• Nenhum resultado encontrado

Eduardo Cezar Ornes

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Eduardo Cezar Ornes"

Copied!
46
0
0

Texto

(1)

Eduardo Cezar Ornes

A TORTURA NA DITADURA CIVIL MILITAR:

ABORDAGENS CINEMATOGRÁFICAS (1997-2007)

Santa Maria, RS 2010

(2)

Eduardo Cezar Ornes

A TORTURA NA DITADURA CIVIL-MILITAR:

ABORDAGENS CINEMATOGRÁFICAS (1997-2007)

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de História – Área de Ciências Humanas, do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em História.

Orientador: Alexandre Maccari Ferreira

Santa Maria, RS 2010

(3)

Eduardo Cezar Ornes

A TORTURA NA DITADURA CIVIL-MILITAR:

ABORDAGENS CINEMATOGRÁFICAS (1997-2007)

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de História – Área de Ciências Humanas, do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em História.

__________________________________________ Prof. Ms. Alexandre Maccari Ferreira – Orientador (UNIFRA)

__________________________________________ Profª Msª Roselâine Casanova Correa (UNIFRA)

__________________________________________ Prof. Ms. Carlos Alberto Badke (UNIFRA)

(4)

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: O que é Isso Companheiro? ... 28

Imagem 2: O que é Isso Companheiro? ... 29

Imagem 3: O que é Isso Companheiro? ... 30

Imagem 4: Ação Entre Amigos ... 31

Imagem 5: Ação Entre Amigos ... 32

Imagem 6: Ação Entre Amigos ... 33

Imagem 7: Zuzu Angel ... 35

Imagem 8: Zuzu Angel ... 36

Imagem 9: Zuzu Angel ... 37

Imagem 10: Batismo de Sangue ... 38

Imagem 11: Batismo de Sangue ... 39

(5)

RESUMO

Este trabalho realizou-se a partir da análise dos filmes: O que é Isso Companheiro?,

Ação Entre Amigos, Zuzu Angel e Batismo de Sangue, no intento de verificar como o

Cinema da Retomada abordou o tema tortura política dentro do período da ditadura civil-militar no Brasil, instaurada através do golpe de 1964 e vigente até o ano de 1984. Procurou-se perceber as influências ideológicas que motivaram os diretores destas películas a optarem por diferentes abordagens ao tratar o mesmo tema dentro de suas obras fílmicas. Desta forma o Cinema da Retomada (elaborado a partir de 1990 até os dias atuais) foi dividido em duas etapas (1º e 2º década de produção fílmica) e é a partir delas que detectamos de forma mais acurada as diferenças de como a tortura política foi mostrada dentro deste período do cinema brasileiro.

Palavras-chave: Cinema da Retomada - Ditadura Civil-Militar ; Tortura Política.

ABSTRACT

This work was carried out from the analysis of the films: Four Days in September; Friendly Fire, Zuzu Angel and Batismo de Sangue, in an attempt to see how the film addressed the issue of Recovery torture policy within the period of civilian dictatorship and military in Brazil, established by the coup of 1964 and effective until the year 1984. We sought to understand the ideological influences that motivated the directors of these films to choose different approaches to treat the same theme in his works filmic. Thus the Cinema of Recovery (prepared from 1990 until today) was divided into two stages (1st and 2nd decade of filmic production) and it is from them that we detect more accurately the differences in how the torture policy was shown within this period of Brazilian cinema.

(6)

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 7

1 O CINEMA NOVO COMO PARÂMETRO DO CINEMA DA RETOMADA...10

2 TORTURA: A DITADURA MILITAR COMO TEMA DA RETOMADA... 16

3 O ENREDO POR DE TRÁS DAS CENAS DE TORTURA... 20

3. 1 O que é Isso Companheiro? ... 20

3.2 Ação Entre Amigos... 22

3.3 Zuzu Angel... 23

3.4 Batismo de Sangue... 24

4 AS DIFERENTES ABORDAGENS DENTRO DAS CENAS DE TORTURA... 27

4. 1 O que é Isso Companheiro?... 27

4.2 Ação Entre Amigos... 30

4.3 Zuzu Angel... 33

4.4 Batismo de Sangue... 37

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 45

(7)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O cinema surge nos trazendo à perspectiva de registrar os passos do homem através da imagem em movimento. Talvez seja essa a fórmula do encantamento que proporcionou quando do momento de sua primeira apresentação pública no ano de 1895, quando nem mesmo possuía recurso sonoro. O seu grande poder de se relacionar com a história e a maleabilidade temporal de suas narrativas nos levam de encontro com o passado, nos abrem os olhos para o presente e preconizam paradigmas em tempos futuros. A sétima arte, como assim é conhecida, ultrapassou os limites da contemplação e ao longo de sua trajetória incorporou-se no cotidiano das sociedades de diferentes formas e sentidos.

Com o cinema, os limites da imaginação entraram em estado de decomposição, com as tecnologias dos efeitos especiais as distâncias entre o que o homem era capaz de idealizar e do que realmente conseguia colocar em prática encurtaram-se, materializadas com facilidade nas telas do cinema. Criou-se uma linha muito tênue entre realidade e ficção. “No cinema, fantasia ou não, a realidade se impõe com toda força”, Bernardet (1996, p. 12) através dessa frase consegue sintetizar o que chamou de “impressão da realidade”, fazendo uma analogia entre cinema e sonho, ele explica que ao entrarmos em contato com um filme é como se estivéssemos sonhando, só percebemos que aquilo não é real quando acordamos. E é essa ilusão de verdade que segundo Bernardet (1996, p. 12) fez com que o cinema se transformasse num grande sucesso.

No entanto, o cinema serviu e serve para atender uma infinidade de espaços a serem preenchidos pelo homem em sociedade. Sua aplicação atendeu e atende a interesses que vão de puro e simples entretenimento, a elaborações ideológicas que buscam deturpar a “realidade” com o auxilio das cenas e narrativas apresentadas. A motivação de minhas pesquisas surge no contraponto e na interface destas duas maneiras em que o cinema se apresenta, ou melhor, na fusão entre ambas. Mais especificamente no comprometimento com que autores abordam temas polêmicos, sobretudo os ditos históricos.

É nesse ínterim que a ditadura civil militar forjada no Brasil no ano de 1964 e vigorante até 1984 é ressuscitada como corpo temático de minhas pesquisas. O cinema apresenta-se então como objeto de estudo, pois acerca de suas abordagens referentes a

(8)

tal época da história de nosso país que buscou-se explorar a tortura política, prática acentuadamente utilizada pelos militares para manter a ordem social dentro do Estado de Terror que instauraram.

