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SEGURANÇA NO TRABALHO EM CURSOS DE

NÍVEL TÉCNICO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

LUIZ AUGUSTO DAMASCENO BRASIL

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SEGURANÇA NO TRABALHO EM CURSOS DE

NÍVEL TÉCNICO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

LUIZ AUGUSTO DAMASCENO BRASIL

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Dissertação de Mestrado apresentada como exigência para obtenção do título de Mestre em Educação, na Área de Ensino e Aprendizagem, à Comissão Examinadora de Dissertação, na Universidade Católica de Brasília. Sob a orientação da Professora Doutora Jacira da Silva Câmara.

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______________________________________ Professora Doutora Jacira da Silva Câmara

Orientadora

_____________________________________ Professor Doutor Cândido Alberto C. Gomes

Examinador

_____________________________________ Professora Doutora Maria do Socorro Nogueira

Examinadora Externa

_____________________________________ Professora Doutora Clélia de Freitas Capanema

Examinadora Suplente

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À Luz Maior, que me dá forças e ânimo nesta passagem.

À Universidade Católica de Brasília – UCB, por possibilitar e estimular a interação entre a academia e o mundo do trabalho.

À minha orientadora, Profa. Dra. Jacira da Silva Câmara, por sua mão condutora, apostolar de uma nova ordem na educação para emancipação e promoção do Ser e respeito à Vida.

Aos Profs. Drs. Cândido Alberto da Costa Gomes e José Florêncio Rodrigues Júnior, pela dedicação e experiência educativa partilhada.

Às Profas. Dras. Clélia de Freitas Capanema, Eunice M. L. Soriano de Alencar e Maria do Socorro Jordão Emerenciano, pela docência carismática, criativa e humanitária.

À Profa. Dra. Maria do Socorro Nogueira, pela orientação, incentivo e magnanimidade.

Aos sempre amigos Dionisio Leone Lamera, Jófilo Moreira Lima Júnior, Maria Margarida Teixeira Moreira Lima, Valdineusa Basílio dos Santos, Itamar de Almeida Leandro, Luiz Augusto dos Santos e Swilmar dos Santos Ferreira pelo fraterno e sapiente apoio.

Aos colegas do Mestrado em Educação, pela amizade e qualidade na produção científica.

À FUNDACENTRO, pelo apoio institucional.

Aos diretores e professores das Instituições Federais de Educação Tecnológica - IFET estudadas, pela solicitude e cooperação.

DEDICO

Aos meus familiares pelo eterno amor.

Aos diretores, professores e alunos da educação profissional.

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“As árvores de amanhã estão presentes nas sementes de hoje. Se formos previdentes na semeadura e cuidarmos das sementes não necessitaremos amanhã desentortar as árvores.

(Adaptação de Provérbio chinês)

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INTRODUÇÃO 1

JUSTIFICATIVA 4

CAPÍTULO I – RESENHA DA LITERATURA 9

A) Contexto Histórico da Segurança no Trabalho 9

1. Relações de trabalho na sociedade primitiva 9 2. Revolução Industrial e acidentes do trabalho 13 3. Primeiras medidas de proteção ao trabalhador 15 4. Proteção ao trabalhador no mundo contemporâneo 18

5. O trabalho no Brasil Colônia 19

6. O trabalho assalariado e a monetização dos riscos 23

B) Trabalho e Educação Profissional 27

1. Dos rituais de iniciação aos primeiros professores profissionais 27 2. Educação e trabalho na origem dos povos orientais e ocidentais 28

3. O ensino do trabalho e a escravidão 30

4. Ensino para o trabalho na Idade Média 32

5. Primórdios do ensino profissional 36

6. Educação para o trabalho no mundo contemporâneo 40

7. Educação profissional no Brasil 48

8. Educação profissional a partir do Estado Novo 55

9. Educação profissional no século XXI 59

C) Segurança no Trabalho e Educação Profissional 62

1. A questão da segurança no trabalho na educação profissional 62 2. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de

Nível Técnico 67

CAPÍTULO II – A PESQUISA E SEUS COMPONENTES 77

A - Definição do objeto de estudo e dos objetivos 77

B - Objetivos do Estudo 79

1. Objetivo geral 79

2. Objetivos específicos 79

C - Referencial metodológico 80

1. A estrutura e os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa 80

D - Instrumento utilizado na pesquisa 81

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1. Critérios de escolha e descrição das escolas 83

2. Respondentes da pesquisa 84

CAPÍTULO III – LEVANTAMENTO, ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DOS DADOS

85

1. Levantamento dos dados 85

2. Coleta dos dados 85

3. Análise dos dados 86

4. Limitações do estudo 102

CAPÍTULO V – CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 104

BIBLIOGRAFIA 110

ANEXOS 115

Anexo 1. Instrumento de coleta de dados 116

Anexo 2. Gráfico 1 – BRASIL: Esperanças de vida às idades exatas ambos os

sexos - 1991 e 2000 118

Anexo 3. Gráfico 2 – BRASIL: Freqüência de mortalidade de acordo com a classe de atividade econômica - 1995, 1996 e 1997

119 Anexo 4. Gráfico 3 – BRASIL: Freqüência de incapacidade total permanente

de acordo com a classe de atividade econômica - 1995, 1996 e 1997 120 Anexo 5. Gráfico 4 – BRASIL: Coeficientes de mortalidade de acordo com a

classe de atividade econômica - 1995, 1996 e 1997 121 Anexo 6. Gráfico 5 – BRASIL: Coeficientes de incapacidade total

permanente de acordo com a classe de atividade econômica - 1995, 1996 e

1997 122

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Tabela 1: Mortes decorrentes do trabalho e suas causas, 1999 4 Tabela 2: Ranking mundial de acidentes do trabalho, 1993 5 Tabela 3: Brasil. Acidentes fatais e doenças do trabalho. Décadas de 70, 80 e 90 6 Tabela 4: Brasil. Receitas e gastos com benefícios - SAT, 1995-99 7 Tabela 5: Brasil. Número de acidentes e doenças do trabalho, 1970-2000 78 Tabela 6: Brasil. Instituições Federais de Educação Tecnológica 83

Tabela 7: Tipos e quantidades de IFET estudadas 87

Tabela 8: Brasil. Distribuição de freqüência das IFET estudadas por regiões geográficas

87 Tabela 9: Brasil. Acidentes no trabalho registrados por Região, 1998-2000 88 Tabela 10: Relação entre o número de IFET existentes nas regiões geográficas e o

número de escolas estudadas 89

Tabela 11: Brasil. Relação entre o número de Estados da federação e o número de

Estados representados por região 89

Tabela 12: Distribuição de freqüência do ano de fundação das escolas estudadas 90 Tabela 13: Distribuição de freqüência do número de egressos das escolas estudadas

em 2000 90

Tabela 14: Distribuição de freqüência do número de alunos matriculados em 2001 nas

escolas estudadas 91

Tabela 15: Distribuição de freqüência do número de cursos de nível técnico oferecidos

pelas escolas estudadas 92

Tabela 16: Distribuição de freqüência da carga horária total dos cursos de nível

técnico oferecidos pelas escolas estudadas 92

Tabela 17: Distribuição de freqüência dos cursos de nível técnico com conteúdos sobre

segurança no trabalho 93

Tabela 18: Distribuição de freqüência da carga horária total destinada ao ensino de

conteúdos sobre segurança no trabalho 93

Tabela 19: Distribuição de freqüência dos tópicos mais importantes abordados na

disciplina com conteúdos sobre segurança no trabalho 94

Tabela 20: Distribuição de freqüência das opiniões emitidas pelos respondentes sobre

como a escola poderá contribuir para redução dos acidentes decorrentes do trabalho 101

Quadro I: Brasil . Ordenação do sistema educacional brasileiro – Lei 9.394, de

20/12/1996 69

Quadro II: Áreas profissionais e cargas horárias mínimas da educação de nível

técnico 72

Quadro III: Análise do processo produtivo – Área profissional: Construção Civil 74 Quadro IV: Matriz de referência – Área profissional: Comunicação 74 Quadro V: Bases científicas e instrumentais – Área profissional: Comunicação 75

Figura 1 - Trabalho no engenho 19

Figura 2 - O tripalium 31

(11)

