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Experiências de estudantes no contexto do vestibular : narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

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Academic year: 2021

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Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Educação

MATEUS LEME DE SOUSA

Experiências de estudantes no contexto do vestibular:

narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

Campinas

2017

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MATEUS LEME DE SOUSA

Experiências de estudantes no contexto do vestibular:

narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, para a obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientador: Dr. Guilherme do Val Toledo Prado

Coorientadora: Dra. Adriana Carvalho Koyama

ESTE EXEMPLAR CORREPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO MATEUS LEME DE SOUSA, ORIENTADO PELOS PROFESSORES GUILHERME DO VAL TOLEDO PRADO E ADRIANA CARVALHO KOYAMA

Campinas

2017

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Sousa, Mateus Leme de,

So85e SouExperiências de estudantes no contexto do vestibular : narrativas e memórias sobre a preparação para os exames / Mateus Leme de Sousa. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

SouOrientador: Guilherme do Val Toledo Prado. SouCoorientador: Adriana Carvalho Koyama.

SouDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Sou1. Vestibulares. 2. Narrativas. 3. Experiência. 4. Memória. I. Prado, Guilherme do Val Toledo,1965-. II. Koyama, Adriana Carvalho,1962-. III. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Experiences of students in the context of vestibular : narratives

and memories about the preparation for the exams

Palavras-chave em inglês:

Vestibular Narratives Experience Memory

Área de concentração: Educação Titulação: Mestre em Educação Banca examinadora:

Guilherme do Val Toledo Prado [Orientador] Maria Silvia Duarte Hadler

Maria Inês de Freitas Petrucci dos Santos Rosa Cyntia Simioni França

Data de defesa: 21-02-2016

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Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Educação

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Experiências de estudantes no contexto do vestibular:

narrativas e memórias sobre a preparação para os exames

Autor: Mateus Leme de Sousa

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado (Orientador) Profa. Dra. Maria Silvia Duarte Hadler

Profa. Dra. Maria Inês de Freitas Petrucci dos Santos Rosa Profa. Dra.Cyntia Simioni França

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Dedico este texto a todos que ousam pensar a educação de forma questionadora, em especial à professora Maria Carolina Bovério Galzerani.

Aos alunos entrevistados nesta pesquisa, e também a todos os outros que, dentro de uma sala de aula, não se esquecem do mundo que existe lá fora.

Aos professores e acadêmicos que veem na pesquisa uma possibilidade de transformação da sociedade.

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Resumo

Esta dissertação investiga narrativas de estudantes em fase de preparação para o vestibular, buscando flagrar suas experiências e memórias sobre esse período de suas vidas. Algumas das questões pesquisadas surgiram em diálogo com a minha própria experiência de vestibulando no ano de 2007, ganhando forma acadêmica após meu ingresso no programa de mestrado da Faculdade de Educação da Unicamp, em 2014. Entre os referenciais teórico-metodológicos estão a bibliografia referente à pesquisa narrativa, tal como proposta pelo GEPEC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada), especialmente seguindo as contribuições de Connelly e Clandinin. Ademais, os autores de referência da professora Maria Carolina Bovério Galzerani ± tais como Walter Benjamin, Thompson e Peter Gay ±, que compõem as bases teóricas da linha de pesquisa Educação das Sensibilidades, História e Memória, do GEPEC, foram essenciais para definição do recorte e do olhar metodológico para essa temática. Dessa forma, partindo das potencialidades do conceito de mônada, de Walter Benjamin, realizaram-se diálogos com diferentes sujeitos por meio de entrevistas orais. Foram entrevistados onze estudantes de uma instituição privada de Campinas ± entre concluintes do ensino médio e alunos do curso pré-vestibular ± que, no momento do contato, estavam em fase de realização dos vestibulares, convidando-os a refletir a respeito de suas percepções sobre seu universo escolar e suas experiências com os processos de seleção para o ensino superior. Encerrado o processo dos diálogos com estudantes, os fragmentos das entrevistas foram lidos como mônadas ± centelhas de sentido que têm a força de uma imagem de mundo mais ampla -, e analisadas a partir de temáticas semelhantes, tais como trauma, sofrimento, meritocracia e competição no âmbito do vestibular, bem como práticas culturais presentes no cotidiano das instituições pré-vestibular ± os chamados ³FXUVLQKRV´no diálogo com autores como Walter Benjamin, Richard Sennett e Luiz Carlos de Freitas. Por fim, ao possibilitar a produção de discursos e conhecimentos acerca deste tema por indivíduos geralmente silenciados, intenciona-se romper com o vazio de subjetividades e com a corrente naturalização das angústias geradas na competição pelo ingresso no ensino superior. Espera-se, com isso, contribuir para o campo da pesquisa sobre ingresso no ensino superior, sobretudo a partir de entrecruzamentos de visões acerca do vestibular de sujeitos que refletem e falam de diferentes lugares. Palavras-chave: vestibular; narrativa; experiência; memória.

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Abstract

This dissertation investigates narratives of students in preparation for vestibular (brazilian college entrance exam), seeking to capture their experiences and memories about this period of their lives. Some of the questions researched emerged in dialogue with my own experience of student in the year of 2007, gaining academic form after my admission in the program of master of the Faculty of Education of Unicamp, in 2014. Among the theoretical-methodological references are the bibliography referring to the Narrative research, as proposed by the GEPEC (Group of Studies and Research in Continuing Education), especially following the contributions of Connelly and Clandinin. In addition, some of the most relevant authors for professor Maria Carolina Bovério Galzerani - such as Walter Benjamin, Thompson and Peter Gay -, who make up the theoretical bases of the GEPEC “Sensitivity, History and Memory Education” research line, were essential for defining the focus and the methodological approach to this theme. Thus, starting from the potentialities of the monad concept, by Walter Benjamin, the dialogues were held with different subjects through oral interviews. Eleven students from a private institution in Campinas - between high school graduates and students from a vestibular preparation course who, at the time of contact, were in the process of completing the college entrance exams - were interviewed, inviting them to reflect on their perceptions about its school universe and its experiences with the processes of selection for higher education. Once the process of dialogues with students had been concluded, the fragments of the interviews were read as monads - sparks of meaning that have the force of a wider world image -, and these were analyzed from similar themes such as trauma, suffering, meritocracy and competition in the vestibular field, as well as cultural practices present in the daily life of the pre-university institutions - the so-called "cursinhos", in the dialogue with authors like Walter Benjamin, Richard Sennett and Luiz Carlos de Freitas. Finally, by allowing the production of discourses and knowledge about this subject by individuals who are generally silenced, it is intended to break with the vacuous of subjectivities and with the current naturalization of the anxieties generated in the competition for the entrance into higher education. It is hoped, therefore, to contribute to the field of research on admission to higher education, especially from the intersections of visions about the vestibular coming from subjects that reflect and speak from different places.

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Sumário

Apresentação ... 10

1 ± Memorial e justificativa do recorte ... 13

1.1 - Narrando meus primeiros referenciais da vida escolar ... 13

1.2 ± Hora de mudar de rumo? ... 16

1.3 - Um novo momento da vida escolar ... 19

1.4 - Enfim universitário ... 23

1.5 - O ingresso no mestrado e a (re)constituição do objeto de pesquisa ... 26

2 ± O vestibular: uma contextualização histórica e bibliográfica ... 31

2.1 - O vestibular: uma breve história do ingresso ao ensino superior brasileiro ... 31

2.2 - Os vestibulares no Estado de São Paulo... 36

2.3 ± A produção acadêmica sobre o vestibular: um retrato do discurso lógico-científico ... 42

3 - Quando os referenciais teórico-metodológicos se unem aos referenciais de vida ... 46

