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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 92 LIMITES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE

OBJETIVA OU SUBJETIVA EM CASO DE OMISSÃO DO PODER PÚBLICO? Luciano Monti Favaro Resumo: Neste artigo aborda-se acerca dos limites da responsabilidade civil do Estado, em especial, nas condutas omissivas. Pretende-se demonstrar, inicialmente, uma diferenciação entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, bem como a evolução da teoria da responsabilidade civil extracontratual do Estado, inclusive no Direito brasileiro. O foco é: qual teoria aplica-se nos casos de omissão do Poder Público? A da responsabilidade civil objetiva ou subjetiva? Há divergência doutrinária e até mesmo jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal para responder a este questionamento. Assim, a resposta sobre qual das duas teorias devem ser aplicadas não é consensual, devendo ser analisado cada caso concreto. No Supremo Tribunal Federal, atualmente, tem prevalecido a aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva nos casos de omissão do Poder Público, independentemente da aplicação da teoria do dano direto e imediato.

Palavras-Chaves: Responsabilidade civil; Omissão do estado; Teoria objetiva e subjetiva.

Abstract: This paper approaches about the limits of the civil liability of the State particulary

in the omission conduits. Firts, intent to demonstrate a distinction between the contractual civil liability and the contractual, as well as the evolution of the theory of extra-contractual civil liability of the State, including the Brazilian law. The focus is: which theory is applied in cases of omission of the Government? The objective civil liability or the subjective? There are divergente doctrinal and jurisprudential even in the Supreme Federal Court. Thus, the answer to which the two theories should be applied is not consensual and must be analyzed in each case. Currently, in the Supreme Federal Court has prevailed the application of the theory of objective civil liability in cases of the omission of the Government, regardless of the application of the theory of direct and immediate damages.

Keywords: Civil liability; Omission of the government; Objective and subjective theory.

Introdução

No presente artigo objetiva-se verificar os limites da responsabilidade civil do Estado, em especial, nas condutas omissivas. Para tanto, se fará necessário, inicialmente, discorrer a diferença entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual.

Posteriormente, discorrer-se-á sobre a origem e evolução da responsabilidade civil extracontratual do Estado com ênfase no Direito brasileiro.

Por fim, analisar-se-á o entendimento doutrinário e o jurisprudencial do STF nos casos de omissão do Poder Público. Pretende-se, assim, verificar se nesses casos aplica-se a teoria da responsabilidade civil objetiva – aquela independente de culpa – ou a teoria da responsabilidade civil subjetiva.

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 93 Responsabilidade civil contratual versus extracontratual

A Responsabilidade civil pode ser tanto contratual, quanto extracontratual. (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 393). Diz-se contratual aquela advinda de um contrato pré-estabelecido entre as partes. Assim, se o devedor descumprir a obrigação avençada no contrato, estar-se-á diante de uma responsabilidade civil contratual. Essa responsabilidade é definida no artigo 389 e 395 do Código Civil:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Registra-se que ambos dispositivos referem-se à responsabilidade civil contratual, já que – conforme se percebe pela simples leitura desses artigos – a responsabilidade do devedor decorrerá tendo em vista: o não cumprimento da obrigação avençada – descumprimento absoluto (art. 389 CC); ou o atraso (mora) no cumprimento da obrigação avençada – descumprimento relativo (art. 395 CC). Percebe-se, assim, que havia uma obrigação prévia. Descumprida essa obrigação, restará ao devedor ser responsabilizado civilmente pelo descumprimento contratual.

Exemplo clássico do artigo 389 do Código Civil é o da confeitaria que deveria ter entregue os cinquenta quilos de bolo da festa de casamento em determinado dia e horário. Referido alimento, no entanto, somente vem a ser entregue quando a festa já tinha sido encerrada. Percebe-se, por esse exemplo, nitidamente o descumprimento absoluto da avença, pois sem dúvida os noivos não quererão mais os cinquenta quilos de bolo, haja vista o enorme atraso na entrega. Por esse descumprimento absoluto, impõe-se à confeitaria a responsabilidade civil contratual devendo estar arcar com as perdas e danos, juros, atualização monetária e honorários de advogado.

