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Documentário e cinema da asserção pressuposta segundo Noël Carroll

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Academic year: 2021

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ANDRÉ BONOTTO

DOCUMENTÁRIO E CINEMA DA ASSERÇÃO PRESSUPOSTA

SEGUNDO NOËL CARROLL

CAMPINAS

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

ANDRÉ BONOTTO

DOCUMENTÁRIO E CINEMA DA ASSERÇÃO PRESSUPOSTA

SEGUNDO NOËL CARROLL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Multimeios.

Orientador: FRANCISCO ELINALDO TEIXEIRA

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pelo aluno André Bonotto e orientada pelo Prof. Dr. Francisco Elinaldo Teixeira.

________________________________

CAMPINAS

2014

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), cujo financiamento, através de bolsa de pesquisa, tornou possível a realização deste trabalho.

À Universidade Estadual de Campinas, pelo rico acervo de conhecimento disponibilizado através de suas bibliotecas físicas e através dos portais virtuais de periódicos.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Multimeios, pelo aprendizado durante os vários anos de estudos de pós-graduação.

Aos professores membros de nossa banca de defesa, tanto titulares como suplentes, pela solicitude e paciência.

Ao Prof. Dr. Francisco Elinaldo Teixeira, nosso orientador, que nestes sete anos de convivência, desde o início do Mestrado até o final deste percurso no Doutorado, sempre ofereceu autonomia, compreensão e encorajamento.

Á minha família, pelo apoio durante o período de escrita do trabalho. E, finalmente, à Aline, não apenas por seu auxílio na confecção das figuras e filmografia deste trabalho, mas também por tudo de bom que pudemos compartilhar em nossa jornada conjunta.

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“Considering the impact of movies on our consciousness, it is philosophically irresponsible not to attend to these works seriously.”

- Dan Shaw1

“Images, images - details and aspects of things that lift a word of fact to beauty and bravery - no doubt half a hundred passed under my nose, and I did not see them.”

- John Grierson2

“(...) essencial à filosofia analítica é o valor

do processo em vez da durabilidade do resultado.”

- Hans-Johann Glock3

1

“Film and Philosophy: Taking Movies Seriously”. Disponível em: <http://www.aesthetics-online.org/teaching>. Acesso em: 13 abr. 2014.

2 "Drifters". In: HARDY, Forsyth (Ed.). Grierson on Documentary. London: Faber and Faber, 1966, p.137.

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RESUMO

Este trabalho analisa o pensamento do filósofo analítico Noël Carroll a respeito do cinema documentário. Sua discussão sobre o documentário envolve os temas da objetividade, de intenções autorais, da indexação das obras e da dimensão do traço histórico das imagens. O ponto principal deste pensamento localiza-se em sua teoria do cinema da asserção pressuposta, o que constitui sua definição conceitual para este gênero fílmico. Apresentamos, de início, a formação filosófica e cinematográfica deste autor, ressaltando a posição que ele ocupa no campo dos estudos de cinema e as características do método da filosofia analítica, que ele adota. Examinamos, a seguir, os textos onde Carroll apresenta seu pensamento sobre o documentário, discutindo detalhadamente os elementos presentes em sua teorização. Após isso, problematizamos alguns pontos de sua teoria, como o conceito de asserção, a relação entre as posturas mentais ficcional

versus assertiva, e o papel do significado. Apontamos, por fim, relações entre o

projeto teórico de Noël Carroll e outras abordagens no campo de estudos do cinema documentário.

Palavras-chave: Noël Carroll 1947-, Documentário (Cinema), Filosofia, Gêneros

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ABSTRACT

This thesis analyzes the thought of the analytic philosopher Noël Carroll on documentary film. His discussion of documentary involves issues of objectivity, authorial intentions, indexing works, and of the historical trace of images. The core of this author's thought lies in the theory of films of presumptive assertion, that which constitutes his conceptual definition for this filmic genre. We present, at first, the philosophical and filmic training of this author, with consideration towards the position he occupies in the field of film studies, and towards the method of analytic philosophy he adopts. Works where Carroll presents his thoughts on documentary are, then, examined, with detailed discussion on the elements that compose his theorizing. After that, some points of his theory are problematized, as the concept of assertion, the relation between fictive and assertoric stances, and the role of meaning. Finally, some comments are made about Noël Carroll's theoretical enterprise in relation to the broader field of documentary film theory.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Diferença extensional entre o uso griersoniano e o uso corrente

de “documentário” ... 83

Figura 2 Inconsistência extensional entre vários usos de “documentário”. 84

Figura 3 Referências diversas do termo “filme de não-ficção” ... 87

Figura 4 Diferença extensional entre os conceitos “documentário”, “filme da asserção pressuposta”, e “filme de não-ficção” ... 89

Figura 5 Argumento da indiferenciação formal entre ficção e não-ficção . 93 Figura 6 Atitudes mentais opostas adotáveis pelo público de uma obra

artístico-comunicativa ... 99

Figura 7 Passagem de uma caracterização negativa da não-ficção, para

uma caracterização positiva do filme de asserção pressuposta ... 105

Figura 8 Elementos e relações existentes na definição do filme de

asserção pressuposta ... 110

Figura 9 Elementos e relações existentes na definição do filme de

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AH - Artigo “Address to the Heathen” (CARROLL, 1982) ASA - American Society for Aesthetics

BIBLIO-NC - Página com listagem da bibliografia de Carroll até 1999

CAP - Texto “Ficção, não-ficção e o cinema da asserção pressuposta: uma análise conceitual” (CARROLL, 2005)

CAP-EN - Texto “Fiction, Non-fiction and the Film of Presumptive

Assertion: A Conceptual Analysis” (CARROLL, 1997)

CUNY-NC - Página de Noël Carroll no website da City University of New

York

Dir. - Dirigido por

FRTR - Texto “From Real to Reel: Entangled in Nonfiction Film” (CARROLL, 1996a)

LIA - Texto “Living in an Artworld”, de Nöel Carroll MFJ - Periódico “Millennium Film Journal”

MM - Livro Mistifying Movies: Fads and Fallacies in Contemporary

Film Theory

PMS - Texto “Nonfiction Film and Postmodernist Skepticism” (CARROLL, 2003b)

PN - Artigo “Le Père Noël” (HEATH, 1983) Prod. - Produzido por

PT1 - “Parte 1”. A sigla representa o modelo de divisão que criamos das partes de um texto não-paginado (PRIVETT, 2001)

PTD - Texto “Photographic Traces and Documentary Films:

Comments for Gregory Currie” (CARROLL, 2003c) QC - Livro “Questions of Cinema”, de Stephen Heath RH - Artigo “A Reply to Heath” (CARROLL, 1983)

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xviii 1996d)

WIK - Website em inglês da enciclopédia online Wikipedia <http://en.wikipedia.org>

WIK-NC - Página do verbete “Noël Carroll” em →IK

WIK-PT - Website em português da enciclopédia Wikipedia <http://pt.wikipedia.org>

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 1

2. NOËL CARROLL: FILOSOFIA E CINEMA ... 9

2.1. Cinema e filosofia: biografia e trajetória acadêmica ... 9

2.2. Repercussão nos estudos de cinema ... 17

2.3. Metodologia e estilo: filosofia analítica ... 28

2.3.1. FILOSOFIA ANALÍTICA ... 28

2.3.2. FORMALIZAÇÃO ... 34

2.3.3. DEDUÇÃO ... 38

2.3.4. ESTILO ... 40

3. DO DOCUMENTÁRIO AO CINEMA DA ASSERÇÃO PRESSUPOSTA . 45 3.1. Emaranhado no cinema não-ficcional ... 46

3.1.1. PARADIGMA DO CINEMA DIRETO ... 48

3.1.2. IMPOSSIBILIDADE DE OBJETIVIDADE ... 52

3.1.3. (IN)DISTINÇÃO ENTRE FICÇÃO E NÃO-FICÇÃO ... 57

3.1.4. CONSIDERAÇÕES ... 59 3.2. Ceticismo pós-moderno ... 60 3.2.1. MICHAEL RENOV ... 62 3.2.2. BILL NICHOLS ... 64 3.2.3. BRIAN WINSTON ... 66 3.2.4. CONSIDERAÇÕES ... 67 3.3. Traços fotográficos ... 70 3.3.1. TRAÇOS VISÍVEIS ... 71 3.3.2. AVALIAÇÃO DE CARROLL ... 72 3.3.3. CONSIDERAÇÕES ... 75