3.1 - A historiografia e as subjetividades nas ciências humanas ... 47

3.2 - Os referenciais caros à professora Maria Carolina Bovério Galzerani ... 50

3.3 - O GEPEC e a pesquisa narrativa ... 56

3.4 ± Cultura, juventude e escola ... 60

4 - Estabelecendo o contato com os estudantes ... 68

4.1 - As entrevistas ... 69

4.2 ± Dialogando com os sujeitos ... 71

4.3 - A produção das mônadas ... 72

4.4 ± O conjunto das mônadas ... 75

Mônadas construídas a partir do diálogo com Amanda ... 75

Mônadas construídas a partir do diálogo com Sofia ... 75

Mônadas construídas a partir do diálogo com Jorge ... 77

Mônadas construídas a partir do diálogo com Raul ... 78

Mônadas construídas a partir do diálogo com Gabriela ... 79

Mônadas construídas a partir do diálogo com Juliana ... 82

Mônadas construídas a partir do diálogo com o Carlos ... 86

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Camila ... 88

Mônadas construídas a partir do diálogo com o João ... 91

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Luiza ... 92

Mônadas construídas a partir do diálogo com a Ingrid ... 95

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5.1 - Limiar ... 100

5.2 ± Marketing e mercado ... 111

5.3 ± Relações pessoais e identidade ... 113

5.4 ± A cultura escolar dos cursinhos ... 119

5.5 ± Trauma, sofrimento e meritocracia ... 126

6 - Para não concluir ... 142

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 147

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Apresentação

Esta pesquisa1 apresenta narrativas de estudantes em fase de preparação para o vestibular, bem como suas experiências e memórias sobre esse período de suas vidas. Algumas de suas questões surgiram em diálogo com a minha própria experiência de vestibulando no ano de 2007, ganhando forma acadêmica após meu ingresso no programa de mestrado da Faculdade de Educação da Unicamp, em 2014. A dissertação está dividida em seis capítulos que seguem minha própria narrativa de vida escolar e acadêmica, entrelaçada ao objeto da pesquisa e às experiências dos estudantes contatados.

O primeiro capítulo me apresenta, como sujeito, ao leitor, narrando sobretudo minhas experiências escolares em duas instituições bastante distintas. Será observado que a transição para um colégio apostilado, após doze anos em uma escola construtivista de viés ecológico, proporcionou minhas primeiras percepções sobre a realidade do vestibular. Conto como minhas experiências de vestibulando, imersas em uma rotina desgastante e traumática, continuaram habitando meus pensamentos mesmo a aprovação nos exames e o ingresso na graduação em História, na Unicamp. Por fim, após a entrada no mestrado da Faculdade de Educação, o leitor conhecerá o percurso sinuoso que vivenciei como professor de um curso pré-vestibular da cidade de Campinas e também como pós-graduando, até redefinir o objeto da pesquisa como as experiências de vestibulandos no contexto da preparação para os exames.

No segundo capítulo, apresento uma contextualização histórica do vestibular no Brasil. No diálogo com a legislação e a historiografia, as origens dos exames de seleção para o Ensino Superior são discutidas. Em seguida, o leitor poderá se familiarizar com os principais vestibulares do Estado de São Paulo, ou seja, os exames enfrentados pelos vestibulandos contatados nesta pesquisa. Em seguida, realizo uma revisão bibliográfica sobre o tema do vestibular. Com pouquíssimas obras extensas, como teses e livros, a produção de artigos sobre essa temática tem crescido, embora, tendencialmente, sob uma ótica que reforça o discurso lógico-científico dominante na academia. Ainda que os enfoques sejam bastante variados ± com a presença de estudos sobre cotas, cursinhos populares e sintomas depressivos em vestibulandos ± a maioria dos artigos trabalha com metodologias quantitativas, formulários e análises de grandes grupos de estudantes. Assim, a

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ausência de estudos que partam de abordagens qualitativas, humanísticas e que olhem para as experiências dos sujeitos, abre espaço para as intenções metodológicas desta pesquisa e aos anseios por abordar o vestibular a partir de um contato mais intimista com vestibulandos. Partindo de minhas próprias experiências estudantis e também como professor de cursinho, explicarei ao leitor a escolha pelo diálogo oral com estudantes da instituição em leciono.

No terceiro capítulo, narro minha trajetória acadêmica como graduando em História e mestrando em Educação, para apresentar ao leitor os referenciais teórico-metodológicos desta pesquisa. Se na graduação autores como Marc Bloch, Edward Hallet Carr e Edward Palmer Thompson foram os responsáveis pelas primeiras discussões sobre a subjetividade nas ciências humanas e o método na pesquisa historiográfica, na pós-graduação tive contato com os autores de referência da professora Maria Carolina Bovério Galzerani e da linha de pesquisa ³(GXFDomRGDV VHQVLELOLGDGHV+LVWyULD H0HPyULD´, como Peter Gay e Walter Benjamin, além da perspectiva narrativa preconizada pelo GEPEC, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada ao qual estive atrelado durante o mestrado. Dessa forma, apresenta ao leitor a abordagem narrativa na pesquisa em educação, que inspira este trabalho e se substancializa da primeira à última página desta dissertação. Por fim, neste capítulo faço uma reflexão sobre o conceito de cultura, bem como olhares para culturas juvenis e culturas escolares. Partindo das contribuições de autores como Thompson, Dayrell, Dominique Julia, Vincent, Lahire e Thin, discuto algumas considerações conceituais que são essenciais para olhar para a temática das experiências estudantis no contexto GRYHVWLEXODUVREUHWXGRDQRomRGH³FXOWXUDHVFRODU´± como um conjunto de normas e práticas que que definem conhecimentos e permitem a transmissão e a incorporação de comportamentos -, que embasa a análise das características e especificidades dos cursinhos.

O quarto capítulo explica como se deu o contato com os sujeitos desta pesquisa, apresentando a ideia das entrevistas orais segundo os preceitos da pesquisa narrativa. Em seguida, os sujeitos são apresentados ao leitor: onze estudantes da mais antiga instituição pré-vestibular de Campinas, voltada para Ensino Médio e cursinho. Apresento também o conceito de mônada, a partir de Walter Benjamin, que orienta o olhar para as falas dos estudantes, junto de uma discussão sobre a produção desses fragmentos devidamente selecionados pelo pesquisador no olhar sensível para o conteúdo das entrevistas. Ainda neste capítulo, apresento o conjunto das mônadas dos onze estudantes entrevistados. São fragmentos escolhidos no confronto com minhas próprias memórias,

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que revelam o que jovens vestibulandos têm a dizer sobre suas experiências durante a preparação para o vestibular. De toda a dissertação, esse é, sem dúvidas, o capítulo que mais me orgulha, e o leitor compreenderá a riqueza contida nele quando puder mergulhar nas trajetórias narradas pelos alunos.

O quinto capítulo sugere algumas possíveis leituras a partir dos fragmentos de narrativas dos estudantes. Sem pretender destinar um enfoque monotemático, o vestibular é analisado, inicialmente, à luz do conceito de limiar discutido por Walter Benjamin e Jeanne Marie Gagnebin. Nesse sentido, as experiências dos vestibulandos são abordadas em algumas de suas diversas facetas, como as relações pessoais inseridas no contexto da instituição, as características marcantes do espaço do cursinho, a natureza das aulas e a rotina desgastante descrita por eles. Em seguida, outras imagens que emergiram das mônadas são analisadas, como o trauma provocado pela experiência da preparação para o vestibular naquela instituição, sendo confrontados a valores de meritocracia dominantes no novo capitalismo flexível e na educação, no diálogo com autores como Richard Sennett e Luiz Carlos de Freitas.

Finalmente, o sexto e último capítulo encerra esta dissertação com uma reflexão final sobre meus anseios e desejos relacionados ao impacto que a pesquisa possa vir a ter.

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Experiências de estudantes no contexto do vestibular: narrativas e

memórias sobre a preparação para os exames

1 ± Memorial e justificativa do recorte

Quando comecei a escrever este texto, quase dois anos antes de sua finalização, lembro de sentir um profundo estranhamento pelo ato de narrar, em uma pesquisa acadêmica, minha própria trajetória. Pensar em destinar páginas exclusivas para apresentar quem sou pode parecer algo incomum ao leitor, e naquele momento reservar um espaço específico para a reflexão sobre minhas próprias memórias significava me aproximar de um território pouco explorado. O tempo me fez compreender a relevância da produção do memorial, tanto para me apresentar enquanto sujeito partícipe desta pesquisa a outros que venham a conhecê-la, quanto para mim mesmo. Afinal, o processo de reflexão que é me debruçar sobre o passado traz, certamente, esclarecimentos e dúvidas, junto de caminhos e possibilidades. Percebo de maneira cada vez mais forte que as perguntas iniciais desta pesquisa, bem como a delimitação do recorte, são completamente marcadas por minhas próprias experiências ao longo de minha trajetória escolar. Convido, então, o leitor a acompanhar esse movimento que visa descrever meus referenciais de vida, os acontecimentos que me levaram a ser quem sou e me interessar pela temática do vestibular. Desejo contar, nessas páginas iniciais, por que estudo as experiências e narrativas de estudantes sobre o vestibular, quais acontecimentos em minha vida me levaram a tomar essa questão como objeto de análise. A partir da narrativa de minha vida, espero esclarecer as motivações e os episódios marcantes para a constituição do objeto de pesquisa.