Salienta-se que as perdas e danos a serem suportadas pelo devedor são compostas por “a) danos emergentes – efetiva diminuição patrimonial experimentada pelo credor em razão do episódio; b) lucros cessantes – aquilo que a parte razoavelmente deixou de lucrar por força do evento” (MATIELLO, 2007, p. 265). Esse conceito é previsto no próprio artigo 402 do Código Civil:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu [danos

emergentes], o que razoavelmente deixou de lucrar [lucros cessantes].

(observações em negrito acrescentadas).

Diferente é o caso do inadimplemento relativo previsto no artigo 395 do Código Civil. Exemplo é o pagamento em atraso de uma prestação em uma loja do comércio. A mora no pagamento não gera o inadimplemento absoluto, mas apenas o relativo. Assim, o devedor constituído em mora será obrigado a responder pelos prejuízos que sua mora der causa, além dos juros, atualização monetária e honorários de advogado. Não há que se falar, portanto, no inadimplemento relativo em perdas e danos.

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 94 Por outro lado, a responsabilidade extracontratual – ou aquiliana – não decorre de um contrato prévio, mas sim de um ato praticado por um agente de forma imprudente, negligente ou imperitamente que vem a ocasionar dano a outro. Exemplo clássico é o abalroamento de automóveis. O agente que causou dano a outro não possuía com este um contrato prévio. Percebe-se assim que, antes do dano causado, não havia liame jurídico entre as partes só ocorrendo em virtude do dano que um dos agentes causou ao outro. O fundamento da responsabilidade civil extracontratual, no ordenamento jurídico civil brasileiro, são os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Responsabilidade civil do estado

A responsabilidade civil do Estado pode ser contratual e extracontratual. Exemplo de responsabilidade civil contratual é o advindo do descumprimento da Lei 8.666, de 1993 – Lei das Licitações e Contratos Administrativos. Assim, descumprido um contrato, conforme já ponderado, está-se diante de uma responsabilidade civil contratual (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 363).

No entanto, é na responsabilidade civil extracontratual – foco deste artigo – que residem os maiores debates, “talvez porque ela tenha fundamento constitucional e aplicação nas diferentes formas de atuação do Estado, seja da Administração Pública, seja dos Poderes Judiciário e Legislativo” (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 363).

Origem e evolução da responsabilidade civil extracontratual do estado

A origem da responsabilidade civil do Estado foi no Direito francês. O Direito brasileiro sofreu, no que tange a esse assunto, influência do Direito administrativo francês (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 364).

No antigo regime francês afirmava-se que o rei não podia errar – the king can do no wrong ou le rei ne peut mal faire). Disso decorria que não se atribuía ao rei nenhuma responsabilidade por seus atos. Essa premissa perdurou inclusive durante o primeiro período do Estado Moderno francês. Pairava a ideia de que “qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito à soberania” (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 395). Teve-se, portanto, nessa época, a sistemática da irresponsabilidade do Estado.

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 95 Di Pietro lembra que “para os particulares, essa sistemática era aceitável tendo em vista que no período do liberalismo o Estado atuava pouco e, em consequência, não causava muito prejuízo aos particulares” (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 395).

Interessante observação relata Di Pietro – fundamentando-se em Gilles Darcy e Michel Paillet – acerca desses fatos (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 395):

Nota-se, por esses dados, que a teoria da irresponsabilidade do Estado conviveu com os princípios do liberalismo político (que aceitava a possibilidade de erros serem cometidos pelo Estado) com a ideologia solidarista (que demandava uma repartição equitativa dos encargos e riscos sociais).