Este estudo está alocado dentro de uma perspectiva que pretende investigar como o cinema brasileiro abordou o tema tortura política no contexto histórico da ditadura civil militar no Brasil. Para isso, foi preciso analisar baseado metodologicamente na a analise do discurso e nas teorias da semiótica, obras fílmicas elaboradas e exibidas no país, mas que estivessem fora dos anos em que tal regime vigorou, de 1964 a 1984. O motivo é óbvio para aqueles que possuem um conhecimento prévio sobre a época em questão, as liberdades individuais e, portanto, às de liberdade de expressão haviam sido obliteradas pelo regime dos militares, o cinema não ficaria fora dos olhares da censura que pretendia cegar a população para os acontecimentos políticos do país à sua época. Ou seja, dentro do cinema feito neste período não veríamos cenas de tortura, pelo menos no que diz respeito à tortura política empregada por militares contra uma parcela da população brasileira.

Contudo, foi preciso que estas investigações migrassem para o estudo a cerca do cinema elaborado dentro da última década do século XX e da primeira década do século XXI, o que se convencionou a chamar cinematograficamente como a Retomada do Cinema Brasileiro. É neste período que as obras fílmicas que constituem o meu corpus de análise estão inseridas. Através dos mesmos é que pude avaliar como o cinema após a ditadura civil militar abordou a tortura política dentro de suas produções cinematográficas.

No que tange a bibliografia consultada, foi necessário investigar o panorama histórico do cinema produzido no Brasil, partindo das películas elaboradas a partir dos meados do século XX. Isso trouxe o entendimento de como o cinema se comportou durante e após o regime militar, dando propriedade para que eu pudesse traçar um paralelo do perfil apresentado no feitio das obras fílmicas, as influências que sofreram pela situação política em que estavam imersos o que acaba alterando assim, as formas do pensar e produzir filmes em solo brasileiro.

No entanto, os esforços estão concentrados em analisar as formas com que a tortura política foi mostrada nos filmes do Cinema da Retomada, sem esquecer de valorizar as abordagens dos roteiros aos quais estavam imbricadas e o cuidado e comprometimento que tais películas tiveram em retratar o contexto político histórico do momento.

(9)

Por fim, creio que pesquisas como esta possuem relevância ao pensar o cinema como um recurso histórico didático, averiguando as formas que os conteúdos da nossa história estão sendo retratados através da película. Afinal, o cinema tem sido utilizado para que possamos entender como a sociedade se apresenta e se desenvolve ao longo do tempo e, sobretudo nas obras fílmicas de caráter histórico, tem sido marcadamente empregadas para que as novas gerações conheçam e nutram este interesse, ao mesmo tempo em que para as gerações passadas presta-se para que reflitam sobre questões arrefecidas pelo tempo.

(10)

1. O CINEMA NOVO COMO PARÂMETRO DO CINEMA DA RETOMADA

Uma das primeiras questões a ser polemizada ao falarmos de “cinema brasileiro na última década do século XX e na primeira década do século XXI”, é quanto à terminologia adotada para nos referirmos a produção cinematográfica de tal época no Brasil, a Retomada. Sabemos que, tal termo está longe de ser consenso, principalmente no âmbito dos que fazem cinema, bem como, daqueles que produzem críticas sobre o mesmo. No entanto, dentro do senso comum e por parte da imprensa essa terminologia é aceita sem muita problematização. E para fins de marcar inegavelmente uma nova fase do cinema brasileiro, o termo “Retomada”, será usado por mim sem maiores conflitos e divagações. Com isso, não deseja-se dizer que não abordou-se a questão. Do contrário, ela já serve como ensejo para discutirmos os valores empregados na produção cinematográfica brasileira do findar do século XX e da primeira década do século XXI, sejam eles qualitativos ou quantitativos, fazendo assim, um breve panorama até chegarmos às obras onde a pesquisa está preponderantemente atrelada, ou seja, nos filmes “O que é isso Companheiro”, “Ação entre Amigos”, “Zuzu Angel” e “Batismo

de Sangue”, todos tendo como pedra angular analítica, a tortura política.

Voltando então à questão terminológica, não que ela seja essencial para o desenvolvimento deste trabalho, mas podemos através do olhar de alguns pesquisadores que discutem o tema, entender o contexto histórico que tal termo abarca. Segundo Senador (2003, Apud BERNARDET, 1990) “é justo falar em ‘Cinema da Retomada’ apenas pelo viés quantitativo, já que a política adotada pelo governo na época não remete a nenhuma valoração qualitativa”.

Nas entrelinhas da referência supracitada percebemos a nova política adotada pelo então presidente Fernando Collor de Melo para o cinema Brasileiro no ano de 1990, num primeiro ato, Collor extinguiu alguns órgãos como a Fundação do Cinema Brasileiro, o Concine e a Embrafilme. Esta última gerava um sistema que assegurava o financiamento, distribuição e exibição de filmes nacionais no país durante a ditadura civil militar. Com o término de tal regime o cinema brasileiro ficou desamparado, à beira do caos. Conforme Leite

(11)

No início dos anos [19] 90 a crise do cinema brasileiro alcançou seu ápice. A produção de novos filmes foi reduzida praticamente a zero. As salas de exibição espalhadas pelo país exibiam praticamente somente filmes norte-americanos. O fim da Embrafilme levou ao colapso o antigo sistema de produção, distribuição e exibição de filmes nacionais. Embora a empresa estatal apresentando durante sua existência defeitos, o cinema brasileiro tinha um ponto de referencia. (2005, p. 120).

A intenção de Fernando Collor de Mello ao promulgar uma série de medidas para cultura era também de estabelecer novas regras para a elaboração cinematográfica no Brasil, tangenciando o cinema para a ótica do mercado, afastando do Estado à responsabilidade de fomentar essa produção cultural, e sim deixando o cinema a mercê da economia neoliberal, que acaba por engolir toda e qualquer produção cultural como mera mercadoria do sistema capitalista, com o cinema não seria diferente.