3.4. Cinema da asserção pressuposta ... 77

3.4.1. O PROBLEMA ... 79

3.4.2. A SOLUÇÃO ... 86

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3.4.3.1. (In-)Distinção entre ficção e não-ficção ... 91

3.4.3.2. Intenções autorais ... 95

3.4.3.3. Fórmulas definidoras ... 99

3.4.4. FILMES DE ASSERÇÃO PRESSUPOSTA ... 104

3.4.5. FILMES DE TRAÇO PRESSUPOSTO ... 111

3.4.6. CONSIDERAÇÕES ... 118

3.4.6.1. Indexação ... 121

3.4.6.2. Objeções ... 124

3.5. Do documentário ao cinema da asserção pressuposta ... 133

3.5.1. A TRADIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO ... 134 3.5.2. O CONCEITO DE DOCUMENTÁRIO ... 139 4. PROBLEMATIZAÇÕES ... 145 4.1. Asserção ... 145 4.2. Significado ... 153 4.3. Ficção ... 161 4.4. Considerações finais ... 165 5. REFERÊNCIAS ... 169 6. FILMOGRAFIA ... 177

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1. INTRODUÇÃO

A presente tese de doutorado aborda um determinado universo temático dentro do pensamento do filósofo analítico norte-americano Noël Carroll. Este universo é o do cinema documentário.

Um importante texto deste autor (CARROLL, 2005), em que ele apresenta sua teoria do documentário como “cinema da asserção pressuposta”, encontra-se, já há alguns anos, traduzido para o português, numa coletânea de grande interesse (RAMOS, 2005b), o que o torna acessível a este campo de estudos em nosso país.

Apesar disso, sentimos, por um lado, que inexiste uma discussão aprofundada desta sua teoria e, por outro, que as linhas de força mais gerais de sua produção intelectual são amplamente desconhecidas por esta comunidade acadêmica.

Talvez esse estado de coisas se dê em função de a abordagem teórica da filosofia analítica ainda não ter muito espaço em nossa área dos Estudos de Cinema. Reconhece-se que, desde a década de 60, esta área de estudos, em nosso país, têm recebido sua principal influência, primeiramente, da semiologia de Christian Metz e, depois, do “pós-estruturalismo” francês de Jacques Lacan Jacques Derrida, Gilles Deleuze e outros (Cf. RAMOS, 2010: p.163). Em suma, a filosofia francesa contemporânea parece predominar como referencial teórico mobilizado por essa comunidade.

A filosofia analítica parece ainda não ter encontrado repercussão por aqui – situação bem diferente do que ocorre no cenário internacional contemporâneo dos estudos de cinema (Cf. SMITH, 2010), onde a contribuição da filosofia analítica é bastante prolífica, e sua presença já está bem consolidada desde as últimas décadas – mesmo que, para certa corrente de pesquisadores, ela exista apenas na qualidade de um “concorrente inconveniente”.

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Essa ausência da filosofia analítica em nossos estudos de cinema parece ser também compartilhada pela área de Estética4 e, de uma forma mais geral, temos a impressão que a filosofia analítica parece ter uma presença bem tímida na academia brasileira5.

Nosso trabalho tem por objetivo, portanto, em primeiro lugar, oferecer subsídios para preencher esta lacuna nos estudos de cinema do país, através da colocada em relevo do pensamento de Noël Carroll. Além de apresentar adequadamente este autor e sua abordagem, acreditamos que poderemos contribuir para fomentar o interesse pelos mesmos.

Ademais, mesmo que alguns de seus textos sejam conhecidos, percebemos que existe uma dificuldade de compreensão dos mesmos, em função de este autor mobilizar uma série de referenciais pertencentes à área da filosofia, que são desconhecidos pelo leitor oriundo do campo do cinema.

Buscamos, assim, além de evidenciar a contribuição deste autor para a área, promover um esclarecimento da parte de seu pensamento que circunscrevemos (aquela referente ao cinema documentário).

É costume associar o termo “crítica” à atividade de julgar, identificar problemas, evidenciar erros e denunciar embustes, e este tipo de atividade é garantidamente valorizada dentro da academia. É interessante notar que, por outro lado, ao termo “esclarecer”, não se costuma dar tanto crédito, sendo, provavelmente, considerado como denotando uma atividade intelectual “menor”.

À medida que aprofundávamos nossos estudos sobre a filosofia analítica, contudo, nos apercebemos da importância que a atividade de

esclarecimento pode ter, já que esta se constitui como um dos métodos de análise

praticados por essa disciplina, com resultados bastante produtivos. Análise,

4 Veja-se, por exemplo, a ausência de qualquer trabalho relacionado à Estética, na coletânea A Filosofia Analítica no Brasil (CARVALHO, 2010).

5 Para se ter idéia, a Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica (SBFA) foi fundada apenas muito recentemente, em Outubro de 2008, (Cf. <http://www.sbpha.org.br/sbfa/membros-fundadores>), enquanto que sua contraparte argentina, por exemplo, existe desde 1972, (Cf. <http://www.sbpha.org.br/sbfa/sbfa/>). Acesso em: 10 jun. 2014. Além disso,

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síntese, comparação, identificação de semelhanças ou contraste das diferenças, inferência - são diversas as competências cognitivas envolvidas no processo de esclarecimento. No final das contas, nos parece que pode haver tanto trabalho de pensamento num “esclarecimento” quanto numa “crítica”.

Inspirados pelo referencial da filosofia analítica, e persuadidos de que esta é uma atividade relevante para a investigação acadêmica, inclinamo-nos, assim, em sua direção, e percebemos que tal procedimento nos permitiu iluminar diversos aspectos mais fugidios do pensamento de Noël Carroll, o que nos possibilitou uma compreensão aprofundada do mesmo.

Apesar de nossa inclinação maior em efetuar um esclarecimento do pensamento deste autor, isso não deve levar o leitor a pensar que deixamos de adotar uma “postura crítica” em relação ao mesmo. Após os devidos esclarecimentos e contextualizações, lançaremos mão, de modo mais explícito, de problematizações sobre sua teoria do documentário organizada em torno do conceito de “cinema da asserção pressuposta”.

Apesar de termos estudado e nos inspirado na filosofia analítica, não pensamos que este trabalho possa ser considerado uma “obra de filosofia”. Primeiramente, nossa formação, em nível de graduação e pós-graduação, advém inteiramente da área de cinema. Os conhecimentos que pudermos vir a ter especialmente sobre a filosofia analítica, os obtivemos exclusivamente de forma autônoma, ao longo do processo de pesquisa que resultou neste trabalho. Eles têm, portanto, certo limite. Além disso, nosso trabalho foi escrito pressupondo que nosso leitor possui formação/atuação na área de cinema.

Isso não significa que contraindicamos este trabalho aos pesquisadores e estudiosos de filosofia (ou de alguma outra área); apenas que é necessário que estes estejam advertidos de que possivelmente encontrarão caracterizações filosóficas que poderão carecer de maior profundidade.

Portanto, deve-se ter em mente que o referencial filosófico mobilizado em nosso trabalho estará circunscrito aos métodos, estilos, temas, argumentos e conceitos utilizados pelo autor em questão (Carroll), e apenas na medida em que

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os considerarmos úteis a uma boa compreensão das discussões que levantaremos, por parte do leitor que pressupusemos.

Esforçamo-nos por manter, ao longo do trabalho, uma clareza de escrita e de raciocínio, embora reconheçamos que nem sempre tal pôde ser atingido.

Para evitar repetições, quando remetermos a assuntos discutidos em outros pontos do trabalho, informaremos a numeração do item citado, para que seja mais prático o deslocamento do leitor pelo trabalho.