Em que pese as mudanças apontadas, a teoria da irresponsabilidade civil do Estado só foi abandonada em meado do século XIX. Ocorre que ao se abandonar a teoria da irresponsabilidade civil do Estado, passou-se a adotar os princípios do Direito Civil, que se baseiam na ideia de culpa. Essa teoria ficou conhecida como teoria civilista da culpa (DI PIETRO, 2010, p. 644). Assim, o Estado somente poderia sofrer os efeitos da responsabilidade civil se demonstrado, por parte da vítima, culpa do Estado. Além disso, passou-se a fazer uma distinção entre atos de império e atos de gestão,1 sendo que o Estado somente responderia pelos atos de gestão – aqueles atos nos quais a Administração se igualava ao particular –, haja vista que estes, conforme entendimento da época, “eram praticados sem colocar em risco a soberania da nação” (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 395).

Sobre essa diferenciação, entre atos de império e atos de gestão, Di Pietro (2010, p. 645) relata que:

Surgiu, no entanto, grande oposição a essa teoria, quer pelo reconhecimento da impossibilidade de dividir-se a personalidade do Estado, quer pela própria dificuldade, senão impossibilidade, de enquadrar-se como atos de gestão todos aqueles praticados pelo Estado na administração do patrimônio público e na prestação de seus serviços.

Em que pese essa oposição e o consequente abandono dessa diferenciação, vários autores continuaram a aceitar a teoria civilista da culpa. “Procurava-se equiparar a responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos. Era a teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva” (DI PIETRO, 2010, p. 645).

Essa teoria somente foi superada com a elaboração de teorias da responsabilidade do Estado embasadas em princípios do Direito Público. O famoso caso Blanco,2 ocorrido em 1873, foi o

1

Di Pietro diferencia os dois atos – império e gestão –, à época, nos seguintes termos: “Eram considerados atos de império os praticados com as prerrogativas e privilégios próprios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular, independentemente de autorização judicial; eram regidos por um direito especial derrogatório do direito comum, porque não podiam ser praticados pelo particular, já que constituíam manifestação da soberania. Os atos de gestão eram os praticados pela Administração em situação de igualdade com o particular, por dizerem respeito à conservação e desenvolvimento do patrimônio público e à gestão de seus serviços; regiam-se pelo direito comum, porque, nesse caso, a Administração iguala-se ao particular, submetendo-se às mesmas regras”. (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 394).

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Caso Blanco ocorrido em 1873, conforme relato de Di Pietro: “a menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por um vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 96 leading case, para que o Tribunal de Conflitos da França decidisse que a responsabilidade do Estado não podia ser regida pelos princípios do Direito Civil, “porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados” (DI PIETRO, 2010, p. 645).

Foram duas as teorias da responsabilidade civil do Estado desenvolvidas pelos publicistas: teoria da culpa do serviço público – também denominada de culpa administrativa ou acidente administrativo – e a teoria do risco. Esta última foi desdobrada em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral (DI PIETRO, 2010, p. 645-646).

Pela primeira teoria – culpa do serviço – procurou-se desvencilhar a responsabilidade do Estado da culpa do funcionário. Assim, tinha se a culpa individual do funcionário respondendo ele próprio pelos seus atos e, por outro lado, a culpa do próprio Estado, “nesse caso, o funcionário não é identificável e se considera que o serviço funcionou mal; índice, então, a responsabilidade do Estado” (DI PIETRO, 2010, p. 646).

Já pela teoria do risco – que passou a ser adotada pelo Conselho de Estado francês, em que pese não abandonar a teoria da culpa do serviço – buscou-se a “igualdade de todos perante os encargos sociais. O princípio significa que, assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos” (DI PIETRO, 2010, p. 646).