Dentre as regras do Governo Collor para o cinema estava a Lei do audiovisual, como Fernando Collor de Mello sofreu impeachment em 1992, assume o cargo o até então vice-presidente Itamar Franco. No poder, Franco define ainda outras diretrizes ao fomento da cultura no país, incorporando ao cinema o critério das leis de incentivo fiscal através de deduções sobre o Imposto de Renda. É nesse ínterim que a iniciativa privada começa a ter uma estrondosa participação na indústria cinematográfica no Brasil, desde o financiamento, distribuição e exibição, bem como na temática e estética dos filmes. Essa influência é capital, portanto, autoritária e não de forma espontânea. É a arte transformada em produto, ou pelo menos no que diz respeito a um grande mercado, isso acaba definindo ou deturpando as características do cinema enquanto força artística e tão somente valorizando o seu poder comercial. Sobre isso, Oricchio, traz algumas observações:

No final da década, no entanto, já se enxergavam os limites desta modalidade de produção. Aliás, observadores mais atentos da cena cinematográfica detectavam os impasses da lei do audiovisual havia muitos anos. Uma das queixas mais freqüentes é a que a lei deixa demasiadamente nas mãos dos diretores de marketing das empresas a decisão sobre o que deve ou não ser produzido no país. Afinal, eles escolhem o tipo de produto cultural ao qual a marca da empresa de ser associada. Isso privilegia alguns tipos de filme em detrimento de outros. (2003, p. 27).

Tanto Leite (2005, p. 130) como Oricchio (2003, p. 28) apontam para outra característica que surge com a entrada do capital privado na cinematografia brasileira, a

(12)

introdução dos conglomerados de comunicação na rotina do cinema brasileiro. Sendo mais direto, encarando este novo formato do mercado como uma ótima forma de expandirem sua influência e capital. É o caso das organizações Globo, mais especificamente, a Globo Filmes. Esta produtora, braço da maior emissora de televisão do Brasil, incorporou ao cinema brasileiro um poder enorme de bilheterias, já que, na sua programação incluíam merchandisings, matérias e reportagens sobre as obras cinematográficas que produziam, bem como esforços publicitários nos horários de pico da audiência. Mais uma vez uns são prestigiados em detrimento de outros, e agora também afetando diretamente na escolha do espectador e não somente nas produções fílmicas.

Se pudermos denominar algo próximo de uma unanimidade dentro desta fase do cinema brasileiro, é quanto, à sua diversidade de temas e abordagens. Agora no que tange sua benesse artística, entramos num outro recorte deste “campo minado” chamado Retomada. Para explicar ou mesmo ter um parâmetro de produção cinematográfica, autores buscam no Cinema Novo o contraponto, um amparo comensurável acerca das produções supostamente desengajadas do perfil “cinema como crítica social”, ressaltam que por vezes a crítica da Retomada soa despolitizada, dispersa, quase que sem foco, mas observam, é existente ao seu modo. Nas palavras de Oricchio:

[...] A comparação, sem nenhum sentido valorativo, precisa ser feita com o cinema dos anos 1960, época que o mal-estar social podia ser associado a atores políticos definidos. Sabia-se que o país convivia com um déficit social brutal, mas também (ou pensava-se saber) a quem atribuí-lo. As elites econômicas, o regime militar, e o imperialismo norte-americano, pareciam, sem qualquer dúvida, ser responsáveis por essas mazelas nacionais. Combatê-los era combater diretamente as causas da miséria, do subdesenvolvimento, da alienação em que vivia mergulhada grande parte do povo brasileiro. Em outras palavras, os “inimigos” eram visíveis e o cinema empenhado os tinha em mira. Tempos mais simples. (2003, p. 30).

Neste exemplo, que é complementado por mais um trecho em sua obra, Oricchio (2003, p. 31) traça uma reflexão do imaginário social de um país à época do início do Cinema da Retomada, sociedade esta que ainda mantinha uma carga muito forte referente ao mundo polarizado pela Guerra Fria. Traz a queda do Muro de Berlim como rompimento de uma cultura-mundo, mas salienta que o imaginário do inimigo permanece à medida que parece não mais existir. É quando a crítica social proposta já

(13)

no Cinema Novo reaparece com a chegada da Retomada, as mazelas estão cada vez mais à mostra, em contra partida o inimigo se esconde por trás da pluralidade de uma sociedade neoliberal e pós-moderna, ficando quase impossível apontar o dedo no rosto do inimigo. Com isso, as tendências mercadológicas sobre o cinema é o que aparece com mais nitidez, já os parâmetros de crítica social ficam camufladas por não conseguirem efetivamente uma linguagem que expressasse tal intento. É o que de maneira resumida exprimi-se das palavras de Jean-Claude Bernardet sobre o Cinema da Retomada em frases acima citado. O que ainda pode ser ratificado através das palavras de Leite referente a tal quantificação das bilheterias no país:

As atividades cinematográficas, de um modo geral, prosperaram nos últimos dez anos. Entre 1997 e 2002, por exemplo, a influência dos espectadores brasileiros às salas de exibição cresceu de 52 milhões para aproximadamente 90 milhões, ou seja, um crescimento de 70%. No mesmo período, os filmes nacionais foram assistidos por um público que pulou de 2,5 milhões para 7 milhões de espectadores, consolidando uma fatia de mercado. O ano de 2003, em especial, trouxe resultados auspiciosos. Até o fim do primeiro semestre foram vendidos no país 8,8 milhões de ingressos, o que redundou na arrecadação de R$ 54,5 milhões. Comparando com o mesmo período de 2002, representou um crescimento de 236% em público e 310% em faturamento de bilheteria. (2005, p. 125).

Outra ratificação quantitativa no que diz respeito às produções cinematográficas da retomada se faz necessária à medida que precisamos deixar bem amarrado tal pensamento de Bernardet. Somente assim poderemos imergir de forma mais segura em algumas questões qualitativas trazidas pelo cinema da retoma sob o enfoque de outros olhares. Conforme Oricchio:

Nessa fase de Retomada, tornada possível principalmente pela aplicação da Lei do Audiovisual, o cinema brasileiro saiu do estado crítico em que estivera nos primeiros anos da década. A produção cresceu e se estabilizou em torno de 20 a 30 títulos por ano. Segundo o então titular da Secretaria do Audiovisual, José Álvaro Moisés, entre 1995 e 2001 o país produziu 167 longas-metragens, contra menos de 30 nos primeiros anos da década anterior. Estendendo-se a contabilidade até o final de 2002, chega-se ao número aproximado de 200 longas feitos e lançados no período da Retomada. (2003, p. 27).

(14)

Recapitulando então o que foi descrito como uma das possíveis unanimidades que a Retomada engloba enquanto característica, é sobre a sua diversidade de temas e gêneros. Foi produzido no Brasil a partir dos anos de 1990 uma série de filmes, seus estilos são quase inesgotáveis, indo da produção infantil a neochanchadas. Contemplando épicos, bem como assuntos acerca da contemporaneidade. Traz comédias, ao mesmo tempo em que apresenta filmes de protesto e denúncia. Obras políticas e outras de mero entretenimento. Como podemos perceber, uma miscelânea de temas e abordagens foram utilizadas dentro do cinema feito durante a época citada acima.

