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2. NOËL CARROLL: FILOSOFIA E CINEMA

2.3. Metodologia e estilo: filosofia analítica

2.3.4. ESTILO

Além da operação de análise conceitual, que costuma recorrer aos dois tipos de procedimentos discutidos, a filosofia analítica também costuma ser reconhecida caracteristicamente por “um estilo mais geral de pensar e escrever” (GLOCK, 2011: p.138, grifo nosso), o qual podemos identificar também nos trabalhos de Noël Carroll.

Este estilo concerne, em partes, a “procedimentos metodológicos” que podem parecer um tanto incomuns, como o “uso de casos enigmáticos e

52 A dedução, neste exemplo, teria ocorrido através do acréscimo, às três premissas de partida, das seguintes proposições: 4) Não é o caso que 1, 2 e 3 sejam simultaneamente verdadeiras; 5) Logo, ou 1, ou 2, ou 3 é falsa; 6) Suponha-se que x seja verdadeira; 7) Então, etc., onde x representa uma das três premissas, e as consequências de sua suposição como verdadeira seriam exploradas ao longo do texto, por Carroll (1999), através da comparação de seus méritos e pontos- fracos contra os das outras teorias.

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experimentos de pensamento”, que têm o “intuito de explorar a extensão precisa de aplicação” de termos ou conceitos em disputa (p.138).

Um exemplo disso pode ser encontrado em A Filosofia do Horror (CARROLL, 1999), onde, ao propor sua teoria do pensamento (thought theory) como explicação ao fato de sermos tocados emocionalmente por ficções, Carroll ilustra o caso com a evocação da emoção de medo que sentimos quando estamos em algum local de grande altura (p.118-119, grifos do autor):

À beira de um precipício, (...) podemos entreter fugazmente o pensamento de cair da borda. Normalmente, isso pode ser acompanhado por um súbito calafrio ou tremor, que é causado, sugiro eu, não pela crença de que estamos a ponto de cair no precipício, mas, sim, por nosso pensamento de cair, que, é claro, consideramos uma perspectiva particularmente desagradável. Não é preciso que seja uma perspectiva que creiamos provável; nossos pés estão firmes, não há ninguém por perto para nos empurrar e não temos nenhuma intenção de pular. (...) [N]ão ficamos assustados pelo acontecimento de nosso pensamento de cair, mas, sim, pelo conteúdo de nosso pensamento de cair – talvez a imagem mental de despencar no espaço.

Esta evocação consiste em um exercício mental ou de rememoração executável pelo leitor. Seu objetivo seria demonstrar que a teoria proposta por Carroll, além de possuir consistência interna, conforma-se com vivências interpessoais comuns53 e, assim sendo, ela teria maior força explicativa que as outras teorias concorrentes, que não o fazem.

Ainda na mesma obra, Carroll (1999: p.115) recorre a um outro caso enigmático/experiência de pensamento, quando nos pede para imaginar que estamos participando de “uma experiência psicológica na qual o que está sendo testado são nossas respostas emocionais” a algumas situações narradas.

Nesta experiência, ser-nos-iam contadas histórias e, sem nos ser dito se elas seriam verdadeiras ou inventadas, ser-nos-ia perguntado como estaríamos

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Noël Carroll (1999: p.123) afirma que esta e outras “experiências de pensamento” que concernem à relação de nossas emoções com obras de ficção são “fatos confirmáveis interpessoalmente”.

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nos sentindo após ouvi-las. Esta experiência de pensamento, segundo Carroll (1999: p.115), se propõe a revelar, novamente, que não é necessário haver uma “crença de existência” para sermos emocionados por ficções. Isto, pois, o responsável pela experiência revelaria a veracidade ou não da história contada somente após termos indicado a emoção que sentíramos ao escutá-la. E, após isso, dificilmente iríamos querer “alterar a resposta” que demos em função de agora conhecermos o estatuto da história. Em outras palavras, esta experiência de pensamento demonstraria que uma história, mesmo inventada (isto é, cujos fatos não cremos como sendo reais), seria perfeitamente capaz de tocar emocionalmente seu leitor/ouvinte.

Além das experiências de pensamento e casos enigmáticos, outra característica que concerne ao estilo mais geral da filosofia analítica, e que pensamos ser reconhecível nos escritos de Noël Carroll, é a clareza, a qual enfatizamos mais de uma vez.

É admitido pelos seus membros, que “a filosofia analítica aspira a uma clareza maior do que o fazem suas rivais” (GLOCK, 2011: p.142), o que pode significar tanto uma clareza de escrita, como uma “clareza de pensamento”, “que envolve distinções conceituais e, em última análise, tem em vista a transparência de argumentos” (p.146, grifo do autor).

Esperamos que a esta altura já tenhamos oferecido indícios suficientes para o reconhecimento desta característica no autor Noël Carroll, o que pode ser visto, quando, por exemplo, Carroll assume o esclarecimento como um objetivo da análise conceitual, ou quando opta por evitar repetições desnecessárias em suas definições (ambos cf. item 2.3.2), propondo-se a apresentar de maneira simples e direta as premissas e proposições principais dos argumentos que examina (Cf. item 2.3.3).

Por fim, conforme o que pudemos ver neste capítulo, em toda a trajetória e produção de Noël Carroll, parece ter havido sempre um diálogo entre a

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por vezes foi carregado de tensão, como em algumas trocas intelectuais que observamos.

A tensão se explicaria, ao menos parcialmente, pela diferença de formação existente entre Carroll e seus interlocutores do campo de estudos de cinema. Muitos deles provavelmente não possuem formação filosófica, ou então desconhecem as especificidades da filosofia analítica.

E, o próprio Carroll adverte que, ao “primeiro contacto do leitor com a filosofia analítica, algumas das suas técnicas, modelos de raciocínio e modos de argumentação podem parecer-lhe estranhos”, sobretudo “se a sua formação de base pertencer às ciências empíricas” (CARROLL, 2010: p.24).

Daí os graus variados de dificuldade de assimilação, confrontação ou relegação ao oblívio que acometem seus escritos.

De nossa parte, esperamos que este capítulo tenha sido suficientemente informativo, visto que aqui adiantamos e contextualizamos o método ou estilo de escrita e pensamento com o qual lidaremos daqui para a frente.

Ademais, contamos com que este capítulo sirva de preparo para que futuramente o leitor possa se engajar ele mesmo, com menor embaraço, com textos de Noël Carroll ou de outros filósofos analíticos.

No capítulo seguinte veremos como este método/estilo filosófico analítico de Noël Carroll orienta sua incursão no domínio do cinema documentário.

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