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Abhinaya : a construção de um corpo narrativo : o elemento expressivo do teatro e da dança na Índia

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Academic year: 2021

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Irani da Cruz Cippiciani

ABHINAYA: a construção de um corpo narrativo

O elemento expressivo do teatro e da dança clássica na Índia

CAMPINAS 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

Irani da Cruz Cippiciani

ABHINAYA: a construção de um corpo narrativo

O elemento expressivo do teatro e da dança clássica na Índia

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção do título de Mestra em Artes da Cena.

Área de Concentração: Teatro, Dança e Performance

Orientadora: Dra. Marília Vieira Soares

CAMPINAS 2014

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RESUMO

Esta dissertação estuda o conceito e a técnica do Abhinaya, elemento expressivo presente nas formas de dança-teatro indianas, investigando suas possíveis contribuições para a formação e treinamento de atores, bailarinos e performers contemporâneos.

Para tanto, inicio este texto estudando o tratado mais relevante sobre o assunto: o

Natyasastra, cuja autoria remonta ao sábio mítico Bharatamuni. Trata-se de uma

compilação produzida entre os séculos II a.C. e II d.C., na qual estão descritas as regras para a criação artística nas mais variadas linguagens, incluindo a linguagem dramática, cujo alicerce é a técnica do Abhinaya. Este é composto por quatro grandes grupos de treinamento: Angika (aspectos corporais), Vachika (aspectos discursivos),

Aharya (aspectos plásticos/visuais) e Saatvika (aspectos psicofísicos).Meu ponto de

partida são os capítulos 6, “The distinction between Sentiment and Emotional Fervour”, e 7, “Exposition on Bhavas (Emotional Tracts and States)”, em que estão descritos os conceitos de Bhava (estados emocionais) e Rasa (sentimento estético), fundamentos da teoria estética hindu e, em decorrência, da referida técnica.

Todas essas informações se unem à experiência pessoal da autora com a técnica, delimitando o tripé que sustenta esta pesquisa: fundamentação teórica, treinamento e produção artística.

PALAVRAS-CHAVE:

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ABSTRACT

This dissertation is dedicated to the study of the concept and technique of Abhinaya, the expressive element present in all dramatic Dance forms of India, by investigating its possible contributions to the formation and training of contemporary actors, dancers and performers. These aspects are classified in four large training groups: Angika (physical aspects), Vachika (discursive aspects), Aharya (plastic/visual aspects) and Saatvika (psychophysical aspects).

Therefore, I start this text studying the most relevant treatise on the subject: the Natyasastra; whose authorship goes back to the mythical sage Bharatamuni. This is a compilation produced between centuries 2 BC and 2 AC, where many of the rules for artistic creation in all the artistic fields are described, mostly about Dance and Drama.

My research focuses on the chapters 6 “The distinction between Sentiment and Emotional Fervour” and 7 “Exposition on Bhavas (emotional tracts and states)”, where the concepts of Bhava (emotional states) and Rasa (aesthetic pleasure) are described, composing the central part of the Hindu Aesthetic Theory.

Such information allies the personal experience of the author with the technique, delimiting the tripod that supports this research: theoretical basis, training and artistic production.

KEY WORDS:

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SUMÁRIO

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES ... XVII ÍNDICE DE TABELAS ... XXI

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO 1 – NATYASASTRA: A CIÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO E DO GESTO ... 7

1.1 – DAS ORIGENS DO DRAMA ... 7

1.2 – O NATYASASTRA E SUA RELEVÂNCIA ARTÍSTICA E HISTÓRICA ... 10

1.3 – O NATYASASTRA E SUAS CONCEPÇÕES ESTÉTICAS: RASA E BHAVA ... 19

1.3.1 – RASA: SENTIMENTO ESTÉTICO e EXPERIÊNCIA IMAGINATIVA ... 20

A foz onde a experiência artística deságua ... 20

1.3.2 – BHAVAS: ESTADOS EMOCIONAIS PERENES OU INTERMITENTES ... 33

A nascente do intérprete ... 33

CAPÍTULO 2 – ABHINAYA: O ELEMENTO EXPRESSIVO DE NATYA ... 39

2.1–ABHINAYADARPANA:OESPELHODOGESTO ... 39

2.2–ABHINAYA:APRESENTAÇÃODOSPRINCIPAISCONCEITOSENOMENCLATURAS ... 40

2.2.1 – ANGIKABHINAYA: ASPECTOS CORPORAIS ... 48

2.2.2 – VACHIKABHINAYA: ASPECTOS DISCURSIVOS ... 53

2.2.3 – SATTVIKABHINAYA: ASPECTOS EXPRESSIVOS ... 56

2.2.4 – AHARYABHINAYA: ASPECTOS EXTERIORES... 63

CAPÍTULO 3 – FORMAÇÃO E TREINAMENTO: A TÉCNICA COMO CAMINHO ... 69

3.1–TREINAMENTOMECÂNICO ... 72

3.1.1 – RESPIRAÇÃO: O COMEÇAR ... 72

3.1.2 – OLHOS, SOBRANCELHAS E PESCOÇO ... 74

3.1.3 – GESTOS DE MÃO... 78

3.1.4 – ADAVUS ... 85

3.2–TREINAMENTOEXPRESSIVO... 87

3.2.1 – NAVARASAS ... 87

3.2.2 – RESPIRAÇÃO, DESENHO, IMPROVISAÇÃO ... 95

3.2.3 – POESIA EM MOVIMENTO, O PODER DA SUGESTÃO ... 103

3.3–GURUSHIYSHIAPARAMPARA:CONECTANDOARTISTASATRAVÉSDOTEMPO ... 121

3.3.1 – O PROBLEMA DA TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO NO ORIENTE: O GURU SHISHYA PARAMPARA ... 122

3.3.2 – A LINHAGEM: EXPERIÊNCIAS E APRENDIZADOS ... 128

CAPÍTULO 4 – PRODUÇÃO ARTÍSTICA: A TÉCNICA COMO ESPETÁCULO ... 139

4.1–FIMDEJOGO:EMBUSCADEUMAEXPRESSIVIDADENÃOREALISTA ... 139

4.2–CONTOSECANTOSDAÍNDIA:CORPO-PALAVRAPARACONTARHISTÓRIAS ... 147

4.3–ORÈYÈYÈO,OXUMTARANGAM:ADANÇAINDIANAEACULTURABRASILEIRA ... 162

CAPÍTULO 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 187

5.1- OABHINAYA:APONTAMENTOS ... 187

5.2–PEDAGOGIATEATRALNOOCIDENTEEINFLUÊNCIASDOORIENTE ... 189

5.2.1 – DESDOBRAMENTOS NO CONTEXTO DAS ARTES CÊNICAS CONTEMPORÂNEAS ... 190

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 197

GLOSSÁRIO ... 201

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xii

ANEXO I:REGISTRO AUDIOVISUAL RELATIVO AO FRAGMENTO DO PROCESSO DESENVOLVIDO NA DISCIPLINA

ARTES CORPORAIS DO ORIENTE I(PED/2013) SOB SUPERVISÃO DA PROFª DRª DANIELA GATTI.TRECHOS DOS ESPETÁCULOS DESCRITOS NO CAPÍTULO QUATRO:“FIM DE JOGO”,“CONTOS E CANTOS DA ÍNDIA” E “ORÈ YÈYÈ

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À todos aqueles que, com seu amor e apoio, adoçam minha vida emprestando significado e beleza à jornada.

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xv

Dias atrás ao saudar o nascer do sol, atirei para o espaço um pensamento. Ainda o avistei voejando nas alturas. Então resolvi trazê-lo de volta e fixá-lo para sempre no papel. Indaguei o espaço e o fiquei chamando, certo de capturá-lo em pleno voo. Mas logo percebi que pensamento capturado

não é mais pensamento. O que aqui lhe envio é apenas a sombra de meu pensamento ao nascer do sol. (TELLES, n/d, apud DEL NERO, 2008, p. 25 de agosto)

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1-VISTA NOTURNA DE UM DOS PÓRTICOS DE ENTRADA DO TEMPLO DE CHIDAMBARAM,TAMIL NADU,

ÍNDIA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 7

FIGURA 2-ENCENAÇÃO DE KATHAKALI DA HISTÓRIA TRADICIONAL SANTANA GOPALA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 13

FIGURA 3-SRINGARA RASA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 24

FIGURA 4-HASYA RASA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL... 25

FIGURA 5-KARUNA RASA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 25

FIGURA 6-RAUDRA RASA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 26

FIGURA 7-VEERA RASA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 26

FIGURA 8-BHAYANAKA RASA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 27

FIGURA 9-BIBHATSA RASA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 27

FIGURA 10-ADBHUTA RASA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 28

FIGURA 11-VISTA DO TEMPLO BAIHAI,NEW DELHI,ÍNDIA. ... 30

FIGURA 12- DARPANA, REPRESENTAÇÃO ESCULTURAL DE FIGURA FEMININA COM ESPELHO.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 39