Figura 4 - Painel de ofícios do Século XVIII 36

Gráfico 1 - BRASIL: Esperanças de vida às idades exatas ambos os sexos - 1991 e

2000 118

Gráfico 2 – BRASIL: Freqüência de mortalidade de acordo com a classe de atividade

econômica – 1995, 1996 e 1997 119

Gráfico 3 – BRASIL: Freqüência de incapacidade total permanente de acordo com a

classe de atividade econômica - 1995, 1996 e 1997 120

Gráfico 4 – BRASIL: Coeficientes de mortalidade de acordo com a classe de atividade

econômica - 1995, 1996 e 1997 121

Gráfico 5 – BRASIL: Coeficientes de incapacidade total permanente de acordo com a

classe de atividade econômica - 1995, 1996 e 1997 122

Gráfico 6 - A instituição possui biblioteca ? 96

Gráfico 7 - A instituição possui acervo sobre segurança no trabalho? 97 Gráfico 8 - A instituição possui laboratório sobre segurança no trabalho? 98 Gráfico 9 - A instituição gostaria de receber, gratuitamente, um módico acervo

contendo obras, filmes, revistas e catálogos da FUNDACENTRO? 99 Gráfico 10 – A instituição gostaria de receber o resultado desta pesquisa? 100

Gráfico 11 – Nome para contato 101

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Esta pesquisa se propõe estudar a presença de conteúdos sobre segurança no trabalho nos cursos de nível técnico oferecidos pelas Instituições Federais de Educação Tecnológica – IFET que, no Brasil, formam a Rede Federal de Educação, vinculada à Secretaria de Educação Média e Tecnológica – SEMTEC, do Ministério da Educação – MEC e estabelecer relações entre as cargas horárias totais dos cursos e a carga horária destinada ao ensino de segurança no trabalho, além de verificar a consonância desses conteúdos com as exigências estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico – DCNEP. Pesquisa delineada como levantamento, para coleta de dados usou-se questionário que foi respondido por diretores das quarenta escolas mantenedoras estudadas. Os resultados revelam que 40% dos cursos de nível técnico oferecidos pelas escolas não possuem disciplina com conteúdos sobre segurança no trabalho e que, quando existente, a carga horária destinada ao ensino de segurança no trabalho é insuficiente, representando, em média, 2,1% da carga horária total dos cursos. Inexiste consonância entre o que dispõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional de Nível Técnico – DCNEP e o estabelecido nos currículos dos cursos de nível técnico das escolas estudadas. Conclui defendendo a adoção de ajustes nos cursos visando propiciar maior ênfase e relevância à temática da segurança no trabalho, como meio para criação de uma consciência preventiva desde a formação profissional.

Palavras-chave: segurança no trabalho, educação profissional e currículos.

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This research intends to study the presence of contents on safety in the work in the courses of technical level offered by the Federal Institutions of Technological Education - IFET that, in Brazil, they form the Federal Net of Education, linked to the General Office of Medium and Technological Education - SEMTEC, of Ministry of Education – MEC and to establish relationships between the total workloads of the courses and the workload destined to safety´s teching in the work, besides verifying the consonance of those contents with the established demands in the Guidelines National Curriculares for the Professional Education of Technical Level - DCNEP. Research delineated as survey, for collection of data questionnaire was used that was answered by directors of the forty schools studied. The results reveal that 40% of the courses of technical level offered by the schools don´t possess discipline with contents on safety in the work and that, when existent, the workload destined to safety´s teaching in the work is insufficient, acting, on average, 2,1% of the total workload of the courses. Consonance inexists among what disposes the Guidelines National Curriculares for Professional Education of Technical Level – DCNEP and the established in the curricula of the courses of technical level of studied schools. It concludes defending the adoption of adjustments in the courses seeking to propitiate larger emphasis and relevance to the safety´s theme in the work, as middle for creation of a preventive conscience since the professional formation.

Key words: safety in the work, vocational and technical education and guidelines national curricula for professional education of technical level.

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INTRODUÇÃO

O mesmo trabalho que retirou o homem das cavernas e o colocou viajando em meio às estrelas tem interrompido projetos de vida individuais e familiares ao gerar sofrimentos físicos e mentais de várias ordens, além de impor prejuízos sem conta para a sociedade.

Dados da realidade nos mostram que as conquistas democráticas da sociedade brasileira ainda têm influência pequena dentro das fábricas, e que riscos perfeitamente controláveis e mesmo elimináveis continuam a fazer parte do cotidiano da maioria dos trabalhadores. Os ambientes de trabalho ainda são tratados como espaços particulares dos proprietários do capital, negando-se o seu caráter social e tolhendo-se a liberdade de interferência dos coletivos de trabalhadores que neles passam boa parte de suas vidas.

A partir da visão sócio-histórica percebe-se que durante séculos tanto o tema segurança no trabalho quanto educação profissional, foram relegados a um segundo plano na agenda política, econômica e social dos povos. Enquanto o primeiro foi explicitado pela lida do escravo, do servo, do proletário e até mesmo, atualmente, do assalariado, o segundo, mostra na historicidade secular, a imanente dicotomia entre o saber intelectual e o manual, entre o conceber e o fazer, entre uma escola para o patriciado e outra para a plebe.

Entretanto, induzida pelas mudanças de paradigmas em nível de mercado e competição, atualmente, em todo o mundo, a educação profissional vem sendo alçada a patamar de significância para as organizações em decorrência das demandas exigidas pelo mercado. Apregoa-se que somente uma educação inovada poderá conceber um trabalhador com formação integral e preparo profissional contínuo para vencer os desafios impostos pelo modelo econômico vigente num mercado competitivo e globalizado, que estabelece em todo o mundo respostas rápidas para demandas em céleres e contínuas mutações.

Destarte, o desenvolvimento de uma nação passa a depender de uma proporção cada vez maior de pessoas com preparo e qualificação, fazendo com que a educação seja vista como um investimento de grande rentabilidade. Para Câmara (1995), “as prioridades educacionais dos países do mundo inteiro são definidas com base nos aspectos utilitaristas da educação, os quais conduzem o país para o desenvolvimento. A competição entre as nações, impulsionada pelo fator econômico e orientada para a competência profissional, acaba por determinar a seleção dos conteúdos e das habilidades que melhor atendem a esses interesses”. Interessa investigar a presença de conteúdos sobre segurança no trabalho nos cursos de nível técnico da educação profissional, tomando por base o que está sendo oferecido pelas escolas estudadas, por tratar-se de cursos que preparam os jovens para a entrada no mercado

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de trabalho. Nesta etapa específica da educação profissional, as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas para o nível técnico da educação profissional, pretendem delinear um sistema de ensino voltado para um aprendizado centrado no desenvolvimento de competências e habilidades, para perpassar as diversas carreiras e estabelecer uma emulação diferencial para cada trabalhador.

Nossa vivência no meio pedagógico, sindical e organizacional tem mostrado que é ínfima a quantidade de estudos, materiais e experiências tratando do uso de conteúdos sobre segurança no trabalho na educação profissional. Diante dessa realidade, algumas preocupações foram marcantes e culminaram com o estabelecimento de três momentos na revisão da literatura do presente estudo.

Primeiro, verificou-se historicamente a atenção dedicada pelos povos ao tema segurança no trabalho, considerando, principalmente, os modelos econômicos vivenciados em cada período, as tecnologias empregadas, as relações trabalhistas adotadas, os impactos provocados pelas invenções e as primeiras medidas legais adotadas para proteção do trabalhador, notadamente, na Europa. No Brasil, verificou-se as relações de trabalho adotadas desde o período colonial até a primeira República, traçando um esboço com ênfase na trajetória da legislação brasileira de proteção ao trabalhador.

Em seguida, efetuou-se o estudo da educação profissional ao longo dos principais períodos da história, para situar o leitor e possibilitar ao final a integração dos temas no curso da dissertação. Começou-se pelo estudo da imitação e dos rituais de iniciação até os primeiros professores profissionais, a educação e o trabalho na origem dos povos orientais e ocidentais, o ensino do trabalho e a escravidão, o ensino para o trabalho na Idade Média, os primórdios do ensino profissional e a formação profissional no mundo contemporâneo. No Brasil, estudou-se a educação geral e o trabalho, abrangendo o período histórico que vai do Brasil Colônia até a segunda República, a educação profissional a partir do Estado Novo até o final do século XX e as novas perspectivas e diretrizes para a educação profissional.

Num terceiro momento, os temas segurança no trabalho e educação profissional foram integrados e atualizados. São apresentados os primeiros estudos sobre a questão dos conteúdos sobre segurança no trabalho na formação do trabalhador brasileiro e os princípios e objetivos preconizados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico, instituídas no ano de 1999 pelo Ministério da Educação.

