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A inaplicabilidade do princípio da insignificância aos atos infracionais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

A INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS ATOS INFRACIONAIS

RAFAEL PETRY

FLORIANÓPOLIS 2015

(2)

RAFAEL PETRY

A INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS ATOS INFRACIONAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Josiane Rose Petry Veronese

FLORIANÓPOLIS

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Aos meus pais e minha irmã, pelo

amor, paciência, incentivo e

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É preciso muito bem esquecer para experimentar a alegria de novamente lembrar-se. Tantos pedaços de nós dormem num canto da memória, que a memória chega a esquecer-se deles. E a palavra – basta uma só palavra – é flecha para sangrar o abstrato morto. Há, contudo, dores que a palavra não esgota ao dizê-las.

(Bartolomeu Campos de Queirós/ Vermelho Amargo)

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RESUMO

O presente trabalho monográfico se propõe a analisar a possibilidade de incidência do princípio da insignificância aos atos infracionais. Objetivando responder tal questão, num primeiro momento se efetuou o estudo dos princípios como elementos integrantes do ordenamento jurídico, a origem do instrumento bagatelar, o meio pelo qual penetra na norma penal, sua recepção pelos Tribunais pátrios e os vetores que vem orientando a sua aplicação. Superada tal etapa, discorreu-se sobre a Doutrina da Proteção Integral, recepcionada pela Carta Constitucional de 1988 e pela Lei 8.069/1990, a elevação da população infantoadolescente ao posto de sujeitos de direitos, os instrumentos aptos à sua defesa normativa e as garantias processuais asseguradas ao adolescente autor de ato infracional. No derradeiro capítulo efetuou-se uma análise do acervo jurisprudencial das Cortes de Justiça e do modo como a questão vem sendo enfrentada pelos seus magistrados para, posteriormente, demonstrar que, por se tratar de um instrumento especialmente moldado à seara criminal, o princípio da insignificância não se coaduna com a natureza das medidas socioeducativas e os fins almejados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, qual seja, a intervenção pedagógica no processo de desenvolvimento físico, psicológico e moral do autor de ato infracional com a sua consequente reintegração social.

Palavras-chave: Ato infracional – Direito da Criança e do Adolescente - Autonomia – Medidas Socioeducativa – Natureza pedagógica – Princípio da Insignificância – Inversão do eixo ótico da ação socioeducativa – Inaplicabilidade.

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ABSTRACT

The aim of this literature review is to analyze the possibility of incidence of the insignificance principle to infractional acts. For that, it was first performed the study of the principles as elements integrating the law, the origin of the insignificance instrument, the way through what it penetrates in the criminal standard, its perception by the patriotic Courts as well as the vectors that have been orientating its application. After that, it was discoursed regarding the Doctrine od Full Protection, welcomed by the Brazilian Federal Constitution of 1988 and by the Law 8.069/1990, the raising of the infant-adolescent population to the grade of subjects of rights, the instruments apt to its normative defense and the procedural safeguards granted to the adolescent author of an infractional act. In the last chapter, it was carried out an analysis of the jurisprudential collection of the Courts of Justice and the way by what this issue has been faced by its members in order that, afterwards, it is demonstrated that, as this is an instrument specially molded to the criminal area, the principle of insignificance does not harmonize with the nature of the socioeducational measures and the aimed ends of the Child and Adolescent Statute, which is the pedagogical intervention in the physical, psychological and moral development process of the infractional act author and its consequent social reintegration.

Key words: Infractional act – Child and Adolescent Right – Autonomy – Socioeducative Measures – Pedagogical nature – Insignificance Principle – Inversion of the optical axis of the socioeducational action – Inapplicability.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ... 13

1.1 Sobre os princípios ... 13

1.1.1 A ascensão dos Princípios ... 13

1.1.2 Regras e princípios ... 16

1.2 Sobre a Insignificância ... 18

1.2.1 Origem do Princípio da Insignificância ... 18

1.2.2 Definição ... 19

1.2.3 O meio de penetração na norma: o tipo ... 21

1.2.4 Evolução histórica do tipo ... 22

1.2.5 Princípio da insignificância e sua relação com outros princípios ... 24

1.2.5.1 Princípio da Legalidade ... 24

1.2.5.2 Princípio da Lesividade ... 27

1.2.5.3 Princípio da Intervenção Mínima ... 28

1.2.5.4 Princípio da Fragmentariedade ... 29

1.2.5.5 Princípio da Proporcionalidade ... 29

1.2.5.6 Princípio da Adequação Social ... 30

1.3 Princípio da insignificância no direito brasileiro ... 31

1.3.1 Insignificância e o legislativo ... 31

1.3.2 Insignificância e a jurisprudência ... 33

1.3.3 Princípio da insignificância, maus antecedentes e reincidência ... 34

1.3.4 Princípio da insignificância e crimes contra a administração pública ... 38

1.3.5 Princípio da insignificância e o porte de drogas para o consumo próprio ... 40

1.3.6 Princípio da insignificância, descaminho e contrabando ... 42

1.3.7 Considerações finais sobre a insignificância e a jurisprudência brasileira ... 43

2 O ADOLESCENTE E A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ... 45

2.1 A Doutrina da Proteção Integral e a tutela normativa da criança e do adolescente... 45

(10)

2.2.1 Princípio da prioridade absoluta ... 63

2.2.2 Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente ... 66

2.2.3 Princípios da Municipalização, da Descentralização e da Participação Popular ... 68

2.2.4 Princípio da não discriminação, da universalização, da humanização e da politização... 70

2.3 Garantias processuais asseguradas ao adolescente autor de ato infracional ... 71

3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E ATO INFRACIONAL ... 87

3.1 Ato infracional e princípio da insignificância à luz da jurisprudência ... 88

3.2 A inaplicabilidade do princípio da insignificância aos atos infracionais ... 106

3.2.1 A autonomia do Direito da Criança e do Adolescente ... 107

3.2.2 Estatuto e sua aptidão para tratar dos casos “insignificantes” ... 113

3.2.3 A natureza das Medidas Socioeducativas ... 122

3.2.4 Insignificância como uma inversão do eixo ótico da ação socioeducativa ... 131

3.3 Considerações sobre as medidas socioeducativas ... 143

CONCLUSÃO ... 146

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INTRODUÇÃO

Passados 25 anos de seu nascimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda experimenta certa incompreensão acerca dos seus valores constituintes. Não raras vezes surgem novas polêmicas acerca da sua aplicação e dos seus efeitos concretos, questão essa que pode ser ilustrada com a atual discussão acerca da redução da idade penal e a eficácia das medidas socioeducativas.

Em numerosas vezes esses debates direcionam-se aos efeitos negativos decorrentes de eventual conduta infracional por parte da população infantoadolescente. Essas peroras costumam ser alimentadas pelos frutos de uma mídia tendenciosa e carente de substrato teórico, a qual dissemina entre os telespectadores a crença de que os “menores” são os responsáveis por todos os tormentos de segurança pública atualmente vivenciados.