FIGURA 13-BAILARINA PASSANDO ALTA NOS PÉS, PRONTA PARA APRESENTAÇÃO.FONTE: ARQUIVO PESSOAL.46 FIGURA 14-IMAGEM TRADICIONAL DO DEUS SHIVA NATARAJA,DINASTIA CHOLA, SEC.III-IV A XII. ... 47

FIGURAS 15,16 E 17-EXEMPLOS DE MOVIMENTOS CORPORAIS QUE FORMAM OS ADAVUS NO ESTILO BHARATANATYAM. ... 49

FIGURAS 18,19,20 E 21-ALGUNS DOS DESENHOS QUE REPRODUZEM AS ESCULTURAS DO 108KARANAS.MUSEU DO TEMPLO DE THANJAVUR,TAMIL NADU,ÍNDIA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 53

FIGURA 22-EXEMPLO DE MAQUIAGEM E ORNAMENTAÇÃO TRADICIONAL DO ESTILO BHARATANATYAM.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 65

FIGURA 23-EXEMPLO DE EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO INICIAL.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 74

FIGURAS 24 E 25-EXEMPLOS DE TREINAMENTO PARA OS OLHOS EM GRUPO NUM ESTÁGIO INICIAL DE TREINAMENTO.DESLIZAR DE UM LADO A OUTRO (SACHEE DRUSTI).FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 77

FIGURA 26-EXEMPLO DE TREINAMENTO PARA OS OLHOS, PELO ESPAÇO. PRALOKITA DRUSTI.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 77

FIGURA 27- ALAPADMA, GESTO DE MÃO DO GRUPO DOS SAMIYUTAS HASTAS.QUANDO EXECUTADO DESTA FORMA, SIGNIFICA LÓTUS. ... 79

FIGURA 28- SAMIYUTA HASTA COMPOSTO POR ALAPADMA E KATHAKAMUKHA HASTAS.A BAILARINA PODE ESTAR DIZENDO QUE ALGUÉM PARA QUEM ELA OLHA TEM BELOS OLHOS.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 79

FIGURA 29- ASAMYIUTA HASTAS.FONTE: WWW.ONLINEBHARATANATYAM.IN ... 80

FIGURA 30- SAMYIUTA HASTAS.FONTE: WWW. RASARANG.ORG ... 81

FIGURAS 31,32,33 E 34- ADAVUS SENDO EXECUTADOS COM DIFERENTES POSIÇÕES DE BRAÇOS, PERNAS, TRONCOS E MÃOS.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 86

FIGURA 35- BHAYANAKA RASA.FONTE:ARQUIVO PESSOAL. ... 90

FIGURA 36- KARUNA RASA.FONTE:ARQUIVO PESSOAL. ... 90

FIGURA 37- BIBHATSA RASA.FONTE:ARQUIVO PESSOAL... 91

FIGURA 38- ADBHUTA RASA (SURPRESA).FONTE:ARQUIVO PESSOAL. ... 91

FIGURA 39- HASYA RASA.FONTE:ARQUIVO PESSOAL. ... 92

FIGURA 40-RAUDRA RASA.FONTE:ARQUIVO PESSOAL. ... 92

FIGURA 41-VEERA RASA.FONTE:ARQUIVO PESSOAL. ... 93

FIGURA 42-SRINGARA RASA.FONTE:ARQUIVO PESSOAL. ... 93

FIGURA 43-SHANTA RASA.FONTE:ARQUIVO PESSOAL. ... 94

FIGURAS 44 E 45-PRATICANTES EXPERIMENTANDO CRIAR GESTOS PARA UM TRECHO DE POEMA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 101

FIGURA 46–ESQUEMA DESENVOLVIDO POR UM PARTICIPANTE DA DISCIPLINA ARTES CORPORAIS DO ORIENTE I, A PARTIR DO ESTUDO DE SEU POEMA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 112

FIGURAS 47 E 48-INTÉRPRETE EXPERIMENTANDO A RELAÇÃO ENTRE GESTO, EXPRESSÃO FACIAL E MOVIMENTAÇÃO CORPORAL A PARTIR DO POEMA RETRATO DE CECÍLIA MEIRELES.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 113

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FIGURAS 49,50,51,52,53,54,55,56 E 57-INTÉRPRETE EXERCITANDO UNIR OS GESTOS DE MÃO, AS

EXPRESSÕES FACIAIS E OS PRIMEIROS MOVIMENTOS PELO ESPAÇO A PARTIR DO POEMA LEITURA DE ADÉLIA

PRADO.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 116

FIGURA 58-ALUNO DA DISCIPLINA ARTES CORPORAIS DO ORIENTE I, REALIZANDO IMPROVISAÇÃO A PARTIR DE POEMA EM ESPAÇO ABERTO. ... 119

FIGURAS 59,60 E 61-ALUNOS DA DISCIPLINA ARTES CORPORAIS DO ORIENTE I, REALIZANDO IMPROVISAÇÃO A PARTIR DA EXPERIMENTAÇÃO DOS GESTOS DE MÃO.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 119 FIGURA 62-RODA DE CONVERSA COM PARTICIPANTES DO WORKSHOP DE ABHINAYA REALIZADO NO ESPAÇO

CALDEIRÃO.DISCUSSÃO SOBRE A ESCOLHA DOS POEMAS E COMO ABORDÁ-LOS.FONTE: ARQUIVO PESSOAL.

... 120 FIGURA 63-PARTICIPANTES DO WORKSHOP DE ABHINAYA NO ESPAÇO CALDEIRÃO CONSTRUINDO VARIAÇÕES

PARA AS LINHAS DO POEMA.FONTE: ARQUIVO PESSOAL. ... 120

FIGURAS 64,65 E 66-EXEMPLOS DE UMA CONSTRUÇÃO CORPORAL NÃO REALISTA, CAPAZ DE EXPRESSAR A RIGIDEZ E IMOBILIDADE DOS PERSONAGENS.É POSSÍVEL VER A PROJEÇÃO PARA FRENTE DO EIXO CORPORAL DO PERSONAGEM CLOV E A EXPRESSIVIDADE DAS MÃOS DO PERSONAGEM HAMM.FONTE: ARQUIVO GRUPO

CALDEIRÃO. ... 142 FIGURAS 67,68 E 69-EXPRESSÕES FACIAIS ESTILIZADAS.FONTE: ARQUIVO GRUPO CALDEIRÃO. ... 143

FIGURAS 70 E 71-PRIMEIROS EXPERIMENTOS DE MAQUIAGEM AINDA MUITO REALISTAS.FONTE: ARQUIVO GRUPO

CALDEIRÃO. ... 144

FIGURAS 72 E 73-MAQUIAGEM CONSTRUÍDA A PARTIR DO JOGO DE LUZ E SOMBRA.FONTE: ARQUIVO GRUPO

CALDEIRÃO. ... 145

FIGURA 74-CENOGRAFIA E VESTIMENTAS: OPÇÃO POR CORES FRIAS, TEXTURAS ÁSPERAS, TECIDOS PESADOS E SOBREPOSTOS AMPLIANDO SENSAÇÃO DE IMOBILIDADE, RIGIDEZ E DESCONFORTO.FONTE: ARQUIVO GRUPO

CALDEIRÃO. ... 145 FIGURA 75-ENTRADA DO GRUPO EM CENA CANTANDO MARACATU.APRESENTAÇÃO FEITA NA SEDE DO GRUPO

KOOHTU-P-PATTARAI EM 2007.FONTE: ARQUIVO PESSOAL.FOTÓGRAFO:MOHAN DAS VADAKARA.... 148

FIGURAS 76 E 77-SOLUÇÃO ENCONTRADA PARA REPRESENTAR O PERSONAGEM KRISHNA.PRIMEIRO A TINTA AZUL E, POSTERIORMENTE, A LUVA.O GESTO MAYURA E A PENA DE PAVÃO COMPLEMENTAM O SIGNIFICADO E REMETEM AO PERSONAGEM.FONTE:MOHAN DAS VADAKARA E ARQUIVO GRUPO CALDEIRÃO. ... 151

FIGURAS 78,79,80 E 81-DIFERENTES ATRIZES CONTANDO A MESMA HISTÓRIA.GESTOS CODIFICADOS EM DIÁLOGO COM GESTOS ESPONTÂNEOS.PRIMEIRO,KRISHNA E A CORDA QUE NÃO SE PRENDE.DEPOIS, A CONTADORA CONVERSANDO COM A PLATEIA SOBRE O TEMPERAMENTO DE KRISHNA.NA TERCEIRA FOTO, SUA REPRESENTAÇÃO MAIS TRADICIONAL COM A PENA DE PAVÃO NA CABEÇA E A FLAUTA E, POR ÚLTIMO, A REPRESENTAÇÃO DOS VIZINHOS ZANGADOS.FONTE:MOHAN DAS VADAKARA E ARQUIVO PESSOAL GRUPO