No presente estudo, buscou-se referência em bases aparentemente distintas, mas que, no conjunto de sua abordagem indutiva, ajudam a responder, de maneira mais ampla, às questões que se pretende investigar. Desta forma, invocou-se autores e documentos de

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diferentes correntes de pensamento para se dar fundamentação teórica a pesquisa, independente dos pontos comuns existentes entre eles. Ao abordar os diferentes pólos de uma questão chegou-se às diferentes visões de diversos saberes para permitir uma percepção mais completa de todo o problema.

Por fim, diante da análise e interpretação dos dados obtidos junto às escolas estudadas, defendeu-se que as exigências impostas pelo atual modelo econômico e os princípios a serem observados na nova educação profissional podem, sobremaneira, apoiar a realização de aspirações educacionais mais ambiciosas em prol da ênfase na dimensão humana do trabalho através de significativa e eficaz inserção do tema segurança no trabalho, não só na educação profissional, mas especialmente de forma transversal, em todos os níveis da educação brasileira.

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JUSTIFICATIVA

A cada ano, segundo Takala (1999), os acidentes do trabalho matam mais de 1,3 milhão de trabalhadores em todo o mundo, ultrapassando a média anual de mortes no trânsito. Isto significa que morrem por dia cerca de três mil e seiscentas pessoas, ou seja, aproximadamente três pessoas por minuto, vítimas de infortúnios laborais (Tabela 1).

Tabela 1: Mortes decorrentes do trabalho e suas causas, 1999 Fatores causais Número de mortes %

Câncer 456.240 34,7

Doenças cardiovasculares e cerebrovasculares 200.025 15,2 Doenças respiratórias crônicas 275.000 20,9

Pneumoconioses 36.000 2,7

Doenças do sistema nervoso 12.080 0,9 Desordens renais 13.100 1,0

Lesões 334.870 25,5

TOTAL 1.315.235 100,0

Fonte: Takala, J. Global Estimates of Fatal Occcupational Accidents. Epidemiology 1999.

Na tabela 1 se tem o número de mortes decorrentes do trabalho em todo o mundo no ano de 1999 e seus fatores causais. As doenças ocupacionais e do trabalho são responsáveis por 74,5% do total de mortes, seguidas das lesões com 25,5%.

Ainda segundo a OIT, o Brasil, no ano de 1997, saltou do décimo quarto para o décimo quinto lugar no ranking mundial de acidentes no trabalho, melhorando, portanto, sua posição (Tabela 2). Entretanto, permaneceu estável em relação ao número de mortes registradas. Desta forma, continua ostentando uma vergonhosa posição devido à quantidade de acidentes fatais e incapacitantes, resultando em vidas prematuramente ceifadas, uma legião de doentes dependentes do Estado e da sociedade, famílias desestruturadas, desassistidas e lançadas na miséria, enorme ocupação de recursos hospitalares e prejuízos econômicos significativos para as empresas e para o país. Esses acidentes constituem uma das formas de violência que, diariamente, se abatem sobre os trabalhadores brasileiros, roubando suas esperanças de vida (Gráfico 1, Anexos) e para a qual, em muitos casos, se tem contribuído com a passividade.

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Tabela 2: Ranking mundial de acidentes do trabalho, 1993

Posição País Índice

1 República Checa 0,767 2 Paquistão 0,543 3 Guiné 0,500 4 Turquia 0,381 5 El Salvador 0,374 6 Índia 0,321 7 República da Coréia 0,320 8 Tailândia 0,292 9 Noruega 0,220 10 Zimbábue 0,210 11 Bahrein 0,197 12 Bolívia 0,191 13 Jordânia 0,180 14 Panamá 0,170 15 Brasil 0,160 16 Casaquistão 0,156 17 Irlanda 0,150 18 Hungria 0,147 19 Cingapura 0,140 20 Federação Russa 0,139 21 México 0,120 22 Colômbia 0,118 23 Hong Kong 0,117 24 Ucrânia 0,116 25 Egito 0,111 26 Espanha 0,110 27 Estônia 0,108 28 Belarus 0,095 29 Porto Rico 0,093 30 Kyrgyzstan 0,091

Fonte: Anuário da OIT / 1997-Dados de 1993.

O índice para posicionamento dos países no ranking mundial de acidentes do trabalho é concebido pela Organização Internacional do Trabalho – OIT com base no número de acidentes oficialmente liquidados/ano e o número de trabalhadores formalmente registrados/ano.

Dados das três últimas décadas do século XX, extraídos das Comunicações de Acidentes do Trabalho – CAT e do Sistema Único de Benefícios – SUB, do Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, informam que foram registrados somente no ano de 1999, 3.923 casos de mortes provocadas por acidentes do trabalho no Brasil, o que corresponde a uma média diária de 11 casos, sendo que, em sua maior freqüência, essas mortes ocorrem na faixa etária de 20 a 30 anos, justamente quando a família e a sociedade começam a ser mais beneficiadas pelo trabalho individual de seu membro (Gráfico 1 - Anexos).

(19)

Dados da Confederação Nacional da Indústria – CNI (Campanha da Indústria para Prevenção de Acidentes no Trabalho/1999), informam que, somente no ano de 1997, as empresas brasileiras tiveram um prejuízo de 5,8 bilhões de dólares em decorrência dos acidentes do trabalho. Além dos custos diretos, efetivamente calculados com base nos gastos das empresas com os acidentes do trabalho, existem os custos indiretos, que são mais elevados do que pode parecer à primeira vista. Entre os principais custos indiretos destacam-se: a) tempo dedicado ao trabalhador acidentado; b) comoção dos demais trabalhadores, que param a produção quando ocorre acidente; c) seleção e treinamento de substituto para o trabalhador acidentado; d) reparação de máquina ou equipamento danificado; e) extravio de matéria-prima; f) retrabalho; g) descumprimento de prazos; h) atraso no cronograma de entrega do serviço; i) imputação criminal; j) indenização a terceiros; l) dano moral; m) lesão à imagem da empresa perante seus clientes internos e externos.

Nas três últimas décadas do século XX, a relação entre o percentual da massa segurada pela previdência social e o total de acidentes registrados no Brasil em cada década apresentou uma redução de 89% na década de 70 para 18% na década de 90, motivada positivamente pelos esforços de educação, sensibilização através de campanhas para prevenção de acidentes, difusão de informações através de cursos, seminários e congressos e de exigências legais, e negativamente pela subnotificação dos acidentes por parte das empresas, aumento da informalidade laboral devido a situação econômica do país e não inclusão de dados da área rural, conforme se pode verificar na tabela 3.

Fonte: Boletim Estatístico dos Acidentes do Trabalho – BEAT/INSS/MPAS. A partir do ano de 1996 os dados foram extraídos da Comunicação de Acidentes do Trabalho – CAT e do Sistema Único de Benefícios – SUB, desenvolvidos pela DATAPREV que processa as informações provenientes dos postos de benefícios.

No setor público, o pagamento de benefícios em decorrência dos acidentes do trabalho é coberto pelo Seguro de Acidentes do Trabalho – SAT, gerido pelo Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, tendo apresentado nas últimas décadas deste século, em relação à massa segurada, altos índices diários de acidentes fatais e doenças decorrentes do trabalho.

Tabela 3: Brasil. Acidentes fatais e doenças do trabalho. Décadas de 70, 80 e 90 Década Total de Acidentes Relação %/Massa Segurada Doenças Mortes % Mortes/Dia 70 15.755.704 89 32.267 36.040 10 80 11.180.706 47 42.197 46.720 13 90 4.679.559 18 193.296 39.269 11

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Em recente estudo sobre os acidentes do trabalho nas Américas do Sul e Central, apresentado durante Simpósio Internacional da Associação Internacional da Seguridade Social – AISS, realizado em Melbourne, Austrália, nos dias 15 e 16 de março de 2001, Baldur Schubert, Gerente de Projetos do INSS/MPAS, comparou as receitas e os gastos com benefícios cobertos pelo SAT, no período de 1995 a 1999, e identificou um aumento significativo dos mesmos (Tabela 4).

Tabela 4: Brasil. Receitas e gastos com benefícios - Seguro de Acidente do Trabalho, 1995-99

(mil reais) ANO RECEITA (A)

R$ GASTOS (B) R$ % B/A 1995 2.018 1.044 52 1996 2.431 1.167 48 1997 2.504 1.473 58 1998 2.487 1.805 72 1999 2.789 1.860 66 Fonte: Schubert (2001).