Embora o “Direito do Menor” já tenha sido sepultado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, seu espírito ainda vive no imaginário de diversos juristas, ante a negativa de vigência plena e material ao novo Direito da Criança e do Adolescente e à Doutrina da Proteção Integral. Neste tocante, não raras vezes o adolescente tem sua condição de sujeito de direitos específicos e especiais esquecida, sendo tratado como um criminoso em menor proporção etária e física. Vergonhosamente, o Direito da Criança e do Adolescente ainda batalha para ver reconhecido seu status de ramo autônomo, desvinculado do Direito Penal, regido por regras e princípios próprios.

Dentro deste cenário de incompreensão e polêmicas encontra-se também o tema que este trabalho monográfico se propõe a abordar, qual seja, a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos atos infracionais.

Não se pode afirmar que essa seja uma discussão já superada. É bem verdade que a maior parte dos membros das Cortes de Justiça pátrias filia-se à tese da aplicabilidade de referido princípio aos atos infracionais. Contudo, em boa parte dos Tribunais estaduais ainda pululam julgados que manifestam o entendimento de que o instrumento de exclusão da tipicidade material não se coaduna aos fins basilares do Estatuto e à natureza das medidas socioeducativas.

Claramente existe uma divergência entre os juristas acerca da natureza das medidas socioeducativas e do próprio procedimento estatutário. Uma primeira corrente, a do Direito Penal Juvenil, atribui às medidas socioeducativas um caráter pedagógico e um caráter notadamente retributivo, à semelhança do Direito Penal. Numa segunda linha, têm-se aqueles

(12)

que veem nas medidas e no próprio procedimento estatutário um caráter puramente pedagógico.

Afiliando-se à segunda corrente, procurou-se abordar a questão e apresentar elementos aptos a construir o entendimento de que o princípio da insignificância não pode incidir nas situações regradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Com fins à demonstração dessa incompatibilidade entre ambos, a presente monografia foi dividida em três capítulos.

No primeiro, abordou-se o princípio da insignificância enquanto instrumento penal, investigando sua origem, sua forma de incidência na norma penal, sua relação com outros princípios penais e o modo como vem sendo utilizado pelos Tribunais brasileiros.

No segundo capítulo há de se efetuar uma análise do diploma estatutário à luz da Doutrina da Proteção Integral, estudando as forças motrizes de seu nascimento, as mudanças que trouxe em relação ao sepultado Código de Menores, os direitos fundamentais da população infantoadolescente e os instrumentos disponibilizados pelo legislador para assegurar sua efetivação.

Deu-se início ao derradeiro capítulo realizando breve análise da jurisprudência pátria para, em seguida, confrontar o instrumento bagatelar e os regramentos estatutários, analisando a temática sob a lente da Doutrina da Proteção Integral e refutando aqueles valores próprios do temerário Direito Penal Juvenil, onde se procurou demonstrar que o princípio da insignificância não é recepcionado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, onde o adolescente é elevado ao posto de sujeito de direitos e já se tem disposições próprias e aptas a tratar dos casos ditos “insignificantes”.

Ao fim deste capítulo os esforços concentraram-se no sentido de elucidação dos efeitos negativos que podem resultar da aplicação de tal instrumento à seara estatutária, uma vez que quando de sua aplicação nesta área, o Estado não está renunciando ao seu Direito de punir, mas sim se omitindo de seu dever de educar e interferir de forma positiva no desenvolvimento físico, moral e psicológico do adolescente autor de ato infracional.

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1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 1.1. Sobre os Princípios

A palavra “princípio” deriva do latim principium, remetendo-nos à ideia de início, origem, ponto de partida. Juridicamente é tido como uma proposição básica, fundamental, que condiciona todas as estruturas subsequentes e por isso chamado de “princípio”, pois está na origem, sendo a premissa de todo um sistema.

Celso Antônio Bandeira de Mello define os princípios como:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá o sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo1.

Os princípios são normas de um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes ou à sua importância estruturante dentro do sistema2. Canotilho anota, ainda, que eles são multifuncionais, podendo desempenhar uma função argumentativa, permitindo revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, especialmente aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito3.

Para uma melhor compreensão do conceito de princípio que conhecemos atualmente, é necessário regressar ao jusnaturalismo e investigar a sua evolução histórica até a contemporaneidade, onde teve reconhecida sua normatividade.

1.1.1. A Ascensão dos Princípios

A ideia de um direito natural nasceu entre os gregos e atravessou toda a idade média e encontrou campo fértil ao seu desenvolvimento no século XVI, onde começou a se formar o jusnaturalismo moderno. Esta doutrina sustenta a existência de uma ordem de valores que presidem a prática humana e não decorrem do Direito Positivo. Ainda, seria mais elevada que

1

Mello, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 8ª ed.- São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 545.

2

Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed.- Coimbra: Almedina, 1995, p. 166.

3

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as normas estatais, uma vez que emanam da natureza, da razão humana ou da vontade de Deus4.

Embora afirmasse que os atos de alguém deveriam se guiar por princípios obrigatórios a todos os homens, nenhuma das teorias do Direito Natural conseguiu definir o conteúdo deste mandamento e sistematizar esses princípios invariáveis de justiça. O que se observava era a existência de algumas fórmulas gerais carentes de objetividade, tais como “se deve fazer o bem e evitar o mal”5

.

Ao fim do século XVIII as estruturas da ordem política dominante foram abaladas pelo surgimento de um movimento democrático justificado por um discurso naturalista: a Revolução Francesa. Contudo, este evento que foi o apogeu do jusnaturalismo marca também o início de sua superação histórica.

No momento em que a Revolução Francesa chegou à vitória, o discurso jusnaturalista passa a adquirir um tom mais conservador. Agora era preciso manter a segurança e revogar o velho direito. O sucesso da revolução agora requeria a conversão do direito natural em direito positivo.

Com a ascensão do liberalismo, passou-se a buscar também o estabelecimento de bases mais sólidas e a consolidação de um núcleo fundamental de princípios jurídicos. A busca por essa objetividade acabou por afastar o direito da moral e daqueles valores de caráter generalíssimo. O direito agora era sinônimo de norma, marcando a consagração daquele movimento legalista que surgia sob as luzes do iluminismo e o triunfo do positivismo.

O positivismo jurídico pretendia transformar o estudo do direito em uma ciência dotada daquela mesma objetividade própria das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Para isso, dever-se-ia adotar uma postura mais científica ante o direito, estudando-o como fato e não como valor. O âmbito jurídico não comportaria discussões acerca de questões como legitimidade ou justiça6, devendo-se excluir toda qualificação que fosse fundada em um juízo de valor e que permitisse a distinção do próprio direito em bom e mau, justo ou injusto7. O positivismo almejava uma abordagem do Direito como um “ser” e não como um “dever ser”.

4

Kelsen, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Tradução: Luis Carlos Borges – 4ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 12.

5

Hespanha, Antônio Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 289.

6

Luis Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos. O Começo da História: A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003, p. 31.

7

Bobbio, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Tradução e notas: Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 136.

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Nas primeiras décadas do século XX observou-se a ascensão de algumas ideologias totalitárias que tinham no positivismo um de seus baluartes, com especial destaque ao Nazismo, cujas perseguições perpetradas contra os judeus eram fundamentadas nas Leis de Nuremberg8. Até mesmo Kelsen, que, com sua célebre “Teoria Pura do Direito”, foi o expositor máximo daquele formalismo jurídico, acabou por ser perseguido pelos nazistas, uma vez que era judeu.