Consideramos ser interessante compartilharmos um pouco do percurso envolvido na realização do trabalho.

Nosso plano inicial era discutirmos a teoria de Noël Carroll recorrendo principalmente à análise fílmica. Em termos esquemáticos, havíamos percebido existirem filmes que são identificados como “documentários” (ou que ao menos figuram no conjunto de filmes pelos quais os acadêmicos desta área se interessam), mas que aparentemente não eram compatíveis com a definição presente na teoria do “cinema da asserção pressuposta”.

A idéia era, então, de examinar tais filmes, apontando quais características eram incompatíveis com a teoria da Carroll, explicar as razões para tal, e concluir pela invalidade da teoria, visto a mesma não ser capaz de oferecer um modelo explicativo para todos os fenômenos encontrados no escopo de sua competência.

Este projeto, narrado de forma simplista, apresenta ao menos uma característica discutível: é que nele se pressupõe, a priori, a inadequação de uma dada teoria, e se busca, a partir disso, colecionar evidências (casos particulares) que supostamente nos levariam à confirmação dessa inadequação. Haveria aí, assim, um certo enviesamento e circularidade, não desejáveis num trabalho de investigação.

No entanto, no decorrer da pesquisa, deparamo-nos com uma dificuldade em delimitar um corpus preciso de filmes a serem analisados. Os títulos cogitados não pareciam ser totalmente adequados, ou pareciam ser um

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tanto “estereotípicos”, por representarem as obras mais conhecidas da história do documentário. De qualquer modo, não estávamos satisfeitos com as opções que havíamos levantado.

E além disso, posteriormente encontraríamos, inclusive, certo sentido para a maneira um tanto peculiar com a qual Carroll lida com a tradição documentária, se referindo, freqüentemente, a obras de “menor relevo” para a história deste gênero (viz. item 3.5.1).

Somou-se a esta dificuldade relativa à delimitação de um corpus fílmico, uma advertência que recebemos em nosso exame de qualificação, sobre o trabalho estar, naquele ponto, tomando uma forma um pouco discutível de “aplicação de teorias sobre filmes” – operação contra a qual o próprio Noël Carroll nos chama a atenção (Cf. PRIVETT, 2001: PT4).

Talvez em função disso, à medida que nos aprofundávamos na pesquisa sobre o pensamento de Noël Carroll e sua abordagem analítica, mais nosso centro de interesse se deslocava da análise de obras particulares para a discussão teórica. Quanto mais percebíamos o quanto ainda havia por se explorar em meio às interessantes contribuições deste autor, mais nosso propósito se inclinava a seu esclarecimento, conforme mencionamos há pouco.

Essa mudança de foco, portanto, é responsável, ao menos parcialmente, de um lado pelos tópicos específicos que elegemos discutir, e de outro pela forma de exposição dos mesmos ao longo do trabalho.

Após esta introdução, no capítulo 2 apresentaremos o “pano de fundo” da produção de Noël Carroll, isto é, comentaremos sua formação paralela tanto em Filosofia como em Cinema, pontuando algumas atividades de crítica de arte/cinema com que ele se envolveu. Desde cedo, veremos, seu interesse estará voltado ao cinema. Procuraremos situar, também a posição que Carroll ocupa no campo dos estudos de cinema, o que, como se verá, estará relacionado a diversas polêmicas. A repercussão de sua produção e interação com os pares da área às vezes darão a impressão de que este autor se encontra um tanto “segregado” (o que será retomado, particularmente no que concerne o caso do campo do

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documentário, no item 3.5.1), contudo, estaremos inclinados a mostrar que esta sua forma de atuação, que pode se nos aparentar dissonante, fará parte de uma perspectiva mais ampla de atuação analítica, coerente com um “ânimo dialético”. Contextualizaremos, então, as características principais de seu método ou estilo de trabalho, derivado da filosofia analítica, o que nos familiarizará com o tipo de linguagem, terminologia ou argumentação com a qual lidaremos ao longo do trabalho.

O capítulo 3, por sua vez, constitui o centro do trabalho. É nele que se situará o esclarecimento e análise do pensamento de Carroll sobre o documentário, o que será feito através do exame de seus textos dedicados ao gênero. No que concerne a cada um destes textos, procuraremos destacar os conceitos, argumentos e preocupações centrais deste autor (e.g., o debate acerca da objetividade no documentário, a possibilidade de distinção entre ficção e não-ficção, o conceito de traço fotográfico, etc.), dando maior ênfase para aquele texto em que Carroll expõe sua teoria do cinema da asserção pressuposta, que constitui sua proposta de definição para este gênero audiovisual. Após isso, cotejaremos estes textos no conjunto e, como se perceberá, haverá uma série de recorrências entre estes textos, em paralelo a um progressivo refinamento conceitual.

No capítulo 4, por fim, levantaremos problematizações sobre a teoria do cinema da asserção pressuposta e desenvolveremos nossas considerações finais. Concentraremos nossas observações em torno de três eixos que pensamos requisitarem um debate mais aprofundado: sobre a asserção (a origem deste conceito na teoria dos atos de fala de John Searle, e o modo como este é integrado à teoria de Carroll); sobre o significado (um componente importante da teoria do cinema da asserção pressuposta, mas que parece ser inconsistente com a maneira como é originalmente explicada a sua presença, na linguagem, por John Searle); e sobre a ficção (conceito que serve de ponto de partida para Carroll “derivar” os conceitos de “não-ficção” e “filme de asserção pressuposta”, mas cuja derivação não nos parece ser realizada de forma logicamente consistente).

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Se, ao final da leitura do trabalho, o leitor considerar que apresentamos de forma coerente e fidedigna o método, estilo, e pensamento de Noël Carroll sobre o documentário; se se considerar que seus argumentos e conceitos estão suficientemente esclarecidos; e se se considerar que nossas análises e problematizações são relevantes; então nos daremos por satisfeitos, pois, teremos atingido nossos propósitos.

Algumas últimas observações sobre o trabalho são ainda necessárias. O leitor deve assumir que todas as citações de obras estrangeiras que realizarmos foram traduzidas por nossa conta. Omitiremos essa informação no decorrer do texto, por motivos de economia.

Também, por motivos de economia, no decorrer do trabalho, utilizaremos algumas siglas ou abreviações, em substituição a alguns termos ou expressões que seriam citados diversas vezes, “truncando” a leitura. Na primeira vez em que utilizarmos cada uma destas siglas/abreviações, indicaremos por extenso as expressões ou nomes a que se referem, e remeteremos também a suas fontes. Ainda assim, oferecemos uma Lista de Abreviaturas e Siglas usadas no trabalho, como parte dos elementos pré-textuais, que funcionará como uma compilação centralizada, para consulta rápida dos termos.

Em certos trechos do trabalho faremos uso de algumas figuras, que colocarão em evidência alguns termos da discussão bem como suas relações. O recurso a estas figuras, em nossa opinião, nos auxiliará a tornar mais claras algumas questões. Estas figuras estarão numeradas, e para facilitar sua localização, disponibilizamos, ainda nos elementos pré-textuais, a Lista de Figuras utilizadas no trabalho.

No decorrer do trabalho, ocasionalmente citaremos filmes ou programas televisivos, tanto em razão de alguns deles se incluírem nos argumentos avançados por Noël Carroll, como em função de outros deles servirem de exemplificação, por nossa conta, sobre algum dos tópicos em discussão. Quando os citarmos, no texto, indicaremos apenas o ano de seu lançamento, todavia, ao

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final do trabalho (item 6), oferecemos uma Filmografia que conterá a listagem de todas as obras audiovisuais citadas e sua ficha técnica resumida.

Enfim, sem haver nada mais a acrescentar, esperamos apenas que a leitura deste trabalho seja proveitosa.

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2. NOËL CARROLL: FILOSOFIA E CINEMA

Por constituir o autor cujo pensamento sobre o documentário analisaremos neste trabalho, será importante fornecer ao leitor uma apresentação de Noël Carroll, de sua produção, e de como eles se situam em nossa área de estudos.

