica da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão dos revolucionários franceses. Deve-se ressaltar, entretanto que, além do feminismo, outros movimentos sociais se desenvolveram para dar respostas aos enormes problemas que a Revolução Industrial e o capitalismo estavam gerando.

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Ao continuar, percebe-se, nas palavras da autora, a relevância da segunda onda do feminismo, e a grande ligação e, por que não dizer, complementaridade ao passado. Diz ela, (2015, p. 51):

O desenvolvimento das democracias censitárias e a industrialização crescente suscitaram enormes expectativas em relação ao progresso da humanidade. Rapidamente, essas esperanças chocaram-se frontalmente com a realidade. Por um lado, às mulheres eram negados direitos civis e políticos mais básicos, retirando de suas vidas qualquer possibilidade de autonomia pessoal. De outro, o proletariado - e as proletárias - ficava totalmente à margem da riqueza produzida pela indústria e sua situação de degradação e miséria converteu-se em um dos fatos mais ultrajantes da nova ordem social. Essas contradições foram o solo fértil das teorias emancipatórias e dos movimentos sociais no século XIX.

O horizonte ético-político do feminismo do período foi o igualitarismo entre os sexos e o da emancipação jurídica e econômica da mulher. A tendência igualitária predominou tanto na versão burguesa quanto na socialista (esta última mais atenta as condições de igualdade social e econômica do que política e civil), mas também existiram correntes que privilegiaram formas de luta e organização específicas e autônomas das mulheres.

No decorrer do século XIX, as feministas pleitearam não só seus propósitos individuais, como também aspectos inerentes aos direitos humanos e civis. Por esse ângulo, as lutas pela liberdade de pensamento, de associação, pela abolição da escravatura, da prostituição e pela paz (GARCIA, 2015).

Além disso, Garcia (2015, p. 57) chama a atenção para o fato histórico da luta do direito ao voto, com o movimento Sufragista:

O sufragismo foi um movimento de agitação internacional, presente em todas as sociedades industriais que tinha dois objetivos centrais: o direito ao voto e os direitos educativos. Levou oitenta anos para conquistar ambos, o que supõe três gerações de militantes. A política democrática deve ao movimento sufragista duas grandes contribuições: uma é a palavra solidariedade. Outra são Carla Cristina Garcia os métodos de luta cívica atuais. A palavra solidariedade foi escolhida para substituir o vocábulo fraternidade - que significa irmão homem. A outra é ainda mais importante. O sufragismo se viu obrigado a intervir na política a partir do lado de fora, chamando a atenção sobre sua causa e com uma vocação de não violência. Dessa forma teve que ensaiar e provar novas formas de protesto. E acertou. O sufragismo inventou manifestações, a interrupção de oradores mediante perguntas sistemáticas, a greve de fome e muitas outras formas de protesto. O sufragismo inovou as formas de agitação e inventou a luta pacífica que logo foram seguidas por outros movimentos políticos como o sindicalismo e o movimento em prol dos direitos civis.

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A terceira onda conta também com escritoras feministas, como por exemplo, Simone de Beauvoir, autora de ―O segundo Sexo‖, obra que foi classificada como pioneira da terceira onda. Nas palavras de Garcia (2015, p. 81), explica sobre o que trata a obra:

[..] nele se recorre boa parte dos temas com os quais o feminismo trabalha até hoje. A autora expõe a teoria de que a mulher historicamente tem sido considerada como a outra em relação ao homem sem que esse fato suponha uma reciprocidade, como ocorre no resto dos casos. Por exemplo: se para um povo, os outros são os estrangeiros, para estes estrangeiros, outros são os que lhes chamam assim. Ou seja, o sentimento de alteridade é recíproco. Com a mulher não ocorre isso. O homem em nenhum caso é o outro, ao contrário, ele é o centro, a medida e a autoridade - esta ideia será a que o feminismo chamará de androcentrismo: o homem como medida de todas as coisas. A autora utiliza a categoria de outra para descrever qual é a posição da mulher em um mundo masculino em que os homens são os detentores do poder e os criadores da cultura. Esta categoria é universal, uma vez que está em todas as culturas. Chega à conclusão de que a mulher precisa ser ratificada pelo homem a todo momento, o homem é o essencial e a mulher está sempre em relação de assimetria com ele. E desenvolve o conceito de heterodesignação, uma vez que considera que as mulheres compartilham uma situação comum: os homens lhes impõem que não assumam sua existência como sujeitos, mas que se identifiquem com a projeção que nelas fazem de seus desejos.