1.1 - Narrando meus primeiros referenciais da vida escolar

Mateus Leme de Sousa, nascido em 1990 em Bragança Paulista, cidade do interior do Estado com cerca de 160 mil habitantes, mas bastante próxima da capital e de Campinas. Lá vivi do nascimento até os 17 anos, quando ingressei na graduação. Durante quase toda a minha vida escolar, frequentei uma escola particular pouco tradicional. Explico: as instalações se localizavam na zona rural da cidade, num local onde fora no passado uma chácara. A instituição havia sido

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fundada há poucos anos, com poucas turmas destinadas apenas aos anos iniciais. Assim, cresci junto da escola. A cada ano que se passava, uma nova turma era aberta, e a escolinha de educação infantil se tornou com o passar do tempo uma escola destinada a todos os ciclos.

$RORQJRGDTXHOHVDQRVIXLjHVFRODGHYDQ1DYHUGDGHQDpSRFDFKDPDYDPGH³7RSLF´ mas antes disso era uma Kombi. Só depois uma van. Íamos eu, minha irmã dois anos mais nova, e meus dois primos também da mesma faixa etária. Éramos os primeiros a ser pegos pela condução, e por isso o trajeto durava cerca de uma hora até a escola, bastante distante de minha casa para os padrões de uma cidade pequena como Bragança. Mas não era ruim, afinal, fiz grandes amigos naqueles bancos velhos onde brincávamos, conversávamos e cantávamos.

Chegando à escola havia a pouco convencional organização espacial, que logo deixou de se destacar por conta dos longos anos que passei por lá. Ao invés do tradicional prédio com um pátio no centro, o espaço físico era bastante arborizado, aberto, com salas de aula de madeira, telhado de sapê e até mesmo com animais fazendo parte da harmonia espacial. Quando pequeno, isso era o máximo. Afinal, que criança não gosta de cavalos, coelhos, pavões e ovelhas? Havia um viés ecológico marcante naquela instituição, cujos alunos cresciam com um contato próximo da natureza e dos seres vivos2. Porém, próximo da adolescência isso passava a ser visto como algo

infantil demais para os jovens rebeldes e pseudo-maduros dos quais eu queria fazer parte. Havia na cidade brincadeiras de alunos de outras escolas em relação aos que estudavam nessa escola de zona rural. Diziam que, ao invés de matemática, português e as demais disciplinas, aprendíamos a colher, ordenhar, plantar, etc. Eram brincadeiras saudáveis; sempre levei na esportiva, pois sabia que aquilo fazia parte da minha identidade. Não estudei questões específicas de colheita e criação de DQLPDLV PDV GH IDWR SODQWHL XPD PXGD HP FDGD ³'LD GD ÈUYRUH´ em que estudei naquela instituição. Uma para cada um dos doze anos que passei por lá.

Lembro-me que as turmas costumavam ser pequenas. Em minha 8ª série, atual 9º ano, havia DSHQDV  DOXQRV QD VDOD (X FRP LQLFLDO ³0´ HUD R Q~PHUR  QD FKDPDGD Por conta disso, naturalmente os professores sabiam os nomes de todos os alunos, e todos se conheciam de longa data, algo que tornava a atmosfera um tanto familiar. A direção da escola era ocupada pelos donos

2 A partir deste ponto, para facilitar aVUHIHUrQFLDVSDVVDUHLDGHVLJQDUHVVDHVFRODFRPDGHQRPLQDomR³HVFROD HFROyJLFD´$LQGDTXHQmRKDMDDTXLDLQWHQomRGHGLVFXWLURFRQFHLWRGH³HFRORJLD´DFRQH[mRFRPDQDWXUH]Dp certamente o elemento mais marcante em meio a minhas memórias sobre essa instituição.

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e fundadores da instituição. Além disso, como disse, minha irmã e meus primos também estudavam lá. Éramos todos bons alunos e estávamos lá há bastante tempo, então todos sabiam quem eram os ³/HPH´

³/HPH´pXPVREUHQRPHWUDGLFLRQDOHP%UDJDQoDGiQRPHDUXDVHSUDoDV1HPSRULVVR venho de uma família poderosa e influente na cidade. Na verdade, cresci vendo de perto as dificuldades financeiras que minha mãe enfrentava e o esforço que fazia para manter a mim e a minha irmã numa escola particular. Tínhamos um grande desconto, mas mesmo assim era difícil pagar as mensalidades em dia. Sem a ajuda de meu pai, que não cresceu conosco, minha mãe sempre teve a convicção de que era imprescindível que estudássemos numa boa escola. ,QIHOL]PHQWH ³ERD HVFROD´ QR %UDVLO PXLWDV YH]HV TXHU GL]HU ³HVFROD SDUWLFXODU´ (OD SUHIHULD assim, fazer dívidas e mais dívidas a nos tirar de uma boa escola. Cresci ao longo desses doze anos convivendo com pessoas de realidades bastante distintas da minha. Apesar de haver muitos bolsistas e alunos com desconto, a maioria dos meus colegas tinha uma condição socioeconômica mais favorecida, e talvez tenha sido este o contexto que motivou minhas primeiras reflexões sobre o elitismo na educação brasileira.

Além do espaço físico e do meio social, é pertinente contar também como eram as aulas e a abordagem do conhecimento nessa escola. Durante todos os anos que passei na instituição havia a adoção de um material didático determinado. Ao invés de grandes apostilas, eram fascículos pequenos e temáticos que se pretendiam interdisciplinares. Aliás, lembro-me que ouvíamos falar da interdisciplinaridade, algo muito valorizado em nossa escola, antes mesmo disso se tornar um mantra repetido e defendido em toda a educação nacional. Mesmo com a presença dos fascículos, os professores tinham liberdade para promover atividades, projetos e demais ideias relativas a suas áreas e relacionar com outras. Lembro-me que falavam, nos outdoors e propagandas da escola, em ³FRQVWUXWLYLVPR´1mRVDELDDEVROXWDPHQWHQDGDVREUHLVVRPDVSDUHFLDWUDQVJUHVVRUGRVSDGU}HV escolares tradicionais e, portanto, bom. A ideia de estudar numa escola não convencional sempre me agradou.

Confesso que lembro de poucos detalhes das aulas, mas me recordo que com muita frequência fazíamos atividades de leitura e discussões fora da sala de aula, num gramado ou no pátio. Os trabalhos em grupo também eram muito recorrentes, muitas vezes até mais do que as provas individuais, e tinham o mesmo peso nas notas finais. Sempre tive facilidade com as ciências

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humanas e dificuldade com as exatas. Contudo, nessa escola acabava tendo boas notas em todas as disciplinas, pois era esforçado e entregava todos os trabalhos e lições de casa solicitadas. Dessa forma, mesmo com um desempenho ruim nas provas individuais, conseguia me sair bem ao final do bimestre. Convém destacar também que a maioria dos professores estava lá há muitos anos e tinham uma boa relação com os alunos. Presente da infância à adolescência, foram muito importantes em minha formação.

1.2 ̢ Hora de mudar de rumo?

Parte de uma família

No final de 2006, passaram a ser comuns os comunicados da dona da escola na sala de aula. Naquela época, muitos alunos estavam se transferindo para outras escolas, e por conta disso ela passava de sala em sala informando sobre o período de rematrícula, fazendo propaganda da instituição. Eu, que já tinha planos de mudar de ares, lembro-me perfeitamente de um dia no qual a diretora-dona entrou em minha sala de 2º ano do Ensino Médio e falou sobre a importância de FRQWLQXDUPRVDOLXQLGRV³(PRXWUDVHVFRODVYRFrVVHUmRDSHQDVXPQ~PHURXP robozinho programado para passar no vestibular. Aqui vocês são parte de uma IDPtOLD´

Mateus

Contra uma memória nostálgica e idealizada, é importante recordar que havia também muitos problemas nessa escola, alguns dos quais tiveram grande influência na mudança de trajetória que vivi. Apesar dos aspectos positivos e das memórias alegres que guardo até hoje, sem dúvidas presenciei também situações incômodas e vi características negativas sobre a instituição. Em muitos momentos percebi certa desorganização em relação à grade horária, que permanecia como provisória por quase um mês em todo início de ano. Havia também uma tolerância bastante grande em relação aos alunos que não entregavam os trabalhos solicitados. Não se criava, assim, uma cultura de estudos naquela instituição. Nunca fui o mais estudioso dos alunos, mas sendo um pouco esforçado podia perceber nitidamente como passava muito mais tempo do que meus colegas me dedicando aos estudos.