2.1. Cinema e filosofia: biografia e trajetória acadêmica

Nascido em 1947 em Nova Iorque, onde leciona atualmente, Noël Carroll é um dos mais proeminentes filósofos norte-americanos contemporâneos, tendo sido presidente da Sociedade Americana de Estética (American Society for

Aesthetics - ASA)6, e atuando principalmente nas áreas de filosofia do cinema, teoria das mídias, filosofia da arte e filosofia da história (Cf. WIK-NC) 7.

6 Essa informação consta em WIK-NC (viz. nota seguinte). Na biografia de apresentação do autor presente no início de Philosophy of art: A contemporary introduction (CARROLL, 1999), consta que no ano de publicação do livro Carroll era o presidente da ASA. Na introdução de uma entrevista realizada com Carroll (PRIVETT, 2001), é dado a entender que em 2001 ele ainda seria o presidente da ASA. Contudo, no website que indicaremos imediatamente a seguir, que divulga uma exibição de vídeo-dança ocorrida em 2002, na qual Carroll teria participado como debatedor, é informado que ele teria sido o presidente da ASA no “período imediatamente anterior” àquele ano, ou seja, em 2002, Carroll já não mais presidiria a entidade. Fonte: <www.dvpg.net/videodance/carrollbio.html>. Acesso: 25 mar. 2014. Recorremos a estas fontes secundárias, pois não encontramos no website da própria ASA a especificação do período em que Carroll presidiu a entidade. Cf. <www.aesthetics-online.org>. Acesso: 25 mar. 2014.

7 Informações biográficas e bibliográficas deste autor estão disponíveis no verbete “Noël Carroll”, da enciclopédia eletrônica Wikipedia (versão em idioma inglês). Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/No%C3%ABl_Carroll>. Acesso: 23 mar. 2014. Daqui em diante, indicaremos esta fonte sob a sigla “→IK-NC”. Há a confirmação de algumas destas informações na curta biografia presente na página pessoal do autor, no site do Programa de Filosofia (Philosophy Program), do Centro de Pós-Graduação (Graduate Center) da City University of New York (CUNY), onde ele leciona atualmente. Disponível em: <http://www.gc.cuny.edu/Page-Elements/Academics-Research-Centers-Initiatives/Doctoral-Programs/Philosophy/Faculty-Bios/Noel-Carroll>. Acesso em: 23 mar. 2014. Indicaremos esta segunda fonte, de agora em diante, pela sigla “CUN↔-NC”.

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Desde o início de sua produção acadêmica, em 1973, até os anos mais recentes, seus trabalhos publicados somam mais de 17 livros e 129 artigos8 (Cf. BIBLIO-NC), produção esta que atesta sua relevância na comunidade acadêmica.

O interesse de Carroll pelos filmes o levara, desde cedo, a “passar muito tempo freqüentando sessões de cinema” (PRIVETT, 2001: PT19), e a trabalhar, no início de sua carreira, como crítico em jornais10.

Sua atuação como crítico de cinema, teatro e arte, já se iniciara de alguma forma quando de seu envolvimento com o cineclubismo e sua contribuição

8 O ano de 1973 aparece como sendo o de publicação de seu primeiro artigo, no levantamento de sua bibliografia presente no site <http://lubbe.tripod.com/bibs.html>. Acesso em: 21 mar. 2014. O site é mantido por Ludvig Hertzberg, pesquisador/crítico de cinema sueco, e apresenta algumas listas de bibliografias de “pessoas que ele acha especialmente iluminadoras e inspiradoras em seu interesse pela filosofia da fruição de filmes” como, por exemplo, Noël Carroll, Richard Allen, Carl Plantinga, William Rothman, Murray Smith, etc. Outras remissões a esta fonte utilizarão a sigla “BIBLIO-NC”. A bibliografia de Carroll presente lá está, contudo, bastante incompleta, pois a última atualização da página foi em Setembro de 1999, não apresentando, portanto, as produções do autor da última década e meia. No caso da quantidade de artigos publicados, contabilizamos aqueles disponíveis no site até aquela data (103), e os somamos a outros artigos publicados posteriormente (26), e que são localizáveis através da base de periódicos online Jstor <www.jstor.org>. Acesso: 23 mar. 2014. No caso dos livros, comparamos a pequena amostra de títulos listados em BIBLIO-NC (9) com as outras obras do autor disponíveis em uma grande livraria online (8), como a Amazon.com. Incluímos nesta soma os livros organizados por Carroll. O site WIK-NC, por outro lado, lista 19 títulos de livros publicados por Carroll (incluindo os de sua organização), e indica outros 4 títulos no prelo. Advertimos que, apesar de nosso cuidado, a quantidade total de artigos/livros publicados por Carroll até o momento da escrita de nossa tese pode ser diferente dos valores que estamos oferecendo como referência.

9 Remeteremos diversas vezes à entrevista concedida por Noël Carroll a Ray Privett e James Kreul (PRIVETT, 2001). Esta entrevista encontra-se disponível em um periódico online australiano dedicado à crítica de cinema que, infelizmente, não apresenta paginação na formatação de seus textos. Contudo, para auxiliar o leitor na consulta a esta interessante fonte, criamos uma numeração “artificial” em nossas remissões a esta fonte, que corresponde à divisão das várias partes deste texto. A numeração proposta é a seguinte: PT1: corresponde à introdução inicial do texto, sem título de seção; PT2: seção de título "Early Years: Catholic Schools and Film Societies"; PT3: "Entering Film Studies"; PT4: "Millenium Film Journal: Film Criticism and Film Theory"; PT5: "Documentary, Politics, and Truth"; PT6: "The Philosophy of Horror"; PT7: "Defining Cinema - Medium Specificity, Ontology, and the Artworld"; PT8: "Annotated Bibliography of Principle Works by Carroll Discussed in the Interview".

10 Carrol

l inicialmente publicara textos em periódicos de abordagem mais “jornalística”, realizando neles a crítica de obras artísticas (principalmente cinematográficas), como por exemplo em: Artforum; The Drama Review; Millennium Film Journal; Soho Weekly News (Cf. PRIVETT, 2001; Cf. BIBLIO-NC). Posteriormente, conforme sua carreira na academia avança, ele passa a publicar textos em periódicos estritamente “mais acadêmicos”, como Film Reader; Film Culture; Wide Angle; Film Quarterly; History and Theory; Journal of Aesthetics and Art Criticism; Mind; dentre outros (Cf. BIBLIO-NC).

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11

ao jornal universitário The Hofstra Chronicle, nos tempos em que ainda cursava a graduação em Filosofia na Hofstra University (PRIVETT, 2001: PT2), concluída em 1969 (Cf. WIK-NC).

Carroll (Apud PRIVETT, 2001: PT2) relata, com um toque de humor, que ao ingressar no Mestrado em Filosofia da University of Pittsburgh, ele teria repetido a mesma experiência cineclubista que havia tido na graduação, onde, além de se dedicar à crítica de filmes, uma vez mais “fazia parte do corpo diretivo” da entidade, com seu professor sendo o presidente, e ele o vice-presidente - o que na realidade significava que era Carroll “quem carregava o projetor”.

Durante este período, Carroll atuou de forma intensa na atividade de crítica artística, escrevendo principalmente para a revista Artforum11, que no início da década de 1970 estava “expandindo sua cobertura para além das galerias de arte para incluir domínios como filme, fotografia e vídeo” (LIA).

Um ponto determinante em sua carreira ocorreu logo após a obtenção do título de Mestre em Filosofia, em 1970, e que acabou levando-o a se comprometer mais a fundo com a área dos Estudos de Cinema. Carroll (Apud PRIVETT, 2001: PT2) narra o caso da seguinte forma:

Obtive o Mestrado em Filosofia na Universidade de Pittsburgh em 1970. Aquele foi um péssimo ano para empregos em Filosofia. O baby boom estava acabando, e oportunidades foram se fechando. Percebi que, já que a Filosofia tinha um mercado tão limitado na época, eu teria uma chance muito melhor de obter uma posição acadêmica na área de Cinema, algo em que eu já tinha interesse, e que era um mercado de trabalho em expansão. Além disso, por ser 1970, eu pensava que se você estivesse interessado em filosofia e em cinema, você poderia fazê-los juntos. Esses eram os anos de Godard - quem, dizia-se, fazia sua filosofia no filme. Acabei aprendendo que isso era praticamente impossível. Quanto mais eu me envolvia com os Estudos de Cinema, mais eu percebia que eu não era Godard. (...)