Alguns diretores e críticos de cinema enxergam nisso um fato preponderantemente quantitativo, já que se referem ao contexto do Cinema da Retomada como um marco da temática escolhida pelos diretores como um fim em si, comprometido com um mercado voltado ao espetáculo. Leite ainda a respeito da diversidade temática diz que:

De fato, a característica mais reveladora do cinema nacional na década de 1990 é a diversidade, não apenas tomada como fato, mas também como um valor. A falta de unidade temática e estética revela, entre outros aspectos, que a “retomada” representa muito mais o renascimento das produções nacionais, sem maiores compromissos de continuidade com os movimentos cinematográficos brasileiros anteriores, principalmente como o Cinema Novo ou Cinema Marginal. As produções dessa fase da cinematografia nacional indicaram a ascensão da tendência de um ciclo que se notabiliza pela pluralidade temática das produções, voltadas, muitas vezes, para explorar os diferentes nichos do mercado exibidor. (2005, p. 129).

Sobretudo o discurso do politicamente correto entra em cena, ou seja, faz-se um recorte temático dentro de algumas mazelas sociais como pano de fundo, mas não se discute sobre o mesmo. É como mostrar um Brasil que existe, mas que ao mesmo tempo não se tem a necessidade ou intenção de acentuar a discussão sobre o mesmo. É a espetacularização exigida pelo mercado dando a tônica da abordagem cinematográfica, uma linguagem onde se mostra o contexto, mas não se demonstra um esforço em entendê-lo em seus pormenores. Leite, ainda nos mostra que as histórias retratam dramas individuais, reduzindo-os do contexto coletivo e portanto mais abrangente:

(15)

Os filmes da retomada, mesmo quando têm como cenário de seus roteiros ambientes socialmente degradados, especialmente o sertão ou a favela, desenvolvem uma narrativa melodramática. O enfoque recai sobre dramas individuais, os aspectos sociais mais amplos são obliterados ou colocados em plano secundário. Em outras, as mazelas e contradições da sociedade brasileira servem apenas de moldura, não são discutidas. No entanto abordar as chagas sociais do país agrega às produções recentes do cinema nacional uma espécie de chancela de qualidade intelectual e artística - em alguns casos a miséria e a violência se transformam em simples entretenimento. (2005, p. 130).

Contudo, inegavelmente o Cinema Novo serviu como parâmetro deste último movimento do cinema brasileiro, não podendo desconsiderar que esperávamos do Cinema da Retomada um momento de aplicação de forte criticidade frente aos problemas sociais do país, mesmo que nas entrelinhas. Por isso valorar qualitativamente tal movimento pelo viés da “crítica social” é fardo oneroso e dificilmente enxergaremos êxito em tal perspectiva. O que se pode aferir é que o Cinema da Retomada chegou à mesma etapa que o Cinema Novo atingiu quando do momento final de seu ciclo. O caminho é notadamente diferente, mas o fracasso enquanto “crítica social” lhes cabe como enfadonho prêmio.

(16)

2. TORTURA: A DITADURA CIVIL MILITAR COMO TEMA DA RETOMADA

A tortura tem sua raiz em nosso país desde os tempos coloniais, o escravismo inaugura por assim dizer estes métodos, sabemos que não podemos cometer tal anacronismo, mas vale como uma forma análoga de descrever este artifício, usado ao longo de nossa história por aqueles que usufruem de algum tipo de poder, em detrimento daqueles que não conseguem oferecer reação diante de tal atrocidade. Os algozes da época colonial atendiam conceitualmente pelo nome de feitores, designados a fiscalizar o trabalho escravo, bem como de castigar físicos e psicologicamente os escravos que teimavam em não aceitar tal condição de submissão. A ordem vigente não deixava margens para que negros desobedientes subvertessem o até então estabelecido. A tortura servia para dar exemplo de que uma postura rebelde por parte dos escravos lhes podiam custar muito caro. Ou seja, a tortura em si nunca é um fato isolado, sua dimensão vai para além do agredido fisicamente, a força psicológica que tal ato possui, tem efeitos avassaladores para as demais pessoas pertencentes ao grupo do torturado. Enfim, é um artifício que tende a minar os processos reivindicatórios de grupos sociais, o medo é o substrato mais valioso de tal prática, trazendo consigo o silêncio e a inabilidade de reação por parte dos grupos em situação de subjugação.

O recorte histórico pertinente a pesquisa, está endereçado entre os anos de 1964 e 1984, onde o poder estava nas mãos das forças militares de nosso país. Reportando-nos a tal época, vamos adentrar Reportando-nos porões da ditadura civil militar, nome dado aos espaços que serviam para torturar os presos políticos da época, ou qualquer cidadão que por ventura tivesse a má sorte de ser jogado nesses recintos. O contexto em que nos inserimos é de total aniquilação das liberdades individuais, um regime fechado a conversações e que gradativamente aprimorava seus métodos de privação da liberdade de expressão. Falar era crime e dos mais hediondos.

No dito acima, podemos perceber que o regime militar não economizou em estratégias que calassem uma nação, o método da tortura foi com certeza um dos mais utilizados no intento de obter tal silêncio generalizado. Ficaremos somente com a tortura, pois a quantidade de métodos era vastíssima e os seus efeitos notoriamente corroboravam para que o Governo Civil Militar se mantivesse firme em sua posição

(17)

autoritária por durante quase duas décadas, já que, no início dos anos de 1980 suas amarras opressoras aos poucos denotavam sinais para uma reabertura democrática.

O Cinema da Retomada, usou e ainda tem usado (período em curso) o golpe militar como pano de fundo de várias obras cinematográficas, Pano de fundo, pois com mais afinco ou preferencialmente tem dado ênfase a tortura política, nem tanto a uma reflexão sobre o uso de tal artifício, mas a elaboração de cenas chocantes como um fim em si. O caráter fílmico escoa por um viés político muito mal explicado, notadamente sem um esforço por parte de seus roteiristas. Quase nada é discutido, mas um vasto mosaico é apresentado.

Nos filmes escolhidos para o corpus de minha pesquisa, é perceptível a tortura política aparecendo como plano central de tais obras, que colabora para o mau entendimento por parte dos espectadores, pois o contexto político-histórico precede a qualquer outro tipo de consideração a ser detalhada sobre este período, sendo o próprio ensejo para tal discussão. O que podemos detectar, sobretudo nestas obras, é a postura distinta entre torturadores e torturados, por isso esta pesquisa rumou seu enfoque para as cenas onde ambos compartilham o protagonismo da obra fílmica.