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Além disso, o viés construtivista e interdisciplinar nem sempre significou a realização bem-sucedida das atividades. Recordo-me de alguns episódios que ocorreram no Ensino Médio. Em um deles, lembro-me de um professor recém contratado que se esforçava claramente para se adequar à proposta da escola, trazendo a matemática e a geometria para o cotidiano. Certa vez pediu aos alunos que trouxessem objetos do dia a dia que tivessem formas geométricas similares às que estávamos estudando. Na semana seguinte nenhum dos alunos levou os objetos, e o professor acabou esbravejando e transparecendo um possível ceticismo com aquela abordagem: ³'HTXHDGLDQWDHXPHHVIRUoDUWHQWDUWUD]HURconteúdo para o cotidiano para que não me chamem de µconteudista¶ HWUDGLFLRQDOVHYRFrVQmRVHLQWHUHVVDPSRUQDGD"´ /HPEURWDPEpPTXHQD mesma época o projeto interdisciplinar de fim de ano de minha turma foi cancelado pois os alunos se opuseram a todas as propostas feitas pelos professores. No fim das contas, nem sempre as ideias eram executadas de acordo com as teorias educacionais que pautavam o projeto pedagógico da instituição.

Porém, uma questão específica fez com que eu me tornasse, nos últimos meses em que estive por lá, um grande crítico da instituição: a preparação para o vestibular. A aprovação nos grandes vestibulares nunca foi o carro-chefe da escola ecológica onde estudei. Na verdade, as propagandas e pronunciamentos da dona-diretora em sala de aula (que por sinal eram bem frequentes) sempre ressaltaram a preocupação da escola com uma formação crítica, cidadã e consciente. Com o passar dos anos e a abertura do Ensino Médio, surgiram as críticas e o discurso recorrente de que seria uma escola ³IUDFD´. De fato, não havia até aquele momento uma preocupação exclusiva com a preparação para os exames de seleção. Não costumávamos fazer simulados nem escrever redações constantemente, e até mesmo os exercícios de múltipla escolha, típicos dos vestibulares, apareciam com pouca frequência. Naquele momento eu começava a me aproximar da realidade do fim do Ensino Médio, e os sonhos de ingresso em grandes universidades certamente me acompanhavam. Imaginava que, como sempre fui um bom aluno naquela instituição, provavelmente teria um bom desempenho nos vestibulares.

Porém, no 2º ano do Ensino Médio prestei as provas como treineiro e percebi que estava diante de um tipo de prova bastante distinto do que eu costumava fazer na escola ecológica onde estudava. Algumas questões de ciências humanas eram µconteudistas¶ e cobravam a memorização de tópicos e detalhes dos quais eu não me recordava. Os itens de ciências exatas, diferentemente

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do que eu via na escola, não apresentavam as fórmulas, e exigiam uma rapidez de raciocínio típica de alguém muito acostumado a esse tipo de avaliação. Faltou-me tempo, faltou-me familiaridade com a prova, faltou-me controle emocional para executar tudo que estava sendo cobrado. Assim, fui convencido de que havia passado mais de uma década de minha vida escolar numa instituição pela qual sentia grande carinho, mas que era fraca para preparação nos vestibulares. A partir de então passei a realizar críticas explícitas à escola e sua metodologia. Passei a levar essas questões aos professores e à coordenação. Acredito que passei a ser visto como alguém rebelde, prestes a desertar.

Nesse momento ± isto é, por volta dos meus 16 anos, quando finalizava o 2º ano do Ensino Médio ± muitos alunos da escola ecológica passaram a se transferir para outros colégios da cidade. A grande maioria buscava uma formação mais voltada para o vestibular, principalmente por conta de pressão dos pais. No meu caso, minha mãe apoiava qualquer escolha que eu fizesse, então a decisão final de mudar de escola ou não foi exclusivamente minha. Lembro que esse fluxo de alunos HRGLVFXUVRFRUUHQWHGH³HVFRODIUDFD´ gerou mudanças na instituição. No final do ano tivemos um simulado pela primeira vez, e passou a haver aulas à tarde específicas para o vestibular. Ainda assim, surgiu um discurso protecionista da direção em relação ao viés pedagógico da escola. Diziam constantemente que lá havia objetivos mais importantes que apenas preparar para exames. Queriam uma formação crítica, cidadã e consciente com o planeta e a sociedade.

Lembro-me perfeitamente do comunicado da diretora-dona na sala de aula constituída em mônada acima. Ao falar sobre sermos parte de uma família, recordo-me que ficava incomodado com esse tipo de discurso idealizado e maniqueísta que corria à época. Afinal, sentia-me parte de um grupo acolhido e respeitado; sabia que tivera uma formação crítica, mas sabia que poderia haver uma preparação mais direcionada ao vestibular sem esquecer completamente valores éticos e humanos.

Diante disso tudo, tomei a dura e difícil decisão de mudar de escola no último ano do Ensino Médio. Depois de passar 12 anos com o mesmo grupo de amigos, professores e funcionários, resolvi que precisava de uma formação mais direcionada aos meus planos. Lembro que a notícia foi recebida com surpresa e indignação por meus amigos. Trataram-me como um traidor, como alguém que passou a vida toda remando em direção à subversão da ordem estabelecida para decidir mudar drasticamente de sentido. E foi o que fiz: uma mudança extremamente radical.

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No ano seguinte me transferi para um colégio apostilado3 de Bragança Paulista, com foco declarado na preparação para os vestibulares. O ano era 2007 e eu estava prestes a viver uma das mais radicais mudanças de vida que já senti até hoje.

1.3 - Um novo momento da vida escolar

A compreensão

Eu tinha um professor de história que fazia umas provocações extremamente interessantes em suas aulas. Deslocava os alunos da zona de conforto, do senso comum. Como sempre gostei de história, achava isso o máximo, principDOPHQWHSRUTXHVHXVFRPHQWiULRVSDUHFLDPµGHVDILDURVLVWHPD¶. Entretanto, esse mesmo professor era muitas vezes grosseiro e desrespeitoso com os alunos. Tinha atitudes agressivas e isso fazia com que nós, estudantes, tivéssemos medo de participar e fazer perguntas. Por conta disso, lembro-me de um dia em que alguns alunos chamaram o coordenador do colégio para conversar e contar sobre a conduta do professor de história, dizendo o quanto aquele comportamento prejudicava nosso aprendizado. A resposta do cooUGHQDGRUIRLFODUDHREMHWLYD³1mRLPSRUWDVHRSURIHVVRUpQD]LVWDRXVHHOH é um santo, o papel dele aqui é fazer vocês passarem no vestibular, e nisso ele é ERP´)RLQHVVHGLDTXHWLYHDSOHQDFRPSUHHQVmRGRTXHHUDHRTXHEXVFDYDR colégio onde eu estudava.