Por essa teoria, portanto, afasta-se a ideia de culpa e passa-se a exigir tão somente o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo administrado e o prejuízo causado pelo Estado. Essa teoria ficou conhecida como teoria da responsabilidade objetiva, “precisamente por prescindir da apreciação dos elementos subjetivos (culpa ou dolo); é também chamada teoria do risco, porque parte da ideia de que a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente” (DI PIETRO, 2010, p. 646).

Acerca dessa teoria, pondera Di Pietro (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 398):

Por fim, chega-se à terceira fase da evolução da responsabilidade civil do Estado no Direito francês, em que não se cogita mais de culpa. Dois tipos de fundamentos costumam ser apontados, isoladamente ou em conjunto: (a) a ideia de risco, significando, com isso, que, se a Administração realiza determinada atividade para proveito de todos, mas cria risco de causar prejuízo e este risco se concretiza, surge o dever de repará-lo; daí o nome de

teoria do risco; e (b) o princípio da igual repartição dos encargos públicos.

Baseia-se na ideia de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado.

promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados. A partir daí começaram a surgir as teorias publicistas da responsabilidade do Estado: teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa e teoria do risco” (grifos do autor) (DI PIETRO, 2010, p. 645-646).

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 97 A teoria da culpa, conforme exposto, foi subdivida em outras duas teorias: teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. Na primeira admitem-se causas excludentes de responsabilidade do Estado, como, por exemplo, culpa de terceiros, força maior ou, até mesmo, culpa da vítima. Já na teoria do risco integral não são admitidas essas excludentes. E essa, portanto, a evolução da responsabilidade civil do Estado a qual passou por três fases: a) primeira, teoria da irresponsabilidade civil do Estado; b) segunda, teoria da responsabilidade subjetiva; c) terceira, teoria da responsabilidade objetiva ou teoria do risco. Evolução da responsabilidade civil extracontratual do estado no direito brasileiro

No Direito Brasileiro a teoria da irresponsabilidade do Estado – primeira fase – não foi adotada. Lembra Di Pietro, que nas Constituições de 1824 e 1891 não se previu dispositivos acerca da responsabilidade do Estado, mas, unicamente, da responsabilidade do funcionário nos casos de abuso ou omissão praticados no exercício de suas funções (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 399).

Constituição de 1824. Artigo 179. XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos.

Constituição de 1891. Art 82 - Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.

Convém citar o artigo 99 da Constituição de 1824, segundo o qual o imperador não estava sujeito à responsabilidade alguma. Esse dispositivo, no entanto, recaía sobre a pessoa do Imperador e não sobre a atuação do Estado.

Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.

Posteriormente, com o Código Civil, de 1916, passou-se a adotar a teoria da responsabilidade subjetiva para responsabilização do Estado, conforme disposto no artigo 15 do referido Código:

Art. 15. As pessoas jurídicas de direito publico são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrario ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

Pondera Di Pietro que a expressão “procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever prescrito por lei” remetia a ideia de que “deveria ser demonstrada a culpa do funcionário para que o Estado respondesse” (DI PIETRO, 2010, p. 648).

Na Constituição de 1934, passou-se a acolher o princípio da responsabilidade solidária entre Estado e funcionário, conforme disposto no artigo 171:

Art. 171 - Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. § 1º - Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 98 citado como litisconsorte. § 2º - Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado.

Somente na Constituição de 1946 é que se passou a adotar a teoria da responsabilidade objetiva, tal qual se verifica no artigo 194:

Art. 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

Idêntica regra foi estabelecida na Constituição de 1967, no artigo 105:

Art. 105 - As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único - Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo.

Por fim, na Constituição de 1988, no artigo 37, § 6º, continuou-se a adotar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Semelhante regra foi prevista no artigo 43 do Código Civil, de 2002:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Di Pietro, no entanto, faz críticas à redação do dispositivo do Código Civil, por entender que não houve adequação ao dispositivo constitucional. É que na norma constitucional, além das pessoas jurídicas de direito público, previu-se a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (DI PIETRO, 2010, p. 649). Tendo em vista o direito de regresso contra o agente público responsável previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição de 1988, diz que nesse dispositivo estão compreendidos duas regras: “a da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do agente público” (DI PIETRO, 2010, p. 649).