Este mesmo autor levou em consideração somente os pagamentos de benefícios como auxílio doença, auxílio acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, não tendo sido computados os gastos com programas de prevenção de acidentes do trabalho, assistência médica, reabilitação profissional e assistência social.

Diante desse quadro negativo, medidas proativas e antecipativas que tenham por objetivo a prevenção dos acidentes e doenças decorrentes do trabalho necessitam ser implementadas imediatamente no Brasil. A Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, ao tratar da educação profissional, estabelece um mandamento indutor de ações de cunho educativo-preventivo quando assegura no seu artigo 205:

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Urge, portanto, a adoção de soluções mais efetivas e duradouras que envolvam governo, empregadores e empregados com o aporte da educação, para se buscar uma formação profissional não somente voltada para o “utilitarismo” mas, principalmente, que integre valores imprescindíveis para a cidadania, promoção do Ser e respeito à vida.

(21)

A efetiva e eficiente utilização de conteúdos sobre segurança no trabalho na educação profissional resultará na formação de alunos com uma consciência também prevencionista, com significativos benefícios para as empresas, à sociedade e o país.

Com o presente estudo buscou-se preencher parte da lacuna de conhecimentos sobre o tema e chamar a atenção dos atores sociais envolvidos com a questão.

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CAP ÍTULO I

RESENHA DA LITERATURA

A) Contexto Histórico da Segurança no Trabalho 1. Relações de trabalho na sociedade primitiva

A história do trabalho constitui referência imprescindível neste estudo por se encontrar sempre unida à história humana. Ao pesquisador é defeso se aprofundar na investigação científica sobre segurança no trabalho sem antes, com denodo, procurar garimpar na história da humanidade e suas relações com o trabalho, os indícios da presença dessa disciplina que apresenta dimensões de ordem técnica e legal. A disciplina segurança no trabalho foi concebida para prevenir os acidentes que atingem direta e indiretamente o trabalhador, por meio da segregação ou eliminação dos riscos gerados pelas condições dos locais de trabalho e pelas tecnologias empregadas, de modo a promover, continuamente, medidas para prevenção de acidentes, doenças e otimização das condições e do meio ambiente de trabalho.

Por meio do trabalho o homem atendeu e continua atendendo as suas necessidades bio-psico-sociais e construindo os bens que sustentam as bases da vida material em suas dimensões econômica, política, social, religiosa e cultural. Nos tempos mais remotos, o trabalho humano era restrito a tarefas que tinham como finalidade assegurar, essencialmente, a proteção do grupo e sua sobrevivência, desta forma, a caça e a pesca eram as atividades preponderantes. A vida era marcada pelo nomadismo e pela transumância, ou seja, o homem primitivo não vivia fixado num local determinado. Por evidenciar um espírito eminentemente gregário, detectou-se no homem primitivo os indícios da presença de uma noção, mesmo que muito rústica, de segurança e proteção coletiva. De acordo com Oliveira (2000), a transumância foi o fenômeno que possibilitou ao homem passar de caçador, nômade, para uma outra fase, intitulada coletora, passando a se valer de outras fontes de alimentos, como tubérculos, frutos silvestres e leguminosas.

O fato do homem primitivo se abrigar em cavernas ou no cume das montanhas, buscando um modo de proteção contra as intempéries, animais de grande porte e até mesmo de inimigos, merece destaque no presente estudo, pois revela comportamentos em busca de medidas de proteção coletiva, como requisito básico para a própria sobrevivência e do grupo. Como esses grupos se abrigavam em cavernas próximas a cursos d’água, sementes e raízes presentes nos restos de alimentos jogados à terra começavam a se reproduzir e, por

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conseguinte, a lhes proporcionar uma outra fonte de alimento, nascendo dessa experiência a agricultura.

Com a evolução da agricultura, criaram-se as bases necessárias a uma nova experiência de vida – o pastoreio. Através das atividades relacionadas com o pastoreio o homem passou a dispor de animais não somente como fonte de alimento, mas também como meio de tração. A agricultura permitiu o aumento populacional do homem e o tornou sedentário, isto é, fixado em uma base territorial onde se encontram as terras cultivadas e as primeiras edificações, onde se formaram as primeiras cidades, nações e impérios. Por este novo paradigma o homem é liberado da transumância penosa, abrindo caminho à agropecuária.

A agropecuária marcou um dos estágios mais significativos da evolução humana, não só porque facilitou ao homem a obtenção dos meios necessários à vida, como a alimentação e a habitação, mas, principalmente, por ter lhe proporcionado um dos primeiros modelos de organização e economia que vai estimular a produção de excedentes.

No entendimento de Oliveira (2000), quando o homem passou a produzir mais do que era necessário ao consumo diário e desenvolveu a idéia de guardar esse excedente para consumo posterior, nasceram as trocas e a noção de posse. Por meio das trocas, o intercâmbio entre povos diferentes tornou-se possível. A noção de propriedade, a princípio grupal, depois privada, mudou radicalmente os paradigmas da vida humana.

O advento da propriedade privada levou o homem a construir uma outra forma de vida calcada na organização e no controle. A família monogâmica e o Estado, que surgiram em virtude dessa mudança, passaram a dar sustentação a esse novo estilo de vida. Da propriedade privada ao escravismo foi apenas uma questão de tempo.

Das lutas travadas contra seus inimigos, emerge naturalmente no homem a necessidade de se proteger, portanto, ele começa a adotar as primeiras medidas de proteção individual e coletiva. Cave (1986) afirma que a forma mais antiga de proteção individual adotada pelos nossos ancestrais foi o “escudo”. O homem primitivo sabia que entre ele e o perigo havia a necessidade de se antepor uma barreira para sua defesa. Foi bastante natural também pensar que essa barreira pudesse ser carregada pelo homem de um local para outro. Em seguida, o homem adota também o capacete para proteção da cabeça nas lutas contra seus inimigos e, mais tarde, em estádios mais avançados da história, os guerreiros adotam armaduras de metal, composta por elmo, couraça e cota de malha. Associadas a essas práticas nasciam também os inconvenientes e até os primeiros casos de rejeição ao uso.

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Quando o homem se conscientizou de que a riqueza acumulada era oriunda da terra e de braços que a cultivavam, começou a poupar da morte os vencidos de guerra e a transformá-los em produtores de excedentes – os escravos – que, a princípio, produtores de bens, em pouco tempo vieram a se transformar em um deles, sendo transacionados como qualquer outro bem de consumo. É importante destacar que o rebaixamento de cidadão à condição de escravo, segundo costumes e normas adotadas por civilizações na Idade Antiga e no período medieval, podia se dar por questões políticas e até mesmo pelo inadimplemento de uma dívida. Na condição de escravo nenhum tipo de direito ou defesa, nem mesmo religiosa, era assegurado ao indivíduo. Ao escravo só restava ser produtivo e leal ao seu dono. A única preocupação de seu dono era a de evitar que ele adoecesse ou tivesse morte prematura, pois assim deixaria de explorá-lo ao máximo de sua resistência física (Oliveira, 2000).

A partir deste período e em decorrência do novo contexto vivenciado pelo grupo humano, se compreende o desinteresse e a inexistência de registros históricos relacionados com a segurança do trabalhador, uma vez que os trabalhos mais pesados ou de mais elevado risco eram destinados a escravos. Além disto, na cultura greco-romana, o trabalho se relacionava em sua origem filosófica ao rebaixamento humano, porque ligava o indivíduo à matéria, daí ser também sinônimo de castração, de sofrimento, humilhação, expiação e de afastamento dos deuses.

Para se ter uma dimensão mais clara do descaso com os registros sobre as questões ligadas à proteção do trabalhador à época, mesmo Hipócrates (460-375 a.C.) citado por Mendes (1996), no momento em que descreve com particular agudeza o quadro clínico da intoxicação saturnina, encontrado em um trabalhador mineiro, omite totalmente o ambiente de trabalho e a ocupação no seu clássico “Ares, Águas e Lugares”. Inúmeros ensinamentos são dedicados às relações entre ambiente – incluindo clima, topografia, qualidade da água e mesmo organização política e saúde, sem haver qualquer menção às condições em que o trabalho era realizado.