11

Cf. Noël Carroll, “Living in an Artworld”, texto presente na seção Teaching Resources – Aesthetics Textbooks: From the Author’s Perspective, do website da ASA. Disponível em: <www.aesthetics-online.org/teaching/>. Acesso: 27 mar. 2014. Esta fonte será referida como “LIA”, de agora em diante. O texto constitui-se de uma apresentação, escrita pelo próprio autor, de seu livro homônimo publicado pela Evanston Publishing em 2012, que reproduz várias das críticas de arte escritas pelo autor no início de sua carreira.

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12

De acordo com esta passagem, a entrada de Noël Carroll no campo dos Estudos de Cinema pode ser vista como tendo sido motivada por dois fatores.

O primeiro deles diz respeito ao aspecto profissional “prático”, isto é, refere-se à maior viabilidade de se ingressar na carreira acadêmica através do campo do Cinema em detrimento do campo da própria Filosofia, que apesar de ser sua área de formação acadêmica primeira, se encontrava aparentemente saturada na época em questão.

E o segundo fator diz respeito ao aspecto profissional “agradante”, isto é, a intenção de Carroll de relacionar seu antigo interesse e formação cultural cinematográficos com seu novo interesse e formação acadêmica filosóficos, proposta esta inspirada na figura de Jean-Luc Godard, adotado (por um curto período de tempo) como modelo.

A partir daquele ano, Noël Carroll cursou o Mestrado em Estudos de Cinema, na New York University (PRIVETT, 2001: PT3), o qual conclui em 1974. Lá, ele fora estudante de Annette Michelson, com quem praticou, junto dos outros estudantes, uma espécie de crítica fílmica a que se referiam como “crítica

descritiva, que era supostamente aliada à fenomenologia”12, embora Carroll revele que nunca fora muito interessado naquele tipo de projeto, pois preferira sempre um estilo de “crítica interpretativa” (CARROLL Apud PRIVETT, 2001: PT3, grifos nossos).

Além do Mestrado em Estudos de Cinema, Carroll também cursa um Mestrado em Filosofia na University of Illinois, o qual finaliza em 1976.

Sua formação acadêmica se complementa com um Doutorado (Ph.D.) em Estudos de Cinema pela New York University, o qual finaliza também em 1976, com a tese “An In-Depth Analysis of Buster Keaton’s The General”13. E, por

12 Carroll (Apud PRIVETT, 2001: PT3) complementa o comentário observando que, “(...) contudo, era um tipo muito livre de fenomenologia. Você não leria um livro de Merleau-Ponty e chegaria no que fazíamos automaticamente. A idéia central era de que o que era importante era a experiência do filme em si. Diante disso, tentava-se descobrir as características da obra que deram origem àquela experiência. (...)”.

13 Parte do conteúdo de sua te

se foi apresentado no artigo “Buster Keaton, The General, and Visible Intelligibility”, publicado pela primeira vez em 1990 como capítulo de livro (in: Peter Lehman

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13

último, Carroll obtém também um Doutorado em Filosofia, pela University of

Illinois, em 1983 (Cf. WIK-NC).

Concomitante à sua formação em nível de pós-graduação, Noël Carroll tivera a oportunidade de começar a lecionar já em 1976, como Professor Assistente, na New York University (PRIVETT, 2001: PT4).

Nesta época, Carroll assume também a posição de editor da revista

Millennium Film Journal (MFJ)14, periódico fundado naquele mesmo ano e dedicado a divulgar o universo dos “filmes de vanguarda”. Sua entrada no corpo editorial ocorre devido à saída de um dos três editores originais15, e Carroll conta que, enquanto esteve lá, se inspirou no “precedente aberto por Annette Michelson na revista Artforum”, para tentar fazer algo semelhante no MFJ: disponibilizar um espaço para que seus alunos pudessem publicar textos a respeito de temas do universo fílmico de vanguarda (CARROLL Apud PRIVETT, 2001: PT4).

No entanto, apesar do espaço disponibilizado para tal fim, a “falta de quórum” dificultou que o projeto seguisse adiante16 - aparentemente os

(Ed.), Close viewings: An anthology of new film criticism, Tallahassee: Florida State University Press), e republicado posteriormente em Interpreting the Moving Image, New York: Cambridge University Press, 1998. Mais recentemente, Carroll voltou sua atenção novamente a Keaton e ao gênero do humor, publicando uma versão editada de sua tese de doutorado na forma do seguinte livro: Comedy incarnate: Buster Keaton, physical humor, and bodily coping, Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2007. Na introdução desta obra (p.1-2), Carroll confessa ter tentado algumas vezes publicar uma versão da mesma em tempos anteriores, a qual teria sido rejeitada por editores sob a alegação de que ela não seria “suficientemente teórica”. Esta posição Carroll atribui às “guerras teóricas” estarem em forte evidência em tais momentos, o que no caso influenciava fortemente a (in)visibilidade que se quereria dar a posições teóricas/metodológicas “adversárias”.

14 O periódico foi/é mantido pelo Millennium Film Workshop (Cf. PRIVETT, 2001: PT4), uma entidade que visa oferecer aos realizadores audiovisuais “não-comerciais” o acesso a equipamentos e infra-estrutura necessários à realização de seus projetos. O periódico está ainda em circulação e tem seu website: Millennium Film Journal <www.mfj-online.org>. Acesso: 21 mar. 2014.

15 Carroll assume o lugar de Alistair Standerson. Os outros dois editores, que permaneceram na revista, foram Vicki Petereson e David Shapiro (Cf. PRIVETT, 2001: PT4).

16 Inicialmente o MFJ possuía periodicidade trimestral, e Carroll tinha esperança de que houvesse muitos estudantes interessados em aproveitar o espaço da revista para publicar seus textos. Isso aparentemente não ocorre, e a revista se depara com alguma dificuldade financeira para manter sua periodicidade inicial (Cf. CARROLL Apud PRIVETT, 2001: PT4). A partir de 1978 a revista tem sua periodicidade reduzida à semestralidade. Cf. Millennium Film Journal <www.mfj-online.org>. Acesso: 21 mar. 2014.

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“estudantes pós-graduandos ambiciosos” eram muito mais atraídos a escrever trabalhos sobre o “Pós-estruturalismo, feminismo, psicanálise Lacaniana,

aplicados a filmes populares” (abordagens dominantes no campo dos estudos fílmicos), do que a respeito da vanguarda (Cf. CARROLL Apud PRIVETT, 2001: PT4). E, dada a linha editorial do MFJ e a finalidade da entidade a que ela estava associada, simplesmente não era possível que os estudantes publicassem naquela revista seus textos a respeito desses outros interesses17.

Além desta formação e experiência crítica/textual, Noël Carroll também realizou algumas experiências artísticas, na função de roteirização (screen

writing), participando da criação das seguintes obras audiovisuais18:

 Film as collage (1982)

 Dancing with the camera (1982)

 Sexual poetics: New films by women (1983)  Film as play (1983)

 The last conversation: Eisenstein’s Carmen Ballet (1998)

Todas estas obras (com exceção da última, que teria sido exibida em festivais e centros de pesquisa de arte) teriam sido exibidas televisivamente (Cf. WIK-NC).

Conforme avança em sua carreira de professor e pesquisador, sua produção posterior de natureza teórica poderia ser vista como “estando intimamente entrelaçada com questões com que ele se deparou” ao longo destas experiências anteriores [cineclubismo, crítica de obras, etc.], tais como: “Pode um

17 Carroll (Apud PRIVETT, 2001: PT4) diz que os pós-graduandos preferiam submeter seus textos, que optavam pelas orientações teóricas mencionadas àcima, a revistas tais como Screen e Camera Obscura.