Mateus

A memória desse episódio, ainda bastante clara, revela a profundidade da transformação pela qual estava prestes a passar. Para explicá-la, convém descrever a nova instituição e especialmente como isso tudo afetou minha rotina naquele momento. O colégio apostilado para onde me transferi adotava um sistema apostilado que é conhecido no estado de São Paulo por garantir muitas aprovações nos vestibulares. Justamente por isso a escolhi. Era esse meu foco naquele momento. Tratava-se da escola mais cara da cidade, e assim foi providencial conseguir um grande desconto nas mensalidades. Lembro de quando cheguei ao local pela primeira vez e notei a diferença na organização espacial: um único prédio com todas as salas dentro. As paredes eram

3ƉĂƌƚŝƌĚĞƐƚĞƉŽŶƚŽ͕ƉĂƌĂĨĂĐŝůŝƚĂƌĂƐƌĞĨĞƌġŶĐŝĂƐ͕ƉĂƐƐĂƌĞŝĂĚĞƐŝŐŶĂƌĞƐƐĂŝŶƐƚŝƚƵŝĕĆŽƉĞůĂĚĞŶŽŵŝŶĂĕĆŽ͞ĐŽůĠŐŝŽ ĂƉŽƐƚŝůĂĚŽ͘͟

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bastante coloridas, a atmosfera não era hostil. Apesar da ausência de espaço abertos e a convivência com a natureza, acostumar-me com um novo ambiente foi o menor dos meus problemas. Confesso que não me recordo exatamente do primeiro dia, das primeiras aulas. Lembro apenas que, passada DSULPHLUDVHPDQDGHDXODXPSHQVDPHQWRYHLRjFDEHoDSHODSULPHLUDYH]QDYLGD³YRXUHSHWLU GHDQR´

As aulas, o material, os exercícios, o tratamento dos professores... tudo era extremamente diferente. Lembro-me de pensar que era difícil chamar as duas instituições ± tanto a ecológica quanto o colégio apostilado ± GH³HVFROD´$VGLIHUHQoDVHUDPWmRJUDQGHVTXHQmRSDUHFLDTXHXP mesmo termo poderia dizer respeito às duas.

No colégio apostilado, as salas de aula eram grandes e cheias. Minha turma de 3º ano do Ensino Médio tinha 63 alunos. Obviamente não éramos tratados como números e robôs, mas de fato os professores não conheciam todos os alunos pelos nomes. As apostilas determinavam exatamente qual era o conteúdo que deveria ser visto em cada aula, inclusive com os exercícios que seriam feitos em casa. Tínhamos dois ou três professores para cada disciplina, que eram divididas em diferentes frentes, de acordo com a especialidade. Mas o que me fez sentir maior dificuldade de adaptação certamente foi o ritmo com que tudo era dado. Sentia constantemente que estava fazendo uma breve revisão de conteúdos com os quais nunca havia tido contato. Alguns tópicos que estudara ao longo de meses na escola ecológica eram abordados em uma única aula de 45 minutos.

Lembro que foi no colégio apostilado que tive uma aula de química orgânica pela primeira vez na vida. As aulas aconteciam a cada quinze dias. Recordo-me de chegar em casa e de fazer diversos exercícios sobre a nomenclatura, com os prefixos e afixos alterando-se de acordo com a quantidade de carbonos e o tipo de ligação. Isso tudo era novo para mim, que me esforçava bastante para acompanhar. Contudo, quinze dias depois, mesmo tendo feito os exercícios recomendados, já não me recordava exatamente qual fórmula representava o metano e qual a estrutura do propeno. Passei, assim, a ter uma extrema dificuldade para acompanhar as aulas. Tentava me concentrar ao máximo em cada uma delas, prestar atenção a cada detalhe, mas simplesmente não conseguia compreender naquele ritmo. O professor de física, ao apresentar as complexas fórmulas de FLQHPiWLFDUHIRUoDYD³&KHJDGHVVHSDSRGHTXHQmRWHPTXHGHFRUDUHVLPDSUHQGHU7HPTXH decorar sim! Se não decorarem as fórmulas vocês vão gastar muito tempo nos exercícios e os

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FRQFRUUHQWHVIDUmRUDSLGDPHQWH´(VVHGLVFXUVRHUDRH[WUHPRRSRVWRGRTXHHXHVWDYDDFRVWXPDGR a ouvir na escola ecológica. Infelizmente, era eficiente e verdadeiro no que se refere ao desempenho nas provas.

No colégio apostilado, na maioria das aulas havia uma explicação dos professores, seguido de um pequeno tempo para fazermos, individualmente, um ou dois exercícios da apostila, que seriam corrigidos na lousa pelo professor. Lembro que dificilmente eu conseguia fazer os exercícios no tempo estipulado pelo professor. Aliás, passei a ter conhecimento, naquele ano, de que nos vestibulares há apenas três minutos para cada questão, e por isso deveríamos tentar resolver nesse tempo. Sempre olhava para os lados e via meus colegas, quase todos já acostumados ao ritmo daquele colégio, fazendo os exercícios sem grandes dificuldades. Como é que eu pude achar por tantos anos que era um bom aluno? Como pude ser tão ingênuo de acreditar que estava tendo uma boa formação se não conseguia nem ao menos compreender as explicações dos professores? Recordo-me inclusive de chegar a pensar que eu devia sofrer de algum tipo de deficiência intelectual, pois parecia que o esforço e as horas de estudo muitas vezes não eram convertidos em compreensão.

Diante de tanta dificuldade, passei a estudar como nunca havia feito. Assim que as aulas terminavam, voltava para casa e estudava até a hora de dormir. Muitas vezes, só parava de madrugada, quando começava a cochilar sobre os livros, ou quando minha mãe me obrigava a dormir. Organizei uma rotina rigorosa de estudos que visava suprir minhas dificuldades de adaptação. Por conta disso, afastei-me consideravelmente dos antigos amigos da escola ecológica. Nas poucas vezes em que nos víamos, eles pareciam leves, tranquilos, enquanto eu me sentia tenso, ansioso e constantemente angustiado. Diziam que eu era maluco de tomar conscientemente a decisão de perder a adolescência, sacrificar a melhor época da vida. Não estavam preocupados com o futuro; diziam que, na pior das hipóteses, fariam um ano de cursinho e em seguida ingressariam na universidade.

Os outros estudantes do colégio apostilado eram vistos por mim como colegas. Parecia difícil me aproximar de verdade. Em primeiro lugar, pois a maioria já estava naquela instituição há anos, já havia grupos formados. A maioria tinha uma realidade socioeconômica muito diferente da minha, de forma a gerar um distanciamento. Além disso, em todas as conversas o único assunto

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discutido era sempre o vestibular. Não conhecia quase nada sobre a vida de nenhum dos meus colegas, mas sabia qual curso iriam prestar e quantos pontos haviam feito no último simulado.

Aliás, causava-me surpresa perceber que as falas dos professores também sempre passavam por este mesmo assunto. Quando faziam um discurso motivacional, citavam o vestibular como o grande foco do ano, o objetivo das nossas vidas. Nos momentos de broncas, a reprovação no YHVWLEXODUDSDUHFLDFRPRDSXQLomR³FRPHVVDSRVWXUDYRFrVQmRYmRSDVVDU´RXGL]HQGR³QR ano que vem tem vestibular de QRYR´4XDQGRID]tDPRVVLPXODGRV TXHSRUVLQDOHUDPEDVWDQWH frequentes), havia um ranqueamento da turma que servia como motivação. Aparecia também como uma representação do nível ao qual cada aluno estava. Se os resultados estavam baixos, devia-se estudar mais. No discurso dos professores e da coordenação, o desempenho estava sempre ligado quase que exclusivamente ao esforço individual de cada estudante. E eu absorvi essa ideia, que me acompanhou ao longo de todo aquele período.

O foco no vestibular foi, sem dúvidas, o elemento que marcou a passagem daquele ano. Foi duro, cansativo, estressante e traumático. Contudo, não posso negar a qualidade com que aquela instituição cumpria seus objetivos. Havia de fato uma abordagem ³conteudista´, um ritmo desumano imposto ao aluno junto de pressão por resultados. Ainda assim, o colégio era extremamente organizado, os professores eram competentes e muito bons no que se propunham: preparar para os exames de seleção. Nesse contexto, é pertinente olhar para a mônada que abre esta seção e como ela simboliza a transição que vivi. Essa memória revela que havia uma proposta clara a ser seguida pela segunda instituição: preparar para o vestibular, e apenas isso. E é justamente esse tipo de escola que é entendida como forte e de qualidade no Brasil atual. A quantidade de aprovações obtidas pelos alunos em grandes universidades parece simbolizar se uma escola é forte ou fraca. Longe de estabelecer um maniqueísmo, com elementos romantizados e outros demonizados, é essencial perceber como minha vida escolar foi marcada por extremos. Cada uma das escolas onde estudei tinha focos completamente distintos, e mergulhar nessa diferença foi doloroso e me marcou profundamente desde então.

O ano de 2007 foi passando e a exaustiva rotina de estudos se manteve. Fui me acostumando aos poucos ± sem, contudo, deixar de sofrer ± com a abordagem ³conteudista´, o excesso de exercícios, a matéria atrasada, o ritmo frenético e a pressão constante. Curioso notar que foi nesse ano que tive certeza que queria prestar o curso de História, para me tornar professor. Pois bem, o

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vestibular chegou e era o momento de enfrentá-lo. Eu me sentia esgotado, estava estressado, ansioso e nervoso, mas dominava muitos conteúdos que antes nem conhecia e estava bem familiarizado com o formato dos exames. Fiz as provas e fui aprovado na Universidade Estadual de Campinas. No ano seguinte vivenciei uma nova transição em minha vida escolar: o ingresso na universidade.