E, conclui Garcia (2015, p. 82):

O feminismo posterior não se dedicará apenas à reivindicação, mas indagará todas as ciências e disciplinas da cultura e do conhecimento como fez Simone. Para chegar às conclusões do primeiro volume, a autora estuda tanto as ciências biológicas quanto as humanas: da biologia ao materialismo histórico e traça um panorama da cultura ocidental pelos mitos. Conclui que não há nada de biológico nem de natural que explique a subordinação das mulheres, o que aconteceu é que a cultura deu mais valor a quem arriscava a vida - que é o que faziam os homens nas guerras e na conquista de novos territórios - do que quem lhes dava a vida - que é que o faziam as mulheres com seu poder de conceber. Depois desse trabalho de análise, inicia o segundo volume com a famosa frase: ―Não se nasce mulher, torna-se‖. O segundo sexo será o alicerce do feminismo dos anos 50 e se converteu no livro mais lido pela nova geração de feministas, constituída pelas filhas, já universitárias, das mulheres que obtiveram depois da Segunda Guerra Mundial o direito ao voto e à educação. Serão estas mulheres que protagonizarão a terceira onda do feminismo.

Nisto, a ideia de que não se nasce mulher, porém, se torna-se mulher, sendo mulher no sentido do gênero feminino, que é um processo social de tornar-se. A partir deste momento, passa-se a ter uma visão sobre a separação entre as categorias sexo e gênero. Essa obra é importante, pois será um primeiro passo para diversos estudos que, anos mais tarde, serão feitos.

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Desta maneira, quando se fala de solidão e lutas relacionadas a determinadas mulheres, abre-se ainda mais o olhar crítico do feminismo. É necessário compreender que aquilo que se é, e a forma como a sociedade enxerga é uma categoria de construção social, categoria política que rompe com os estigmas da naturalização das características sociais atribuídas a mulher (ENFASE, 2019).

Com isso, trabalham-se conceitos de identidade e de gênero, que, relembrando-se nada têm a ver com o sexo biológico, que é socialmente imposto e atribuído. Sobre a identidade de gênero fala-se do ―eu‖, de como a pessoa se enxerga. Neste caso, há, segundo Daniela Portugal (2019, s/p), basicamente, pessoas ―CIS‖, pessoas ―TRANS‖.

CIS gênero: - Entre pessoas, existe uma congruência entre o componente biológico (a genitália) e a expectativa social que se deposita a partir deste, e a identidade de gênero, por exemplo: nascida com uma vagina, se entende como mulher, significa dizer que é uma mulher ―CIS‖; pois a expectativa social que se deposita na genitália converge com a identidade gênero construída pelo sujeito.

―TRANS‖ gênero – Está-se diante de situações em que a identidade diverge da atribuição impositiva social que é o ―CIS hétero dominante‖. Desta forma, detém-se o componente biológico nos termos em que a sociedade trabalha, em divergência, por exemplo, a figura da ―mulher TRANS‖ e do ―homem TRANS‖.

―Mulher TRANS‖ – Nasce com pênis, porém se entende enquanto identidade como uma ―mulher TRANS‖, uma mulher que rompe com as expectativas sociais dominantes que foram depositadas contra a sua vontade.

―Homem TRANS‖ – Nasceu com uma vagina, todavia se entende enquanto homem, um homem, que se opõem às expectativas sociais que foram depositas em sua genitália. Portanto, existem pessoas ―CIS‖, mulheres ―CIS‖ e homens ―CIS‖, que se identificam conforme sua genitália, e mulheres e homens ―TRANS‖.

Um ponto importante a destacar, com relação ao feminismo, é sua ligação com questões que envolvem direito, gênero e violência. Um dos grandes problemas que envolvem essas três temáticas é a grande injustiça contra certas questões de gênero, uma vez que, em nome do Direito, por exemplo, mulheres foram criminalizadas e ainda o são nos dias atuais. Um exemplo refere-se a criminalização do auto aborto, por exemplo, este é um tipo especificamente voltado contra mulheres. (ÊNFASE, 2019)

Como se vê, os movimentos feministas contribuíram decisivamente para a consolidação de uma estrutura normativa mais igualitária. A luta pelos direitos das

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mulheres permitiu a incorporação, em nível constitucional, por exemplo, da garantia da igualdade de gênero, com seus diferentes impactos, seja no campo familiar, social ou trabalhista. Além do texto constitucional, diferentes normas protetivas, em especial aquelas que referem-se a proteção da mulher contra atos de violência, foram produzidas visando assegurar, na prática, o respeito a dignidade das mulheres. Neste aspecto devem-se destacar as diferentes conquistas, no âmbito do sistema jurídico, visando o reconhecimento efetivo da igualdade, o que nem sempre se traduz numa realidade de menos violência e opressão contra as mulheres.