18 Ray Privett (2001: PT1) menciona, apenas de passagem, que Carroll atuou como roteirista de documentário, mas esse tópico não é explorado na entrevista, e tampouco nenhuma de suas obras é lá nomeada. A lista aqui oferecida foi retirada de WIK-NC. Não nos foi possível, entretanto, acessar qualquer uma destas obras.

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documentário ser objetivo? (...) O que os filmes de horror têm em comum? Porque as pessoas respondem emocionalmente a filmes que elas sabem serem ficcionais? Há um modo de se realizar filmes que seja inerentemente ‘cinemático’? (...)” (PRIVETT, 2001: PT1).

Além de ter lecionado na New York University (cursos de cinema, aparentemenet) no início de sua trajetória acadêmica, Carroll também o fez, como professor de filosofia, na University of Winsconsin-Madison19, na década de 1990, e professor de humanidades na Temple University (Cf. WIK-NC). Atualmente Noël Carroll é professor de filosofia no Centro de Pós-Graduação da City University of

New York, onde ministra desde 2008 cursos sobre interpretação e significado,

filosofia do cinema, filosofia da arte, e filosofia da história (Cf. CUNY-NC)20.

A esta altura, o leitor pode estar se perguntando sobre a relevância, para nosso trabalho, das informações apresentadas até aqui. Endereçando esta questão, adiantamos que o propósito de apresentar estas informações vai além de simplesmente atender a uma curiosidade a respeito de um determinado autor.

Em primeiro lugar, reconhece-se que Noël Carroll é um autor que “necessita de alguma introdução” (Cf. PRIVETT, 2001: PT1). Ao primeiro contato com seus textos, o interessado em cinema - que no geral não possui formação filosófica – provavelmente sentirá algum nível de desconforto com sua complexidade, seja pela estrutura de raciocínio; seja pelas referências de outro campo utilizadas, que no geral são desconhecidas pelo leitor; ou seja ainda pelo estilo de escrita. Num primeiro nível, portanto, a parte inicial deste trabalho visa oferecer ao leitor uma contextualização do autor, para que aquele esteja

19 Ao apresentar a obra Post-Theory: Reconstructing Film Studies, David Bordwell menciona, em seu website pessoal, que Carroll teria ingressado no Departamento de Filosofia desta universidade no ano de 1991, Cf. <www.davidbordwell.net/books>. Acesso: 13 abr. 2014. Nos anos de 1996 e 1999 Carroll ainda lecionava lá, segundo as informações que constam, respectivamente, na folha de rosto de Theorizing the moving image (CARROLL, 1996b), e na primeira página após a capa de Philosophy of art: A contemporary introduction (CARROLL, 1999).

20 Através do website indicado, pode-se acessar outra página do Programa de Pós-Graduação em Filosofia daquela universidade, que exibe os cursos ministrados lá em cada período letivo, a partir do Outono de 2000. Cf. <www.gc.cuny.edu/Page-Elements/Academics-Research-Centers-Initiatives/Doctoral-Programs/Philosophy/Courses/Fall-2014>. Acesso: 15 abr. 2014.

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minimamente familiarizado com o topos discursivo deste. Tal contextualização será especialmente útil, pensamos, ao passarmos para o capítulo seguinte, no qual examinaremos o pensamento do autor sobre o cinema documentário, onde estaremos situados em seu topos e caminharemos de acordo com os movimentos de sua argumentação.

Em segundo lugar, essas páginas iniciais que apresentam as experiências e conhecimentos de Noël Carroll têm por objetivo fornecer informações capazes de aplacar certo tipo de objeção (de níveis variados de velamento) que se levanta a alguns pesquisadores “de fora” que intentam investigar um outro campo de estudos – no caso, o do cinema:

- Quem é este que ousa adentrar “nosso” campo? “O que faz um filósofo no território do cinema”? “Terá visto tantos filmes”? Saberá ele o suficiente sobre o tema? “Como ousa tais proposições”?! (Cf. TEIXEIRA, 2003: p.58)21.

Esperamos que, com a leitura desta parte de nosso trabalho, tal tipo de resistência, caso previamente presente, seja posta, por fim, de lado.

Para os leitores que, por ventura, já possuam algum conhecimento prévio sobre o autor, há ainda dois outros pontos importantes que pensamos merecerem algum comentário. O primeiro deles diz respeito à repercussão que os trabalhos de Carroll tiveram no campo dos Estudos de Cinema (viz. 2.2). E o segundo diz respeito ao estilo e metodologia utilizados por este autor (viz. 2.3).

21 O texto a que remetemos (TEIXEIRA, 2003) menciona esta espécie de resistência de estudiosos de cinema com relação às intervenções, em “seu” campo, de Gilles Deleuze, um filósofo de uma linha bastante diferente daquela seguida por Noël Carroll. Contudo essa diferença é irrelevante ao ponto em questão. Trata-se, aqui, da existência de um desconforto de se engajar/enfrentar um pensamento que provém de um lugar distinto, com pressupostos, métodos e estilos diferentes, mas que tenciona projetar-se sobre áreas e objetos que supuséramos “dominados”. Daí surgir o embaraço, quando não a rejeição ou afronta.

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17

2.2. Repercussão nos Estudos de Cinema

Havíamos iniciado nossa apresentação do autor Noël Carroll ressaltando quantitativamente sua produção intelectual e indicando os temas diversificados em que ele teria expertise, chamando assim a atenção para sua relevância acadêmica. No entanto, sua produção intelectual nem sempre foi apreciada de maneira receptiva pelos estudiosos de cinema – e vice versa. Em verdade, Carroll “passou grande parte de sua carreira profissional guerreando abertamente contra os movimentos reinantes na Teoria do Cinema” (PRIVETT, 2001: PT1). Não é por acaso, pois, que o título da entrevista de Ray Privett (2001) se refere a Carroll como sendo um “controverso” e “estranho caso” de filósofo de cinema.

Parece-nos que uma das primeiras e mais contundentes polêmicas envolvendo Noël Carroll teve início com o artigo Address to the Heathen (AH) (CARROLL, 1982), publicado no famoso periódico October, e que consistia num

review, feito por Carroll, do livro Questions of Cinema22 (QC), de Stephen Heath23. Na resenha, Carroll (1982: p.89) identifica Heath como sendo um “representante proeminente” da abordagem apelidada nos Estudos de Cinema de “a Teoria”, ou “a Grande Teoria”, que consistia na metodologia dominante na área, desde o final dos anos 1960 a meados dos anos 1980, influenciada marcadamente pelo Marxismo, psicanálise e semiologia. Para sermos um pouco mais precisos, Carroll (p.89) se refere a esta abordagem, em certo tom reducionista-pejorativo, como sendo “um amálgama da psicanálise Lacaniana, Marxismo Althusseriano e da análise textual de Roland Barthes, com um compromisso com o feminismo”.

22 Stephen Heath, Questions of Cinema, Bloomington: Indiana University Press / London: Macmillan, 1981, 257 p.

23Ao utilizar a palavra “Heathen”, no título do artigo, Carroll faz um trocadilho do sobrenome do autor a quem se dirige (Heath), com o substantivo anglófono “heathen”, que significa: bárbaro, não-civilizado, ignorante, pagão, etc.; em suma, alguém desprovido de cultura ou princípios morais. Indica-se, desta forma, como Carroll avaliaria Heath, sua obra, e/ou aqueles que a admitem.

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Este livro de Heath pretenderia se constituir como “uma tentativa de criar uma teoria do cinema psicanaliticamente informada que explicará a maneira pela qual as práticas do cinema narrativo comercial implementam a produção e a

recepção de ideologia” (CARROLL, 1982: p.90, grifo nosso).

Carroll (p.91), no entanto, imputa a seu autor a falta de, tal “como a maioria dos teóricos do cinema clássico”, não fornecer “a seus leitores as justificações argumentativas para as pressuposições filosóficas básicas em seu livro”, pressupondo “leitores que são familiares com, compreendem, e concordam com os princípios básicos da posição Lacaniana-Althusseriana”.