Ironicamente, as Leis anti-semistas eram legitimas do ponto de vista kelseniano, uma vez que, para tal autor, o fundamento do direito não estava em outros sistemas normativos, como a religião ou a moral, mas sim no comando de uma norma superior emanada de uma autoridade competente. Era a situação observável na Alemanha, em que uma estrutura estatal validava as Leis de cidadania do reich, tendo Hitler sempre agido dentro da mais estrita legalidade.

Sobre os regimes totalitários, assim se manifestou o célebre jurista:

Segundo o Direito dos Estados totalitários, o governo tem poder para encerrar em campos de concentração, forçar quaisquer trabalhos e até matar os indivíduos de opinião, religião ou raça indesejável. Podemos condenar com a maior veemência tais medidas, mas o que não podemos é considerá-los como fora da ordem jurídica desses Estados9.

Essa foi a principal tese defensiva suscitada pelos acusados no Tribunal de Nuremberg. Os advogados dos réus alegaram que aquela corte de justiça violava o princípio da legalidade, uma vez que as condutas praticadas pelos acusados eram permitidas pela legislação reinante no estado Alemão.

Assim, com o positivismo sendo constantemente definido como o germe de todas aquelas barbáries ocorridas no início do século passado, passou a grassar uma rejeição à ideia de um ordenamento jurídico como um sistema desprovido de qualquer valor ético, e cujas normas encontrariam fundamento jurídico somente em outra norma superior.

Com a decadência filosófica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo, emergem reflexões acerca do direito e de sua função social. Todavia, como bem aponta Barroso, o direito já estava fortemente marcado por aquele discurso científico, de modo que seus operadores não mais desejavam o regresso àquele quadro subjetivista próprio do

8

As Leis de Nuremberg, em verdade, é um conjunto de leis decretadas pelo reich, em 1935, que tiravam a cidadania alemã dos judeus, rebaixando-os a uma subcondição humana, desprovida daqueles direitos civis mais essenciais. Para efeitos legais, eram considerados judeus todos aqueles que fossem descendentes de, pelo menos, três avós judeus. Deste modo, mesmo alemães que nunca praticaram ou seguiram o judaísmo tornaram-se alvo das atrocidades nazistas.

9

Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. 3ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 44.

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jusnaturalismo. Destarte, o almejado pelo pós-positivismo não era a erradicação daquele modelo positivista, mas a superação deste conhecimento convencional. “Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as ideias de justiça e legitimidade”10

.

Visando restabelecer uma relação entre direito e ética, promoveu-se uma reanálise dos princípios, com a sua valorização, inserção nos textos constitucionais e, principalmente, sendo reconhecida a sua eficácia normativa.

Ao fim deste processo evolutivo, a grande novidade não foi o reconhecimento dos princípios como elemento integrante do ordenamento jurídico, pois isto já ocorria anteriormente, mas sim a sua ascensão ao status de norma jurídica.

1.1.2. Regras e Princípios

A doutrina pós-positivista passa a estabelecer a divisão da norma em regras e princípios, sendo que cada uma destas espécies normativas atua distintamente dentro do ordenamento jurídico.

Durante algum tempo utilizou-se o critério da generalidade ou da abstração para diferenciar estas espécies normativas. Os princípios seriam aquelas normas com maior grau de abstração, aplicáveis a uma pluralidade de situações. Ademais, para que possível a sua concretização seria necessária a mediação de um intérprete. Já as regras, teriam um teor mais objetivo, destinadas a um número delimitado de situações e, ainda, teria aplicação imediata.

Com a especial contribuição dos trabalhos de Ronald Dworkin e Robert Alexy, passou-se a estabelecer a diferenciação das regras e dos princípios não mais meramente pelo seu grau de abstração, mas sim pelo critério qualitativo.

O primeiro autor afirmava que regras e princípios se assemelhavam, pois ambas prescreviam obrigações jurídicas. Todavia, a distinção entre elas residiria na diretiva apontada, e não no seu grau de abstração.

Estas espécies normativas apresentariam diferenças qualitativas quanto ao seu modo de aplicação. As regras seriam aplicadas sob a forma do tudo ou nada (all or nothing), de modo que, em caso de ocorrência de um daqueles fatos insculpidos em uma regra, ou esta regra é válida e seus efeitos incidem de forma direta e automática, ou é inválida e dela não emanará qualquer consequência jurídica.

10

Barroso, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. Revista da EMERJ, v. 4, n. 15, 2001, p. 32.

(17)

Já os princípios, ainda segundo Dworkin, além de apresentar uma maior carga valorativa, teriam uma dimensão alheia às regras: a dimensão do peso (ou da importância). Destarte, quando da ocorrência do conflito entre princípios, não se aplica a regra do tudo ou

nada, ocorrendo uma ponderação e o sopesamento dos princípios em conflito, não se tornando

um exceção ao outro11. “Os princípios, como delineados por Dworkin, captam os valores morais da comunidade e os tornam elementos próprios de um discurso jurídico12”.

Alexy, a seu turno, também afirma que as regras e os princípios são categorias normativas e que se diferenciam não só em grau, mas também em qualidade. O autor alemão começa a se distanciar de Ronald Dworkin quando afirma que os princípios, como mandamentos de otimização, são normas que devem ser realizadas no maior grau possível, dentro das possibilidades jurídicas existentes.

Por outro lado, Alexy asseverava que as regras são mandados de definição, não se admitindo o seu cumprimento em maior ou menor escala. Assim, em determinada situação fática, ou a regra em comento é válida e aplicável, ou então é inválida e inaplicável ao caso. Destarte, em caso de colisão de regras, em que uma apresenta conteúdo contraditório com o prescrito em outra, uma delas deve ser tomada por exceção da outra.

Já quando do conflito de princípios, há de ocorrer um exercício de ponderação, avaliando o peso que cada princípio apresenta em relação ao caso concreto. Todavia, a prevalência de um princípio em face de outro, dentro de uma situação específica, não resulta em uma invalidade definitiva deste princípio cuja otimização foi restringida. Em casos diversos em que os mesmos princípios venham a colidir, pode haver uma preponderância daquele que anteriormente fora preterido13.

Após a pacificação das discussões acerca da normatividade dos princípios, estes passaram a integrar indissociavelmente as Constituições. Atualmente, as cartas magnas são compostas pelas duas espécies normativas. Um ordenamento construído unicamente sob a égide de regras prestigiaria o valor da segurança jurídica, entretanto, acabaria engessando o

11

Luis Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos. O Começo da História: A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003, p. 37: É certo que, mais recentemente, já se discute tanto a aplicação do esquema tudo ou nada aos princípios como a possibilidade de também as regras serem ponderadas. Isso porque, como visto, determinados princípios – como o princípio da dignidade da pessoa humana e outros – apresentam um núcleo de sentido ao qual se atribui natureza de regra, aplicável biunivocamente. Por outro lado, há situações em que uma regra, perfeitamente válida em abstrato, poderá gerar uma inconstitucionalidade ao incidir em determinado ambiente ou, ainda, há hipóteses em que a adoção do comportamento descrito pela regra violará gravemente o próprio fim que ela busca alcançar.