Limites da responsabilidade civil do estado nos casos de omissão

Conforme exposto, tem-se que foi a partir da Constituição de 1946 que se consagrou, no Direito brasileiro, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. No entanto, poder-se-ia levantar a indagação, até mesmo nos casos de omissão do Estado essa teoria é adotada? Ou deveria, nos casos de omissão, o administrado demonstrar a culpa do Estado?

Como se sabe, “em regra, nos casos de omissão do Poder Público, os danos não são causados por agentes públicos. São causados por fatos da natureza ou fatos de terceiros” (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 413). Disso advém que, não necessariamente, a conduta omissiva “retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal” (CARVALHO FILHO, 2012, p. 561).

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 99 Surgiu, então, na doutrina, no que tange a omissão do Estado, uma divisão. Alguns doutrinadores ponderam que se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva. Outros entendem que deve ser aplica a teoria objetiva.

Carvalho Filho (2012, p. 561) pondera que a responsabilidade civil do Estado, “no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa”. Ademais salienta que “a culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano”. Conclui, esse doutrinador, no sentido de que a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade nas condutas omissivas do Estado.

Curiosamente, apesar dessa exposição, Carvalho Filho (2012, p. 561) alega que “o elemento marcante da responsabilidade extracontratual do Estado é efetivamente a responsabilidade objetiva”. Disso decorre, pondera o doutrinador, que não se pode afirmar inteiramente como correto que, nas condutas omissivas, incidirá a responsabilidade subjetiva. Nesse sentido fundamenta seu posicionamento:

A responsabilidade objetiva é um plus em relação à responsabilidade subjetiva e não deixa de subsistir em razão desta; além do mais, todos se sujeitam normalmente à responsabilidade subjetiva, porque essa é a regra do ordenamento jurídico. Por conseguinte, quando se diz que nas omissões o Estado responde somente por culpa, não se está dizendo que incide a responsabilidade subjetiva, mas apenas que se trata da responsabilização comum, ou seja, aquela fundada na culpa, não se admitindo então a responsabilidade sem culpa.

Já Di Pietro (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 413), seguindo o posicionamento de Bandeira de Mello, é firme no posicionamento de que, nas condutas omissivas, a teoria a ser aplicada é a da responsabilidade subjetiva. Explica seu posicionamento nos seguintes termos:

Para incida a responsabilidade decorrente da omissão, tem que haver o dever

de agir por parte do Estado e a possibilidade de agir para evitar o dano. A

culpa é embutida na ideia de omissão (...). Não há como falar em responsabilidade objetiva em caso de inércia do agente público que tinha o dever de agir e não agiu, sem que para isso houvesse uma razão aceitável. A teoria aplicável, no caso, é a da culpa do serviço público ou culpa anônima do serviço público, aplicável em qualquer hipótese em que haja mal funcionamento do serviço, na tríplice fórmula adotada no Direito francês: o serviço não funcionou, funcionou atrasado ou funcionou mal. Por outras palavras, a omissão deve ser antijurídica, ou seja, deve resultar do descumprimento de um dever legal. Isso significa que, enquanto, nos casos comissivos, a responsabilidade incide nas hipótese[s] de atos lícitos ou ilícitos, a omissão tem que se ilícita para acarretar a responsabilidade do Estado. (grifos do autor)

Apesar de adotar essa teoria, a doutrinadora reconhece que se deve analisar o caso concreto para identificar a possibilidade de agir do Estado. Identificação essa que “nem sempre é fácil de ser apurada pelo Poder Judiciário” (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 413).