Após ter demarcado vividamente a posição de Heath, Carroll segue adiante em sua resenha criticando de forma argumentada e estendida diversos pontos da obra, os quais ele mais tarde resumiria (CARROLL, 1983: p.81) como sendo os seguintes:

(...) que a teoria da sutura [defendida centralmente por Heath] é, estritamente falando, vazia; que sua mobilização da psicanálise não está adequadamente restringida pela consideração de hipóteses cognitivo-psicológicas em disputa; que sua análise das várias mecânicas de posicionamento do sujeito baseia-se em equívocos; que suas metáforas são inutilmente obscuras; que sua noção de unidade é ilegítima; que seu conceito do apparatus cinematográfico desafia os requisitos pragmáticos para a construção de teorias.

A conclusão de Carroll (1982: p.163) é de que a teoria de Heath “é não-informativa”, seus “princípios explicativos centrais são esfarrapados”, e que sua teoria “nunca se mantém em um nível de generalidade produtivo”. Em resumo, na visão de Carroll, Heath “nos dá muito pouco, e nos pede muito” (p.163).

Os comentários amargos de Carroll não passaram incólumes. No ano seguinte, Stephen Heath publica sua réplica a Carroll, também em October, com o título provocativo de Le Père Noël (PN) (HEATH, 1983)24.

24Tradução do título: “O Papai Noël”. Esse jogo de palavras, que tem intenção de imbuir Carroll e seus comentários no mesmo plano fantasioso/ficcional a que se remete o personagem homônimo, é justificado por Heath através de uma irônica atribuição a Carroll da figura de um “Sábio” paternal que viria condescendentemente nos “esclarecer” (HEATH, 1983: p.63-64), pois o artigo anterior de

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Stephen Heath (1983: p.4) inicia este artigo observando que “(...) nas setenta páginas [da resenha de Carroll sobre seu livro] não há nada que emerja e que poderia concebivelmente ensinar a alguém qualquer coisa que se relacione com o campo em que [o periódico] October está situado (...)”. Isto é, não haveria absolutamente nada de útil na crítica de Carroll.

Revidando as “delicadezas” que havia recebido, Heath chega a compor uma metáfora com as touradas, associando seu livro QC ao “pano vermelho” usado pelos toureiros e, Carroll, - como seria de se esperar, - ao touro. Diz ele, que tal como ocorre “(...) com os touros e os panos, o objetivo [da crítica de Carroll] não é realmente focar com alguma precisão num objeto particular, mas simplesmente em investir” desgovernadamente, e o resultado dessa investida seria apenas: “bastante ar quente, algum dano aleatório, e uma grande dose de auto-satisfação” (p.64-65).

Em seguida, Heath defende-se, por um lado, situando seu livro de acordo com a produção dos anos 1970, que desejava relacionar o cinema a questões culturais e políticas mais amplas, e assim admitindo que “aqueles artigos têm seus erros e fraquezas, limitações e contradições” (p.66). E, por outro lado, Heath desenvolve sua réplica através de uma longa resposta “itemizada” – isto é, elencando uma série de itens, apresentados através de expressões e termos de efeito impactante25 utilizados por Carroll em AH para criticar a obra de Heath, e aos quais este agora revida. A réplica manteve o mesmo tom irônico usado por Carroll, e oferecia esclarecimentos e contra-argumentos, mas a assunto ainda não estava encerrado.

Carroll se referia à posição de Heath como sendo “ignorante”, e também pela menção de que esta edição de October, em que o texto seria publicado, seria lançada “em tempo para o Natal” daquele ano (p.115).

25 Por exemplo, Heath (1982) inicia cada um de seus ítens da réplica com expressões de efeito tais como: “despedaçado com erros” (p.66), “sem argumento nas redondezas” (p.68), “alucinações” (p.70), “algumas afirmações instáveis extremas” (p.70), “não apenas desleixado e preguiçoso” (p.73), etc., extraídas da resenha feita por Carroll. Heath, desta forma, enfatiza os ataques pessoais sofridos antes de responder aos próprios argumentos apresentados por Carroll.

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Naquele mesmo ano, Carroll dá continuidade à “troca intelectual” entre ambos, ainda em October, com sua tréplica: A Reply to Heath (RH) (CARROLL, 1983). Nela, Carroll (p.81) afirma que Heath “responde às objeções epistemológicas” propostas em sua resenha anterior “choramingando que ele não irá sucumbir a tais preocupações de ordem profissional”26, e afirma também que “Heath nunca lida com as objeções centrais” de AH.

Ao invés disso, diz Carroll, “Heath ergue uma cortina de fumaça para disfarçar o fato de ele não confrontar as questões levantadas”, e “desperdiça um tempo enorme ‘itemizando’ minhas supostas representações equivocadas” de QC. E, “surpreendentemente, quase metade de suas reclamações (...) são extraídas de comentários secundários feitos em minhas notas de rodapé, que são periféricos aos pontos centrais, ainda incontestados”, levantados em AH (p.81). Carroll prossegue avaliando a obra de Heath e sua réplica:

A freqüente falta de conectivos lógicos e gramaticais em QC e seu uso constrito da linguagem fazem, diversas vezes, com que seja difícil determinar o que de fato está sendo dito. (...) Retrospectivamente, parece que o estilo túrgido de QC é uma tática de evasão. A ambigüidade das formulações de QC permite que elas sejam aplicadas sob uma interpretação, mas, quando contestadas, elas podem ser defendidas sob uma outra interpretação diferente, que é capaz de transformar uma hipótese radical em um truísmo27. (...) Em PN Heath empreendeu uma releitura de QC que representa esta obra como sendo uma cadeia de verdades auto-evidentes cuja rejeição implicaria em perversão.

Por fim, Carroll (1983: p.102, grifo nosso) esclarece que não se opõe a análises ideológicas por si mesmas, mas que apenas discorda da obra de Heath, QC, em “sua insistência em explicar todos os fenômenos em pauta em termos de

ideologia e psicanálise”.

26 Pelo contexto,

entende-se que o adjetivo “profissional” é usado por Carroll para entende-se referir ao tipo de treinamento filosófico formal que ele teria (a nível de Graduação e Pós-Graduação), o qual teria sido mobilizado na discussão, e que por sua vez faltaria a Heath em alguma medida, o que estaria relacionado à causa dos “problemas” apontados por Carroll na obra de Heath.

27 Tr

uísmo: “Uma verdade evidente mas óbvia, portanto pouco importante ou pouco útil”. (ABBAGNANO, 2007: p.976).

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Posteriormente, a suspeição ou animosidade de Carroll com relação a estes tópicos o leva a expandir seu horizonte de embate teórico através da publicação, logo após obra apontando problemas na teoria clássica do cinema28, de um livro onde desenvolve de maneira mais ostensiva suas críticas com relação à teoria do cinema praticada na academia anglo-americana nas décadas de 1970 e 1980, – contemporânea, portanto, e - que tinha certo apreço pelos dois referenciais acima citados29.

Trata-se de Mistifying Movies: Fads and Fallacies in Contemporary Film

Theory30 (CARROLL, 1988). Este é tido, inclusive, como “o livro mais polêmico e controverso” escrito por Carroll (PRIVETT, 2001: PT8).

A atuação polêmica de Carroll no campo dos estudos de cinema, observada até aqui, e que continua em Mistifying Movies (MM) e além, não é, contudo, fortuita.

Podemos observar, no relato do autor (CARROLL Apud PRIVETT, 2001: PT4, grifos nossos) contido na longa passagem a seguir31, algumas das preocupações que ele entretivera no momento em que travara contato com o campo dos estudos de cinema, e que o levariam posteriormente a adotar e sustentar tal posicionamento:

Quando estava na Universidade de Pittsburgh para fazer o Mestrado em Filosofia, eu pensava que viria a ser um filósofo da ciência. Eu possuía, assim, certas concepções sobre o que eram as teorias, e o que era a

28 Noël Carroll, Philosophical Problems of Classical Film Theory, Princeton, NJ: Princeton University Press, 1988, 268 p.