1.4 - Enfim universitário

Produzir conhecimento

Lembro de estar entrando pela primeira vez naquela típica sala de aula do IFCH, onde passaria os próximos cinco anos cursando História. A disciplina era ³,QWURGXomRDR(VWXGRGD+LVWyULD´HDVVLPTXHHQWUHLYLRSURIHVVRUXPKRPHP com cabelos grisalhos, óculos de aros grossos e olhos estrábicos. Logo deu as boas-vindas aos novos estudantes e conduziu as primeiras discussões. Passou a manhã toda sem pegar no giz, sem escrever na lousa, algo bastante peculiar se comparado ao que eu estava acostumado em relação a aulas de História. Em seguida, disse algo que me fez questionar profundamente minha trajetória escolar HRSUySULRVLVWHPDGHLQJUHVVRQDXQLYHUVLGDGH³(PDOJXQVDQRVYRFrVVHUmR historiadores, então acostumem-se com amigos e familiares perguntando datas, detalhes e grandes nomes, testando sua capacidade de memorização. Quando isso ocorrer, não respondam. Recusem-se a responder, mesmo que saibam. Vocês não estão aqui para acumular conhecimento. Para isso, qualquer um pode consultar livros e manuais. Como histRULDGRUHVQRVVRSDSHOpSURGX]LUFRQKHFLPHQWR´

Mateus

O que significa produzir conhecimento? Se hoje essa discussão parece recorrente na academia e em minha vida, aos 17 anos e tendo acabado de ingressar na universidade essa ideia não era ainda tão clara. Ainda assim, a crítica trazida por este professor no primeiro semestre da graduação motivou reflexões potentes em relação à transição escola-universidade. Tão potentes, na verdade, que considero que constituíram as primeiras sementes que viriam a florescer enquanto projeto de pesquisa depois de alguns anos.

Antes de me aprofundar nas questões concernentes à abordagem do conhecimento, convém destacar também a grande transformação que vivi em quase todos os aspectos da vida ao ingressar

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na Unicamp. Com então 17 anos, mudei-me de Bragança Paulista para Campinas, mais precisamente para o distrito de Barão Geraldo, onde se localiza a universidade. Saí de casa para passar a morar em uma república estudantil com outros universitários e assim conquistava a tão sonhada liberdade que todo jovem deseja. Sentia-me aliviado por ter enterrado a exaustiva rotina de estudos; orgulhoso pela aprovação numa grande universidade; ansioso para fazer novas amizades e ávido pela formação que me esperava no curso de História.

Foi nos primeiros meses no ambiente acadêmico que pude desconstruir muitos preconceitos HYLV}HVHVWHUHRWLSDGDVTXDQWRj+LVWyULD$SUHQGLTXHD+LVWyULDFRP³+´PDL~VFXORHQTXDQWR SURFHVVRGDVUHODo}HVGRKRPHPDRORQJRGRWHPSRQmRpRPHVPRTXH³KLVWRULografia´WHUPR novo até aquele momento. Nesse período os primeiros referenciais teórico-metodológicos que compõem esta pesquisa se uniram aos referenciais de vida que impulsionaram as motivações para sua realização.

Naquele início de 2008 tive contato com autores como Marc Bloch, Edward Hallet Carr, e Edward Palmer Thompson, estudiosos que refletiram sobre a história e o ofício do historiador, abriram a possibilidade de outros olhares e têm até hoje grande relevância para os referenciais teórico-metodológicos desta pesquisa. Essas leituras introduziram meus pensamentos nos meandros da subjetividade das ciências humanas. Passei a perceber que a escrita sobre a História não pode produzir verdades absolutas e que muito da história ensinada nos dias de hoje é ainda marcada pelo pensamento do século XIX.

Diante desse primeiro contato com a subjetividade na História e nas ciências humanas ± discutida com mais profundidade nos capítulos seguintes ±, sentia que as bases que sustentavam meu repertório de conhecimento começavam a ser desconstruídas. Se História significa também interpretar, será que os fenômenos e processos históricos que estudei nos livros didáticos representavam apenas uma interpretação? Eram apenas uma versão dos fatos? Na verdade, ao me preparar para o vestibular sentia que estava aprendendo uma verdade. Quando fazia simulados, não parecia haver espaço para subjetividade numa prova de múltipla escolha; afinal, dentre as cinco alternativas há sempre apenas uma correta.

E o que significa ± retomando a mônada relativa à minha primeira aula na graduação -, então, produzir conhecimento? Se o papel dos historiadores não é acumular conhecimento, que foi que fiz naquele longo e penoso ano de estudos para o vestibular? Naquele momento sabia enumerar,

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em ordem, todos os presidentes da chamada República Velha, seus principais feitos e as revoltas que ocorreram em cada governo. Tinha, de fato, memorizado isso tudo. A preparação que recebi no colégio apostiladol foi essencial para que eu pudesse ter o domínio do conteúdo. Era justamente isso que fazia dela uma escola forte. E eis que o ingresso na Unicamp revelou que o pensamento historiográfico na academia não se interessa por memorização e acúmulos de informações. Em vez disso, busca-se produzir conhecimento.

Essa dura percepção me fez olhar para trás e visualizar minha trajetória escolar de forma incrédula e confusa: ao longo dos anos na escola ecológica, fiz trabalhos em grupo, debates, maquetes, projetos interdisciplinares e atividades individuais. Sem dúvidas, produzi conhecimento dentro do âmbito escolar. Porém, por não promover alto índice de aprovações nos vestibulares, era XPDHVFROD³IUDFD´'RODGRRSRVWRHVWDYDDH[SHULrQFLDQRFROpJLRapostilado, onde me detive a ler resumos das disciplinas e fazer uma infinidade de exercícios nos moldes das grandes provas. Acumulei conhecimento, memorizei informações e senti meu desempenho crescer ao longo da preparação. O colégio tinha altos níveis de aprovações: logo, HUDXPDHVFROD³IRUWH´

Tal raciocínio me levou a um profundo pensamento: há algo errado. Se a universidade não quer um estudante como repositório de fatos, um mero reprodutor de informações, mas um produtor de conhecimento, por que é que os alunos da escola ecológica não tinham tantas aprovações quanto os jovens advindos do colégio apostilado?

Nascia nessa angústia minha obsessão em relação ao vestibular, que me marcou fortemente ao longo de toda a graduação. Junto disso, é imprescindível contar que passei aqueles anos de experiência universitária insatisfeito com a formação na licenciatura. Sabia desde o início que queria me tornar professor, mas não sentia que estava sendo bem preparado. O discurso corrente entre os estudantes do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas dizia que as disciplinas da Faculdade de Educação eram péssimas, pois lá não se aprendia a ensinar, não se aprendia ³como dar aulas´. Entretanto, não era por isso que sempre fui crítico da licenciatura. Logo percebi que as FKDPDGDV³(/¶V´4 QmRVHSURSXQKDPD³HQVLQDUDGDUDXOD´GHIRUma tão engessada e instrumental

como desejava a maioria dos estudantes de licenciatura. O problema, para mim, estava no fato de que tínhamos pouquíssimas disciplinas voltadas para a educação e para o ensino de História. Além disso, dentro do próprio departamento a preocupação dos professores era declaradamente uma

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formação voltada para a pesquisa em História, mas que concedia pouco espaço para as aproximações entre historiografia e educação, ou mesmo ensino de História.

Se pudesse voltar no tempo e dizer ao jovem Mateus de 17 anos que no curso de História a formação de professores ficaria sempre marginalizada, confesso que tenho sérias dúvidas se tomaria novamente a mesma decisão. Assim, passei cinco anos de graduação insatisfeito com a pouca quantidade de discussões relativas ao âmbito educacional, sentindo um vazio em minha formação de educador.