12

Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. Op. cit., p. 83.

13

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sistema jurídico. Por outro lado, um sistema composto unicamente por princípios se mostraria deveras ameaçador à ordem social14.

Conforme a lição de Canotilho, um sistema processual composto por regras e princípios fornece suportes rigorosos para solucionar certos problemas metódicos, mas também permite respirar, legitimar, enraizar e caminhar o próprio sistema. Os princípios atuariam no sistema com uma função normogética e uma função sistêmica, sendo o fundamento das regras jurídicas e tendo uma idoneidade irradiante que lhes permite ligar ou cimentar objetivamente todo o sistema15.

1.2. Sobre a Insignificância

1.2.1. Origem do Princípio da Insignificância

A origem do princípio da insignificância está longe de ser tema pacífico na doutrina. Para alguns autores suas origens repousam no direito romano, onde o brocardo latino minima

non curat praetor motivava a negativa do pretor em cuidar de causas ou delitos de bagatela.

Compartilham deste entendimento Carlos Vico Mañas16 e Diomar Ackel Filho17.

Por outro lado, Dalbora afirma que o princípio da insignificância é de origem obscura, mas certamente não tem suas raízes no direito romano, sob o argumento de que não se encontra no Corpus Iuris Civilis ou em outras fontes romanas qualquer referência à expressão

minima non curat praetor ou variante similar. Assim, referido autor afasta origem do período

romano e a coloca mais próxima do pensamento liberal iluminista do Renascimento18.

Maurício Antônio Ribeiro Lopes é mais uma voz dissonante a localizar a origem do princípio da insignificância em momento histórico diverso. Segundo sua ensinança, o direito romano foi desenvolvido sob a ótica do direito privado e não do direito público, consistindo o brocardo não em um princípio, mas em um aforismo que servia como referência, não se tratando, então, de uma via de reconhecimento do princípio19. A expressão latina consistia

14

Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. Op. cit., p. 85.

15

Canotilho, J. J. Gomes. Op. cit. P. 170.

16

Mañas, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal – São Paulo: Saraiva, 1994, p. 56.

17

Ackel Filho, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. São Paulo: Lex, n. 94. P 72-77, abr./jun./ 1988. p 73

18

Dalbora, José Luis Guzmán. La insignificância: especificación y reducción valorativas en el ámbito de lo injusto típico. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, ano 1996, n. 14. P. 41-81, p. 58.

19

Lopes, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no direito penal: análise à luz da lei 9.099/95: juizados especiais criminais, lei 9.503/97, código de trânsito brasileiro e da jurisprudência atual- 2. ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: editora Revista dos tribunais: 2000, p. 58.

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num referencial genérico à atividade do pretor, não se referindo especificamente ao direito penal ou à sua natureza fragmentária.

Aqueles que negam a origem romanista de referido princípio acabam por concebê-lo como fruto do pensamento liberal dos jusfilósofos do Iluminismo, e tendo sua evolução fortemente relacionada ao princípio da legalidade.

Por fim, ressalta-se que algumas vozes minoritárias costumam apontar o crescimento deste princípio na Europa onde, após a primeira e segunda guerra mundial, era observável uma profunda crise econômico-social e o desencadeamento de um surto de pequenos furtos, devidos ao alto índice de desemprego e fome remanescentes da devastação ocorrida naquele continente.

Independente da corrente a qual se filie, é certo que o princípio da insignificância passou e ser suscitado, mesmo que não expressamente, por diversos autores, pelo menos, a partir do século XVIII, como Cesare Beccaria.

Pacifico também é o entendimento de que Claus Roxin foi o grande responsável pela introdução do princípio no direito penal como regra auxiliar na interpretação, isso em 196420. Roxin resgatou o brocardo que era utilizado pelos romanos e o adequou ao Direito Penal, propondo uma interpretação restritiva que teria como consequência imediata a exclusão da tipicidade material. Com suporte na natureza fragmentária do Direito Penal, renomado jurista prosseguiu afirmando que a intervenção punitiva do Estado deveria se ocupar tão somente daquelas ofensas mais graves aos bens jurídicos, afastando aquelas lesões bagatelares da maioria dos tipos21.

1.2.2. Definição

É considerado crime insignificante aquela conduta que, embora formalmente típica, não atinge de forma relevante o bem juridicamente tutelado, tornando totalmente desnecessária e desproporcional qualquer intervenção penal.

Como pode se observar do esboço histórico traçado acima, é um instrumento de construção doutrinária, não estando previsto em lei. Todavia, a ausência de previsão legal não

20

Cumpre observar que, em 1903, já se encontrava vestígios do princípio da insignificância na obra de Franz Von Liszt, que era enfático ao afirmar que a pena vinha sendo utilizada desmesuradamente, propondo o resgate da máxima do minima non curat praetor.

21

Roxin, Claus. Política criminal e sistema jurídico penal. Tradução de Luis Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 53.

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pode ser considerada um óbice à aplicação do princípio da insignificância22. Como bem aponta Mañas23, a norma penal não contém todo o direito.

Ainda, o autor prossegue:

Por esse motivo, no campo penal, a construção teórica de princípio como o da insignificância não fere o ordenamento constitucional da legalidade ou reserva legal. É o mesmo que se dá com as chamadas causas supralegais de exclusão da licitude (p. ex., o consentimento do ofendido)24.

Zaffaroni e Pierangeli também asseveram que o saber penal não se limita aos dados legislativos, não podendo se negar a importância da filosofia, dos dados históricos, da jurisprudência, dos dados políticos e econômicos, e de tudo que possa aclarar o efeito real da norma na prática do sistema penal e possa esclarecer o entendimento de uma norma25.

Os célebres penalistas ainda asseveram:

O saber penal não se nutre unicamente do conhecimento da lei penal, porque ninguém pode interpretar o objeto que uma ordem do saber põe dentro de seu horizonte de projeção, sem valer-se de dados e sem submeter-se a condicionamentos de seu saber, os quais provêm de âmbitos que não só estão fora desses limites, como também dele se encontram inegavelmente afatados26.

Quando constrói o tipo penal, o legislador só tem em mente aqueles prejuízos relevantes à ordem jurídica e social. Todavia, esse trabalho se mostra defeituoso, ante a impossibilidade de reduzir todas as possibilidades de atos humanos em fórmulas precisas. Assim, condutas que deveriam estar excluídas do âmbito de proteção do direito penal acabam por ser consideradas formalmente típicas27.

Os princípios podem desempenhar uma função argumentativa dentro do ordenamento jurídico28, permitindo denotar a ratio legis de uma disposição e, consequentemente, limitar a abrangência da norma penal.

Quando o magistrado aplica a insignificância ao fato penalmente irrelevante, ele apenas está reconhecendo a desnecessidade de aplicação de uma pena, pois o sujeito já sofreu todos os constrangimentos das atividades investigatórias e processuais. Mas isso não quer

22

Gomes, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. 3ª ed.- São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2013, p. 27: O autor alerta que há uma exceção dentro do nosso ordenamento jurídico e que se encontra no Código Penal Militar. O art. 209, § 6º, deste diploma diz que em caso de ofensa a integridade corporal de alguém que resulte em lesão levíssima, o juiz pode considerar a infração como disciplinar. Mais interessante ainda é o art. 240, § 1º, do CPM, ao dizer que em casos de subtração de coisa alheia móvel por agente primário, se o valor do objeto não for superior a um décimo do mais alto salário mínimo do país, o magistrado pode também considerar a infração como disciplinar.