29 Segundo Carroll (1996b: p.37), este campo era dominado por um amálgama de elementos extraídos do pensamento de: Lacan, Althusser, Barthes, Foucault, Derrida, Deleuze, etc., embora geralmente “filtrados” por “exegetas” anglófonos tais como nosso conhecido Stephen Heath. 30 Livre-tradução do título: Mistificando os Filmes: Manias e Falácias na Teoria Contemporânea do Cinema.

31 A passagem apresenta, de forma aparentemente seqüencial, comentários que Carroll emitiu, no decorrer da entrevista, em ordem diversa. Não obstante, visto que os comentários partilham de um mesmo tema, e o fazem de forma complementar, optamos por reproduzi-los desta maneira. A ausência de paginação do texto que nos serve de fonte impede que sejamos mais precisos quanto à edição que efetuamos nesta passagem.

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ciência. Então, a noção de que [, por exemplo,] os filmes de vanguarda faziam teoria [, noção esta recorrente no meio especializado,] me aborrecia. Minha sensibilidade filosófica, é claro, também se inquietou quando a semiótica entrou em cena - e o fez ainda mais com a entrada do pós-estruturalismo. Suponho que meus artigos, que debatiam sobre se os filmes de vanguarda ou outras obras fazem ou não teorias, fossem em parte motivados pelo meu treinamento filosófico. Tenho a constante preocupação (...) de que nem a crítica nem a própria obra devem ser simples ilustrações de teorias. (...)

Minha suspeita sobre o recurso à teoria que se faz ao se explicar obras artísticas provavelmente provém de minha bagagem em filosofia da ciência. Quando um filósofo ouve uma generalização (general claim), a primeira coisa que faz é examiná-la. Quando um cientista ouve uma generalização, a primeira coisa que faz é testá-la. Contudo, quando os estudiosos de cinema introduzem referenciais filosóficos amplos (general philosophical frameworks) em sua crítica, há uma diferença. Estudiosos de cinema, assim como os estudiosos de literatura, costumam se utilizar desses referenciais amplos como premissas para interpretações. Eles deixam que a generalização permaneça como algo dado, e então vão ver que trabalho ela pode fazer. Depois, raciocinam desta forma: Essa generalização é verdadeira, e aqui está a obra que temos, e sua estrutura se relaciona com a teoria; portanto, - eles dizem - a teoria é verdadeira32. Meu comprometimento com a atividade de teorização é tal que, creio que, uma vez que você observe as premissas gerais criticamente, é bem mais provável que você tenha problemas com essas próprias premissas do que com descrições concretas. Entretanto, estudiosos de cinema raramente escrutinizam as proposições teóricas gerais de seu trabalho, de forma parecida com o que os filósofos ou cientistas fazem. (...)

Neste relato, Carroll esclarece que um dos principais pontos que o desagradava no campo dos estudos de cinema era a concepção de teoria que lá se fazia33, e a maneira como esta concepção delineava as atividades da área - o que, ele ressalta, contrastava bastante com o modus operandi mais rigoroso de outras áreas acadêmicas melhor estabelecidas, como a filosofia -, área em que ele possui treinamento formal, - e a ciência. Podemos, pois, supor que seu desentendimento com Stephen Heath fora motivado por questões relacionadas.

Ou seja, é plausível de se cogitar que Carroll teria discordado, em primeiro lugar, do referencial teórico escolhido por Heath para tratar de suas

32 De certo modo, essa forma de raciocínio descrita por Carroll incorreria no tipo de falácia lógica conhecida como petição de princípio, que “consiste em pressupor, na demonstração, um equivalente ou sinônimo do que se quer demonstrar.” (ABBAGNANO, 2007: p.763).

33 Conceito este de central importância, visto que desde então só se está a aumentar o conjunto dos que têm interesse em “Teoria do Cinema”.

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“Questões de Cinema” (“minha sensibilidade filosófica" "se inquietou quando a semiótica entrou em cena - e o fez ainda mais com a entrada do pós-estruturalismo”). Em segundo lugar, Carroll discordaria da maneira pela qual Heath conceberia o que é uma teoria, ou o que é uma teoria de cinema (“estudiosos do cinema" "costumam se utilizar desses referenciais amplos como premissas para interpretações"; "deixam que a generalização permaneça como algo dado”; "raramente escrutinizam as proposições teóricas gerais de seu trabalho"). E, em terceiro lugar, Carroll discordaria ainda da maneira pela qual Heath teria empregado suas teorias para tratar de seus objetos ("nem a crítica nem a própria obra devem ser simples ilustrações de teorias").

Apesar da boa dose de sarcasmo e “afrontas pessoais” que observamos anteriormente, seria prudente pensarmos que Stephen Heath teria representado para Carroll não muito mais do que um adversário emblemático no que tange a posição do filósofo com relação à abordagem dominante na “Teoria do Cinema” das academias anglo-americanas. Portanto, o impacto daqueles “ataques” – com os quais provavelmente não estamos habituados no campo dos estudos de cinema das universidades brasileiras - deveria, pensamos, ser avaliado “com um grão de sal”, em função das motivações discutidas.

Adicionalmente, as posições do debate também se alternaram, com Carroll, a seu turno, tendo seu trabalho avaliado abertamente por estudiosos de cinema. O próprio MM, a título de exemplo, foi resenhado diversas vezes por olhares críticos.

Carole Zucker (1990: p.160), por exemplo, percebe que esta obra dedica uma atenção especial a Stephen Heath, e que ela se constitui, em certa medida, na “re-elaboração do papel de Carroll nos debates Heath/Carroll ocorridos em October, em 1982-83”, que discutimos anteriormente. Zucker (p.162) nota também que “a escrita de Carroll é árida”, e que “quando se atinge a segunda metade do texto, as idéias se tornam repetitivas”34, característica relacionada com

34 Tivemos a mesma impressão quando da leitura de uma outra obra de Carroll: A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração (CARROLL, 1999).

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o fato da “escrita teórica” ser, “provavelmente, em virtude de sua própria natureza, uma inimiga da facilidade”.

Mary Deveraux (1991: p.140), por sua vez, afirma que MM “sugere que teorias do cinema são parecidas com teorias científicas (ou como costumávamos crer que as teorias científicas fossem, isto é, uma busca pela ‘verdade do assunto’)”, comparação esta que, para ela, não seria correta. Além disso, Deveraux afirma que este livro de Carroll terminaria por desapontar aqueles que tinham a expectativa de uma proposta nova de teoria do cinema, pois, após ter “feito um bom trabalho inicial de curar as manias e falácias da teoria contemporânea do cinema”, Carroll infelizmente encerra o assunto prematuramente, “deixando-nos com uma teoria do cinema pré - e não pós – contemporânea” (DEVERAU↓, 1991: p.140).

Essa opinião é partilhada por Kenneth Harris (1991: p.131, trad. nossa), que observa que, “com a teoria clássica do cinema tendo sido a vítima de seu livro anterior”, e após Carroll ter, em MM, “descartado completamente a teoria do cinema contemporânea”, “muito pouco sobra”. A saída seria provavelmente alguma proposta de nova teoria do cinema feita “nas bases da própria teorização de Carroll”, o que não teria se efetivado em MM. Harris (Cf. 1991: p.137) ainda lamenta o fato de que o modo de proceder de Carroll, de dirigir seus esforços à confrontação “no atacado” da vertente dominante da teoria do cinema, acaba fazendo com que o trabalho perca muito de seu potencial, deixando-nos com uma “pseudo-competição entre ‘as belas-letras contemporâneas’ e ‘a razão científica e filosófica” (a posição de Carroll).

Outras obras de Carroll de maior projeção internacional, como A

Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração (CARROLL, 1999), ou Theorizing the Moving Image (CARROLL, 1996c), também foram submetidas a avaliações

semelhantes (Cf. ORTEGA-RODRIGUEZ, 200335, para a primeira; e WARTENBERG, 201036, para a segunda).

35 Pablo Ortega-Rodriguez (Cf. 2003, artigo sem paginação), professor da Universidad de Costa Rica (San Jose, Costa Rica), ao examinar A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração

Referências

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