CALDEIRÃO. ... 154

FIGURA 82-FINAL DO GESTO DE RETORCER QUE CARACTERIZA O TEMPERAMENTO TORPE DO PERSONAGEM

BASMASURA.O GESTO COMEÇA COM AS MÃOS EM ALAPADMA SE RETORCENDO COMO UMA FLOR MURCHA E

SEM VIDA, PARA ENTÃO TERMINAR COMO UM NÓ NO CENTRO DO PEITO.FONTE: ARQUIVO GRUPO CALDEIRÃO. ... 155 FIGURAS 83 E 84-REPRESENTAÇÃO DE SHIVA NATARAJA NO CONTO A DANÇA DE MOHINI.FONTE:MOHAN DAS

VADAKARA E ARQUIVO PESSOAL GRUPO CALDEIRÃO. ... 157

FIGURAS 85 E 86-REPRESENTAÇÃO DE MOHINI.FONTE:MOHAN DAS VADAKARA E ARQUIVO PESSOAL GRUPO

CALDEIRÃO. ... 158

FIGURAS 87 E 88-REPRESENTAÇÕES DO DEMÔNIO BASMASURA COM DEDO EM RISTE PROCURANDO SUA PRIMEIRA VÍTIMA. FONTE:MOHAN DAS VADAKARA E ARQUIVO PESSOAL GRUPO CALDEIRÃO. ... 158

FIGURAS 89,90,91 E 92-HIRANYAKASHIPU, O MENINO PRAHALADA, O DEUS NARAYANA COMO NARASIMHA E

LILAVATHI, A MÃE DE PRAHRALADA.FONTE: ARQUIVO GRUPO CALDEIRÃO. ... 160

FIGURAS 93 E 94-EXECUÇÃO DO TARANGAM SOBRE UM PRATO DE LATÃO E COM UM POTE DE ÁGUA NA CABEÇA.

FONTE: ARQUIVO NÚCLEO PREMA. ... 166

FIGURAS 95 E 96-ENSAIO DE TALA E MÚSICA COM MINHA GURU MAYA VINAYAN.FONTE: ARQUIVO NÚCLEO

PREMA. ... 167 FIGURAS 97,98 E 99-ENSAIO DE TALA E MÚSICA COM MINHA GURU MAYA VINAYAN E O MÚSICO PERCUSSIONISTA

K.S.KUMAR.FONTE: ARQUIVO NÚCLEO PREMA. ... 169

FIGURAS 100 E 101-GRAVAÇÃO DA MÚSICA EM ESTÚDIO COM OS MÚSICOS.FONTE: ARQUIVO NÚCLEO PREMA. ... 171

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FIGURAS 102 E 103-ENSAIO GERAL E CONVERSA SOBRE O ESPETÁCULO COM OS RENOMADOS GURUS V. P.DHANANJAYAN E SHANTA DHANANJAYAN.FONTE: ARQUIVO NÚCLEO PREMA. ... 174

FIGURAS 104,105,106,107 E 108-LOCAL DA ESTREIA NA ÍNDIA – CHANDRALEKHA´S SPACE.FONTE: ARQUIVO NÚCLEO PREMA... 176 FIGURA 109-CARTAZ DE DIVULGAÇÃO DA ESTREIA.FONTE: ARQUIVO NÚCLEO PREMA. ... 177

FIGURAS 110,111 E 112-FOTOS DA ESTREIA NO BRASIL.FONTE: ARQUIVO NÚCLEO PREMA. ... 179

FIGURAS 113,114,115,116 E 117-APRESENTAÇÃO DO ESPETÁCULO NUM TERREIRO EM ITAPECERICA DA

SERRA/SP.FONTE: ARQUIVO NÚCLEO PREMA. ... 182 FIGURAS 118 E 119-GURU SRIMATHI MAYA VINAYAN DA TRIVENI SCHOOL OF CLASSICAL DANCES,CHENNAI,

TAMIL NADU.EXPOENTE DE BHARATANATYAM, KUCHIPUDI E MOHINIYATTAM.FOTOS: ARQUIVO PESSOAL.129

FIGURAS 120 E 121- SUCHI HASTA PARA APONTAR A LUA E ARTHACHANDRA HASTA PARA REPRESENTAR A LUA. FOTO: ARQUIVO PESSOAL. ... 195

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ÍNDICE DE TABELAS

QUADRO1-ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE NATYA. ... 15

QUADRO2-ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE KAISIKI. ... 15

QUADRO3- RASAS SEGUNDO BHARATAMUNI. ... 22

QUADRO4-CORRESPONDÊNCIA ENTRE RASAS, CORES E DEIDADES. ... 22

QUADROS5,6,7,8,9,10,11 E 12-DESCRIÇÃO DETALHADA DOS OITO RASAS E SEUS RESPECTIVOS BHAVAS. ... 28

QUADRO13-CORRESPONDÊNCIA ENTRE STHAYIBHAVAS OU BHAVAS DOMINASTES E RASAS. ... 35

QUADRO14-NOMENCLATURA E QUANTIDADE DE MOVIMENTOS POSSÍVEIS DOS MEMBROS DO CORPO. ... 50

QUADRO15-NOMENCLATURA E QUANTIDADE DE MOVIMENTOS POSSÍVEIS PARA A FACE E MÃOS. ... 51

QUADRO16-NOMENCLATURA E TIPOS DE POSTURAS CORPORAIS. ... 52

QUADRO17-OS OITO ESTADOS PSICOFÍSICOS. ... 59

QUADRO18-AS VARIAÇÕES DE COLORAÇÃO FACIAL. ... 60

QUADRO19-ATRIBUTOS DAS PERSONAGENS FEMININAS... 61

QUADRO20-TIPOLOGIA DAS PERSONAGENS FEMININAS. ... 62

QUADRO21-ATRIBUTOS DOS PERSONAGENS MASCULINOS. ... 63

QUADRO22-OS ASPECTOS EXTERIORES DA ENCENAÇÃO. ... 64

QUADRO23-TIPOS DE AUDITÓRIOS. ... 66

QUADRO24-MEDIDAS DAS CASAS TEATRAIS. ... 67

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INTRODUÇÃO

Na Índia, a mesma palavra é usada para descrever tanto o teatro quanto a dança, não sendo possível separá-los totalmente, ainda que cada manifestação artística os agregue em proporções diferentes. Para ajudar os artistas na classificação de sua arte, a cultura clássica hindu desenvolveu uma terminologia própria, que norteia e unifica as diversas correntes artísticas por todo o território. São elas: Natya (teatro); Nritta (dança pura) e Nrittya (dança dramática).

As danças clássicas indianas absorveram tanto o conceito de Nritta quanto de

Nrittya e se espalharam por toda a Índia, criando diferentes “sabores” para o prato

nacional, temperado em cada região de acordo com o gosto das pessoas que lá viviam. Assim nasceram o Bharatanatyam, o Kuchipudi, o Mohiniyattam, o Odissi, o Kathak, o

Manipuri, o Sattrya e o Kathakali.

A linhagem das danças dramáticas na Índia é tão variada quanto complexa e envolve uma série de preceitos e regras de criação que justificam tamanha riqueza e pluralidade. Cada estilo citado é um universo expressivo a ser verticalizado, com muitas nuances, similaridades e discrepâncias. O que é comum a todos os estilos é o conceito de Abhinaya, identificado como o ato de representar, levar adiante uma ideia, que permeia a formação dos atores-bailarinos e direciona seus processos de criação de modo detalhado e preciso. O Abhinaya é, portanto, o conceito e a técnica de representação que sustenta a tradição das danças dramáticas na Índia.

O impulso inicial desta pesquisa nasce da imensa paixão que tenho pela cultura indiana em toda sua complexidade e extensão e pela influência que ela exerceu principalmente na formação da atriz e bailarina que sou. Acredito que essa experiência possa ser compartilhada com outros artistas em favor do enriquecimento de seus processos de treinamento e produção artística, sem a pretensão de criar modelos ou manuais de exercícios que possam ser seguidos. O que interessa é despertar a atenção para as possibilidades expressivas inerentes à técnica apresentada, deixando ao leitor cuidadoso a responsabilidade de transpô-la ao seu universo corporal, poético, imagético, sensível e expressivo.

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Entendo por corpo narrativo a capacidade do artista de comunicar-se utilizando todas as suas faculdades físicas, mentais e emocionais na construção de uma cena dramática, com ou sem o uso de palavras. Por isso, acredito que o Abhinaya possa interessar igualmente a bailarinos e atores e, mais especialmente, àqueles que transitam entre esses dois universos na busca de uma reaproximação entre essas esferas de criação.

Não é de hoje que o Oriente exerce grande fascínio sobre os artistas ocidentais. No entanto, por muito tempo suas formas artísticas, principalmente as dramáticas, foram vistas como manifestações excêntricas, exóticas ou simplesmente estranhas demais para os padrões ocidentais1.