Exemplo disso é que a partir da Lei Maria da Penha, houve o êxito na redução do número de assassinatos de mulheres brancas, mas paralelo a isso, o crescimento no número de assassinatos de mulheres negras, dados coletados pelo fórum de segurança pública. Pensar os dados político-criminais e normas jurídicas a partir de um olhar feminista fornece um olhar mais atento para determinadas problemáticas (AGÊNCIA BRASIL, 2019)

1.2 Violência contra a mulher no Brasil: aspectos históricos, dados estatísticos e perfil de vítimas e agressores

Pode-se perguntar por que os comportamentos violentos no âmbito das relações sociais e familiares são, incontestavelmente, mais frequentes nos homens. Para responder a essa questão, diferentes modelos foram propostos. Segundo Hirigoyen (2006, p. 120):

Os primeiros estudos sobre violência doméstica tentaram estabelecer um fundamento neurológico para os comportamentos violentos‖ tendo por base a ideia de ―[...] uma localização cerebral específica da violência‖. A autora menciona que estudos demonstram que ―[...] em nível endócrino, uma taxa elevada de testosterona, o hormônio masculino, pode levar à violência, e que os neuromediadores cerebrais, como a seretonina, têm um papel a desempenhar‖. No entanto, nenhuma ―[...] explicação biológica pode esclarecer por que os homens violentos o são exclusivamente com sua parceira mais íntima e porque a maior parte deles nunca é violenta fora de casa.

Para entender tal contexto de violência, é preciso analisar aspectos sociológicos e culturais, em especial o modo como as meninas e os meninos são criados, começando pela família e pela escola. Não é incomum que o menino seja

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estimulado a aprender que ser ―valentão‖ é ser ―homem‖, e esse tipo de violência acaba sendo defendida, enquanto as meninas são ensinadas a evitar a violência, pois se são brigonas ou ―agressivas‖ são vistas como meninas com atitudes de meninos. Esse tipo aprendizagem diz respeito aos papeis sociais que são distribuídos, na cultura, de forma desigual, atribuindo aos homens uma posição de poder e autoridade. Para as ―[...] mulheres sobra o comportamento ―doce‖ e ―fragil‖‖. Passando a se ter ao longo de toda história de que o digno, e apreciável de admiração tem a ver com o domínio masculino, ao mesmo tempo em que, tudo que é frágil, desprezível ou indigno faz parte do universo feminino. (HIRIGOYEN, 2006).

Para Hirigoyen (2006, P. 124), outro importante ângulo a ser analisado é a questão da aprendizagem social. De acordo com essa teoria,

os comportamentos violentos são adquiridos por observação dos outros e se mantêm quando são valorizados socialmente. Quando um homem é educado por um pai violento, sua organização intrapsíquica é modificada, e o recurso à violência passará a fazer parte de seu modo de viver. Ele irá adquirir o hábito de reagir com violência todas as vezes que sentir necessidade de aliviar suas tensões internas ou de se valorizar. Em seguida, se seus atos violentos não receberem sanções, não há razão para que eles não se reproduzam, e é o que naturalmente acontece. Basta que ele não lhe oponha resistência uma vez que o ato permaneça.

Referindo-se à questão da violência contra a mulher, Maria Berenice Dias (2019, p. 33) traz dados sobre esta triste realidade.

Segundo o relatório da Organização Mundial da Saúde – OMS, a maioria da violência cometida contra a mulher ocorre dentro do lar ou junto à família, sendo o agressor o companheiro atual ou o anterior. E o pior. As mulheres agredidas ficam, em média, convivendo um período não inferior a dez anos com seus agressores. A enorme dificuldade de as mulheres denunciarem a violência de que são vítimas decorre de dependência emocional, muito mais do que da financeira, que têm com relação ao agressor. É a chamada síndrome de Estocolmo, em que, nas situações abusivas, qualquer gesto positivo do causador da dor e do medo gera um sentimento de gratidão, um vínculo de cumplicidade.

No âmbito das relações domésticas este sentimento recebe o nome de síndrome da mulher agredida . A vítima crê não poder escapar da situação em que se encontra. Pequenos atos de bondade por parte do agressor – sejam eles reais ou percebidos – geram a esperança de que o arrependimento é real e que a violência vai cessar.