Outro aspecto observado dentro deste recorte, é que, os tipos de torturas contidas nas cenas ilustradas nos filmes se diferem do ato comum de tortura correspondente a trajetória histórica de nosso país e se encaixam dentro da tortura política, menos comum nas linhas que descrevem tal assunto em solo brasileiro, ao mesmo tempo em que se apresentam de forma mais contundente em seus artifícios da dor, pois abrangem uma maior parcela da população, pelo menos enquanto passível de aplicação desse método que visa manter a ordem social. Portanto, o recado tem que ser passado de forma mais enfática, e por si só, mais cruelmente.

Ao considerarmos que a tortura possui mais de 400 anos de vida dentro de nosso país, é o mesmo que afirmarmos que é rotineira dentro do nosso contexto social atual e não somente nas páginas amareladas de nossa história. Com isso, fazem parte do panteão de temas abordados pelo cinema que tangencia a crítica social. Na retomada a violência se faz presente no enfoque da sua diversa gama temática, mas uma violência contemporânea no que diz respeito ao fazer cinema dentro da Retomada. Ou seja, não é uma tortura política, abrangente na sua escolha por torturados, e sim uma tortura sofrida por àquelas pessoas vindas das classes menos abastadas. Os torturadores, esses ainda usam fardas, mas atendem a outras instituições, com outros propósitos, no entanto, com o mesmo requinte de crueldade e falta de senso de humanidade.

(18)

Como em um ato de banalização da violência contemporânea, os diretores do cinema da retomada buscam o inusitado dentro da tortura política ocorrida no período da ditadura civil militar, talvez por que neste episódio de nossa história os torturados sofrem um processo de mutabilidade. Ou seja, o repertório de indivíduos que estão sujeitos à violência é infinito, não é mais o pobre colocado diante da parede, e sim qualquer cidadão, independente de sua classe ou colocação social que acaba diante da fúria do torturador.

Ao explorar a tortura dentro da ditadura civil militar, parece-me ocorrer por parte dos diretores uma tentativa do enquadramento da violência interativa. Eles colocam em xeque a segurança de quem assiste as cenas. E como se o medo não morasse mais ao lado, logo ali, naquele sujeito a margem da sociedade, e sim na frente do espectador. É como um processo de espelhamento. A repercussão de tal sentimento por parte do espectador é a de alívio, e não a de conscientização política acerca de um momento histórico. Ao terminar o filme, é como se o espectador desabafasse ao sair da frente do espelho: “ainda bem que eu não vivi nesta época.” O medo é capturado, já o contexto político que fica não é absorvido.

Para aferir o que foi exposto nas linhas acima sobre os aspectos da tortura política apregoada à época estudada, usamos como suporte as palavras de Oliveira, dizendo que:

O que de novo ocorre a partir de 1964, mas, sobretudo a partir do AI-5, é que a tortura passa a atingir segmentos sociais antes protegidos por certas imunidades: estudantes, políticos, advogados, jornalistas, intelectuais etc. É bem verdade que, antes, verificou-se uma espécie de prelúdio do que depois iria ocorrer em larga escala. Foi durante a ditadura de Vargas, época em que a tortura no Brasil atingiu um novo estágio, dessa vez, já não se tratava de um “sargento Getúlio” qualquer que brutaliza um pobre camponês num grotão perdido do país imenso, nem de um comissário de bairro que aplica a palmatória num ladrão. Até essa época, a boa sociedade estava ao abrigo desse tipo de arbitrariedade, e os governantes, muito longe, nem sequer ouviam os gritos do que se passava nas cadeias... E, o que é muito importante, pela primeira vez ela atinge também pessoas bem situadas na escala social. Subitamente, as camadas médias da sociedade brasileira, ainda que de maneira bastante minoritária em relação aos opositores de origem operária, caem momentaneamente na categoria dos torturáveis. (1994, p. 18)

(19)

É essa mudança entre o sujeito torturado e a abordagem da tortura como pedra angular do choque que tem norteado as obras cinematográficas do Cinema da Retomada sobre o assunto ditadura civil militar. É o entretenimento vendendo violência fora do seu tempo, é o visual, a forma sobressaindo-se ao conteúdo.

(20)

3. O ENREDO POR TRÁS DAS CENAS DE TORTURA

Neste trecho da pesquisa, foi necessário para um melhor entendimento por parte dos que por ventura tiverem contato com este trabalho, um esboço das sinopses dos filmes escolhidos como corpus do estudo acerca do retrato da tortura dentro da Ditadura civil militar no Cinema da Retomada. As narrativas terão começo com as obras fílmicas contidas no findar da década do século XX, O que é isso Companheiro e Ação entre Amigos, posteriormente serão descritas as histórias contadas nos filmes da primeira década do século XXI, Zuzu Angel e Batismo de Sangue. Somente após isso, já num outro capítulo, adentrarmos categoricamente na análise e comparação das cenas de tortura existentes nestas quatro obras.

3.1 O que é Isso Companheiro?

Encontramos aqui uma obra de ficção que mesmo tento sido baseado num acontecimento histórico de nosso país, não conseguiu expressar a fidedignidade dos tempos em que tentou retratar, nem mesmo os protagonistas da história tiveram seu comportamento e postura preservados fielmente.

O que é isso Companheiro?, narra o sequestro do embaixador norte-americano

Charles Elberick, por doze militantes das organizações clandestinas ALN (Ação Libertadora Nacional) e MR8 (movimento Revolucionário 8 de Outubro), que mantiveram Elberick em um cativeiro até transformá-lo em moeda de troca. As exigências dos seqüestradores (militantes da esquerda) era a libertação de 15 companheiros revolucionários que estavam nas mãos do governo militar, mais especificamente presos nos porões da ditadura, o que sugere, a mercê de todo tipo de coerção física e psicológica, grosso modo, sendo torturados. Outro ponto exigido pelos militantes era a leitura de um manifesto em cadeia nacional de rádio e TV, e assinado pelos praticantes da ação. O diretor do filme também se baseou no livro homônimo, escrito por Fernando Gabeira, um dos participantes do seqüestro como militante de esquerda, e que traz nas suas páginas as experiências vividas à época da Ditadura civil militar e do acontecimento do sequestro do embaixador.