23

Manãs, Carlo Vico, Op. cit., p. 67.

24

Idem.

25

Zaffaroni, Eugênio Raúl; Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: v.1: Parte geral – 9ª edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 119.

26

Idem.

27

Manãs, Carlo Vico. Op. cit., p. 56.

28

(21)

dizer que o autor se torne completamente impune, pois ainda pode ser alvo de sanções cíveis, trabalhistas, sociais, administrativas, entre outras29.

Quando da verificação de um caso concreto, o que cabe considerar para a aplicação ou não do princípio da insignificância não é o dano físico (resultado naturalístico), e sim a lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente protegido. Ilustrando a questão, Luiz Flávio Gomes traz à baila dois didáticos e elucidativos exemplos. No primeiro ocorre o furto de uma melancia. Neste caso percebe-se que ocorreu um dano, mas ele é tão irrelevante que a aplicação de uma sanção se mostraria completamente desproporcional à conduta. Assim, neste caso é aplicável o princípio da insignificância. Já num segundo exemplo, alguém tenta furtar um cofre onde se guarda R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Aqui não se verifica nenhuma lesão, pois tanto o cofre como o dinheiro permaneceram íntegros, mas o perigo que correu o bem jurídico é altamente significativo, razão pela qual não é aplicável o princípio da insignificância30.

1.2.3. O meio de penetração na norma: o tipo

O tipo constitui a descrição abstrata de um comportamento proibido, é a “descrição esquemática de uma classe de condutas que possuam características danosas ou ética-socialmente reprovadas, a ponto de serem reputadas intoleráveis pela ordem jurídica31”. Zaffaroni e Pierangeli alertam que os tipos não são absolutamente descritivos, uma vez que, ocasionalmente, recorrem a conceitos que remetem ou são sustentados por um juízo valorativo jurídico ou ético32.

Na ensinança de Cezar Roberto Bitencourt:

É uma construção que surge da imaginação do legislador, que descreve legalmente as ações que considera, em tese, delitivas. Tipo é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os todtornando-os especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a adequação de uma conduta que não lhes corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular, e a ausência de um tipo não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva33.

29

Gomes, Luiz Flávio. Op. cit., p. 31.

30 Ibidem, p. 24. 31

Toledo, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal – 5ª edição – São Paulo: Saraiva, 1994, p. 127.

32

Zaffaroni, Eugênio Raúl; Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: v.1: Parte geral – 9ª edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 388.

33

(22)

Cumpre observar que o conceito de tipo não se confunde com tipicidade. Como dito alhures, o primeiro é a abstração conceitual que designa o delito, enquanto a tipicidade é a correspondência entre um fato praticado pelo agente e a fórmula legal insculpida no diploma penal. A essa atividade intelectual de verificação e adequação entre a conduta e a moldura legal chama-se juízo de tipicidade.

1.2.4. Evolução Histórica do Tipo

O conceito de tipo foi introduzido no Direito Penal por Beling e sua Doutrina do Delito (Die Lehre von Verbrechen), em 1906. O termo é fruto de uma tradução livre da expressão tatbstand, que por sua vez é uma tradução alemã do verbete latino corpus delicti34.

À época, os penalistas germânicos tomavam o tatbstand como sinônimo da própria figura delitiva. Por meio dos estudos de Beling, este conceito deixou de ser concebido como a totalidade dos elementos do crime e passou a ser entendido como mera descrição de um comportamento proibido, com todas as suas objetivas e descritivas35.

Assim, segundo referido autor, o conceito de tipo é objetivo, uma vez que todos os elementos subjetivos integram a culpabilidade. Seria, também, livre de valor, pois a tipicidade é neutra e toda a valoração legal pertencente à antijuridicidade36.

Essa teoria da tipicidade de Beling, por ser considerada excessivamente objetiva, recebeu severas críticas e não foi bem acolhida pela doutrina alemã.

Mayer promoveu alguns reparos à teoria de Beling, mostrando que o tipo, além de descritivo, incorporava alguns elementos subjetivos correlatos ao estado ou processo psíquico do agente. Referido autor também agregou elementos normativos ao conceito de tipo, afastando aquela definição neutra e desprovida de valoração elaborada por Beling. Esse elemento normativo é definido como uma parte integrante do resultado típico que, para sua verificação, exige um juízo de valor, como, por exemplo, o caráter alheio da coisa no crime de furto37.

Também visando combater a neutralidade do tipo, em 1931 Mezger apresenta uma estrutura bipartida do delito, sendo este uma ação tipicamente antijurídica e culpável. Para tal

34

Mañas, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal – São Paulo: Saraiva, 1994, p. 41.

35

Bissoli Filho, Francisco. Linguagem e criminalização: a constitutividade da sentença penal condenatória. Curitiba: Juruá Editora, 2011, p. 178.

36

Beling apud Bissoli Flho, ibidem, p. 179.

37

(23)

autor, a tipicidade é mais do que uma simples descrição, indício ou ratio cognoscendi da antijuridicidade, constituindo, na verdade, o seu fundamento, a sua ratio essendi.

Assim, a tipicidade é inserida na antijuridicidade, sendo a primeira razão de ser da segunda, de modo que todo fato típico é considerado antijurídico, desde que inexistente prova em contrário38.

Ante as contundentes críticas que recebeu e a descoberta dos elementos subjetivos e normativos do tipo, Beling reformulou a sua teoria em 1930, diferenciando o Tatbstand e o

Deliktypus (tipo de delito), mantendo, contudo, o caráter descritivo do tipo.

O Tatbstand é concebido como uma mera imagem conceitual, não estando localizado nem na parte objetiva nem na subjetiva do delito, assim, sem correspondência na lei. Já o

Deliktypus, ao seu turno, corresponde ao crime tipificado, compreendendo todos os seus

elementos objetivos e subjetivos. Não obstante as tentativas de reformulação de sua primeira teoria na tentativa de dar-lhe nova vida, essa diferenciação não recebeu guarida da doutrina que se seguiu.

O finalismo surge também na década de 1930, sobretudo com Welzel, como crítica à teoria causal, elaborada por Liszt, Beling e Radbruch e que predominou na escola alemã no início daquele século.

Na teoria causal a ação humana, depois de desencadeada, é considerada como algo que se desprendeu do agente e provoca modificações no mundo natural, não comportando juízos de valor sobre o conteúdo da conduta.

Já no finalismo, a ação é algo que se realiza segundo o fim previsto na mente do agente. Assim, é uma atividade dirigida, cujos resultados eram antecipados pelo homem em sua esfera intelectual39. Deste modo, segundo Welzel, a finalidade deve ser considerada já na tipicidade, enquanto para a teoria causalista a finalidade era objeto de análise apenas na esfera da culpabilidade.

Quando o finalismo retira a vontade final da esfera da culpabilidade e a insere na dimensão objetiva do tipo penal, completa-se o processo de subjetivação do tipo, distanciando-o daquele modelo objetivo e não valorativo proposto por Beling.