Para se compreender as formas artísticas tradicionais do Oriente é necessário antes compreender seus rígidos, complexos e codificados padrões estéticos, fundamentados em tradições milenares que ultrapassam o próprio objeto artístico, criando formas de arte extremamente refinadas e construídas sob anos de dedicação e disciplina física, mental e espiritual. Acredito que é somente por meio dessa percepção, que se pode fazer uso real de seus conhecimentos em favor dos treinamentos e espetáculos no campo das artes cênicas.

Nesta dissertação, estuda-se o conceito e a técnica do Abhinaya, investigando suas possíveis contribuições para a formação, treinamento e produção de espetáculos dos artistas da cena contemporâneos, quando transposto para fora de seu contexto original, somando-se a outras referências e repertórios.

Abhi da raiz sânscrita quer dizer ‘adiante’ e nii quer dizer ‘guiar, levar’, ou seja,

‘levar a audiência a experiência estética que Rasa propicia’ e é dividido em quatro grupos que abrangem todo o processo de criação cênica: Angika (significado obtido por meio dos movimentos corporais), Vachika (significado obtido por meio da palavra),

Aharya (significado obtido pelos elementos complementares à atuação, como

vestimentas, maquiagem, cenografia e adereços) e Sattvika (significado obtido por meio da percepção e ampliação dos estados mentais e sentimentos). Cada grupo envolve uma série de ações, procedimentos, regras que, compreendidas e aplicadas, se

1 Ver a este respeito em: SAID, 2007. O texto analisa de forma crítica e pertinente a visão ocidental do

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3

encarregarão de trazer à superfície da encenação a riqueza interior dos artistas e dos personagens que eles representam.

Abhinaya é a arte da revelação por meio da sugestão. Nesse processo, o

ator-bailarino conta uma história, alternando momentos de atuação e narração, num jogo dialético e dinâmico, que exigirá muito de suas faculdades. Parte do segredo dessa técnica consiste em compreender exatamente o que deve ser mostrado, o que deve ser apenas sugerido e o que deve permanecer no campo do mistério, para que o próprio espectador o desvende com sua luz. Do ponto de vista técnico, o Abhinaya demanda muitos anos de estudo e experimentação porque necessita não só do domínio corporal, mas de um profundo conhecimento da natureza interior do artista, bem como de sua humanidade.

Nós, artistas da cena, estamos sempre interessados em novas técnicas que possam auxiliar em nossos treinamentos e processos de criação. Infelizmente, não dispomos no Brasil de escolas e centros de formação e pesquisa em número suficiente para suprir tal demanda, o que torna nosso processo de formação descontínuo e, por vezes, deficitário e supérfluo.

Em contrapartida, no Oriente como um todo, mas especialmente na Índia, escolas e centros de formação e pesquisa estão por toda parte, nas mais diferentes especialidades do fazer artístico. Portanto, é comum que um artista passe muitos anos, as vezes toda uma vida, dentro desses espaços de ensino, aperfeiçoando sua arte sob a tutela de um mestre experiente até que ele próprio venha a se tornar mestre.

E é exatamente esse processo de formação contínuo, teórico-prático, que permite o surgimento de uma base de criação orgânica, absoluta e bem testada (BARBA, 1995, p. 8), servindo de apoio e orientação para os artistas e lhes dando liberdade e segurança para executar suas funções de forma consciente, controlada e clara.

É recorrente o interesse de artistas de todo o mundo em estudar as possíveis contribuições que as formas de arte e treinamento orientais podem fornecer aos artistas ocidentais e o que pode nascer desse encontro que seja novo e significativo para ambos. Nomes como E. Barba, P. Brook, B. Brecht, A. Artaud, J. Grotowski, entre

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4

tantos outros que, em algum momento de suas pesquisas, se voltaram para as formas artísticas do Oriente, oferecem referências substancias ao meu trabalho artístico.

A pesquisa realizada para esta dissertação foi gestada em anos de experiência pessoal com a técnica do Abhinaya, atuando como atriz, preparadora corporal, bailarina e professora de danças clássicas indianas. Desde o ano 2000, venho desenvolvendo sistematicamente junto aos atores-bailarinos do Grupo Caldeirão, com o qual trabalho há vinte anos, uma linha de pesquisa corporal baseada em tais princípios. Os resultados dessas ações podem ser vistos nos espetáculos produzidos pela companhia entre 2000 e 2011 e são exemplos concretos de como a técnica do Abhinaya pode ser assimilada e utilizada por artistas ocidentais, fora de seu contexto original.

Os espetáculos nos quais a técnica foi empregada pela companhia são: Fim de

Jogo, de Samuel Beckett (2001); Histórias que o mundo conta (2002); Contos e Cantos da Índia (2007) e Lorca em Ouro e Prata (2007-2011). Em dois deles, a técnica foi

utilizada apenas no processo de preparação do elenco e, em outros dois, a técnica foi empregada diretamente na cena.

Em 2007, criei junto ao Grupo Caldeirão o Núcleo Prema, voltado para pesquisa e intercâmbio entre as culturas brasileira e indiana. Esse núcleo de investigação prática e teórica oferece uma série de atividades aos interessados que vão de vivências curtas e cursos permanentes a palestras e apresentações.

Em 2013, com suporte do Ministério da Cultura do Brasil, viajei para a Índia, onde pude aprofundar meus estudos sobre o tema desta pesquisa e produzir o espetáculo de dança Orè Yèyè O, Oxum Taragam, cuja proposta consiste no diálogo entre a técnica da dança clássica indiana e a cultura afro-brasileira, em especial, os mitos de Oxum. Trata-se de uma proposta ainda inédita no Brasil e que aponta para um dos desdobramentos práticos possíveis desta pesquisa no campo da dança.

As atividades desenvolvidas na Índia junto à Triveni School Of Classical Dances, que deram origem ao espetáculo, constituem material fundante para a escrita desta dissertação, visto que contextualizam, exemplificam e validam a aplicabilidade da técnica do Abhinaya na formação dos artistas da cena e na produção de espetáculos.

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Ainda em 2013, sob a orientação da Profª Drª Daniela Gatti, ministrei a disciplina

Artes Corporais do Oriente I para os alunos de graduação em dança da Unicamp, como

bolsista do Programa de Estágio Docente. Essa experiência também foi de grande valia para a organização da escrita desta dissertação, oferecendo subsídios concretos para validar a aplicabilidade da técnica com outros artistas que não tenham, necessariamente, formação prévia em nenhuma modalidade de dança clássica indiana.

Esta dissertação inclui uma ampla fundamentação teórica em seus dois primeiros capítulos para que todos tenham acesso ao arcabouço conceitual que estrutura as diversas manifestações cênicas indianas. A maior parte destes conteúdos não pode ser encontrada em língua portuguesa, daí a opção rigorosa por manter as nomenclaturas originais em sânscrito e não me limitar à exposição superficial dos conceitos. A relevância dos conteúdos e a ínfima bibliografia em português, sem dúvida, justificarão as possíveis dificuldades encontradas diante de tantos termos estrangeiros. Pensando no leitor, um glossário foi criado com a função de minimizar essas dificuldades e fazer fluir a leitura.

Todo esse manancial de informação, no entanto, precisa ser encarado como um guia de referência que estabelece diretrizes e dá suporte ao desenvolvimento de práticas muito diversas no universo das próprias danças dramáticas e dos diferentes tipos de teatro tradicional.

Seria uma redução tentar encontrar, em suas linhas, parâmetros definitivos, que acabariam por nivelar todas essas manifestações culturais a um único modelo esquemático de treinamento e representação. É certo que há muitos elementos conceituais, técnicos, didáticos e metodológicos comuns nas tradições dramáticas indianas que, no entanto, levam a resultantes estéticas bastante variadas, o que nos leva a crer que há algo na abordagem desse material extremamente subjetivo e intimamente ligado à região onde determinada forma de arte dramática nasce, suas características geográficas, climáticas, religiosas, linguísticas etc.

Aos capítulos teóricos, seguem-se dois capítulos em que discorro sobre minhas experiências com a técnica ao longo dos últimos quinze anos, atuando como atriz, bailarina ou preparadora corporal, seja nos processos de treinamento ou na criação de

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espetáculos. A função destes capítulos é oferecer exemplos que auxiliem na compreensão dos conceitos apresentados anteriormente, de modo a esclarecer como a teoria fundamenta a prática, seja na aplicação tradicional da técnica ou em releituras.

Aproveito também para discorrer sobre o Guru Shishya Parampara, a relação mestre-discípulo que é o sustentáculo de toda tradição dramática na Índia e esteio desta pesquisa.