Nos anos finais da graduação, comecei a trabalhar informalmente em diversas ocupações. Já estava na casa dos 20 anos, precisava de dinheiro para me sustentar e ajudar minha família. Por recomendações de amigos, passei a realizar serviços informalmente num curso pré-vestibular no centro de Campinas. A área não era História, mas Redação, porém não estava em condições financeiras de recusar nenhum tipo de trabalho. Corrigia redações de jovens estudantes que se preparavam para o vestibular. Pouco a pouco fui crescendo dentro da instituição, além de ter cada vez mais contato com os alunos. Passei a ver neles muito de tudo o que vivi, as angústias, a rotina exaustiva de estudos e a dificuldade em lidar com a pressão.

Cheguei, então, ao final da graduação em História, tendo me constituído enquanto sujeito mobilizado intensamente pelas três experiências narradas: a inquietude quanto ao vestibular e a abordagem dada ao conhecimento histórico; o descontentamento acadêmico com a formação insuficiente na licenciatura; e o contato profissional com jovens vestibulandos com experiências próximas das minhas. Tais reflexões compuseram, naquele momento, a intenção de realizar um estudo sobre essa temática. As mudanças pelas quais o recorte passou serão contadas nas páginas a seguir, mas no final de 2013 os objetivos eram diferentes dos de hoje: desejava investigar a fundo as diferenças de tratamento da História na transição escola-universidade, de modo a preencher o vazio formativo que sentia quanto à licenciatura. Decidi, finalmente, fazer mestrado na Faculdade de Educação da Unicamp.

1.5 - O ingresso no mestrado e a (re)constituição do objeto de pesquisa

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Era fevereiro de 2014. Recém aprovado no processo seletivo do Mestrado em Educação, caminhava naquela tarde quente rumo à minha primeira real inserção no mundo da pós-graduação: a defesa de tese de uma colega do grupo de pesquisa, o GEPEC. Não frequentava os encontros do grupo antes de me matricular, então entrar pela primeira vez na sala de defesa da Faculdade de Educação significou ver rostos desconhecidos. Percebi instantaneamente que era o mais novo naquele ambiente: novo pois acabara de chegar e novo por ser o mais jovem. Por isso, senti-me até mesmo infantilizado, tanto em relação ao momento acadêmico quanto à fase da vida. Provavelmente eu era o único naquela sala que não tinha filhos, que não possuía anos de experiência na docência, que chegou à faculdade de bicicleta e não de carro, que vestia tênis e não sapato. Sentia que estava começando a entrar num universo que ainda não era o meu. Junto desse estranhamento, chamou-me a atenção a atmosfera intimista que havia na sala. Nas poucas experiências de defesa que presenciei no IFCH, o clima era mais formal e até mesmo pesado, com uma pressão evidente sobre o pós-graduando. Naquela tarde, no entanto, parecia haver uma relação próxima entre a banca e a doutoranda. Antes da apresentação começar, todos se abraçavam, riam, cumprimentavam uns aos outros. Ao longo da defesa, houve lágrimas de felicidade e memórias pessoais, junto das discussões teóricas, sem que se perdesse a seriedade. Definitivamente a academia não se organiza da mesma forma quando se atravessa a rua.

Mateus

Atravessar a rua naquele início de 2014 significava receber o diploma da graduação em História, fechar meu ciclo acadêmico no IFCH e partir para uma nova empreitada na Faculdade de Educação. Tratava-se de um novo ambiente, novos professores e colegas e principalmente uma forma distinta de relação entre o pesquisador e o objeto de pesquisa.

Depois de decidir que queria realizar uma pesquisa que tivesse como foco o conhecimento histórico na transição escola-universidade, o próximo passo foi entrar em contato com a professora 0DULD&DUROLQD%RYpULR*DO]HUDQLD&DURO+DYLDFXUVDGRQDJUDGXDomRDGLVFLSOLQD³(VFRODH FRQKHFLPHQWRGH+LVWyULDH*HRJUDILD´Fom ela e passei a enxergar a possibilidade de ser orientado pela Carol. Quando conversamos e recebi dela o incentivo de participar do processo seletivo, não tinha nenhum conhecimento dos problemas de saúde pelos quais ela passava e que foram responsáveis por seu afastamento da universidade. Assim, durante a realização da seleção para o mestrado, a professora Carol infelizmente não acompanhou presencialmente meu ingresso no programa de pós-graduação.

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Matriculado, enfrentei a transição relatada. Sentia-me quase um estrangeiro entrando em território desconhecido, sem compreender totalmente o idioma daquele local. E o primeiro desafio foi apresentar meu projeto para o grupo de pesquisa, o GEPEC. Como disse, ingressei no mestrado com o interesse em realizar uma análise acerca das diferenças entre o conhecimento histórico escolar e o conhecimento histórico acadêmico. A intenção era, num primeiro momento, ao analisar o saber histórico no mundo escolar, destinar um olhar sobre os conhecimentos produzidos e reproduzidos no espaço da escola. O objetivo, desse modo, seria observar como é abordado o conhecimento de história inserido no contexto escolar. Por outro lado, o saber histórico no ambiente acadêmico, entendido como um campo de pesquisa e produção de conhecimento, seria analisado à luz da reflexão sobre o ofício do historiador, pensando nos debates travados ao longo dos anos na historiografia até os tempos atuais.

Contudo, logo os primeiros questionamentos surgiram quando apresentei minha pesquisa nas primeiras reuniões do seminário do GEPEC, e também aos colegas da linha de pesquisa ³(GXFDomR GDV VHQVLELOLGDGHV +LVWyULD H 0HPyULD´. Os empecilhos começaram a aparecer no estabelecimento do recorte. Acompanhado de uma ânsia por fazer uma pesquisa relevante, tinha a ingênua pretensão de realizar uma análise que fosse representativa de uma totalidade, que as conclusões tiradas pudessem ilustrar e contribuir para grandes dilemas no campo do ensino de história. Diante de minhas pretensões quantitativas e generalizantes, passei a conhecer a abordagem do GEPEC quanto aos olhares para experiências singulares, algo que ficará mais claro no próximo capítulo, quando forem apresentadas minhas memórias sobre os referenciais teórico-metodológicos. De qualquer modo, pouco a pouco fui percebendo, com a ajuda dos colegas e seus olhares, que não seria possível realizar uma análise total e nem obter resultados conclusivos e fechados. Afinal, não seria possível representar todo o saber histórico acadêmico, nem definir o que é a História na universidade.

Além disso, cheio de expectativas e múltiplos interesses, pretendia realizar excessivas abordagens sobre essas categorias. Queria analisar livros didáticos de História, provas de vestibular, grades curriculares de cursos de graduação em História, bem como entrevistar alunos do Ensino Médio, estudantes de graduação e professores. Com os comentários dos colegas do grupo, dei-me conta de que tamanha pretensão esbarraria no prazo de dois anos para a conclusão do mestrado. Lembro-PHSHUIHLWDPHQWHGRVFRPHQWiULRVDSyVPLQKDDSUHVHQWDomR³Ge tudo isso

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que é mencionado no seu projeto, você vai precisar escolher. O que é que mais te toca, te sensibiliza? ´'HVVDIRUPDDIDVWDQGRDLQJHQXLGDGHSHUFHELTXHWHULDde selecionar aquilo que PDLVPHGHVSHUWDYDLQTXLHWDomR0LQKDSULPHLUDUHVSRVWDIRLVHPSHVWDQHMDU³RYHVWLEXODU´(UD isso, dentre todos aqueles aspectos, que havia me levado a querer pesquisar. Quase uma obsessão, queria analisar e escrever sobre os exames de seleção e o momento de preparação dos estudantes.

Nos meses seguintes, a (re)constituição do objeto de pesquisa se deu de forma lenta e bastante conflituosa. O primeiro ano no programa de mestrado da Faculdade de Educação foi difícil por inúmeros aspectos: o afastamento da Carol e a ausência de uma orientação formal fez com que as reuniões semanais do GEPEC e da linha de pesquisa ³(GXcação das sensibilidades, História e 0HPyULD´ fossem tudo o que eu tinha para me apoiar nessa reconfiguração. No entanto, a Unicamp passou por uma longa greve de estudantes, funcionários e professores que alterou profundamente a rotina de pesquisa e me levou a um estado de inércia e inatividade. Ao mesmo tempo, cresciam minhas funções profissionais na instituição de ensino onde trabalhava, enquanto as atividades na universidade estavam suspensas: deixei de ir à biblioteca como fazia todos os dias. Na virada do ano, quando meu afastamento para com o mestrado era imenso, houve o falecimento da professora Carol, no início de 2015, que me provocou tristeza e pesar. Ainda que não tenha convivido muito tempo com ela, sentia grande carinho e admiração por sua pessoa, principalmente por conta de tantos comentários afetivos dos seus orientandos, ansiosos e desejosos por seu retorno. Naquele início de ano, confesso que pensei seriamente em desistir. Parecia que a pesquisa não fazia sentido, que os obstáculos estavam vencendo meus anseios pelos estudos.