Segundo o Balanço de 2016 publicado pela Secretária de Política para as Mulheres, em 1980, é que se começou a levantar o número de feminicídios. Até 2013, 106.093 (cento e seis mil e noventa e três) pessoas morreram por sua

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condição de ser mulher. Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde – OMS, a taxa do Brasil é a quinta maior do mundo. No ano de 2016 o número de relatos de violência contra a mulher saltou, assustadoramente, para 140.350, (cento e quarenta mil trezentos e cinquenta) sendo que 50,7% (cinquenta vírgula sete por cento) dizem respeito à violência física, 31,8% (trinta e um vírgula oito por cento) à violência psicológica, 6,01 % (seis vírgula zero um por cento) à violência moral, 1,86% (um vírgula oitenta e seis por cento) à violência patrimonial, 5,05% (cinco vírgula zero cinco por cento) à violência sexual, 4,35% (quatro vírgula trinta e cinco por cento) ao cárcere privado e 0,23% (zero vírgula vinte e três por cento) ao tráfico de pessoas. (BIANCHINI, 2018).

Em 2011, a Fundação Perseu Abramo realizou a mais completa pesquisa já realizada no país. Alguns resultados: a grande maioria dos homens considera que ―bater em mulher é errado em qualquer situação‖ (91%). Embora apenas 8% diga já ter batido ―em uma mulher ou namorada‖, um em cada quatro (25%) sabe de ―parente próximo‖ que já bateu. Metade (48%) afirma ter ―amigo ou conhecido que bateu ou costuma bater em uma mulher‖. (DIAS, 2019).

1.2.1 Modalidades de Violência

A Lei nº 11.340/06, Maria da Penha, definiu em seu artigo 5º, o conceito e as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, sujeitas a competência dos juizados especiais de violência familiar.

Art. 5º Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

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A violência doméstica ocorre no âmbito doméstico, familiar ou de intimidade, com isso a vítima torna-se mais ―frágil‖ e menos propensa a denunciar, ao passo que o agressor aproveita-se de sua hipossuficiência.

Alice Bianchini (2018, p. 35), explica :

Há que ressaltar, ainda, ainda que a violência de gênero é uma espécie de violência contra a mulher que, por sua vez, é uma espécie de violência doméstica.

Três destaques devem ser elaborados em relação dispositivo: a) unidade doméstica: de acordo com a Lei, representa o espaço de convívio permanente de pessoas, não abrangendo, por exemplo, a mulher que foi fazer uma visita (amiga de um dos familiares) ou fazer entrega domiciliar de algum produto; b) não se exige o vínculo familiar; c) abarca as pessoas esporadicamente agregadas: incluem-se, assim, as mulheres tuteladas, curateladas, sobrinhas, enteadas e irmãs unilaterais

De acordo com o artigo 5º, II da Lei, a violência no âmbito da família compreende ser aquela cometida entre pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Assim, considerada a comunidade familiar formada por pessoas que são ou consideram-se parentes, unidos por laços naturais ou afinidade.

É importante destacar sobre o próximo inciso, que no ano de 2012, o STF decidiu no sentido de que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada para relações de namoro.

Em 2017, o STJ constituiu a Súmula nº 600, especificando sobre o requisito coabitação: ―Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima‖.

Pode-se destacar, sobre tal questão, o posicionamento da Autora Alice Bianchini (2018, p. 47):

Havendo uma relação de namorados, ex-namorados, ainda que sem coabitação(Súmula 600 do STJ), aplica-se a Lei Maria da Penha. O mesmo se dá para a relação entre amantes. Nessas situações, o que a Lei Maria da Penha exige é uma relação íntima de afeto‖.

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E, ressalta-se também, para ser considerado do gênero feminimo não imperiosamente deve se tratar de sujeito mulher, mas de qualquer cidadão que com este gênero se identifique, e na categoria deste gênero esteja em afinidade de poder, lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, que detenham identidade social com o sexo feminino estão ao amparo da Lei.

Para analisar a violência letal contra as mulheres já foram realizados diversos estudos, mas talvez um dos mais completos seja o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil, que foi feita pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com o auxílio do escritório no Brasil da ONU Mulheres, da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. (WAISELFISZ, 2015)

O trabalho tem como fundamental fonte de dados para análise o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS). O centro do Mapa 2015 é a violência letal contra mulheres e as declarações de óbitos empregadas como origem para classificar os homicídios não fazem alusão aos autores da violência. O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, aponta de forma compulsória desde a Lei nº 10.778/2003 os atendimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde diante da suspeita de violência contra as mulheres que demandam atenção médica no sistema. (WAISELFISZ, 2015)

Mais tarde, inclui-se um estudo sobre os atendimentos realizados pelo SUS no ano de 2014, por UF idade da vítima, agressores, tipos de violência, local da agressão, reincidências e encaminhamentos realizados.

Segundo o Mapa (WAILSENFISZ, 2015) entre os 4.762 assassinatos de mulheres cometidos em 2013 no Brasil, 50,3%, foram cometidos por familiares, por conseguinte, 33,2 % são executados por parceiro ou ex. Essas quase 5 mil mortes simbolizam 13 homicídios femininos por dia no ano de 2013.