A tradição, corporificada na relação mestre-discípulo, é apresentada não como uma doutrina rígida e imutável, mas como um organismo vivo, em constante transformação, a partir de parâmetros muito precisos. Não há nisso nenhum paradoxo ou mistério. Quando as bases de criação estão devidamente absorvidas e incorporadas, quando o intérprete não está mais preocupado em saber onde está o seu pé e o que fazer com suas mãos, então ele estará livre para saborear a experiência artística em sua completude, num nível mais profundo, se quisermos, espiritual.

O rigor formal e ético proposto pelo Guru Shishya Parampara não é encarado como limitação ao gênio criativo do intérprete, mas como veículo ou, se preferirmos, caminho para o desenvolvimento de uma forma de expressão verdadeiramente genuína e comprometida com os valores éticos que sustentam a tradição.

Nas considerações finais, procuro refletir sobre o estágio de desenvolvimento da pesquisa até este momento, os apontamentos futuros e seus desdobramentos. Aproveito também para traçar paralelos entre as experiências orientais de transmissão de conhecimento e as experiências ocidentais, no campo da pedagogia teatral, como um vislumbre de algo que possamos chamar de Tradição no Ocidente.

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CAPÍTULO 1 – NATYASASTRA: A CIÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO E

DO GESTO

1.1 – DAS ORIGENS DO DRAMA2

Figura 1 - Vista noturna de um dos pórticos de entrada do templo de Chidambaram, Tamil Nadu, Índia. Fonte: arquivo pessoal.

Após a Idade do Ouro e a Idade da Prata, veio a Idade do Cobre, quando os seres humanos tornaram-se vítimas da luxúria e da mesquinharia, engajados em rituais grotescos, oprimidos pelo ciúme e pela desilusão, experimentando igualmente a felicidade e a miséria.

Nesse tempo, todas as deidades estabelecidas solicitaram ao grande Deus Brahma a criação de um passatempo que fosse ao mesmo tempo visível, audível e acessível a todo tipo de audiência. Uma forma de entretenimento que pudesse educar e civilizar as classes mais baixas, pois, ao serem excluídas de todo conhecimento e sabedoria, tornavam-se violentas e agressivas. Neste tempo, a sabedoria dos Vedas3

não era acessível a todas as castas, especialmente as mais baixas.

2 Narrativa livremente adaptada pela autora a partir do primeiro capítulo da obra Natyasastra, The Origin of Drama (BHARATAMUNI, 1986).

3 Os Vedas são as quatro escrituras sagradas hindus. Nelas estão descritos os complexos e elaborados

rituais védicos, centrados na adoração dos elementos naturais e personificados na figura de deuses, tais quais: Indra (Deus dos Céus), Vaiyu (Deus das Águas), Varuna (Deus dos Ventos) e Agni (Deus do Fogo). Nos quatro Vedas: Rig, Yajur, Sama e Atharva, estão contidos todos os conhecimentos filosóficos e espirituais que conduzem ao processo de autorrealização (ZIMMER, 1986).

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Brahma concordou com o pedido e, a partir de informações recolhidas dos quatro

Vedas (Rig, Atharva, Sama e Yajur), criou um quinto Veda ao qual chamou Natyaveda.

Brahma disse:

– Esse Veda deverá conduzir aos princípios da Verdade e da Virtude, da Prosperidade e do Sucesso. Deverá conter princípios didáticos e servir de guia para as atividades humanas e suas futuras gerações, demonstrando as várias modalidades teatrais e artesanais. Do Rigveda extrairei o discurso; do Samaveda a música; do

Yajurveda a ciência do gesto e da atuação (Abhinaya); e do Atharvaveda, os

sentimentos (Rasas).

Então Brahma chamou Bharatamuni e pediu que esse conhecimento fosse transmitido a seres de alma nobre e elevada, que fossem capazes, perspicazes, maduros e infatigáveis. Ouvindo suas palavras, Bharatamuni replicou que os deuses não estavam aptos a obter tal conhecimento porque eram incapazes de receber, conter e compreender a amplitude desse tratado e pô-lo em prática. Então Brahma determinou que o próprio Bharatamuni ficasse responsável por essa tarefa.

Assim, ele aprendeu diretamente de Brahma todo o conhecimento contido no

Natyaveda e o transmitiu aos seus 100 filhos, dando-lhe a correta aplicação. Sua

intenção era ver como os seres humanos podiam ser beneficiados por esse conhecimento e, assim, cada filho engajou-se na tarefa que lhe parecia mais interessante.

Bharatamuni concentrou-se nos aspectos principais da encenação teatral: Vrttis (os estilos dramáticos), Sattvati (a concepção mental), Bharathi (o discurso verbal) e

Arabathi (o discurso corporal). Brahma sugeriu a ele que acrescentasse um quinto

elemento: Kaisiki (charme e graça). E disse: “Para desenvolver Kaisiki necessitamos de

Angaharas (gesticulação suave dos membros); Rasa (sentimento corretamente

aplicado); Bhavas (estados emocionais claros) e Kriya (atividade física)”. (BHARATAMUNI, 1986, cap. I, vs. 45-46, tradução livre).

Após dizer essas palavras, Brahma concluiu que nenhum homem ou mulher no mundo estava apto a desenvolver tal ciência e criou uma classe de seres celestiais capazes de ensinar aos homens tal arte: as Apsaras e os Ghandharvas.

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Quando tudo estava devidamente compreendido, chegou a ocasião da performance no grande Festival de Mahendra (a vitória do Deus Indra contra os demônios). No entanto, no dia da apresentação, os Vighnas (espíritos malignos), usando seus poderes, fizeram com que os atores se esquecessem de seus textos e movimentos e ficassem completamente desconfortáveis no palco, gerando grande sentimento de aflição.

Vendo o sofrimento dos atores e percebendo a situação, Indra aniquilou uma série de Vighnas, o que só serviu para aumentar a ira desses contra os atores e a encenação teatral. Não podendo mais suportar aquela situação, Bharatamuni foi até Brahma pedir uma solução para o problema. Então Brahma disse:

– Chame Visvankarmam (o arquiteto celestial) e diga a ele que construa uma casa teatral cercada de todos os preceitos védicos para manter afastados os maus espíritos. Esse teatro deverá ser protegido em todas as suas partes.

Ainda assim, os Vighnas continuavam a perturbar as apresentações. Inquiridos por Brahma, eles disseram:

– Queremos uma forma de arte na qual nós também estejamos representados, com a qual possamos nos identificar. Não gostamos dessas histórias falando só sobre os deuses e os seres celestiais.

Ouvindo tais palavras Brahma determinou:

 A arte teatral representará todos os seres presentes em todos os mundos.  Deverá conter referências a sentimentos como piedade, prosperidade, paz,

humor, guerra, matança e cenas eróticas.

 Deverá conduzir ao caminho da virtude os que trabalharem duro.

 Deverá conduzir aos caminhos do amor e civilizar nossa natureza animal, encorajando o autocontrole por meio da disciplina, fazendo forte o fraco.

 Deverá trazer luz aos pobres de intelecto e engrandecer as almas nobres, ampliando-lhes a sabedoria.

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 Deverá conter imitações de ações, de condutas humanas de diferentes tipos e situações cômicas e trágicas. Nenhum ser deverá se ofender com esse tipo de imitação porque ela é a base da arte dramática nos sete continentes.

 Toda peça deverá conter um agente educacional ampliando os aspectos Bhava,

Kriya e Rasa.

 Deverá conduzir as pessoas que padecem de aflições mentais à aquisição de uma vida longa e plena por meio do aprendizado da conduta correta.

 Deverá conter todos os ramos do conhecimento.

 O propósito maior da arte é eliminar o sofrimento causado pelos conflitos próprios da natureza humana.

 As pessoas que visitam os teatros não podem ter preconceitos de espécie alguma. Devem possuir elevado senso estético, estando aptos a absorver os conhecimentos transmitidos pela performance.

Estas foram as palavras de Brahma quanto à arte da encenação teatral.

1.2 – O NATYASASTRA E SUA RELEVÂNCIA ARTÍSTICA E HISTÓRICA

Não há conhecimento, aprendizado, arte ou habilidade, que sejam ignorados ou omitidos em Natya4

(BHARATAMUNI, 1986, cap. I, vs 116, tradução livre).

O Natyasastra, grande tratado da arte dramática hindu, escrito em sânscrito, é um dos mais antigos textos sobre a ciência da representação e do gesto na história da humanidade, cujo conteúdo apresenta informações relevantes à compreensão do surgimento e o propósito da arte teatral. Sua práxis (prayoga) apresenta, em seus mais de trinta capítulos, uma coerência estética e filosófica surpreendentes, condensadas nos conceitos de Rasa e Bhava, alicerces da arte dramática na Índia. Para confirmar essa prerrogativa apresento a própria afirmação de Bharatamuni:

4 No original: “No wise utterance, no means to achieve learning, no art or craft and no useful device is omitted or ignored in it” (BHARATAMUNI, 1986, cap. I, vs 116).