Contudo, apesar dos esforços que impulsionaram essa evolução, percebe-se que a tipicidade ainda continuava representando uma adequação avalorada do fato à letra da lei.

Mañas, sabiamente, afirma:

38

Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral – 16ª edição- São Paulo: Saraiva, 2011, p. 302.

39

(24)

Tal postura, porém, não satisfaz a moderna tendência de reduzir ao máximo a área de influência do direito penal diante de seu reconhecido caráter subsidiário, já que manifesta a sua ineficiência como único meio de controle social.

De fato, aquele modelo avalorativo mostra-se deveras abstrato e impreciso. O legislador, quando da eleição dos bens a serem protegidos, seleciona somente aqueles dotados de alguma importância, tais como a vida, o patrimônio, a dignidade sexual, a honra, a integridade física, dentre outros. Todavia, impossível que o legislador consiga descrever fielmente todas as hipóteses de condutas humanas reprováveis penalmente, assim, acaba delimitando o âmbito de sua abrangência. Caso a concepção de tipo se valesse somente daquela fórmula desprovida de valoração e puramente descritiva, o Direito Penal estaria se ocupando de diversos bens não almejados pelo legislador quando daquele exercício abstrato de seleção.

Neste sentido é o ensinamento de Lopes40:

A ação descrita tipicamente há de ser geralmente ofensiva ou perigosa a um bem jurídico. O legislador toma em consideração modelos de vida que deseja castigar. Com essa finalidade, tenta compreender, conceitualmente, de maneira mais precisa, a situação vital típica. Embora visando alcançar um círculo limitado de situações, a tipificação falha ante a impossibilidade de regulação do caso concreto em face da infinita gama de possibilidades do acontecer humano. Por isso, a tipificação ocorre conceitualmente de forma absoluta para não restringir demasiadamente o âmbito da proibição, razão porque alcança também casos anormais. A imperfeição do trabalho legislativo não evita que sejam subsumíveis também nos casos que, em realidade, deveriam permanecer fora do âmbito da proibição estabelecido pelo tipo penal. A redação do tipo penal pretende, por certo, somente incluir prejuízos graves de ordem jurídica e social, porém não pode impedir que entrem em seu âmbito casos leves.

Surge então a concepção material do tipo, enunciando que para uma conduta ser considerada criminosa deve se submeter ao tipo não somente sob um aspecto formal, mas também sob um aspecto material, que compreende dois juízos distintos: de desaprovação da conduta e desaprovação do resultado jurídico41.

1.2.5. Princípio da insignificância e sua relação com outros princípios 1.2.5.1. Princípio da legalidade

O Estado, no cumprimento do seu dever de resguardo da segurança jurídica e de proteção dos valores ético-sociais, acaba por fazê-lo mediante a coação penal. Contudo, essa intervenção atinge os direitos mais elementares da pessoa e, mesmo que visando a reeducação

40

Lopes, Maurício Antônio Ribeiro, op. cit., p. 117.

41

Gomes, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. 3ª ed.- São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2013, p. 74.

(25)

e ressocialização dos indivíduos, acaba por caracterizar uma efetiva violência contra aquele que é privado de alguns dos seus bens jurídicos.

Considerando a gravidade dos meios empregados pelo Estado, a pena deve situar-se dentro dos limites do Direito Penal, não podendo ser imposta senão mediante um procedimento dotado de todas aquelas garantias jurídico-constitucionais42.

Neste contexto, o princípio da legalidade emerge como um instrumento de limitação do poder estatal de interferir na esfera de liberdades individuais, constituindo importante mecanismo de proteção do indivíduo no moderno Estado Democrático de Direito.

Referido princípio acaba refletindo diretamente na tipicidade, uma vez que, não estando a conduta em correspondência com aquela prevista pelo Estado no exercício de sua atividade legiferante, o fato é atípico e, consequentemente, não há crime.

O antecedente histórico mais citado é a Carta Magna de 1215, imposta pelos Barões ingleses ao Rei João Sem Terra. O seu art. 39 previa que nenhum homem sofreria sanção senão mediante o legitimo julgamento de seus iguais e de acordo com a lei da terra43.

Beccaria, em sua célebre obra “Dos Delitos e das Penas” (1764), assim já asseverava:

[...] apenas as leis podem indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis penais não pode ser senão da pessoa do legislador, que representa toda a sociedade ligada por um contrato social.

Ora, o magistrado, que é parte dessa sociedade, não pode com justiça aplicar a outro partícipe dessa sociedade uma pena que não esteja estabelecida em lei; e a partir do momento em que o juiz se faz mais severo do que a lei, ele se torna injusto, pois aumenta um novo castigo ao que já está prefixado. Depreende-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão44.

O ordenamento penal do Imperador Carlos V (Constitutio Criminalis Carolina), de 1532, também criou certa submissão do juiz à lei, entretanto, permitia uma punição extralegal, permitindo ao magistrado recorrer aos “bons costumes”45

.

Somente no Século das luzes que o princípio ganhou força na luta contra a arbitrariedade dos juízes e das autoridades.Foi adotado pelo Bill of Rights da Filadelfia (1772), Declaração de Direitos da Vírginia e pela Constituição de Maryland (1776). A

42

Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1: parte geral – 14 ed. – São Paulo: Saraiva: 2009, p. 9.

43

Rosa, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 59: Foi um pacto estamental, realizado entre a Burguesia (os Barões ingleses) e aquele que pela morte de seu irmão Ricardo I, à época rei da Inglaterra, viria a sucedê-lo na coroa britânica. O novo Rei John de Anjou, chamado de Rei João “Sem Terra”, teria recebido esse nome pelo fato de não ter herdado terras quando da morte de seu pai, Henrique II. Sendo, então, um rei sem posses e desprestigiado, se viu pressionado pela burguesia a ceder alguns Direitos como condição necessária para permanecer no trono.

44

Beccaria, Cesare. Dos delitos e das penas – 3ª ed.- São Paulo: Martin Claret; 2011, p. 20.

45

Welzel, Hans. Derecho Penal: Parte General. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma – 1956, p. 27.

(26)

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, consagrou-o, difundindo-se depois para todo o mundo.

O princípio é enunciado pela fórmula latina nullum crimen nulla poena sine lege, sintetizado por Feuerbach no começo do século XIX.

Foi adotado pela Constituição Brasileira de 1988, estando entre os direitos e garantias fundamentais, insculpido em seu art. 5º, XXXIX, que assim diz: “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

O princípio da legalidade se desdobra em:

a) nullum crimen nulla poena sine lege praevia: Enuncia que a lei instituidora do crime e da pena deve ser anterior ao fato. Veda a retroatividade da lei penal, abrangendo possíveis mudanças nos pressupostos de punibilidade prejudiciais ao réu, as penas, os efeitos da condenação, as causas de extinção da punibilidade, regimes de execução e todas as hipóteses de encarceração. Admite-se a retroatividade exclusivamente nos casos em que prescreve situação mais benéfica ao réu46.

b) nullum crimen nulla poena sine lege scripta: a fórmula proíbe o uso do direito consuetudinário como fundamento para a criminalização de condutas ou como razão de agravamento da pena. Todavia, os costumes não são totalmente abolidos do âmbito penal, pois ainda podem ser utilizados como causa de exclusão da ilicitude, atenuante da pena ou mesmo como instrumento de elucidação do conteúdo do tipo penal47.

c) nullum crimen nulla poena sine lege stricta: a analogia, resumidamente, é um método para suprir lacunas da lei mediante uma adequação típica por semelhança de fatos48.