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Entre os anos de 1980 a 2013 o número de vítimas mulheres assassinadas foram 106.093 brasileiras, e, de 2003 a 2013, o número de vítimas do sexo feminino, aumentou de 3.937 para 4.762, ou seja, mais de 21% apenas em uma década. (WAILSENFISZ, 2015)

De acordo com o Mapa da Violência (WAILSENFISZ, 2015), enquanto os homicídios masculinos acontecem na rua e o domicílio não tem muita visibilidade como local do crime, os homicídios femininos se dão, na maior parte dos casos na residência da vítima. Mesmo considerando que 31,2% ocorrem na rua, a moradia da vítima como local do assassinato, aparece em 27,1% dos casos, o que aponta que a casa é um local de alto risco para as mulheres.

Nos homicídios em geral, os objetos mais usados são armas de fogo e os instrumentos cortantes e contundentes. Ao passo que, para os homens as mortes são predominantemente originadas por tiros (73,2% dos casos), no quadro feminino essa ocorrência é inferior, 48,8%. Agora o uso de utensílios como facas e paus são constantes nos homicídios femininos o que, de acordo com especialistas, pode significar crimes de ódio ou por motivo fútil. (WAILSENFISZ, 2015)

Inúmeros estados brasileiros apresentam um elevado número de incidência de morte de mulheres na década. Roraima, onde as taxas mais que duplicaram (343,9%), ou Paraíba, onde mais que triplicaram (229,2%). Por volta de 2006, com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, e 2013, cinco estados registraram uma queda nas taxas Rondônia, Espírito Santo, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro. (WAILSENFISZ, 2015)

O Mapa da Violência mostra, da mesma forma, que a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou em 54% em dez anos, percorrendo de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Expondo a gravidade do racismo na violência letal, coincidentemente, o número de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013.

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1.2.2 Perfil de vítimas e agressores

Desde a sua criação, a Lei Maria da Penha, tem basicamente um público, qual seja, as mulheres, mas seus destinatários são abrangentes. Destarte, é considerável relatar algumas dessas vítimas.

Segundo Alice Bianchini (2108), vítimas transexuais ou transgêneros também são protegidas, vez que o art. 5º, parágrafo único da Lei 11.340/06, cita que a mesma deve ser aplicada, independentemente de orientação sexual, razão pela qual na relação entre mulheres heteros ou transexuais caso haja violência baseada no gênero, deve haver incidência do referido diploma legal.

Para a autora, a lei também aplica-se a vítimas mulheres homossexuais, pois a Lei acentua consideravelmente a questão da afetividade, mencionando em seu artigo 5º, parágrafo único, que as relações pessoais enunciadas no artigo independem de orientação sexual.

Além destas, a lei também oferece proteção a outras vítimas vulneráveis e hipossuficientes, como mulheres idosas, crianças e adolescentes, o que mostra-se adequado, pois a Carta Constitucional Brasileira de 1988 ampara essas categorias em seus artigos 227 e 230, estabelecendo como dever da família , da sociedade e do Estado guardar as pessoas idosas, assim como crianças e adolescentes. (BIANCHINI, 2018)

Sabe-se também, pelo texto da Lei 11.340/06, que a mesma se propõe controlar a violência doméstica e familiar contra mulher. Não é por outro motivo que é renomada por um nome feminino: Lei Maria da Penha. A respeito de evidentemente proteger a vítima da violência de gênero, em face da assimetria das relações domésticas, não há como limitar seu campo de amplitude à violência executada por um homem contra a ―sua‖ mulher. Para Dias (2018, p. 29) ―relações que geram posições hierárquicas de poder e opressão têm levado a doutrina e a justiça a colocar sob o seu manto protetor quem se submete a situação de dominação em razão de vínculos de natureza familiar ou afetiva‖. Assim, a cada dia surgem situações que colocam em cheque a identificação dos atores da violência

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para que possa ser configurada como doméstica e a assegurar a incidência da Lei Maria da Penha. (DIAS, 2018)

Sanches e Pinto (2018, p. 59) explicitam seus pressupostos:

A violência no âmbito da família engloba aquela praticada entre pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, podendo ser conjugal em razão de parentesco (em linha reta e por afinidade), ou por vontade expressa (adoção). A propósito, o Enunciado 2, do Fonavid (Fórum Nacional de Juízes de Violência doméstica e Familiar contra a Mulher), prevê in verbis: ―Inexistindo coabitação ou vínculo de afeto entre agressor (a) e ofendida, deve ser observado o limite de parentesco estabelecido pelos artigos 1591 a 1595 do Código Civil, quando a invocação da proteção conferida pela Lei 11.340/06 decorrer exclusivamente de parentesco‖.