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Assim como as pessoas versadas em culinária desfrutam do consumo de várias especiarias que dão sabor aos seus pratos, assim também os homens desfrutam de Bhava por meio da ciência da gesticulação. Por isso, ela recebe o nome de Natya Rasa5 (BHARATAMUNI, 1986, cap. 6, vs. 32-33, tradução livre).

Acredita-se que o Natyasastra seja resultado de uma compilação de vários escritos produzidos entre os séculos II a.C e II d.C, por diversos pensadores da arte da encenação, representados na figura ancestral e mitológica de Bharatamuni.

A palavra Bharata remete ao nome original da Índia. Já a palavra Muni quer dizer sábio, culto. Assim, Bharatamuni, mais do que representar um nome ou um ser histórico, significa “a sabedoria da Terra de Bharata”, registrada em um complexo tratado de artes. Tal discussão foi realizada por alguns estudiosos da obra Natyasastra, conforme exemplifico nas citações a seguir.

Idêntica incerteza envolve seu autor, Bharata. Seria inútil procurar por detrás desse nome, que sugere relações simbólicas com algumas divindades, uma individualidade sobre a qual pudéssemos ter um conhecimento histórico. Bharata não é mais que um sábio mítico a quem os deuses ordenaram que criasse o teatro (SCHERER, 1996, p. 31).

Há muitos historiadores que afirmam que Bharatamuni é uma figura composta; o Natyasastra com sua coleção de textos emprestados e voltados a uma multiplicidade de diferentes artes e disciplinas, eles argumentam, que não pode ser o resultado do trabalho de um único indivíduo. O trabalho é resultado, em sua opinião, de uma compilação, como muitos outros textos antigos da Índia6

(LATH, 2007, p. 127, tradução livre).

O Natyasastra também é conhecido como Natyaveda. A palavra Veda quer dizer conhecimento, mas, mais do que isso, destaca-se por seu caráter sagrado e religioso, visto tratar-se de uma compilação de conhecimentos muito antigos, presentes nos quatro Vedas (escrituras sagradas), escritos por volta de 1.500 a.C. Sendo considerado

5 No original: “Just as the people conversant with foodstuffs and consuming articles of food consisting of various things and many spices enjoy their taste, so as the learned men enjoy the Sthayi Bhavas in combination with gesticulations of Bhavas, mentally. Hence they are remembered as Natya Rasas”

(BHARATAMUNI, 1986, cap. 6, vs. 32-33).

6 No original: “There are many historians who would like to assert that Bharata himself is a composite figure; the Natyasastra with its collection of borrowed texts devoted to a multiplicity of different arts and disciplines, they argue, cannot be the work of an individual. The work is, in their opinion, like many other ancient Indian texts, a compilation” (LATH, 2007, p. 127).

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um texto sagrado, o Natyasastra estava acima de questionamentos mundanos. Assim como os demais Vedas, devia ter seus preceitos obedecidos rigidamente. Esse é o contexto religioso que assegura o florescimento do Natysastra e o legitima. Natya é um veículo para a compreensão da verdade. Da experiência estética que ele proporciona, nasce uma compreensão holística do universo.

O Natyasastra representa para as artes clássicas da Índia, aquilo que a Poética, de Aristóteles, representa para as artes cênicas ocidentais. Ambos são produtos do apogeu da cultura de seu tempo e denotam o grau de refinamento cultural, artístico, estético e ético de suas sociedades. Segundo Bharatamuni:

O teatro que eu inventei é uma imitação das ações e das condutas dos homens. É rico em emoções variadas, e descreve diferentes situações. As ações dos homens que ele relata são boas, más ou indiferentes. Ele dá coragem, divertimento, felicidade e conselhos a todos. (...) Não há máxima sabedoria, ciência, arte ou ofício, procedimento, ação que não se encontre no teatro. É por isso que imaginei um teatro em que se reúnam todas as províncias do saber, as artes e as ações mais variadas. A imitação do mundo é a regra do teatro (BHARATAMUNI apud SCHERER, 1996, p. 37).

Nele, encontram-se questões cruciais da arte da encenação serem discutidas a partir de um sistema de perguntas e respostas:

 Como Natya foi criado por Brahma?

 Para quem Natya foi criado? E quem está apto a realizá-lo?  Quais são os elementos de Natya?

 Qual sua abrangência e extensão?  Quais seus objetivos?

 O sentimento estético é uma questão de experiência ou um modo de apreensão cognitiva?

 De que modo mito e história se relacionam no desenvolvimento da narrativa teatral?

Quais são os elementos fundamentais da performance dramática em todos os tempos/lugares?

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Figura 2 - Encenação de Kathakali da história tradicional Santana Gopala. Fonte: arquivo pessoal. A palavra Natya designa, ao mesmo tempo, dança, representação, mímica acompanhada de música ou drama cantado. A palavra Sastra quer dizer tratado, doutrina, regra ou narrativa mítica. Assim, Natyasastra pode ser traduzida por “Tratado da Arte da Representação”, sem distinção entre dança e drama, cujo objetivo é representar a vida por meio da recriação de seus elementos, o que implica no desenvolvimento de uma prática que sistematize a criação cênica de modo disciplinado, consciente e estilizado, para atingir os objetivos da arte teatral.

Natya não é uma imitação literal da realidade, nem segue regras naturalistas de

composição. Natya é, antes de tudo, uma apreensão perceptível do real, recriada pela sensibilidade do artista, a partir de um arcabouço teórico-prático. Conforme o filósofo e historiador indiano Coomaraswamy comenta na introdução de outro tratado sobre artes,

Abhinaya Darpana:

As peças indianas são composições em que o ritmo e os elementos líricos predominam e à ação é dado um escopo menor. (...) O prazer estético mais elevado não é possível sem que se dê o maior espaço possível à imaginação e não se insista no realismo7 (COOMARASWAMY, 2006, p.5, tradução livre).

7 No original: “Indian plays are compositions in which rhythm and lyrical elements preponderate, and action is allotted a minor scope. (…) the highest aesthetic enjoyment is not possible without giving the greatest possible scope to imagination, and does not insist on realism” (COOMARASWAMY, 2006, p.5).

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O Natyasastra não propõe um discurso moralizante, embora, em seu bojo, possa ser altamente instrutivo. Seu objetivo maior é apresentar, sem juízo de valor, os aspectos atrativos e repulsivos da existência, assumindo o risco de, eventualmente, os aspectos negativos tornarem-se mais atrativos para a audiência que os aspectos positivos (como temia Platão).

O teatro clássico hindu, ao contrário do teatro clássico grego, não se destina a representar homens e ações superiores. Ele se destina a representar a natureza humana em sua amplitude, apostando no discernimento humano para escolher entre uma conduta boa ou má e arcar com as consequências de suas escolhas (o que se relaciona com o conceito hinduísta de Karma).

A audiência reconhece o caráter ficcional de Natya e o ator como instrumento, veículo ou portador de uma história que será passada adiante. Não há qualquer intenção de se criar uma ideia de ilusionismo teatral e a forma mais evidente de se atestar isso é observar os elevados graus de estilização no corpo do ator e nas soluções cênicas apresentadas. Tudo remete ao caráter supranatural da experiência cênica. A realidade do palco é uma realidade ampliada e transformada propositalmente.

Portanto, não devemos considerar contraditório o fato de Bharatamuni dizer que “a imitação de condutas humanas repletas de fervor emocional, representando situações variadas é o ponto mais importante do drama criado por mim”8 (BHARATAMUNI, 1986, cap. I, vs.111-112, tradução livre). A imitação a que ele se refere não é uma cópia do mundo como ele se apresenta, mas sua recriação a partir da experiência teatral, valendo-se de elementos amplificadores dessa realidade que são, por natureza, artificiais, codificados e estilizados.

Assim, podemos concluir que para Bharatamuni o teatro deve colocar sobre a vida uma lupa, que acabará por revelar espectros e nuances que a experiência cotidiana não alcança, sem, contudo, afastar-se dela a tal ponto que já não seja mais possível para a audiência encontrar pontos de comunicação entre a experiência estética e suas próprias experiências. Partindo dessa constatação, torna-se mais fácil compreender o

8 No original: “Imitation of the conduct of the people full of emotional fervour while depicting different situations is the main item in the type of drama evolved by me” (BHARATAMUNI, 1986, cap. I,

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porquê dos altos graus de estilização e codificação desenvolvidos pelas artes cênicas hindus.

Seus elementos constitutivos são:

VRTTIS: Gêneros Dramáticos Dança, Teatro, Dança-Teatro

SATTVATI: Concepção Mental

(O Majestoso)

Sustentáculo conceitual da encenação

BHARATHI: Discurso Verbal

(O Eloquente)

Inclui não apenas o uso das palavras, mas da música e seus elementos constitutivos

ARABATHI: Discurso Corporal

(O Energético)

Modos de utilização corporal para obter diferentes padrões de movimento e

construções estéticas

KAISIKI: Charme e Graça

(O Gracioso)

A graça que camufla o esforço do artista e coloca o foco sobre a ação executada e não

sobre o executor QUADRO 1 - Elementos constitutivos de Natya.