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 100 Tem que se tratar de uma conduta que seja exigível da Administração e que seja possível diante das circunstâncias de cada caso e diante dos recursos à disposição do Poder Público. Essa possibilidade só pode ser examinada diante de cada caso concreto. Tem aplicação, no caso, o princípio da reserva

do possível, que constitui, por sua vez, aplicação do princípio da

razoabilidade: o que seria aceitável exigir do Estado para impedir o dano. Interessante observar que também na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF há essa controvérsia acerca de qual teoria deve ser aplicada na responsabilização do Estado em caso de omissão.

No caso do RE 109.615-2/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, reconheceu-se a responsabilidade objetiva pela omissão do Estado em proteger a integridade física de uma estudante vitimada no recinto de um estabelecimento escolar público na cidade do Rio de Janeiro. A estudante foi lesionada por outra aluna e acabou tendo perda total do globo ocular direito, “com deformidade traumática permanente, percentual incapacitatório para o trabalho, de 75%”. Diante da aplicação da teoria da responsabilidade objetiva do Estado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, condenando o Município do Rio de Janeiro inclusive em dano estético, o Município recorreu em Recurso Extraordinário. No julgamento do Recurso, os Ministros da Primeira Turma, por unanimidade, seguiram o voto do Relator e não conheceram do recurso (STF, 1996)

Igual entendimento – aplicação da teoria da responsabilidade objetiva – verificou-se na decisão do RE 170.014-9/SP, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, conforme se percebe pela Ementa transcrita (STF, 1998):

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA

CONSTITUIÇÃO. PRESO ASSASSINADO NA CELA POR OUTRO DETENTO. Caso em que resultaram configurados não apenas a culpa dos agentes públicos na custódia do preso – posto que, além de o terem recolhido à cela com excesso de lotação, não evitaram a introdução de arma no recinto – mas também o nexo de causalidade entre a omissão culposa e o dano. Descabida a alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, da CF. Recurso não conhecido.

Registra-se que, no caso do RE 170.014-9/SP, o descabimento na alegação da ofensa ao art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, deve-se ao fato de que nas razões recursais, o Estado de São Paulo alegou que o Tribunal de Justiça do Estado aplicara o referido dispositivo constitucional em um caso que se tratava de responsabilidade subjetiva. O entendimento unânime da Segunda Turma do STF, no entanto, não acatou esses argumentos e, portanto, entendeu pela aplicação da responsabilidade objetiva, tal qual a decisão do Tribunal.

Por outro lado, em alguns casos de omissão do Estado, a segunda turma do STF entendeu pela aplicação da teoria da responsabilidade civil subjetiva, conforme se percebe pela decisão proferida no RE 372.472-0/RN, de relatoria do Ministro Carlos Velloso. Decisão essa proferida em caso análogo a do RE 170.014-9/SP, mas com entendimento diferente: aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva.

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 101

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PÚBLICAS. ATO OMISSIVO DO

PODER PÚBLICO: DETENTO MORTO POR OUTRO PRESO.

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público,

a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa,

em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes – a negligência, a imperícia ou a imprudência –, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. – Detento assassinado por outro preso: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, dado que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. – R.E. conhecido e não provido. (grifos)

Idêntico entendimento – inclusive com Ementa muito similar – constou na decisão do RE 369.820-6/RS, também de relatoria do Ministro Carlos Velloso (STF, 2004):

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PÚBLICAS. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: LATROCÍNIO PATRICADO POR APENADO FUGITIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público,

a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa,

esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço – faute du

service – dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do

nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. – Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio. Precedentes do STF: RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão, “D.J.” de 19.12.96; RE 130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270. IV – RE conhecido e provido.

Constata-se, por este julgado, que não se reconheceu a responsabilidade objetiva pela omissão do Estado no caso da fuga do preso que, posteriormente, veio a praticar o crime de latrocínio. Pelo contrário, os ministros da segunda turma do STF, à época, acordaram por unanimidade em atribuir a responsabilidade subjetiva do Estado do Rio Grande do Sul, de modo que as partes, para serem indenizadas, deveriam demonstrar a culpa do Estado.