No Direito Penal Existem duas espécies de analogia: 1) Analogia in malam partem - Implica em um agravamento da situação do réu. 2) Analogia in bonam partem – é uma analogia favorável ao réu.

Somente a segunda modalidade de analogia é admitida no Direito Penal.

d) nullum crimen nulla poena sine lege certa: A vedação de leis indefinidas ou obscuras visa evitar normas muito gerais que deem margem a interpretações abusivas ou dificuldade de compreensão do seu conteúdo proibitivo.

46

Santos, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral – 5ª ed. – Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 21.

47

Toledo, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209 de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988 – 5ª ed.- São Paulo: Saraiva: 1994, p. 25.

48

(27)

1.2.5.2. Princípio da Lesividade

Por este princípio a intervenção estatal repressiva somente se justifica nos casos em que ocorra uma efetiva lesão a um bem jurídico ou, ao menos, exista um perigo concreto e real. Referido princípio se manifesta em dois distintos momentos. O primeiro antecede a elaboração do diploma repressor, servindo de orientação ao legislador para que este venha a proibir somente condutas socialmente relevantes. O segundo momento é quando da aplicação legal ao caso concreto, incumbindo ao magistrado, em sua atividade interpretativa, verificar a ocorrência de uma lesão ou de um perigo concreto de lesão ao bem jurídico49.

Lopes50, baseado na lição de Nilo Batista, aponta que existem quatro principais funções do princípio da lesividade.

A primeira proíbe a incriminação de uma atitude interna, visto que, ideias, convicções, desejos, aspirações e sentimentos dos homens não podem ser alvo de tipificação. Ou seja, qualquer atitude que não esteja nitidamente associada a uma conduta externa e não trespasse o campo da cogitação é irrelevante para o Direito Penal.

A segunda função é aquela que proíbe a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor. Aqui se afasta a punição do conluio ou dos atos preparatórios para a prática de um crime cuja execução não foi iniciada. Neste mesmo diapasão, proíbe-se a punição de uma conduta externa que viole formalmente um bem jurídico, mas não ultrapassa o âmbito do próprio agente, caracterizando, portanto, uma autolesão.

A terceira função proíbe a incriminação de simples estados ou condições existenciais. Nilo Batista afirma que o Direito Penal não admite um direito penal do autor, mas sim um direito penal da ação, de modo que o homem responde pelo que faz e não pelo que ele é51. O princípio da lesividade veda a imposição de pena a um simples estado ou condição, implicando, se levada às últimas consequências, em uma exclusão do campo do direito penal das medidas de segurança.

Por fim, a quarta função proíbe a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico. Aqui se fala em um direito à diferença, vetando-se a criminalização de hábitos de grupos minoritários. Nilo Batista prossegue afirmando que essa função também se refere àquelas condutas que só podem ser objeto de apreciação moral.

49

Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1: parte geral – 14 ed. – São Paulo: Saraiva: 2009, p. 23.

50

Lopes, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no direito penal: análise à luz da lei 9.099/95: juizados especiais criminais, lei 9.503/97, código de trânsito brasileiro e da jurisprudência atual- 2. ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: editora Revista dos tribunais: 2000, p. 83.

51

(28)

1.2.5.3. Princípio da Intervenção Mínima

O princípio da insignificância apresenta nítida relação com o princípio da intervenção mínima. Contudo, como bem assevera Lopes52, ambos apresentam clara independência semântica entre si.

Por se tratar de um remédio extremo e que afeta diretamente a esfera pessoal do indivíduo, retirando-lhe a autonomia e a liberdade, o direito penal deve ser tomado como a

ultima ratio, isto é, quando inexistir nos outros ramos do Direito um instrumento hábil a

tutelar satisfatoriamente o bem jurídico. Certeira é a afirmação de Nucci de que o Direito Penal á a “última cartada do sistema legislativo” 53

.

Assim, o princípio da intervenção mínima traz à baila a ideia de que antes de se recorrer ao direito penal devem-se esgotar todos os meios extrapenais54, tais como as medidas cíveis ou administrativas, sob pena de banalizar a punição e a tornar ineficaz.

A intervenção penal deve ser vista como subsidiária, adotada somente quando da ineficácia dos demais meios de controle jurídico, não podendo ser vista como a primeira opção (prima ratio) para a punição e composição dos conflitos.

Pode-se estabelecer as seguintes diferenças entre o princípio da insignificância e da intervenção mínima: 1) O primeiro é uma regra de determinação quantitativa material ou intelectual no processo de interpretação da lei penal. Atua sobre o Direito Penal já estabelecido, buscando uma interpretação restritiva do tipo e a materialização do seu conteúdo em função do caso concreto55. 2) Já o princípio da intervenção mínima está relacionado ao processo legislativo e à eleição das condutas incriminadas, bem como à valoração do bem jurídico objeto de seu conteúdo.

Destarte, o princípio da intervenção mínima impõe um rigorismo à atividade legiferante, visando evitar a criminalização de fatos insignificantes ou a imposição de sanções que não sejam estritamente necessárias56.

52

Lopes, Maurício Antônio Ribeiro, op. cit., p. 78.

53

Nucci, Gulherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial- 5ª ed. ver. Atual e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2009, p. 74.

54

Lopes, Maurício Antônio Ribeiro, op. cit., p. 82.

55

Idem.

(29)

1.2.5.4. Princípio da Fragmentariedade

O Direito Penal deve se limitar a punir tão somente aquelas ações mais graves e proteger os bens jurídicos mais relevantes dentro da sociedade. Daí que emerge o caráter fragmentário do Direito Penal, pois, dentro de um universo de condutas, deve-se ocupar somente daquelas consideradas intoleráveis e verdadeiramente prejudiciais à segurança pública e à liberdade individual, ou seja, de um fragmento do total de bens jurídicos. Trata-se de um corolário do princípio da intervenção mínima.

1.2.5.5. Princípio da Proporcionalidade

Segundo tal, a carga coativa da pena deve guardar uma proporcionalidade com a gravidade do crime. Referido princípio apresenta duas dimensões: 1) Princípio da proporcionalidade abstrata: dirige-se ao legislador, limitando a criminalização somente àquelas hipóteses de graves danos ao bem juridicamente tutelado, excluindo lesões consideradas insignificantes. Há uma hierarquização das lesões de bens jurídicos para adequar a pena à natureza e à extensão do dano produzido; 2) Princípio da proporcionalidade concreto: esta dimensão é dirigida ao magistrado que irá equacionar os custos individuais e sociais da criminalização. O juiz, quando da aplicação da pena, pode se utilizar do princípio da proporcionalidade para fundamentar critérios compensatórios das desigualdades sociais da criminalização, “com o objetivo de neutralizar ou de reduzir a seletividade fundada em indicadores sociais negativos de pobreza, desemprego, favelização, etc57.