Outro ponto que merece destaque é o local da agressão e para isso como descrito por Alice Bianchini (2018, p. 79):

De acordo com a pesquisa ―Visível ou invisível: a vitimização de mulheres no Brasil‖, ―quando se observa o local onde ocorreu a agressão, considerando a violência mais grave sofrida nos últimos 12 meses, a casa responde 43 % dos casos, seguida pela rua, com 39%. Outros ambientes públicos, como local de trabalho e bar/balada, respondem por 5% cada, e a escola/faculdade, por 3%. A pesquisa identificou ainda a internet (rede social, Facebook, aplicativo, celular) como meio da agressão para 1% dos casos‖.

Assim sendo, nota-se que para a vítima o local que deveria ser o ―refúgio‖ e ponto de segurança, é o mais perigoso e propício a violência, o seu próprio lar. Não estando segura nem entre quatro paredes.

1.2.3 Ciclo da Violência no casal

Segundo Hirigoyen (2006), no contexto da sociedade, há muitos ditados e ―dizeres‖ que denegri as mulheres por conta do que passam em seus lares. Ditados como ―em briga de marido e mulher ninguém mete a colher‖, ―ele pode não saber por que bate, mas ela sabe por que apanha‖ ou ainda ―mulher gosta de apanhar‖ são, costumeiramente, ouvidos na sociedade. Esses, entre outros ditos repetidos como brincadeiras, agravam as situações as quais as vítimas são submetidas e tendem a culpabilizá-las pela violência sofrida, o que evidencia, em certa media,

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uma espécie de cumplicidade da sociedade para com a violência contra a mulher. Provavelmente, o mais aterrorizante seja ―mulher gosta de apanhar‖. Refere-se a uma concepção falsa, indubitavelmente, construída pelo impedimento que a vítima tem de denunciar seu agressor, o que se dá por diferentes fatores, tais como medo, vergonha, não ter para onde ir ou temor de não conseguir se manter sozinha e sustentar os filhos. A realidade é que a mulher se opõe em buscar a punição de quem ama ou, ao menos, amou um dia.

De acordo com Maria Berenice Dias (2018, p. 25):

Ninguém acredita que a violência sofrida pela mulher seja exclusivamente de responsabilidade do agressor. A sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que impõem a necessidade de se tomar consciência de que a culpa é de todos. O fundamento é cultural e decorre da desigualdade no exercício do poder, que gera uma relação de dominante e dominado. O processo de naturalização é feito a partir da dissimulação, utilizada com o intuito de tornar invisível a violência conjugal. A partir dessa estratégia, fenômenos socialmente inaceitáveis são ocultados, negados e obscurecidos por meio de pactos sociais informalmente estabelecidos e sustentados. Essas posturas acabam sendo referendadas pelo Estado. Daí o absoluto descaso com que sempre foi tratada a violência doméstica.

Maria Berenice Dias (2018, p.28), ainda, alega que:

As relações familiares, em sua grande maioria, têm origem em um ele de afetividade. Surgem de um enlaçamento amoroso. Diante dessa, realidade evidente por si, cabe questionar: como as relações afetivas migram para a violência em números tão surpreendentes? Por que as mulheres sofrem em silêncio? Medo, vergonha, temos da incompreensão, sentimento de incapacidade, de impotência, tolerância à submissão, desrespeito a si próprias? Mas essas são as causas da violência ou são os motivos do silêncio?

Hirigoyen (2006) salienta que, mesmo antes do relacionamento transformar-se em abusivo, diferentes indícios indicativos da presença de violência se apresentam, quais sejam, apego rápido, ciúme exagerado, controle do tempo, isolamento da família e dos amigos e uso de linguagem agressiva. Culpabilização da mulher e minimização dos abusos. E, nestes casos, ―a vulnerabilidade própria do enamoramento e do apaixonamento converte-se em cegueira‖ (HIRIGOYEN, 2006, p. 72)

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A tendência é que os sintomas da violência venham a piorar e se acentuar com o transcorrer do tempo e tendem a se repetir, especialmente se não forem denunciados, o que permite uma espécie de escalada de intensidade e repetição.

Para a identificação das causas da violência contra a mulher, segundo Hirigoyen (2006) é extremamente necessário percorrer o ciclo e entender como ele ocorre. ―Contextualizado historicamente o surgimento ou a ―justificativa‖ da violência no casal, pode-se entender que o primeiro acontecimento que constitui é um modo de relação fundado no controle e na violência psicológica.‖ (HIRIGOYEN, 2006, p. 31).