De acordo com Di Pietro, em decisões iguais a essa, o STF vinha exigindo, “para a caracterização do nexo de causalidade, a aplicação da teoria do dano direto e imediato” (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 414).

Esse entendimento, no entanto, de acordo com a doutrinadora, vem sendo alterado passando-se “para um alargamento da responsabilidade do Estado [em casos de omissões], independentemente da aplicação da teoria do dano direto e imediato” (RODRIGUES JUNIOR, 2011, p. 413). Exemplo que comprova essa mudança é a decisão proferida por maioria de votos no RE 409.203-4/RS de relatoria, para o acórdão, do Ministro Joaquim Barbosa.

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 102 O Ministro entendeu que o crime de estupro praticado por um presidiário, fugitivo contumaz, não submetido à regressão de regime prisional – conforme previsto na Lei de Execução Penal – leva a responsabilização do Estado pela omissão.

Nesse sentido constou na Ementa da decisão do RE 409.203-4/RS (STF, 2006):

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FAUTE DU SERVICE PUBLIC

CARACTERIZADA. ESTUPRO COMETIDO POR PRESIDIÁRIO, FUGITIVO CONTUMAZ, NÃO SUBMETIDO À REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL COMO MANDA A LEI. CONFIGURAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. Impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Tal omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão. Está configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execução penal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e comer o bárbaro crime de estupro. Recurso extraordinário desprovido.

Verifica-se, assim, que a decisão prolatada no RE 409.203-4/RS, contrapõem-se à decisão no RE 369.820-6/RS, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, colacionada acima. Registra-se, ademais, que, inicialmente, no RE 409.203-4/RS o Ministro relator era justamente Carlos Velloso – de entendimento diferente – cuja decisão foi vencida alterando-se, portanto, o entendimento da segunda turma do STF nos casos de atos omissivos praticados pelo Estado. Em outro caso análogo, o STF entendeu pela responsabilização da conduta omissiva do Estado por danos causados em decorrência da falta de policiamento ostensivo em locais de alta periculosidade. Em razão dessa omissão, no entender do STF, cabe ao cidadão exigir do Estado a contraprestação da falta do serviço de policiamento.

Assim consignou-se no Informativo 502 do STF, de 14 a 18 de abril de 2008:

O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em suspensão de tutela antecipada para manter decisão interlocutória proferida por desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que concedera parcialmente pedido formulado em ação de indenização por perdas e danos morais e materiais para determinar que o mencionado Estado-membro pagasse todas as despesas necessárias à realização de cirurgia de implante de Marcapasso Diafragmático Muscular - MDM no agravante, com o profissional por este requerido. Na espécie, o agravante, que teria ficado tetraplégico em decorrência de assalto ocorrido em via pública, ajuizara a ação indenizatória, em que objetiva a responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo decorrente da referida cirurgia, "que devolverá ao autor a condição de respirar sem a dependência do respirador mecânico". Entendeu-se que restaria configurada uma grave omissão,

permanente e reiterada, por parte do Estado de Pernambuco, por intermédio de suas corporações militares, notadamente por parte da polícia militar, em prestar o adequado serviço de policiamento ostensivo, nos locais notoriamente passíveis de práticas criminosas violentas, o que também ocorreria em diversos outros Estados da Federação. Em razão disso, o cidadão teria o direito de exigir do Estado, o qual não poderia se demitir das consequências que resultariam do