Lançado em 1997, com direção de Bruno Barreto, o filme O que é isso

Companheiro? teve relevância dentro do cenário nacional e internacional, chegando a

(21)

tropeços, mas ao retratar um período conturbado de nossa história recente, baseado num fato real como carro chefe de sua narrativa, pecou ao não abordar com clareza o momento político vivido à época em nosso país. Marçal entende que:

Mesmo debruçando-se, do início ao fim, sobre um fato ocorrido, o filme evidencia o seu não comprometimento com a realidade. As lacunas mais evidentes estão na forma de como são apresentados os sequestradores, como são retratados fenômenos como a tortura e torturados. Lacunas estas que prejudicam e comprometem o retrato do período histórico que está sendo focado. (In: Castro, 2006, p.180)

A própria personalidade dos revolucionários infere um aspecto de desorganização e falta de propósitos da guerrilha urbana efetivada nos anos da Ditadura civil militar. Mostra jovens que sobretudo possuem valor na sua coragem, mas que ao mesmo tempo nem sabem ao certo o que estão fazendo com ela, ou seja, por qual mudança da realidade efetivamente se propuseram a lutar. A história é narrada demasiado romântica, mostrando mais uma incerteza por parte dos revolucionários, e menos o seu engajamento político com as causas da esquerda brasileira. Desejavam mudar a estrutura política do país depondo um governo autoritário, mas conscientemente não faziam ideia de como governá-lo caso obtivessem êxito em tal tarefa. Seus conflitos internos são privilegiados, enquanto suas certezas revolucionárias se esvaem nas contradições expostas dentro do grupo de sequestradores. Até mesmo os torturadores são mostrados dentro de suas crises de consciência, como se não participassem efetivamente do ideário ao qual empregavam os seus serviços, apenas cumpriam ordens, enfim precisavam alimentar e proteger suas famílias. Segundo Oricchio (2003, p. 114):

[...] Companheiro consegue a proeza de esterilizar uma situação política em sua essência. Um espectador que se informasse apenas pelo filme dificilmente saberia dos motivos que levaram aqueles jovens a arriscar a pele em ações armadas contra um inimigo infinitamente mais poderoso e organizado. Falta contexto, falta linguagem adequada, enfim, falta a política. (2003, p. 114)

(22)

Em suma, o filme O que é isso companheiro? fez com que a luta armada contra o regime ditatorial se transformasse numa grande aventura a ser rodada nas tela dos cinemas espalhados pelo mundo..

3.2 Ação Entre Amigos

Ao falarmos da história deste filme de Beto Brant, lançado no ano de 1998, é possível perceber uma diferença que o destaca das demais obras fílmicas escolhidas para este estudo. A diferença está no tempo em que a trama se dá, na verdade em dois tempos, já que, o momento em que as personagens imergem nos tempos em que a Ditadura civil militar vigorava é construído a partir de flashbacks. Está contida na memória dos quatro personagens centrais, pois o filme se situa temporalmente dentro da década de 1990.

O filme mostra quatro homens maduros, amigos de longa data, e que, portanto, dividem uma história em comum. No desenrolar da película um destes homens descobre algo que estava no passado do grupo, não se acomoda em apenas dividir e reviver o passado com os amigos, mas propõe uma busca, uma investigação para resolver mágoas passadas. É o momento em que a dualidade temporal se estabelece no filme, hora remontando o passado através das lembranças guardadas por estes homens, e em outros momentos os trazendo ao presente, numa saga detetivesca para encontrar um ex-torturador do Regime civil militar, que segundo eles, foi o culpado pela morte e tortura de alguns de seus companheiros de militância e resistência ao regime ditatorial. Um dos protagonistas do filme inclusive vê este ex-agente militar como o executor da morte de sua esposa, que após torturada, morre levando consigo o filho que esperava.

O que torna este filme ainda mais interessante é a falta de coesão do grupo de amigos. Um quer colocar uma pedra no assunto. Outro é incansável no seu desejo de fazer justiça com as próprias mãos. Os outros dois parecem divididos entre esses dois sentimentos. Uns tiveram mais perdas que os outros, sofreram em menor ou maior quantidade e um deles tem algo a esconder no meio desta trama detetivesca. O que fica como ressalva, é o uso do contexto político apenas como pano de fundo, estando o filme calcado mais nas feridas incicatrizáveis daqueles que sofreram forte coerção física e psicológica nas mãos dos mantenedores do Regime civil militar. Uma coisa é muita

(23)

clara, o filme deixa no ar um recado: é melhor não mexer no passado. O que atende o consenso da classe dirigente do país nos dias de hoje. Segundo Oricchio:

É que, bem pensado, Ação Entre Amigos, tem estrutura de policial, sendo político apenas o seu conteúdo mais superficial. Se abstrairmos este dado de conteúdo - o de que o filme se refere a uma época precisa, a da luta armada contra a ditadura, etc. -, teremos um bom trabalho, que se vê com prazer. Simplesmente isso: um grupo de amigos decide caçar um antigo desafeto e segue pistas para chegar a ele. Há claro, o aspecto dramatúrgico que dá dinamismo à história... Mas enfim, não são estes os problemas, e sim a utilização do espaço político como terreno ficcional neutro, no qual a trama de estrutura policial ocorre. A ambientação não casa com o que nela se passa, e da disjunção emerge o desconforto e a sensação de artificialidade. (2006, p. 119).

Isso não é demérito somente desta obra que remonta os anos de chumbo, e sim de grande parte dos filmes da Retomada que pensaram estar fazendo algo político. Talvez por isso a dificuldade de encontrar obras realmente assentadas dentro deste viés. Ainda é difícil categorizar alguma obra que não use o recurso do hibridismo, usando o cunho político sempre como pano de fundo, que teima em não ser profundamente discutido.

3.3 Zuzu Angel

Este filme teve seu lançamento no ano de 2006, sob direção de Sergio Rezende, e criou muita expectativa, sobretudo em sua produtora, a Globo Filmes. No que diz respeito à crítica especializada e o respaldo de bilheteria nos cinemas nacionais, não obteve o impacto esperado pela gigante global.

Zuzu Angel narra à história de uma mulher que teve sua vida dilacerada pelas

amarras do regime ditatorial no país. Zuzu era uma estilista de renome. O sucesso de suas coleções alcançava dimensões astronômicas quando do momento em que sua trajetória foi interrompida pelas garras dos oficiais. Zuzu Angel não era diferente dos milhões de brasileiros que passaram os anos de chumbo inertes às atrocidades cometidas contra as liberdades individuais em nosso país. Sua postura muda após o sumiço de seu filho Stuart Angel, jovem socialista, engajado em grupos revolucionários que lutavam contra os desmandos da Ditadura civil militar. A partir deste episódio, uma

(24)

mulher comprometida em denunciar os horrores cometidos pelo regime surge no lugar daquela pessoa despolitiza e apática a situação em que país vivenciava.