É deste modo que a ideia de proporcionalidade da pena constitui fundamento para o princípio da insignificância, pois, nos casos de ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão irrelevante que a mínima pena aplicada se mostraria desproporcional à significância social do fato58.

57

Santos, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral – 5ª ed. – Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 29.

58

Mañas, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal – São Paulo: Saraiva, 1994, p. 58.

(30)

1.2.5.6. Princípio da Adequação Social

Esse princípio foi cunhado por Welzel, o qual afirmava que aquelas ações realizadas no contexto da ordem social histórica da vida são socialmente adequadas, e consequentemente atípicas, mesmo que correspondam à descrição do tipo legal59.

As condutas socialmente adequadas não são necessariamente exemplares, mas apenas socialmente aceitas ou toleradas, carecendo, portanto, de relevância penal. A adequação social, então, é um princípio geral de hermenêutica que também visa restringir o âmbito de incidência do tipo penal e dele excluir aquelas condutas aceitas pela sociedade60. Cumpre salientar que o seu conteúdo não se limita ao Direito Penal, abarcando o ordenamento jurídico em geral61.

Rogério Greco62 assevera que a adequação, de per si, não tem o condão de revogar tipos penais incriminadores. Mesmo que seja constante a prática de alguma infração que não mais é considerada perniciosa pela sociedade, não cabe alegar que o fato socialmente aceito fulminou a norma que o incriminava, pois uma lei somente pode ser revogada por outra, nos termos do art. 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil – LICC)63.

Welzel, num primeiro momento afirmou que a adequação social seria uma excludente de tipicidade, todavia, modificou seu entendimento e declarou ser uma causa de justificação. Por fim, voltou a considerá-la uma excludente de tipicidade. A diferença entre ambas é que a ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo, pois se realiza dentro do âmbito de normalidade social. Já a ação amparada por uma causa de justificação só não é crime, mesmo sendo socialmente inadequada, em razão de uma autorização especial para a realização da ação típica64.

A excludente de antijuridicidade trata de uma conduta socialmente inadequada, mas que naquele caso concreto é justificado. Ademais, a atribuição da adequação social à antijuridicidade pressupõe a ultrapassada concepção do tipo livre de valor.

Predomina, portanto, o entendimento de que a adequação social atinge a tipicidade material, devendo-se, portanto, realizar aquele juízo de valoração da conduta e do resultado.

59

Santos, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 104.

60

Greco, Rogério. Curso de Direito Penal- 13ª ed.- Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 56.

61

Gomes, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. 3ª ed.- São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2013, p. 174.

62

Greco, Rogério. Op. cit., p. 56.

63

Art. 2º, caput, da lei 4.657/1942: Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

64

(31)

No caso concreto, a conduta do autor não é eticamente recomendada, mas socialmente ela é tolerada, afastando-se a necessidade de uma pena, que político-criminalmente se justifica quando em jogo está a convivência social.

Este princípio apresenta estreita relação com aquela ideia de proporcionalidade, pois, a conduta considerada socialmente aceita produz um dano, mas, dentro dos moldes sociais, considera-se tolerável a conduta, até um certo limite. A doutrina costuma citar o hábito de perfuração de orelhas de uma criança para o uso de adornos e embelezamento como uma conduta socialmente adequada. Aqui não existe crime. Todavia, se essa lesão ultrapassar aqueles limites delineados pela proporcionalidade e aceitabilidade social, deve ser punida penalmente.

1.3. Princípio da insignificância no direito brasileiro

Não obstante a formulação de algumas objeções e a inexistência de previsão legal, o princípio da insignificância é amplamente aceito pela doutrina brasileira como excludente da tipicidade material. As discussões verificáveis na maior parte da doutrina visam à fixação dos critérios de sua aplicação e a investigação dos crimes em que seria aplicável.

A jurisprudência também vem apresentando uma boa receptividade ao princípio da insignificância, contudo, percebe-se que ainda existe uma grande confusão no que diz respeito aos moldes de sua aplicação, muitas dessas questões são aquelas presentes na doutrina.

Aqui será analisado como a questão vem sendo tratada pela jurisprudência e exposto quais as maiores controvérsias que ainda pululam dentro dos tribunais pátrios. Mas antes, cumpre observar que o tema também vem sendo objeto de debate pelo legislador brasileiro, como se expõe a seguir.

1.3.1. Insignificância e o legislativo

Durante muito tempo uma das principais objeções ao princípio da insignificância era a ausência de norma o prevendo. Como dito alhures, esse argumento é deveras frágil, pois há tempos os princípios são reconhecidos como espécie de norma, ao lado das regras, e a insignificância nada mais faz do que eliminar da esfera penal aquelas condutas que o legislador não almejou incriminar. Todavia, o legislador brasileiro, atento à evolução do direito penal, pretende jogar uma pá de cal sobre a questão positivando o princípio da insignificância.

(32)

Em 22 de março de 2006, foi apresentada a proposta de Emenda à Constituição n. 524, de iniciativa do Deputado Carlos Souza, visando acrescer um inciso ao art. 5º da Constituição Federal. Tal proposta tem como desiderato a inclusão do princípio da insignificância entre os direitos e garantias individuais previstos no texto constitucional.

O autor da proposta assim justifica sua proposta:

[...] o princípio da insignificância é um critério geral interpretativo de exclusão da tipicidade. É uma máxima orientada ao exegeta que ao analisar a tipicidade deve verificar se o dano afetou significativamente o bem jurídico a ponto de ser imprescindível a aplicação de reprimenda penal.

Ocorre, porém, que a despeito de sua inequívoca importância para a aplicação do direito penal, o princípio da insignificância não consta de nenhum diploma legal do sistema jurídico brasileiro.

Destarte, salutar seria, a inclusão da máxima, ora em comento, no texto da Carta Magna, conferindo-lhe destaque de cláusula pétrea Constitucional, evitando-se a sua futura extirpação do direito positivo65.

Após alguns arquivamentos e pedidos de desarquivamento, em 31/07/2014, o Deputado Ronaldo Fonseca (relator) votou pela admissibilidade da proposta de emenda, a qual, desde então, está pronta para Pauta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

O Deputado Carlos Souza também apresentou o projeto de lei n. 6667/2006, propondo a inclusão do art. 22-A ao Código Penal, o qual teria a seguinte redação:

Exclusão de Tipicidade

Art. 22- Salvo os casos de reincidência, ameaça ou coação, não há crime quando o agente pratica fato cuja lesividade é insignificante.

Após seu desarquivamento, o projeto ainda aguarda a Designação de novo relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)66.

O Projeto de Lei do Senado n. 236 de 201267, conhecido como o projeto do novo Código Penal, é fruto do trabalho de uma comissão de juristas e presidida pelo Ministro Gilson Dipp. Foi apresentada ao Presidente do Senado, Sr. José Sarney, em 2012. O artigo 28 do anteprojeto tem a seguinte disposição:

Exclusão do fato criminoso

Art. 28. Não há fato criminoso quando o agente o pratica: I – no estrito cumprimento do dever legal;

II – no exercício regular de direito; III – em estado de necessidade; ou IV – em legítima defesa;

Princípio da insignificância

§ 1º Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições:

a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

65

Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=318038

66

Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=315741

Referências

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