Foi nesse momento que houve a acolhida do professor Guilherme do Val Toledo Prado e da professora Adriana Carvalho Koyama, os novos orientadores nessa empreitada. Com a ajuda deles e dos colegas do GEPEC pude retomar o foco na pesquisa e remodelar o objeto de estudo. Naquele momento, passei a me reunir de forma constante com a professora Adriana e com a amiga Márcia Poli Bichara. Juntos, nós três tivemos inúmeros diálogos sobre nossas pesquisas e pudemos avançar e redefinir nossos objetos de pesquisa. É pertinente destacar também que o contato com a produção dos referenciais teórico-metodológicos marcantes para a professora Carol ± tais como Walter Benjamin e Peter Gay ±, bem como o conhecimento da perspectiva narrativa do GEPEC foram determinantes na redefinição do recorte, de modo que serão abordados com mais cuidado adiante.

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Diante do contato com as produções do professor Guilherme Prado (CUNHA; PRADO, 2007a), percebi não apenas a legitimidade, mas a importância da pesquisa do professor, especialmente quando o educador toma seu trabalho como espaço-tempo de produção de conhecimentos e saberes, e orienta questões relevantes de forma a buscar respostas. Partir de minha experiência pessoal e articular tais memórias estudantis à vivência atual de professor passou a ser um horizonte possível.

Assim, a análise foi tomando outra forma, mais direcionada àquilo que mais me sensibiliza enquanto indivíduo: considerando a densidade das relações entre as minhas experiências de vida e as questões que movimentam esta pesquisa, as constantes reflexões sobre minha experiência traumática durante a preparação para o vestibular, os incômodos relativos às incoerências e injustiças quanto à seleção para o ingresso no ensino superior, e o contato presente, em minha vida profissional, com discursos semelhantes de jovens vestibulandos, o objeto de estudo se redefiniu, então, nas narrativas de estudantes sobre o vestibular, e suas experiências durante a preparação para as provas. Tenho a intenção de oferecer a palavra àqueles que geralmente são silenciados, amplificar vozes que não costumam ser ouvidas e iluminar trajetórias que quase sempre permanecem ocultas.

Contudo, para manter um olhar coeso e coerente, evitando ingenuidades generalizantes, as experiências de vestibulandos seriam atingidas a partir do contato com jovens estudantes do curso pré-vestibular em que leciono, na cidade de Campinas. Certamente, a escolha do campo e dos sujeitos ± pautada em referenciais teórico-metodológicos que serão discutidos adiante ± não é arbitrária e reflete minha própria prática enquanto pesquisador e professor. Por isso, houve a escolha por dialogar com vestibulandos próximos do meu cotidiano, e a partir do contato investigar suas narrativas sobre o vestibular.

A partir dessa definição, resta ainda convidar o leitor a à leitura de uma contextualização histórica do vestibular, bem como a um olhar panorâmico sobre aa produção bibliográfica recente sobre essa temática.

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2 ± O vestibular: uma contextualização histórica e bibliográfica

Quem inventou o vestibular?

Era ainda início do ano e eu já estava me acostumando com os quase 160 alunos na sala de aula e o microfone em punho, mas todas as manhãs, ao entrar por aquela porta, era tomado por uma empolgação cristalizada num mesmo SHQVDPHQWR³VRXSURIHVVRU´$SHVDUGHPLQKDVPHPyULDVGHYHVWLEXODQGRDLQGD estarem vivas, era o momento de preparar aquelas centenas de jovens para um ano que prometia ser muito semelhante a tudo o que vivi. E em meio às discussões características das aulas de redação, uma aluna no fundo da sala ergue a mão e GL]DQVLRVD³SURIHVVRUSRUTXHH[LVWHRYHVWLEXODU"4XHPLQYHQWRXLVVRWXGR" 1mRSRGHULDVHUGLIHUHQWH"´

Mateus

Como surgiu o vestibular e por que motivo ele existe? Certamente essa é a indagação de muitos jovens no contexto de preparação para as provas, assim como era a minha em 2007. O episódio narrado acima expressa o questionamento de uma aluna a mim, seu professor de redação, que não na ocasião não pude dar uma resposta satisfatória. Pensando nisso, percebi que, para compreender as experiências específicas de jovens estudantes no momento de preparação para os vestibulares, é preciso analisar, num primeiro instante, a constituição do vestibular como instrumento de seleção para o ingresso no ensino superior brasileiro. Convido o leitor a recordar, mais uma vez, que minha formação como historiador não me permite prosseguir sobre quaisquer anseios analíticos sem antes situar a temática em sua contextualização histórica.

2.1 - O vestibular: uma breve história do ingresso ao ensino superior brasileiro

Em suas origens, a educação superior no Brasil teve um desenvolvimento atípico, se comparada às colônias vizinhas na América Latina. Enquanto os espanhóis fundaram universidades ainda no século XVI, as primeiras instituições de ensino superior brasileiras só viriam a surgir no século XIX. Com a vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, foram criados os primeiros cursos superiores ± Medicina, Direito e Engenharia ±, em faculdades independentes umas das outras. Anísio Teixeira aponta que do início do século até 1882, houve 24 projetos de universidades que não chegaram a ser criadas, além de um longo período sem a criação de nenhuma

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nova faculdade, fatos que marcam a lenta expansão do ensino superior no transcorrer do Império (2005, p. 155-156).

Somente com a proclamação da República ± e a influência do ideário positivista republicano ± surgem com força as discussões sobre a criação de universidades no país e a preocupação com sua estruturação em nível nacional. Nesse contexto, em 1911, na chamada Reforma Rivadávia, aprovou-se a Lei Orgânica Superior e do Ensino Fundamental da República, estabelecendo, para a concessão da matrícula nos cursos superiores, a obrigatoriedade da realização de exames de seleção TXH DYDOLDVVHP ³R GHVHQYROYLPHQWR LQWHOHFWXDO H D FXOWXUD PHQWDO´ GR FDQGLGDWR EHP FRPR critérios quanto à banca examinadora, as datas dos exames e as taxas de inscrição. Dentre as principais mudanças, estava o fim do privilégio do ingresso no ensino superior por alunos provenientes do Colégio Pedro II e dos equiparados a ele (BRASIL, 1911). Nascia, assim, o exame GHDGPLVVmRSDUDRHQVLQRVXSHULRUQR%UDVLODLQGDTXHDGHVLJQDomR³YHVWLEXODU´VyWHQKDVXUJLGR alguns anos mais tarde. Em 1915, com a Reforma Carlos Maximiliano, o Decreto nº 11.530 UHRUJDQL]RXRHQVLQRVHFXQGiULRHRVXSHULRUQD5HS~EOLFDFULDQGRDGHQRPLQDomR³YHVWLEXODU´ para os exames de seleção, além de determinar o conteúdo exigido na seleção de cada curso. Segundo o texto,

Art. 81. A prova oraI do exame vestibular versará sobre Elementos de Physica e Chimica e de Historia Natural, nas Escolas de Medicina; sobre Mathematica Elementar, na Escola Polytechnica, e sobre Historia Universal, Elementos de Psychologia e de Logica e Historia da Philosophia por meio da exposição das doutrinas das principaes escolas philosophicas, nas Faculdades de Direito.

(BRASIL, 1915)

Do latim, vestibulum VLJQLILFDHQWUDGDH[SUHVVDQGRDVLPERORJLDGR³H[DPHYHVWLEXODU´ como o rito de passagem dos estudantes ao ensino superior. E assim ocorreu pelas próximas décadas, num momento em que a educação superior brasileira vivia ainda uma lenta expansão, permanecendo restrita a uma elite privilegiada que dominava o país que começava a se urbanizar. De acordo com Anísio Teixeira, até 1930 havia apenas 86 escolas superiores em todo o território nacional, criadas com o propósito dominante de distribuir credenciais para certos cargos e profissões, e não centros de estudos da cultura e pesquisa. Apesar do Decreto nº 19.851 ± o Estatuto

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