Nas palavras de Hirigoyen, (2006, p. 27):

Violência física e violência psicológica estão interligadas: homem algum vai começar a espancar sua mulher da noite para o dia, sem razão aparente, em uma crise de loucura momentânea. A maior parte dos cônjuges violentos primeiro prepara o terreno, aterrorizando a companheira. Não há violência física sem que antes não tenha havido violência psicológica. Porém, somente a violência psicológica, como no caso da violência perversa, pode trazer grandes desgastes. Muitas das vítimas dizem que é a forma de abuso mais difícil de aguentar no quadro da vida de um casal.

Importante aqui observar que, para partir de um tipo de violência é necessário que o outro já exista, após isso é que se tem toda uma construção de um círculo vicioso em que a mulher se encontra submetida.

Hirigoyen (2006, p. 28) explica com precisão a violência psicológica, um dos pontos cruciais para os mal tratos diários. Afirma ela:

Fala-se da violência psicológica quando uma pessoa adota uma série de atitudes e de expressões que visa a aviltar ou negar a maneira de ser de uma outra pessoa. Seus termos e seus gestos têm por finalidade desestabilizar ou ferir o outro. Em momentos de raiva, todos nós podemos usar palavras ferinas, desdenhosas, ou ter gestos inadequados, mas habitualmente esses deslizes vêm seguidos de arrependimento ou de pedidos de desculpa. Na violência psicológica, ao contrário, não se trata de um desvio ocasional, mas de uma maneira de ser dentro da relação: negar o outro e considerá-lo como um objeto. Esses procedimentos destinam-se a obter a submissão do outro, a controlá-lo e a manter no poder.

Na violência psicológica há um elo direto entra o comportamento daquele ou daquela que agride com injúrias ou atitudes hostis e o impacto emocional negativo que esse comportamento exercer sobre a vítima.

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A violência psicológica se articula em torno de vários eixos de comportamentos ou atitudes que constituem micro violências, difíceis de detectar.

Sanches e Pinto (2018, p. 82) conceituam violência psicológica:

Por violência psicológica entende-se a agressão emocional (tão ou mais grave que a física). O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído, configurando a vis compulsiva. Dependendo do caso concreto, a conduta do agente pode caracterizar o crime de ameaça.

Depreende-se do exposto que há vários sinais que podem evidenciar a violência contra a mulher. Conforme explícita Hirigoyen (2006, p. 31):

O controle se situa primeiramente no registro da posse: é vigiar alguém de maneira maldosa com a ideia de dominá-lo e dirigi-lo. Quer controlar tudo para impor a maneira pela qual as coisas devam ser feitas. Pode ser o controle das horas de sono, das horas das refeições, das relações sociais e até mesmo dos pensamentos. Pode ser impedir a mulher de progredir profissionalmente ou de estudar.

Não bastasse só isso, esse ―domínio‖ não está sozinho, vem acompanhado do chamado isolamento. Sobre tal questão Hirigoyen (2006, p. 31), enfatiza que:

Para que a violência possa perdurar é preciso isolar progressivamente a mulher da sua família, de seus amigos, impedi-la de trabalhar, de ter uma vida social. Isolando sua mulher, o homem faz com que sua vida fique voltada unicamente para si. Ele precisa que ela se ocupe dele, que só pense nele. Age de modo a que ela não seja demasiado independente, para que não escape a seu controle. As mulheres dizem muitas vezes que sentem prisioneiras.

Depois de algum pode ser que a própria mulher se isole para ter paz, não suportando mais a pressão que sofre por parte do marido, que teme que ela possa vir a ter algum reencontro eventual, que a conduz a um isolamento social e até mesmo, por vezes, a marginalização [..].

Isolamento também é também suprimir o telefone celular ou o computador, como se faria com uma criança, a fim de que a mulher não possa mais telefonar para sua família [..].

O isolamento é, ao mesmo tempo, causa e consequência dos maus-tratos. Ainda, visualizam-se mais características a serem comentadas e analisadas. Tendo em vista os dois últimos atributos, passa-se a analisar o ciúme patológico. Sobre tal questão, Hyrigoen (2006, p. 33), descreve:

(33)

O controle pode traduzir-se em um comportamento ciumento: suspeição permanente, atribuição de intenções infundas etc.

A inclinação para o ciúme acontece a partir de um sentimento de desvalorização: do homem que, em vez se pôr em questão, explica sua frustação pela infidelidade de sua parceira.

O ciúme pode se dirigir ao passado da mulher e, no caso, o homem fica remoendo acontecimentos sobre os quais não tem o menor controle, por serem passados. De maneira geral, nenhuma explicação racional consegue acalmar um ciúme patológico, pois se trata, nada mais, nada menos, de uma recusa da realidade.