Os escassos registros obtidos no presente estudo conduzem a Ramazzini (2000), que cita a preocupação de Lucrécio em Roma, um século antes do início da Era Cristã, já perguntando a respeito dos cavadores das minas: “Não viste ou ouviste como morrem em tão pouco tempo, quando ainda tinham tanta vida pela frente?”. O mesmo ocorre com Plínio, o Velho (23 a 79 d.C.), citado por Mendes (1996), autor da obra De Historia Naturalis, que, após visitar alguns locais de trabalho, principalmente galerias de minas, descreve impressionado o aspecto dos trabalhadores expostos ao chumbo, ao mercúrio e a poeiras.

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Menciona, então, a iniciativa dos escravos de utilizarem à frente do rosto, à guisa de máscaras rústicas, panos ou membranas de bexiga de carneiro para atenuar a inalação de poeiras.

Na Europa, do ponto de vista do trabalho, especificamente do trabalho manual, a transformação do escravismo em feudalismo mudou pouco a vida das pessoas. Os escravos e os trabalhadores romanos, com o feudalismo, transformaram-se em servos de gleba, tão miseráveis quanto antes. O único ganho foi o de não serem mais vendidos como mercadoria qualquer, ficando, porém, vinculados ao senhor feudal

Os primeiros registros de casos de acidentes e doenças e os seus respectivos nexos com o trabalho ocorreram na Idade Média e foram efetuados por médicos que atendiam pacientes nas corporações de ofícios. Hunter (apud Nogueira, 1981) afirma que, em 1556, Georg Bauer, mais conhecido pelo seu nome latino de Georgii Agricolae, publica o livro De

Re Metallica, onde eram relatados estudos sobre os diversos problemas relacionados à

extração de minérios argentíferos e auríferos e sua fundição. O último capítulo desta obra é dedicado aos acidentes do trabalho e às doenças mais comuns entre os mineiros. Conforme as observações de Agricolae, em algumas regiões extrativas, “as mulheres chegavam a casar sete vezes, roubadas que eram de seus maridos, pela morte prematura encontrada na ocupação que exerciam”. O próprio Agricolae já sabia como estes problemas poderiam ser evitados. Não se tratava de uma questão médica e sim de um problema de natureza tecnológica, decorrente do processo de trabalho utilizado, cuja modificação, acrescida da introdução de meios para melhorar a ventilação no interior das minas, poderia, como medida profilática, proteger os trabalhadores da inalação de poeiras nocivas.

O mesmo Hunter (apud Nogueira, 1981) assinala também a publicação no ano de 1567, da primeira monografia sobre as relações entre trabalho e doença, de autoria de Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, mais conhecido pelo nome de Paracelso, intitulada Von der Bergsuch und anderem Bergkrankheiten. Seu autor nasceu e viveu durante muitos anos em um centro da Boêmia, sendo numerosas as suas observações relacionando métodos de trabalho ou substâncias manuseadas e doenças, destacando-se, por exemplo, que, em relação à intoxicação pelo mercúrio, os principais sintomas dessa doença profissional, a despeito de sua importância, ali se encontram assinalados. Estes trabalhos pioneiros permaneceram praticamente ignorados por mais de um século e não tiveram qualquer influência sobre a segurança ou a saúde do trabalhador.

Em 1700, era publicada em Módena, na Itália, a primeira edição de um livro que iria ter notável repercussão em todo o mundo. Tratava-se da obra De Morbis Artificum Diatriba - As doenças dos trabalhadores - de autoria do médico italiano Bernardino Ramazzini, mais

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tarde justamente cognominado o “Pai da Medicina do Trabalho”. Nesse famoso tratado, o autor descreve uma série de mais de 50 doenças relacionadas a profissões diversas. Às perguntas hipocráticas fundamentais na anamnese médica, propõe Ramazzini que se acrescente mais uma:

“Qual é a sua ocupação?” Tal pergunta considero oportuno e mesmo necessário lembrar ao médico que trata um homem do povo, que dela se vale para chegar às causas ocasionais do mal, a qual nunca é posta em prática, ainda que o médico a conheça. Entretanto, se a houvesse observado, poderia obter uma cura mais feliz”, observava (Ramazzini, 2000).

A importância do trabalho de Ramazzini não pôde ser devidamente avaliada na época. Realmente, ainda predominavam as corporações de ofício, com número de trabalhadores relativamente pequeno e um sistema de trabalho muito peculiar. Os casos de doenças profissionais eram poucos, assim, não obstante as corporações não raro disporem de médicos que deviam atender seus membros, tais profissionais praticamente ignoraram o trabalho de Ramazzini, cuja importância só seria reconhecida quase um século mais tarde.

2. Revolução Industrial e acidentes do trabalho

Os impactos da Revolução Industrial ocorrida na Europa – notadamente na Inglaterra, França e Alemanha, principalmente sobre a vida e a saúde das pessoas têm sido objeto de importantes estudos. Historiadores sociais, cientistas políticos, economistas e outros têm enfocado este período da história, principalmente de 1760 a 1850, com detalhes descritivos e analíticos extremamente minuciosos e perspicazes, até porque o fenômeno, em sua natureza, tem se repetido em outras regiões e épocas, sem que as lições mais duras e cruéis tivessem sido aprendidas. Hunter (apud Mendes, 1996), afirma que toda a sorte de acidentes graves, mutilantes e fatais, além de intoxicações agudas e outros agravos à saúde, atingiram os trabalhadores, incluindo crianças de cinco, seis ou sete anos e mulheres, preferidos que eram – crianças e mulheres – pela possibilidade de lhes serem pagos salários mais baixos.

Nogueira (1981) enfatiza que a Revolução Industrial foi um marco inicial da moderna industrialização que teve a sua origem com o aparecimento da primeira máquina de fiar. Até então, a fiação e tecelagem de tecidos tinham constituído uma atividade doméstica tradicional, com uma produção apenas suficiente para atender às necessidades do próprio lar e com um pequeno excesso que era vendido, a preço elevado, em regiões onde estas atividades não eram

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desenvolvidas. O advento das máquinas, que fiavam em ritmo muitíssimo superior ao do mais hábil artífice, tornou possível uma produção de tecidos em níveis, até então, não imaginados.

Até o advento das primeiras máquinas de fiação e tecelagem, o artesão fora dono dos seus meios de produção. O custo relativamente elevado das máquinas, porém, não mais permitiu ao próprio artífice possuí-las, desta forma, essas máquinas eram adquiridas pelos detentores do capital, antevendo as possibilidades econômicas dos altos níveis de produção. A burguesia necessitava empregar pessoas para fazer as máquinas funcionarem, surgiram, assim, as primeiras manufaturas, fábricas de tecidos, e com elas, uma marcante dicotomia entre o capital e o trabalho.

As primeiras máquinas de fiação e tecelagem necessitavam de força motriz para acioná-las e esta foi encontrada na energia hidráulica. As primeiras fábricas foram instaladas em antigos moinhos. A localização não permitia uma expansão adequada da nascente indústria, que era obrigada a instalar-se apenas junto a cursos d’água. A invenção da máquina a vapor e seu aperfeiçoamento no ano de 1760 por Scott James Watt, permitiram a instalação de fábricas em outros lugares mais favoráveis ao comércio. Naturalmente as grandes cidades, onde existia abundante mão-de-obra com salários aviltados, foram escolhidas como locais favoritos para o funcionamento das indústrias. Huberman (1976) destaca que a introdução da máquina a vapor do Sr. Watt era tão importante para os ingleses que, “no ano de 1800, essas máquinas se encontravam em uso em 30 minas de carvão, 22 minas de cobre, 28 fundições, 17 cervejarias e 8 usinas de algodão”.

Galpões, estábulos e velhos armazéns, eram rapidamente transformados em fábricas, colocando-se no seu interior o maior número possível de máquinas de fiação e tecelagem. Nas grandes cidades inglesas, o baixo nível de qualidade de vida e as famílias com numerosa quantidade de filhos, garantiam um suprimento fácil de mão-de-obra com míseros salários, sendo aceitos, como trabalhadores, não só homens, mas também mulheres e mesmo crianças, sem quaisquer restrições quanto ao estado de saúde e desenvolvimento físico.

Intermediários inescrupulosos percorriam as grandes cidades inglesas arrebanhando crianças que lhes eram vendidas por pais miseráveis e, posteriormente, revendidas a cinco libras por cabeça aos empregadores que, ansiosos por obter um suprimento inesgotável de mão-de-obra barata, se comprometiam a aceitar uma criança débil mental para cada 12 crianças sadias (Nogueira, 1981).