Ela estilista, o filho socialista: é esse o contraponto existente em quase toda a película, é como se mãe e filho não compartilhassem do mesmo mundo, tanto que no filme, mal dividiam o mesmo espaço, sendo esta situação retratada por flashbacks (a mãe que se lembra da infância do filho) ou por encontros sempre às escondidas, já que, Stuart passa a maior parte do filme na clandestinidade ou já desaparecido, após cair na teia engendrada pelos militares.

Zuzu fica sabendo da prisão de Stuart por um telefona e percorre por dias às prisões militares do Rio de Janeiro. Sem sucesso em sua busca; resolve usar o seu prestígio social para encontrar Stuart, mais uma vez sem êxito algum. Através de uma carta, redigida por um companheiro de Stuart, Zuzu fica sabendo da morte de seu filho. Carta essa rica em detalhes, despertando assim a ira de uma mãe que se transformaria em uma ameaça para os algozes fardados. É o momento em que a personagem se transforma em ativista na luta pelo cumprimento dos direitos humanos em nosso país. Privilegiada por sua fama no setor da moda, profere suas denuncias internacionalmente, não demoraria muito para que se tornasse mais uma vítima dos mantenedores do regime.

A história que envolve o filme Zuzu Angel é muito interessante. Une um conjunto de fatos históricos que ainda despertam muita curiosidade por parte dos espectadores da grande tela. Juntamente com esse detalhe, registra uma história real entre mãe e filho. É o roteiro perfeito para prender a atenção do público. As fortíssimas cenas de tortura dão a tônica de “cartada final” a este filme, pois reforçam o sofrimento vivido por um jovem idealista e uma mãe alienada politicamente que padece ao não ver o filho retornar a casa.

Outro aspecto a ser destacado é o descuido com o conteúdo político das obras fílmicas com este tema dentro do Cinema da Retomada. Talvez seja por isso que filmes sobre a época da Ditadura civil militar no Brasil chamem tanta atenção dos espectadores, pois a cada obra que eles assistem acabam saindo ainda com mais dúvidas. Logo ao ser lançado outros filmes do gênero, revisitam as salas de cinema no anseio de sanarem as dúvidas deixadas pelo filme anterior ao qual assistiram.

Zuzu Angel peca muito neste aspecto, demonstra apenas um simples jogo entre o

bem e o mal, ambos sem objetivos, uns torturam, outros são torturados, nada é explicado, o sofrimento presente no filme é tão angustiante que acaba por soterrar a

(25)

matriz que desencadeou tal sentimento, ou seja, a situação política a qual o Brasil estava imerso.

3.4 Batismo de Sangue

Lançado no ano de 2007 e dirigido pelo cineasta Helvécio Ratton, o filme

Batismo de Sangue é baseado no livro homônimo de Frei Beto, ganhador do prêmio

Jabuti de literatura 1983. Traz a história do envolvimento de membros da ordem religiosa dominicana na luta de resistência contra o regime ditatorial. De forma mais específica, narra o engajamento de cinco frades na ALN (Força Libertadora Nacional), comandada por Carlos Marighella, um dos mais contundentes líderes revolucionários que se opuseram ao governo militar.

O filme é impactante e inovador ao mesmo tempo. O impacto fica a cargo das incansáveis e extremamente chocantes cenas de tortura. Inovador, pois é uma obra que aprofunda a questão de ordens religiosas tomando frente à luta armada no país, fato este muito pouco abordado, e quando exposto de maneira que os representantes da fé se fizeram omissos a tal acontecimento histórico, quando não raramente colaboradores da ideologia vigente.

O quinto filme dirigido por Helvécio Ratton (Uma Onda no Ar) ganha força ao focar uma história incomum acontecida no período da ditadura. Por dar atenção ao envolvimento de religiosos, e até mesmo da Igreja Católica, no regime político da época, a produção mostra ao espectador uma relação poucas vezes imaginada, mas que existiu. Além disso, Batismo de Sangue traz cenas realistas das torturas realizadas contra os protagonistas. Elas chocam por serem muito bem filmadas, mostrando a violência e a crueldade de forma explícita. Dirigido de forma madura, o filme traz excelente reconstituição de época e interpretações memoráveis, especialmente no caso de Caio Blat, que encarna de forma emocionante as torturas sofridas por Frei Tito – não somente as que ele sofre na prisão, mas principalmente as posteriores, realizadas em sua própria mente. (BITO, 2008)

Batismo de Sangue relata, sobretudo o clima dos porões da Ditadura civil militar

no Brasil, especificamente, os efeitos deixados para além destes recintos em jovens frades dominicanos que caíram nas mãos dos torturadores do regime. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito, Betto, Oswaldo, Fernando e Ivo, tornan-se apoiadores do grupo guerrilheiro ALN, não pegando em armas, mas contribuindo nas ações políticas e logísticas do grupo. Após perceberem que o cerco estava fechado, o grupo dissocia-se,

(26)

para então somente se reencontrarem numa cela de cadeia. Frei Tito, vivido por Caio Blat, é o protagonista da trama, e é quem personifica todo o sofrimento físico e psicológico de uma geração. Não conseguindo livrar-se dos tormentos psicológicos deixados pelas torturas que sofrera, Tito suicida-se durante seu exílio na França. Seu suicídio é mostrado na primeira cena do filme, mas é no decorrer da trama que nosso julgamento começa ficar favorável a atitude do frade. As cenas de torturas que se seguem, dão margem para que possamos nos colocar na pele de Tito, e a imaginarmo-nos na angustiante convivência com os fantasmas que os cercavam.

Esta obra realmente se destaca dentro dos filmes da Retomada que optaram pela temática da Ditadura civil militar no Brasil. Até mesmo o conteúdo político é mais bem abordado, a contextualização dos fatos históricos dão a entender que aqueles jovens arriscavam suas vidas por uma causa séria, que se reuniam em grupos organizados, engajados ideologicamente para implementação de um projeto futuro de sociedade e não somente como idealistas expressando seu espírito de rebeldia e coragem contra um

(27)

4. AS DIFERENTES ABORDAGENS DENTRO DAS CENAS DE TORTURA

É chegada à hora de confrontarmos o modo em que a tortura foi retratada dentro das obras fílmicas contidas no corpus deste estudo, o contraponto existente entre tais obras, se é que existentes, serviram de base para as futuras conclusões desta pesquisa. A ordem de analise fílmica será feita atendendo a seguinte ordem: O que é Isso

Companheiro?, Ação Entre Amigos, Zuzu Angel e Batismo de Sangue.