Kaisiki, o último elemento constitutivo de Natya, acrescentado por Brahma, pode

ser obtido por meio de:

ANGAHARAS Gesticulação dos membros criando diferentes

posturas no espaço-tempo

RASA Sentimento Estético

BHAVA Estado Emocional

KRIYA Atividade Física

(Abhinaya) QUADRO 2 - Elementos constitutivos de Kaisiki.

Por meio de Kaisiki é que se manifestarão os aspectos mais importantes de Natya, aquilo que efetivamente o difere de outras formas de arte ou práticas corporais, como as artes marciais, por exemplo.

No Natyasastra estão contidas todas as diretrizes para a criação cênica, englobando os aspectos Vicara (teóricos), Acara (práticos) e Jnana (experiência)

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partindo da construção do edifício teatral e dos rituais que precedem a encenação, até chegar aos elementos constitutivos de Natya, com ênfase na descrição de conceitos filosóficos, estéticos e regras normativas para a criação cênica. Toda forma de arte que está em perfeita harmonia com as diretrizes expressas pelo Natyasastra é considerada clássica na Índia.

Após a independência da Índia, em um levante nacionalista, o Natyasastra foi reconhecido como o principal tratado das artes dramáticas hindus e guia de referência para o soerguimento das artes clássicas reprimidas ou solapadas durante o período colonial, como, por exemplo, o Bharatanatyam e o Odissi, tornando-se o responsável por uma unificação das diversas manifestações artísticas presentes em todo seu território, dando-lhes um caráter nacional dentro de sua imensa diversidade regional.

Na Índia, existe um número enorme de línguas e dialetos que ajudaram a formar diferentes concepções de vida, diferentes hábitos, costumes e, portanto, diferentes concepções estéticas. Isso ajuda a entender porque em um único país existem tantos estilos de dança e teatro considerados clássicos, ainda que guardem imensas diferenças estilísticas entre si.

O Natyasastra foi criado não com o propósito de ser um manual a ser reproduzido, o que sem dúvida resultaria num grande empobrecimento cultural. Ao contrário, foi criado para ser um guia de criação que, a partir do olhar do artista, pudesse ganhar novas tintas e contornos e, por isso mesmo, permitisse o florescimento de centenas de formas artísticas conectadas a conceitos centrais e unificadores: “Natya não nos diz o que é certo ou errado, mas nos apresenta toda a variedade de padrões de vida existentes”9 (SHAH, 2007, p. 25, tradução livre).

Ainda hoje, na Índia, um grupo seleto de estudiosos e pesquisadores da Sangeet

Natak Akademi, situada em Nova Déli, dedica-se a investigar formas de dança e teatro

folclóricas em busca de vestígios de elementos clássicos que remetam ao Natyasastra. Muito recentemente, em 2000, uma forma de dança dramática da região de Assam, conhecida como Sattriya, criada no século XV, muitos séculos depois da escrita do

Natyasastra, foi considerada clássica, passando a figurar ao lado das outras sete

9 No original: “The natya does not tell us what is right and wrong but presents to us the varieties of patterns of life” (SHAH, 2007, p. 25).

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danças-dramáticas já reconhecidas: Bharatanatyam, Odissi, Mohiniyattam, Kathakali,

Kuchipudi, Kathak e Manipuri.

O Natyasastra continua a ser um elemento vivo e pulsante dentro da cultura contemporânea da Índia, na qual a palavra Clássico, mais do que remeter a um período histórico, se refere a um ethos, um valor de identidade social e cultural e, por consequência, a um modo de se pensar e produzir arte. Conforme um dos comentadores dessa obra:

O Natyasastra, mais do que um manual das artes performáticas ou um tratado estético, se propõe a investigar os pressupostos éticos expressos em suas páginas, o que o torna um coerente texto filosófico10 (KARNAD, 2007, p. ix,

tradução livre).

Após a contribuição dada pelos compiladores do Natysastra, representados na figura de Bharatamuni, podemos ressaltar também as contribuições posteriores feitas por Abhinavagupta11 (950–1020 d.C.). Seu comentário sobre o Natyasastra, intitulado

Abhinavabharati, apresenta divergências significativas das proposições de Bharatamuni, criando uma distinção mais evidente entre dança e drama.

Segundo Abhinavagupta, o conceito de Rasa, tão bem desenvolvido no

Natyasastra, seria aplicável apenas às artes da dança, da poesia e da música, e não ao

teatro, cujo elemento central é a ação. Segue abaixo trecho escrito pelo professor Sharma, sobre as considerações de Abhinavagupta:

O esquema proposto por Bharata é, obviamente, hostil ao teatro como arte onde a ação, senão o pensamento tem um papel dominante. A teoria estética proposta por Bharata procura por uma coerência entre o mundo das emoções e sentimentos que possa servir de modelo para as artes como a música, a dança ou a poesia, que não tratam exatamente de ações humanas. Mas o teatro não pode ser considerado teatro se a ação estiver colocada em uma posição subsidiária12 (SHARMA, 1996, p. 16, tradução livre).

10 No original: “Natyasastra as a manual of performance arts or as a textbook of dramatic aesthetics; rather, they wished to investigate the ethical assumptions that informed argument and held it together as a coherent philosophical text” (KARNAD, 2007, p. ix).

11 Acharya Abhinava Gupta (950 – 1050 d.C) foi filósofo, escritor e viveu na região da Caxemira.

Escreveu centenas de textos comentando o Natyasastra, dentre eles, o mais conhecido é o Abhinav

Bharath, em que aparece pela primeira vez a inclusão do nono Rasa: Shanta (sentimento de plenitude). 12 No original: “Bharata´s scheme... is obviously hostile to drama as an art where action, if not thought requires in importance and in truth, a dominant role. Bharata´s aesthetic of seeking coherences in the

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Ainda que a palavra Natya se aplique ao teatro e à dança, fica cada vez mais evidente que, mesmo em tempos antigos, os estudiosos e pesquisadores já intuíam diferenças significativas entre ambos.

Atualmente é fácil perceber essa distinção no cenário contemporâneo na Índia. Basta observar como as danças clássicas estão caminhando cada vez mais para a abstração e o virtuosismo corporal, enquanto o teatro reivindica para si o domínio da palavra e da narrativa (ação).

A influência inglesa, seja do ponto de vista estético ou linguístico, também aparece como elemento importante para se compreender os rumos do teatro na Índia. Ressalta-se o crescente interesRessalta-se por espetáculos produzidos em língua inglesa, em formatos não característicos da cultura hindu, como, por exemplo, as pantomimas de Natal; em detrimento dos espetáculos produzidos nas línguas locais, de autores locais e baseados em questões e inquietações que lhes são próprias.

O processo de achatamento cultural, efeito colateral do processo mundial de globalização, é hoje o principal obstáculo ao ethos teatral proposto pelo Natyasastra. Enquanto as formas tradicionais de teatro vão perdendo gradativamente espaço e interesse por parte do público, estéticas importadas passam a figurar como a faceta contemporânea da produção teatral na Índia.

O que se vê é um projeto de teatro ainda disforme, anacrônico e elitizado, sem a coesão e inserção social observáveis nas formas tradicionais. Creio que o impacto causado à prática teatral pelo afastamento gradativo da tradição e o abandono das línguas locais em favor da língua inglesa ainda não podem ser mensurados. É certo que existem outras correntes artísticas engajadas em refletir sobre tradição e contemporaneidade de modo mais colaborativo, valorizando os aspectos próprios da cultura hindu frente às informações que chegam, de modo cada vez mais assolapador, do Ocidente.

world of felling and emotions could form a meaningful model for arts such as music, dance or poetry, which are not really about human action. But drama cannot be drama with the role of action reduced to a subsidiary position” (SHARMA, 1996, p. 16).

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De que modo os pressupostos contidos no Natyasastra ainda serão úteis a essa nova geração de artistas e de público não é possível prever. Entretanto, dada a habilidade histórica de seu povo em assimilar influências sem jamais descaracterizar-se, pode-se apostar em um futuro promissor a longo prazo.

A dança clássica, por outro lado, é ainda bastante fiel aos preceitos do

Natyasastra no que concerne aos seus treinamentos e aos seus espetáculos.

Propostas contemporâneas que fujam demais às regras clássicas ainda são vistas com certa suspeita por mestres e bailarinos conceituados. Talvez isso apenas reforce a afirmação de Abhinavagupta de que o Natyasastra aplica-se mais diretamente à arte da dança do que ao teatro e, por isso, na dança clássica, suas diretrizes estão mais sedimentadas e encontram maior reverberação.

O fato concreto é que, em tempos atuais, a distinção entre ambos torna-se evidente, como também é evidente a elitização do público que consome estas formas de arte, em detrimento de uma massa que permanece alheia tanto a um, quanto a outro. Os desafios para este século são grandiosos, como os são também a própria cultura tradicional da Índia.

