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Princípios da Municipalização, da Descentralização e da Participação Popular

2.2 Princípios consagrados pela Doutrina da Proteção Integral

2.2.3 Princípios da Municipalização, da Descentralização e da Participação Popular

A Constituição de 1988 trouxe algumas mudanças no que diz respeito às Políticas Públicas. Uma das principais novidades foi a elevação do Município ao posto de ente federativo, sendo agora dotado de autonomia política, administrativa e financeira. Isso se deu pela adoção da ideia de um Federalismo Cooperativo, onde todos os entes federados atuam conjuntamente para a satisfação das necessidades da população.

A descentralização do atendimento está prevista no artigo 204 da Constituição, inciso I, que assim dispõe:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

Como afirma Lima, não se pode confundir descentralização com desconcentração. Descentralizar importa em reconhecer autonomia ao nível da esfera de poder local. Compreende um processo de redistribuição das atribuições inerentes a cada esfera do governo e dos recursos humanos, financeiros e físicos124. Já o ato de desconcentrar implica em uma divisão administrativa, mas não política, do poder. Desta forma, quem desconcentra divide para reinar, visto que permanece com o poder decisório e com o controle das decisões125.

O princípio da municipalização está previsto no artigo 88, inciso I, do Estatuto. O Município é sujeito de grande importância dentro desse modelo, isso porque é o ente federativo mais próximo da população e, assim, o mais apto a perceber quais as suas necessidades mais latentes. A política de atendimento dos direitos sociais não pode ser a mesma em todas as regiões brasileiras, ante a pluralidade vislumbrável em nosso país e a complexidade das relações sociais.

Ramidoff assevera que:

123

Veronese, Josiane Rose Petry; Vieira, Cláudia Maria Carvalho do Amaral. Op. Cit., p. 141.

124

Lima, Miguel M. Alves. O direito da criança e do adolescente: fundamentos para uma abordagem principiológica. 2001. Dissertação (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p. 262.

A municipalização do atendimento - segundo o inciso I, do artigo 88, do Estatuto da Criança e do Adolescente - revela a sua importância precisamente por aproximar as autoridades municipais dos graves problemas que acontecem no Município, em questão. E isto se dá justamente porque, sem dúvida, o próprio Município conhece mais de perto os problemas que afligem os munícipes. Assim, as políticas e os serviços afetos ao Município devem ser implementados para assegurar qualquer os direitos da infância e da juventude local contra qualquer tipo de ameaça ou violência, principalmente, as decorrentes da falta do serviço ou mesmo de seu mau funcionamento126.

Por essa razão é que se optou pelo fortalecimento do Município, que deixou de ser um sujeito passivo das decisões do governo federal para se tornar um partícipe dotado de competências e atribuições próprias no atendimento da sociedade.

Entretanto, para a efetivação da municipalização não basta a mera transferência de atribuições, faz-se necessária, também, a redistribuição de recursos financeiros para que os programas de natureza social possam sair do papel e produzir efeitos. Ciente disso, o legislador, no art. 260 do Estatuto previu a transferência de recursos do ente federal ao municipal. Colhe-se da pena de Edson Sêda127:

Para cumprir a Constituição, no que ela contém em relação a crianças e adolescentes, o Estatuto prevê, com a municipalização, uma descentralização de recursos. Para dar o exemplo, começou com uma transferência de recursos federais para fortalecer o município em sua montagem de programas. Isso se cumpriu através da norma constante do artigo 260 do Estatuto que fez a União abrir mão de uma parcela do imposto de renda em favor dos municípios. Completou-se com o poder deferido a cada município de formular sua política de atendimento a crianças e adolescentes e de recorrer aos fundos estadual ou nacional, quando os recursos carreados para o municipal fossem insuficientes.

Contudo, o conceito de municipalização não pode ser confundido com prefeiturização.

Municipalizar pressupõe a transferência de atribuições dos demais entes federativos aos

municípios, que, por ser o mais próximo da realidade da população infantoadolescente, deve incorporar essas atribuições para formular e executar programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Prefeiturizar significa a transferência de toda a responsabilidade pelo atendimento das crianças e do adolescente ao Prefeito e seus auxiliares diretos. Entretanto, ao municipalizar as políticas de atendimento, o que pretendeu o legislador foi criar uma interação entre o ente público, a família e a comunidade como um todo unitário, responsabilizando-os tanto pela elaboração das atividades quanto pelos seus resultados.

Na lição de Lima128:

126

Ramidoff, Mário Luiz. A redução da idade penal: do estigma à subjetividade. 2002. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p. 141.

127 Sêda, Edson. A proteção integral: um relato sobre o cumprimento do novo Direito da criança e do

adolescente na América Latina. Campinas: Editora Adês, 1995, p. 70.

128

Não se deve dar ao termo “Município”, em nenhuma circunstância, o significado de “Prefeitura”. A ideia de “prefeitura” está mais vinculada com aquilo que se refere ao “Prefeito”, o Chefe do Poder Executivo municipal. Já a ideia de “município” indica o conjunto de poderes públicos locais, que corresponde, na estrutura do Município brasileiro, aos poderes Executivo e Legislativo, ou seja, à Administração Municipal na sua totalidade, direta, indireta, fundacional, todos os serviços públicos municipais.

Além disso, o termo “município” também evoca o conjunto de forças sociais e políticas, a comunidade municipal, que é um coletivo sociopolítico no qual estão integrados os cidadãos individualizados, a família, o poder público, as organizações da sociedade civil e a sociedade em geral.

Com essa alteração operada nas políticas públicas, o princípio da participação popular também se viu reforçado. O novo direito da criança e do adolescente exige um envolvimento da sociedade na produção, afirmação, implementação e aperfeiçoamento das políticas públicas. Na política de atendimento, a Constituição, em seu artigo 204, inciso II, prevê a participação da população, por meio de organizações representativas, tanto no momento de sua formulação quanto de fiscalização.

Os princípios da municipalização e da descentralização exigem uma atuação efetiva da sociedade, devendo ela cumprir com o dever que lhe foi imposto pelo art. 227 da Constituição. Conforme Lima129, o Estatuto prevê formas de garantir a participação da sociedade em todas as fases da gestão da nova política de atendimento, sendo elas: I) A participação da sociedade em igualdade de condições com o poder público nos conselhos de direitos; II) Participação na execução das políticas municipais de atendimento à criança; III) Escolha dos representantes no conselho de direitos; IV) Escolha do conselheiro no conselho tutelar; e, por fim, V) Legitimação para atuar em juízo na defesa dos interesses de crianças e adolescentes.

2.2.4. Princípio da não discriminação, da universalização, da humanização e da