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 103

cumprimento do seu dever constitucional de prover segurança pública, a contraprestação da falta desse serviço. Ressaltou-se que situações configuradoras de falta de serviço podem acarretar a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, considerado o dever de prestação pelo Estado, a necessária existência de causa e efeito, ou seja, a omissão administrativa e o dano sofrido pela vítima, e que, no caso, estariam presentes todos os elementos que compõem a estrutura dessa responsabilidade. Além disso, aduziu-se que

entre reconhecer o interesse secundário do Estado, em matéria de finanças públicas, e o interesse fundamental da pessoa, que é o direito à vida, não haveria opção possível para o Judiciário, senão de dar primazia ao último. Concluiu-se que a realidade da vida tão pulsante na espécie imporia o provimento do recurso, a fim de reconhecer ao agravante, que inclusive poderia correr risco de morte, o direito de buscar autonomia existencial, desvinculando-se de um respirador artificial que o mantém ligado a um leito hospitalar depois de meses em estado de coma, implementando-se, com isso, o direito à busca da felicidade, que é um consectário do princípio da dignidade da pessoa humana. (grifos)

Por esses julgados colacionados, verifica-se que há muita divergência sobre a responsabilidade civil do Estado nos casos de omissão. Em determinado momento se aplicou a teoria objetiva, em outros a teoria subjetiva, sendo que a primeira, atualmente, parece estar sendo a mais utilizada.

Considerações finais

Por esse artigo, pretendeu-se responder o seguinte questionamento: a responsabilidade civil extracontratual do Estado nos casos de omissão é objetiva ou subjetiva?

Pela análise histórica dessas teorias verificou-se, nos casos de ação do Poder Público, que é mais favorável – e atualmente mais aceitável, inclusive na Constituição Brasileira, de 1988 – a aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva – aquela na qual independe da comprovação de culpa para a responsabilização.

No que tange aos casos de omissão, tanto a doutrina quanto a jurisprudência da Suprema Corte se dividem. Alguns ponderam tratar-se da responsabilidade objetiva, enquanto outros fundamentam na responsabilidade subjetiva.

O que se observa é que ambos os posicionamentos apresentam argumentos convincentes, sendo que, nas mais recentes decisões do STF, também nos casos de omissão do Estado, tem-se entendimento pela aplicação da teoria objetiva.

Por óbvio que a mais acertada conclusão remete a necessidade de análise do caso concreto a fim de verificar os argumentos que justifiquem a aplicação de uma ou de outra teoria. No entanto, atribuir responsabilidade objetiva ao Estado pelo fato de, por exemplo, um fugitivo de determinada penitenciária, por causa da fuga, viesse a cometer um crime, não me parece crivo devendo, portanto, no meu entender, ser demonstrada a culpa do Estado e, mormente, o vínculo entre a causa e o dano. Sem esse vínculo não há que se falar em responsabilidade estatal.

Em que pese esse posicionamento – o qual encontra amparo em renomados doutrinadores, como, Di Pietro, Bandeira de Mello, e outros – a Suprema Corte vem se posicionando em outro sentido, conforme se verificou na decisão do RE 409.203-4/RS.

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Periódico Científico Projeção, Direito e Sociedade | v.6 | n.1 104 Referências

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ed. São Paulo: Atlas, 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ed. São Paulo: Atlas, 2010. GAGLIANO, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. 8ed. Vol. III, São Paulo: Saraiva, 2010.

MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. 3ed. São Paulo: LTr, 2007. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital da [coordenadores]. Responsabilidade civil contemporânea: em homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2011.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 109.615-2/RJ. Ministro relator Celso de Mello. DJ 02.08.1996.

_______. Recurso Extraordinário 170.014-9/SP. Ministro relator Ilmar Galvão. DJ 13.02.1998.

_______. Recurso Extraordinário 369.820-6/RS. Ministro relator Carlos Velloso. DJ 27.02.2004.

_______. Recurso Extraordinário 372.472-0/RN. Ministro relator Carlos Velloso. DJ 28.11.2003.

_______. Recurso Extraordinário 409.203-4/RS. Ministro relator Carlos Velloso. Relatoria do Acórdão: Ministro Joaquim Barbosa. DJ 07.03.2006.

Referências

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