A improvisação das fábricas e a mão-de-obra constituída principalmente por crianças e mulheres resultaram em problemas ocupacionais extremamente sérios. O número de acidentes do trabalho era aterrorizante, provocados por máquinas sem qualquer tipo de proteção e

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movidas por engrenagens e correias expostas, sendo que as mortes, principalmente de crianças, eram muito freqüentes.

Inexistindo limites de horas de trabalho, homens, mulheres e crianças iniciavam suas atividades pela madrugada, abandonando-as somente ao cair da noite. Em muitos casos o trabalho continuava mesmo durante a noite em fábricas precariamente iluminadas por bicos de gás. As atividades profissionais eram executadas em ambientes fechados, com ventilação extremamente escassa. Os ruídos provocados pelas máquinas primitivas atingiam limites altíssimos, tornando impossível até mesmo a audição de ordens e comandos, o que muito contribuía para aumentar o número de acidentes.

Não é, pois, de estranhar-se, que doenças de toda a ordem se alastrassem entre os trabalhadores, especialmente entre as crianças, doenças tanto de origem não-ocupacional (principalmente as infecto-contagiosas, como o tifo europeu, que era chamado de febre das fábricas), quanto de origem ocupacional, cujo número aumentava à medida que se abriam novas fábricas e novas atividades industriais eram iniciadas (Mendes, 1996).

3. Primeiras medidas de proteção ao trabalhador

As primeiras medidas de proteção ao trabalhador, adotadas nas fábricas inglesas, eram de natureza estritamente médica. Nascia uma preocupação direcionada à higiene pessoal nos locais de trabalho, por conseguinte, também relacionada com a saúde dos trabalhadores. Inexistiam relatos sobre iniciativas destinadas à segurança no trabalho, entendida como medidas de natureza educativa, técnica ou legal, voltadas para melhoria do ambiente de trabalho, proteção coletiva e individual, segregação ou eliminação de fontes de riscos de acidentes, proteção e otimização de máquinas, ferramentas e equipamentos.

No início do século XIX na Inglaterra, a dramática situação dos trabalhadores não poderia deixar indiferente a opinião pública e, por essa razão, criou-se no Parlamento britânico, sob a direção de Sir Robert Peel, uma comissão de inquérito que, após longa e tenaz luta, conseguiu que, em 1802, fosse aprovada a primeira lei de proteção aos trabalhadores: “Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes”, que estabelecia o limite de 12 horas de trabalho por dia, proibia o trabalho noturno, obrigava os empregadores a lavar as paredes das fábricas duas vezes por ano e tornava obrigatória a ventilação destas. Tal lei não resolvia senão parcela mínima do problema e assim foi seguida de leis complementares surgidas em 1819, em geral pouco eficientes devido à forte oposição dos empregadores.

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Em 1830, quando as condições de trabalho das crianças ainda se mostravam péssimas, a despeito dos diversos documentos legais, Robert Dernham, proprietário de uma indústria têxtil inglesa, que se sentia perturbado diante das péssimas condições de trabalho dos seus pequenos trabalhadores, procurou Robert Baker, famoso médico inglês, pedindo-lhe conselho sobre a melhor forma de proteger a saúde dos mesmos. Baker vinha já há bastante tempo se interessando pelo estudo do problema da saúde dos trabalhadores. Conhecedor que era da obra de Ramazzini dedicava grande parte de seu tempo a visitar fábricas e a tomar conhecimento das relações entre trabalho e doença, o que levou o governo britânico, quatro anos mais tarde, a nomeá-lo Inspetor Médico de Fábricas.

Diante do pedido do empregador inglês, Baker aconselhou-o:

“Coloque no interior de sua fábrica o seu próprio médico, que servirá de intermediário entre você, os seus trabalhadores e o público. Deixe-o visitar a fábrica, sala por sala, sempre que existam pessoas trabalhando, de maneira que ele possa verificar o efeito do trabalho sobre as pessoas. E se ele verificar que qualquer dos trabalhadores está sofrendo a influência de causas que possam ser prevenidas, a ele competirá fazer tal prevenção. Dessa forma você poderá dizer meu médico é a minha defesa, pois a ele dei toda a minha autoridade no que diz respeito à proteção da saúde e das condições físicas dos meus operários. Se algum deles vier a sofrer qualquer alteração da saúde, o médico unicamente é que deve ser responsabilizado”. Surgia, assim, o primeiro serviço médico industrial em todo o mundo (Oliveira, 1998).

A iniciativa daquele empregador, movida até pelo temor de ser responsabilizado pelos infortúnios laborais, veio mostrar a necessidade urgente de medidas de proteção aos trabalhadores, pelo que, em 1831, uma comissão parlamentar de inquérito, sob a chefia de Michael Saddler, elaborou um cuidadoso relatório, concluído do seguinte modo:

“Diante desta Comissão desfilou longa procissão de trabalhadores – homens e mulheres, meninos e meninas. Abobalhados, doentes, deformados, degradados na sua qualidade humana, cada um deles era a clara evidência de uma vida arruinada, um quadro vivo da crueldade do homem para com o homem, uma impiedosa condenação daqueles legisladores que, quando em suas mãos detinham poder imenso, abandonaram os fracos à capacidade dos fortes” (Mendes, 1996).

O impacto deste relatório sobre a opinião pública foi tremendo, e assim, no ano de 1833, foi baixado na Inglaterra o Factory Act 1833, que deve ser considerada como a primeira legislação realmente eficiente no campo da proteção ao trabalhador. Aplicava-se a todas as

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empresas têxteis onde se usasse força hidráulica ou a vapor; proibia o trabalho noturno aos menores de 18 anos e restringia as horas de trabalho destes a 12 por dia e 69 por semana; as fábricas precisavam ter escolas, que deviam ser freqüentadas por todos os trabalhadores menores de 13 anos; a idade mínima para o trabalho era de nove anos, e um médico devia atestar que o desenvolvimento físico da criança correspondia à sua idade cronológica (Nogueira, 1981).

O grande desenvolvimento industrial da Grã-Bretanha levou ao estabelecimento de uma série de medidas legislativas, destacando-se a criação do Factory Inspectorate, primeiro órgão do Ministério do Trabalho britânico, com função de proceder ao exame médico pré-admissional, ao exame médico periódico, ao estudo de casos de doenças causadas por agentes químicos potencialmente perigosos e à notificação e investigação de doenças profissionais, especialmente em fábricas pequenas, que não dispunham de serviço médico próprio. Observada por Oliveira (1988), a expansão da Revolução Industrial no resto da Europa resultou, também, no aparecimento progressivo dos serviços médicos de empresa industrial em diversos países, sendo que em alguns deles, foi dada tal importância a esses serviços que sua existência deixou de ser voluntária, como de princípio na Grã-Bretanha, para tornar-se de imediato obrigatória.

Nos Estados Unidos, a despeito da industrialização ter-se desenvolvido de forma acentuada, a partir da segunda metade do século XIX, os serviços médicos nas empresas permaneceram praticamente desconhecidos, não dando os empregadores nenhuma atenção especial aos problemas de saúde dos seus trabalhadores. No entanto, o aparecimento, no início do século XX, da legislação sobre indenizações em casos de acidentes do trabalho, levou os empregadores a estabelecerem os primeiros serviços médicos de empresa industrial naquele país, com o objetivo básico de reduzir o custo das indenizações, através de cuidado adequado dos casos de acidentes e doenças profissionais. Desses relatos se conclui que, mesmo na Europa e nos Estados Unidos, a conscientização dos empregadores precisava ser impulsionada pela coerção da lei, pois continuava inexistindo, salvo raríssimas exceções, interesse em preservar a saúde ou a vida dos trabalhadores.

No final do século XIX, no dia 15 de maio de 1891, a Encíclica do Papa Leão XIII, De

Rerum Novarum, conclama os povos no sentido da justiça social, influenciando legisladores e

estadistas para o avanço da proteção social. A Encíclica mencionada, no Capítulo 22, asseverou ser absolutamente necessário:

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“aplicar a força e autoridade das leis, dentre outros casos, contra os patrões que esmagam os trabalhadores sob o peso de ônus iníquos, ou desonram, neles, a pessoa humana, por condições indignas e degradantes ou, ainda, que atentam contra a saúde destes por um trabalho desproporcionado com a sua idade e sexo”.

Mais adiante, no capítulo 27 desta mesma Encíclica, a censura contra os abusos dos empregadores é clara:

“Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso de fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo. A atividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar” (apud Oliveira, 1998).