Hirigoyen (2006, p. 34) cita mais uma classificação da violência psicológica, o assédio:

Ao se repetir à saciedade uma mensagem para alguém, consegue-se saturar sua capacidade crítica e seu julgamento, fazê-lo aceitar qualquer coisa. São, por exemplo, discussões infindáveis para extorquir confissões, até que a pessoa, por exaustão, acaba cedendo.

Outra estratégia consiste em vigiar a pessoa, segui-la pela rua, assediá-la por telefone, esperá-la à saída do trabalho. Essa forma de violência se produz, na maior parte das vezes, após uma separação.

Depreende-se de tal citação que a tentativa de controle por parte dos agressores tende a agravar a situação entre o casal. E a vida conjugal, o relacionamento não existe mais, trazendo apenas dor e sofrimento à vítima. Nestes casos a humilhação e o aviltamento servem pelas palavras de Hirigoyen (2006, p.35) ―para manter a vítima em condição de subjugação, pelo aniquilamento de sua autoestima‖.

O propósito aqui é atingir a autoestima da pessoa, mostra-lhe que ela não vale nada, que não tem o menor valor. A violência se manifesta em forma de atitudes de desdém e palavras ferinas, expressões depreciativas e observações desagradáveis.

Uma das formas é depreciar o que ela faz, o que ela é, expressar dúvidas quanto à sua saúde mental ou ainda acusá-la de ser depressiva, antecipando, assim, aquilo a que se quer induzi-la.

Também atacar sua família, seus amigos, seus valores por meio de críticas sistemáticas. Igualmente destratar os filhos, pois, para muitas mulheres, os gestos de agressão do cônjuge em relação aos filhos são vividos como uma violência psicológica feita a elas mesmas.

Além de tais formas de violência, também chamam atenção os atos de intimidação, a indiferença às demandas afetivas, e por último, as ameaças que englobam esse cenário de desespero e tristeza aos vulneráveis dessa situação, no caso, as mulheres. (HIRIGOYEN, 2006, p. 39):

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Bater portas, quebrar objetos para expressar seu mau humor constituem atos de intimidação. Quando uma pessoa descarrega esses humores sobre objetos, o parceiro ou parceira pode interpretar isso como uma forma de violência controlada. Trata-se, no entanto, de uma violência indireta. A mensagem que que passa ao outro é: ―Olha a minha força! O que posso fazer com você!‖.

A ameaça e a hostilidade são transmitidas muito mais claramente quando o homem brinca ostensivamente com uma faca ou quando dirige perigosamente. O objetivo de tais condutas é despertar no outro o medo. O homem pode igualmente brincar de aterrorizar sua parceira com agressões indiretas, como, por exemplo, maltratando seu animal de estimação.

Conclui, Hirigoeyn (2006, p. 39) sobre a indiferença às demandas afetivas e às ameaças:

A violência moral é igualmente a recusa em demonstrar qualquer interesse pelo outro. É mostrar-se insensível ou desatento para com sua parceira ou seu parceiro, além de demonstrar abertamente sua rejeição ao desprezo. [..] A violência psicológica pode levar a ameaças: a de tirar as crianças, de negar-se a dar dinheiro, de espancar, de se suicidar. Pode -se sugerir que haverá represálias contra todos que estão ao redor se a mulher não agir como se espera dela. A antecipação de um golpe pode fazer tanto mal ao psiquismo quanto ao golpe realmente dado, o que é reforçado pela incerteza em que a pessoa é mantida, sob a realidade da ameaça. O que importa é alimentar, deste modo, o poder sore o outro.

Entendidas as características da violência psicológica, pode-se afirmar que não, necessariamente, as mulheres são vítimas em todo esse contexto, mas é muito importante que se saiba, tudo isso está interligado, e que os agressores passam a justificar e colocar a culpa em sua companheira, afirmando que a violência se justifica pelo o comportamento ―inconveniente‖ da vítima.

A partir da violência psicológica ou moral não é incomum o processo se acentuar chegando as agressões físicas. Neste aspecto, Hirigoyen (2006, p. 44), destaca:

Na maior parte das vezes, a violência física só surge quando a mulher resiste à violência, ou seja, quando o homem não conseguiu controlar como desejaria uma mulher demasiado independente. Como ela deixa traços visíveis, é a agressão física e não o abuso psicológico anterior que é considerado como violento pela própria mulher e pelo mundo exterior. Quando se apela para a polícia ou para associações, é porque em geral, já houve uma agressão física. Em 1998, isso acontecia em 84 % dos casos de mulheres que entraram em contato com a associação Violência Conjugal Info Service. Se as agressões físicas não frequentes, as mulheres raramente se sentem como vítimas. Para elas, golpes isolados têm sempre

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