1.3 – O NATYASASTRA E SUAS CONCEPÇÕES ESTÉTICAS: RASA E BHAVA Nos capítulos The Origins of Drama, The Distinction between Sentiment and

Emotional Fervour e Exposition on Bhavas (Emotional Tracts and States) do Natyasastra estão contidos os conceitos mais relevantes da estética teatral hindu. No

primeiro capítulo, podem ser compreendidos sua origem e propósitos. Nos capítulos seguintes, entram em questão os conceitos de Rasa (sentimento estético) e Bhava (estados emocionais), que são o sustentáculo de Natya, conforme idealizado por Bharatamuni, e que se corporifica por meio do Abhinaya.

No entanto, a tradução desses conceitos em termos apreensíveis, se comparados à nossa tradição teatral, é algo extremamente complexo e confuso. Ainda que possamos estabelecer alguns paralelos com a Poética de Aristóteles, de modo geral, os pontos de distanciamento são muito maiores. Não há nada na cultura teatral ocidental

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que possa se comparar à teoria estética proposta pelo Natyasastra, embora seus elementos não sejam, de fato, desconhecidos no Ocidente.

Neste tópico, abordarei os conceitos de Bhava e Rasa e sua relevância para a arte dramática hindu. O desenvolvimento do conceito de Abhinaya será feito posteriormente.

1.3.1 – RASA: SENTIMENTO ESTÉTICO e EXPERIÊNCIA IMAGINATIVA A foz onde a experiência artística deságua

A primeira pergunta que nos cabe fazer é: o que é Rasa? E, a partir daí, o que se entende por conhecimento teórico (Vicara), por conhecimento prático (Acara) e por experiência subjetiva (Jnana)? Segundo muitos estudiosos da arte dramática hindu13,

Rasa é a exata combinação de todos estes elementos. Apenas pela articulação entre

teoria, prática e experiência subjetiva é que a performance teatral pode atingir seus objetivos ou Purusarthas (os quatro objetivos centrais da existência humana, a saber:

Kama, os prazeres sensuais; Artha, a prosperidade; Dharma, a conduta moral e ética; e Moksha, a liberação espiritual).

Trata-se, portanto, de um conceito estético que expressa claramente os propósitos da arte da representação: elemento de depuração do indivíduo e sua coletividade; do refinamento das energias grosseiras rumo a estágios de existência mais sutis e elevados. A mesma ideia que podemos reconhecer muitos séculos depois, na proposta da “arte como veículo” de Jerzy Grotowski e outros encenadores contemporâneos ocidentais.

Quando falo da imagem do elevador primordial e da arte como veículo, me refiro à verticalidade. Verticalidade – o fenômeno é de ordem energética: energias pesadas, mais orgânicas (ligadas às forças da vida, aos instintos, à sensualidade) e outras energias, mais sutis. A questão da verticalidade significa passar de um nível assim chamado grosseiro – em certo sentido poderíamos dizer “cotidiano” para um nível energético mais sutil ou mesmo em direção a

higher connection (...). Aqui, há também uma outra passagem: que se aproxima

da higher connection – isto é, em termos energéticos, que se aproxima da energia muito mais sutil – coloca-se também a questão de descer trazendo de

novo essa coisa sutil dentro da realidade mais comum, ligada a “densidade” do

corpo (GROTOWSKI, 1959-69, apud, RAULINO, 2001, p. 235, grifos do autor).

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21

Assim, fica evidente que o conceito de Rasa não se aplica apenas ao artista, mas também e fundamentalmente à experiência estética que proporciona ao espectador, aquele que frui da experiência cênica e é potencialmente transformado por ela. Isso não quer dizer que o artista também não possa ser tomado pelo sentimento estético que

Rasa propicia. No entanto, segundo a concepção de Bharatamuni, o mais importante é

a competência profissional do artista durante a representação e não seu comprometimento emocional, que poderia colocar em risco exatamente aquilo que ele, arduamente, tenta comunicar mediante sua técnica. Essa ideia reforça a concepção de que a arte é uma atividade artificial, criada com um propósito específico e no qual os papéis “artista/espectador” estão muito bem definidos.

O papel da audiência na concepção teatral hindu é tão importante que se criou uma palavra para designá-la: Rasika, aquele que está apto a “saborear” Natya. Isso exige dele um elevado senso estético e conhecimento intelectual, estudo e refinamento, sem os quais não é possível atingir as quatro metas principais da experiência humana, os Purusarthas. Podemos constatar, portanto, que o papel da audiência não é menos importante do que o papel do artista. O artista está engajado em produzir Rasa e a audiência em saboreá-lo. Se um dos elos da corrente se rompe, a arte teatral fica impossibilitada de alcançar seus objetivos.

No entanto, se Rasa se aplica mais diretamente ao espectador, o que dizer do artista que também é transformado pela experiência cênica? Daí nasce o conceito de

Bhava, ou estados emocionais perenes e/ou transitórios, dos quais trataremos adiante,

e que são a matéria bruta sobre a qual o artista se debruçará durante o processo de criação.

No que diz respeito ao conhecimento teórico/prático, pode-se dizer que, no

Natyasastra, Bharatamuni menciona a existência de oito Rasas ou padrões de

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22 Sringara - Amor Veera - Heroísmo Raudra - Ira Bhibhatsa- Desgosto Hasya - Humor Adbhuta - Maravilhamento Karuna - Apatia Bhayanaka - Medo

QUADRO 3 - Rasas segundo Bharatamuni.

A cada um desses Rasas correspondem determinadas cores e deidades. Essas informações são determinantes na criação da maquiagem e figurino de um personagem, por exemplo, fornecendo indicações sobre seu estado emocional, seu caráter, além de contribuir para uma apreensão sinestésica da atmosfera cênica.

O personagem transmite algo antes mesmo que uma palavra seja dita, pelas cores que compõe sua vestimenta, maquiagem e pelo modo como entra e se coloca em cena. Desse modo, é possível compreender porque nas formas de teatro tradicionais da Índia há tanto rigor na confecção das vestimentas e na criação das maquiagens, tudo está estabelecido de modo a oferecer ao espectador uma experiência estética total.

RASA COR DEIDADE

Sringara Verde Vishnu

Hasya Branco Pramatha

Karuna Pálido Yama

Raudra Vermelho Rudra

Veera Marrom Mahendra

Bhayanaka Preto Kala

Bibhatsa Azul Mahakala

Adbhuta Amarelo Brahma

QUADRO 4 - Correspondência entre Rasas, cores e Deidades.

Segundo Bharatamuni, quatro Rasas são considerados primários e quatro, secundários. Dentre os primários, destacamos dois notadamente positivos, Sringara e

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Veera, e dois notadamente negativos, Raudra e Bhibhatsa. Dentre os secundários,

destacamos Hasya e Adbhuta, que decorrem de Sringara e Veera; e Karuna e

Bhayanaka, que decorrem de Raudra e Bhibhatsa.

Ou seja, dos oito Rasas descritos por Bharatamuni, primários e secundários, chegamos a apenas duas possibilidades da experiência humana: as favoráveis e as desfavoráveis. Cada Rasa foca em um aspecto da experiência humana, seja ela bem ou mal sucedida, porque é um dos objetivos centrais de Natya representar toda gama de padrões comportamentais; mas, em síntese, sua proposição é bem clara e direta: ou uma emoção é positiva ou é negativa, em proporções variáveis.

Contudo, baseados nesta afirmação, não podemos concluir que os Rasas sejam padrões imutáveis de comportamento. Muito pelo contrário, eles possuem um amplo espectro de variações, que bem representam os diversos sentimentos humanos e suas sutilezas. Não é casual o fato de que cada Rasa esteja relacionado a uma cor específica, como a nos lembrar das inúmeras variações de tonalidade que uma mesma cor pode ter.

Se aplicarmos essa ideia à encenação teatral e seus efeitos sobre a audiência, fica evidente que um mesmo Rasa, quando despertado, suscitará um grande número de sentimentos correlatos, mas não necessariamente idênticos em quem assiste. A isto, damos o nome de Rasasvadana ou o “sabor” característico de cada Rasa, a contemplação estética que ele propicia.

Peguemos, por exemplo, a ideia de Sringara, traduzido, de modo simples, por amor. Amor é uma ideia abstrata que pede contextualização: Que tipo de amor? Erótico? Filial? Amor à natureza? Amor aos bens materiais (neste caso, representando aspectos negativos da experiência do amor)? Cada tipo específico de amor leva a diferentes graus de reconhecimento e identificação por parte da audiência: se a experiência amorosa é bem sucedida ou não, se encontra reverberação ou não na história pessoal de quem a vê e etc.

Tudo isso posto, fica claro tratar-se de conceitos bastante amplos que dependem inteiramente da habilidade do intérprete em criá-los e da sensibilidade do espectador

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