4. Proteção ao trabalhador no mundo contemporâneo

No período que coincide com a Primeira Guerra Mundial, manifestações e reivindicações ocorridas em diversos congressos de trabalhadores levaram à Conferência da Paz de 1919, organizada pela Sociedade das Nações, a criar, pelo Tratado de Versalhes, a Organização Internacional do Trabalho – OIT. Esta organização foi criada com o propósito de dar às questões trabalhistas um tratamento uniformizado, com fundamento na justiça social. O preâmbulo da constituição da OIT enfatiza que “existem condições de trabalho que implicam para grande número de indivíduos misérias e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e harmonia universais...” (Sussekind, 1994).

Já na primeira reunião da OIT, no ano de 1919, foram aprovadas seis convenções, com visíveis propósitos de proteger à saúde e integridade física dos trabalhadores, tratando de limitação da jornada de trabalho, desemprego, proteção à maternidade, trabalho noturno das mulheres, idade mínima para admissão de crianças e o trabalho noturno dos menores.

O eco dessas convenções, posteriormente, levou representantes da Organização Internacional do Trabalho – OIT e da Organização Mundial da Saúde – OMS a se reunirem para deliberar e estudar com maior ênfase o assunto. Em 1950, a Comissão Conjunta OIT-OMS sobre saúde ocupacional estabeleceu, de forma muito ampla, os objetivos da saúde ocupacional. Em junho de 1953, a Conferência Internacional do Trabalho adotou princípios, elaborando a Recomendação n° 97, sobre a Proteção à Saúde dos Trabalhadores em Locais de Trabalho, e insistiu com os Estados-membros, no sentido de que os mesmos incrementassem a criação de serviços médicos nos locais de trabalho. Em junho de 1959, a 43a Conferência

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Internacional do Trabalho, reunida em Genebra, Suíça, estabeleceu a sua Recomendação n° 112, que tomou o nome de “Recomendação para os Serviços de Saúde Ocupacional”.

5. O trabalho no Brasil Colônia

Igualmente à Europa do período medieval ao início do século XIX, não existem registros de qualquer tipo de medida política ou social que tivesse por objetivo a proteção do trabalhador nos primeiros quatrocentos anos de história do Brasil. Num país-colônia por mais de três séculos, utilizando mão-de-obra escrava até o fim do século XIX, não é de admirar que as inter-relações entre trabalho e saúde não tenham constituído preocupação para a administração pública e nem para a classe médica até há pouco tempo (Figura 1).

Figura 1 – Trabalho no engenho Fonte: Abril (2000)

Mendes (1996) assegura que apenas nas graves epidemias de febre amarela que assolaram Pernambuco e Bahia nos anos de 1685 e 1690, é que tais inter-relações despontaram como preocupação, dado que a mão-de-obra dos engenhos de açúcar fora atingida pela mortandade – motivo de graves prejuízos para a economia da época.

No Brasil, a presença do escravismo, além de suas seqüelas de ordem econômica, política e social, levou à consolidação das idéias greco-romanas do trabalho, visto e entendido como sofrimento e punição. E, ainda, ressuscitou o velho dualismo que separa trabalho manual de trabalho intelectual, o ato de fazer do ato de pensar, considerando o pensamento intuitivo e contemplativo superior e antagônico ao discursivo, prático e material.

É nesse cenário que vamos encontrar a evolução dos conceitos e práticas do trabalho livre no Brasil, de maneira diferente do que ocorreu na Europa, onde o modelo escravista foi

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sendo gradativamente substituído pelo sistema feudal. Na Europa os povos considerados bárbaros, militarmente vencedores, por não conhecerem o escravismo em nenhuma de suas formas, não o adotaram.

No Brasil, o modelo escravista desmoronou no final do século XIX em conseqüência do avanço do capitalismo, praticamente de maneira abrupta, sem o amadurecimento das condições necessárias à vivência das regras do modelo capitalista de produção e com a desvinculação total do ex-escravo de seu antigo dono, o fazendeiro, que acabou lavando as mãos em relação ao seu destino. Aliás, destino incerto, já que o negro não tinha experiência de outra vida que não fosse a de escravo.

O modelo capitalista de produção, no tocante às relações de trabalho, fundamentou-se basicamente no trabalho livre, em que, de um lado, coloca-se o trabalhador como vendedor da força de trabalho e, de outro, o capitalista, na condição de comprador dessa força de trabalho. No caso do Brasil, a experiência de trabalho livre, à época da libertação dos escravos, praticamente não existia. O dono do capital não conhecia outra prática no trato com a força de trabalho, que não fosse a sujeição, a chibata. Para ele, o trabalhador negro, independentemente da Lei Áurea, não passava de uma “peça”, como era conhecido (Oliveira, 1998).

Por seu turno, o trabalhador, nascido e criado no sistema escravista, não dispunha de nenhuma habilidade para viver num sistema de compra e venda de mão-de-obra. Ademais, a Lei Áurea não foi, de pronto, acompanhada de regulamentos que dispusessem sobre o trabalho livre e, ainda que dispusesse deles, a sociedade da época não tinha experiência necessária para com eles lidar. O capitalismo brasileiro, em matéria de relações de trabalho, nasceu descomunal e disforme.

No entendimento de Oliveira (2000), antes da Lei Áurea, a decisão mais importante tomada pelo Parlamento contra o sistema escravista foi a Lei Saraiva, mais conhecida como Lei do Sexagenário, que concedia a liberdade ao negro que completasse sessenta anos de idade. Vista superficialmente, parecia uma medida não só justa, mas principalmente caridosa. O negro velho passava a ter direito de viver seus últimos anos de vida livre da tutela de seu dono. Equívoco. Nas condições em que a mudança ocorreu, quem ficou livre mesmo foi justamente o senhor de escravos, desincumbido de ter que sustentá-lo, improdutivo.

Com sessenta anos de idade e desgastado, o negro estava decrépito. Não prestava mais para o trabalho e muito menos para ser vendido. Havia perdido os dois atributos que o situavam no sistema produtivo – o de força de trabalho e o de mercadoria. Para seu dono, conveniente mesmo era livrar-se dele.

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Essa experiência dolorosa de fazer do trabalhador escravo um cidadão, por meio de uma lei votada pelos brancos proprietários, sem ambiente favorável à construção e exercício da cidadania, além de ter sacrificado, de forma impiedosa, os trabalhadores negros, nos anos subseqüentes à Lei Áurea, produziu uma desigualdade nas relações de trabalho que, embora minimizada com as leis getulinas, a partir da década de quarenta do século XX, continua viva. Oliveira (2000) enfatiza que “liberdade, em regime de absoluta desigualdade, pode pressupor opressão” e foi precisamente o que ocorreu com os trabalhadores escravos.

Escaparam da escravidão, mas não se livraram de ter de aprender, a duras penas, o exercício da cidadania, numa cultura eminentemente escravista, onde a marca indelével da condição de ex-escravo estava impressa na cor da pele, no cabelo encarapinhado, enfim, na raça. Ser preto era sinônimo de ser escravo. Todas as gerações passadas haviam aprendido isso. Não seria uma lei, de imediato, que iria fazer a sociedade sepultar os 350 anos de escravismo e seus legados. Somente a partir da segunda geração, após a abolição, é que essa pecha começou a ser removida e os descendentes dos escravos lentamente incorporados ao sistema de produção capitalista.

Simultaneamente ao trabalho da saúde pública no início do século no Brasil, começa a ficar mais nítida a insuficiência de sua intervenção nos locais de trabalho. Não bastam medidas de higiene e as boas intenções dos sanitaristas. A questão das condições de vida e saúde dos trabalhadores industriais, enquanto classe em formação é expressão de relações sociais e, portanto, os instrumentos de mudança são políticos e econômicos. Mobilizam-se ou não, em função da capacidade de articulação e de força do movimento social, e aqui, dos movimentos de trabalhadores, na época, em início de organização. O movimento social dos trabalhadores volta-se às condições de trabalho (duração de jornada, idade mínima, trabalho noturno, repouso remunerado, trabalho de menores e de mulheres) e aos ambientes de trabalho, chamando a atenção ao impacto desta “revolução industrial” sobre a saúde e a vida dos trabalhadores, como tem sido fartamente estudado nos últimos anos.

Warren Dean (apud Mendes, 1996) apresenta um relato minucioso sobre as precárias condições de trabalho no Brasil à época:

“As condições de trabalho eram duríssimas, muitas estruturas que abrigavam as máquinas não haviam sido originalmente destinadas a essa finalidade. Além de mal iluminadas e mal ventiladas, não dispunham de instalações sanitárias. As máquinas se amontoavam ao lado umas das outras e suas correias e engrenagens giravam sem proteção alguma. Os acidentes se amiudavam porque os trabalhadores cansados de trabalhar, às vezes, além do horário sem aumento de salário ou por trabalharem aos domingos, eram multados por indolência ou pelos

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erros cometidos, se fossem adultos, ou surrados, se fossem crianças. Em 1917, uma pessoa que visitou uma fábrica na Mooca, na Capital, ouviu operários de doze e treze anos de idade, da turma da noite, que se queixavam de ser freqüentemente espancados e mostraram, como prova do que diziam, as equimoses e ferimentos que traziam. As fotografias ocasionais do revezamento de turmas numa ou noutra fábrica nos exibem uma horda de espectros descarnados e andrajosos, apinhados à saída, precedidos de crianças descalças e raquíticas, com os rostos inexpressivos voltados para a câmera ou para o chão”.

No estudo de Boris Fausto (apud Mendes, 1996), é relatado o exemplo de cardadores da indústria têxtil que trabalhavam 16 horas por dia, das cinco às 22 horas, com uma hora para a refeição e, aos domingos, até às 15 horas. Aliás, fazendo-se a industrialização à custa da indústria têxtil, acentuava-se a procura da mão-de-obra feminina e de crianças que, a partir dos sete anos de idade, já eram empregadas nessas fábricas. Este autor, baseado em documentário da época, confirma as referências aos espancamentos e às multas, bem como à mutilação de crianças pelas máquinas, muitas vezes provocadas por adormecerem sobre elas em funcionamento.

Entre os médicos da Praia Vermelha, no Rio, levantam-se vozes inflamadas que se aliam às correntes ideológicas organizatórias da classe operária – “trabalhismo”, socialismo reformista, e mesmo anarquismo – deplorando tão infames condições de trabalho e propondo medidas que corrigissem estas distorções. Em sua tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o médico Luciano Gualberto (citado por Mendes, 1996), defende a regulamentação da duração da jornada de trabalho, da idade mínima para o início no trabalho e a necessidade de benefícios previdenciários aos acidentados do trabalho (talvez como reflexo da proposta pioneira de Medeiros e Albuquerque, apresentada ao Congresso Brasileiro, em 1904). Gualberto apresenta no ano de 1907, interessante relato sobre as condições de trabalho no Rio de Janeiro:

“Entre nós, aqui no Rio de Janeiro, não há dia em que se não dêem múltiplos desastres. Os noticiários dos jornais estão sempre cheios de casos dessa ordem. São os desastres a bordo, nos grandes trapiches, nas construções da cidade, nos diversos estabelecimentos industriais, nas empresas de transportes. A vítima, mal se deu a ocorrência, é transportada para a Santa Casa de Misericórdia, hospital mantido pela caridade pública, onde sofrerá operações e curativos que o caso exigir e nada mais. Os patrões, quando muito (cousa bastante rara) lhe pagam a condução para o hospital. As despesas de operações e curativos, cousa alguma custam, pois o operário dá entrada naquele estabelecimento com guia da polícia da circunscrição (...) dizendo-o indigente. O dizendo-operáridizendo-o nãdizendo-o fdizendo-oi, nãdizendo-o é e nem pdizendo-ode ser classificaddizendo-o um indigente” (apud Mendes,

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O médico Raul de Frias Sá Pinto, reforçando o Dr. Luciano Gualberto, refere-se ao operário que “nas atuais condições de vida, não morre naturalmente, é assassinado aos poucos”. Defendia, já em 1907, a necessidade da intervenção do Estado na regulamentação das relações de trabalho e a criação de uma Caixa de Seguros. Idêntica posição seria assumida, em 1913, pelo médico Genserico Dutra Ribeiro, ao observar as condições de trabalho das crianças do Rio de Janeiro e por Everardo João Gouvêa, em 1916 (Mendes, 1996).

6. O trabalho assalariado e a monetização dos riscos

Mesmo quando executava as mais rústicas atividades, nossos ancestrais se deparavam com os riscos de queda, envenenamento, afogamento, sufocação, de embates com inimigos ou animais de grande porte, além de sofrerem com as hostilidades climáticas. Com os séculos o homem vai transformando seu meio e sendo transformado por ele numa recíproca que possibilita a sobrevivência da espécie. Nas primeiras atividades organizadas, os grupos humanos adotam singelas medidas de segurança visando, principalmente, proteger o grupo e evitar danos à saúde.

Com o aparecimento das máquinas, um extraordinário impacto social, político e econômico é provocado no mundo e nas relações de trabalho, resultando daí um trabalhador refém de interesses extremamente nefastos a sua saúde, que vão paulatinamente subjugando sua condição humana, através da exploração da mão-de-obra pela mais-valia e exigências de aumento descomedido de produção. Neste estádio, um acentuado número de riscos foi sendo agregado à atividade laboral pelo modo como se estabeleciam as relações de trabalho e as técnicas produtivas empregadas.

Aqueles riscos visíveis que afetam imediatamente a integridade física do indivíduo vão sendo classificados como agentes periculosos e os insidiosos que atuam de forma mediata, minando paulatinamente sua saúde, são classificados como agentes insalubres. Os primeiros provocam os acidentes do trabalho, enquanto os últimos acarretam as doenças ocupacionais ou do trabalho.

Em diversos países os legisladores, particularmente os voltados para o ramo Direito do Trabalho, adotaram três estratégias básicas para o enfrentamento desses agentes agressivos: 1) aumentar a remuneração do trabalhador assalariado para compensar seu desgaste orgânico; 2)

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proibir o trabalho em ambientes insalubres e/ou perigosos; 3) reduzir a jornada de trabalho nestes ambientes.

A primeira alternativa é a mais cômoda e a menos inteligente; a segunda é a hipótese ideal, mas nem sempre possível de ser adotada, e a terceira representa o ponto de equilíbrio que cada vez mais vem sendo adotado. Oliveira (1998) afirma que por um erro de perspectiva “O Brasil preferiu a primeira opção, a monetização do risco, desde o ano de 1940 e, pior ainda, insiste em mantê-la, quando praticamente o mundo inteiro já mudou de estratégia”.

Esclarece Nogueira (1981), que o primeiro caminho adotado por outros países foi mesmo o da recompensa maior pela exposição aos agentes danosos. Os adeptos desta estratégia raciocinavam que esse pagamento adicional teria duas utilidades: de um lado, aumentaria o salário dos trabalhadores assalariados, permitindo uma alimentação melhor, da qual resultaria melhores condições de defesa ao organismo contra os agravos do trabalho; por outro lado, constituiria em ônus a mais ao empregador que, para evitá-lo procuraria melhorar as condições do ambiente de trabalho. Pouco tempo depois, porém, percebeu-se que os dois pressupostos indicados eram falsos.

Os estudos mais aprofundados de Toxicologia do trabalho mostraram que, na imensa maioria dos casos, mesmo uma alimentação com alto poder calorífico, e perfeitamente balanceada, não influiria, senão de forma desprezível, na luta do organismo humano contra os agentes causadores de doença profissional. Os empregadores, por sua vez, verificando que a modificação das condições em que o trabalho insalubre era realizado implicava, na maioria das vezes, em despesas vultosas, preferiram o pagamento do adicional e transferiram para seus produtos a parcela do acréscimo salarial.

Por outro lado, o pagamento do adicional de insalubridade teve uma conseqüência inesperada e de extrema gravidade: verificando que o trabalho em locais insalubres redundava em salário maior, os trabalhadores, ignorantes dos riscos a que se expunham, procuravam esses locais com grande interesse, arriscando dessa forma a saúde e mesmo a vida em troca de dinheiro. O reconhecimento dessa complexa e grave problemática levou, desde logo, à abolição do pagamento desse adicional nas indústrias européias e, mais tarde, nas norte-americanas e canadenses.

No Brasil, o primeiro diploma legal a instituir a monetização do risco foi o Decreto-lei n° 2.162, de 1° de maio de 1940, o qual no artigo 6°, estabelece adicionais de 40%, 20% ou 10% sobre o salário mínimo, de acordo com os graus de insalubridade máximo, médio e mínimo. Em agosto de 1955, foi instituído pela Lei n° 2.573 o adicional de periculosidade para os trabalhadores que exercessem atividades em contato permanente com inflamáveis. A

Referências

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