4.1 O que é Isso Companheiro?

As cenas de tortura ilustradas neste filme tendem a não explorar de modo enfático tal prática exercida pelos cumpridores do Regime civil militar. Primam por mostrar tal advento como se fosse apenas um susto empregado àqueles que teimavam em não aceitar de forma complacente a política dos militares. Inclusive traz num personagem, um torturador em conflitos pessoais quanto à sua função dentro da ideologia vigente. Companheiro deixa no ar o clima tenso dos porões da ditadura, mas se recusa a adornar a película com cenas fortes, onde os torturados aparecem sofrendo agressões físicas consideravelmente cruéis. É como se não precisasse mais que uns pequenos sustinhos e uns dias de reclusão para que jovens idealistas de classe média perdessem o seu comprometimento com a causa. Por essa fragilidade, o sistema não era obrigado a agir com tal brutalidade para arrancar o que bem entendesse dos “ditos revolucionários” sem fibra e coragem. Sabemos que a realidade não era essa, o que pode ser comprovado nas palavras de Gabeira, autor do livro O que é Isso Companheiro, no qual o filme é baseado:

[...] Minha reação diante dos primeiros choques foi uma reação de homem civilizado, creio: fiquei perplexo em ver que aquilo existia e que havia pessoas que o empregavam. Claro que já sabia disso por outros caminhos, mas agora estava vendo e era como ver crianças arrancando as pernas de um passarinho. Como isso era possível e gente daquela idade? Enquanto pensava, ia tomando novos choques e quando passaram os fios para a ponta da orelha realmente deixei de pensar em outra coisa, exceto na necessidade de não deixar que minha cabeça se partisse. Cada vez que davam o choque, tinha uma profunda sensação de dilaceramento, da cabeça se partindo em duas, e acreditava que podia fazer alguma coisa com o corpo para mantê-la intacta. (1984, p. 210).

(28)

Os efeitos psicológicos de tais atos sofridos por jovens revolucionários é que marcadamente se apresenta nesta obra fílmica. O medo no olhar daqueles que estavam diante do torturador, e a postura sempre cabisbaixa após deixarem tais recintos, é o fracasso estampado no rosto de quem sobreviveu sem honradez aos castigos dos torturadores.

A cena que se segue retratada na imagem a seguir pode ser considerada a mais enfática no que diz respeito ao ato físico do torturador para com o torturado. É o único momento onde a força é empregada contra alguém fragilmente posto em situação inferior. Nela é posto o torturador afogando um prisioneiro político para arrancar algumas informações. A cena não é muito forte, e o torturador traz na sua narrativa a seguinte frase ao conversar com os colegas de trabalho: temos que evitar os acidentes de trabalho.

Essa remissiva denota o suposto cuidado com que os torturadores tinham em manter a vida daqueles que empunhavam armas contra o governo militar. Uma tarefa lúcida, que pretendia apenas coletar informações sobre os que eles acreditavam serem os cérebros pensantes das organizações revolucionárias.

Imagem 1. Fonte: O que é Isso Companheiro/1997.

Outro aspecto que encontramos dentro desta obra, é que os revolucionários também possuem prisioneiros políticos, a bem da verdade, um refém, já que o

(29)

personagem ilustrado na imagem que segue no corpo do texto é o embaixador sequestrado pelo grupo revolucionário que protagoniza o filme. É um ponto interessante de ser abordado, já que, o prisioneiro é posto na maioria das cenas de forma segura diante dos sequestradores, não temendo nem mesmo os momentos em que estava sob a mira de uma pistola, cena recorrente no filme. Isso dá ênfase ao espírito humanitário dos jovens que lutavam para livrar o seu país do jugo dos militares, pois em momento algum o seu prisioneiro político é torturado fisicamente, sendo alimentado de forma correta e com uma jarra d’água para refrescar-se do calor abundante do Rio de Janeiro.

Até mesmo um curativo é seguidamente trocado para que uma ferida aberta na cabeça do embaixador não infeccionasse, diga-se de passagem, ferimento decorrente da abordagem na hora do sequestro, e que tudo indica foi feito sem intenção por parte dos sequestradores. Enfim, mostra-se também o lado psicológico de um refém, a violência física não se apresenta no contexto.

Imagem 2. Fonte: O que é Isso Companheiro/1997.

Com exceção da primeira cena de tortura ilustrada na imagem 1, Companheiro evitou mostrar o contato físico entre torturador e torturado, apresentou tal artimanha como um momento solitário da parte de quem espera com angústia a volta de seu algoz. O pau-de-arara é mostrado em uma das cenas que findam a película, o torturador observa o torturado, a imagem escurece por completo e um grito é a representação da dor proporcionada pelas agressões supostamente sofridas pelo torturado. A imaginação

(30)

vem à mente do espectador, o que realmente se sucede não é visto, portanto, posto no ar o que realmente os torturadores eram capazes de fazer para defender suas posições políticas.

Na imagem a seguir, vimos o personagem de Fernando Gabeira em situação supracitada, o medo, a solidão e a incerteza são alguns ingredientes da cena. O momento em que a brutalidade dos torturadores é posta em prova, é quando alguns integrantes do grupo estão no aeroporto, no momento em serão exilados do Brasil. O semblante de cada personagem é deprimente, e a cena forte do filme fica por conta de uma “companheira” que depois de libertada apresenta-se numa cadeira de rodas. Mais uma vez paira no ar a dúvida: o que foi feito com a pobre jovem, será que foram os torturadores são os culpados por tal situação?

Imagem 3. Fonte: O que é Isso Companheiro/1997.

4.2 Ação Entre Amigos

Nesta obra o ato da tortura se mostra quase que inexistente. A violência torturador e torturado é velada, e aparece mais contundentemente nos enfrentamentos abertos entre os jovens revolucionários e os agentes do regime militar. Portanto, em outra situação que não a dos porões da ditadura. A ressalva fica por conta de duas cenas que serão discutidas mais a diante.

(31)

O que se percebe nesta película é um clima latente de violência por toda sua duração. Por pretender narrar uma história que se passa nos anos 1990, mas que, possui trechos nos Anos de Chumbo (através da lembrança de seus protagonistas), Ação Entre

Amigos consegue ambientar toda a história dentro de um prisma da violência dos anos

em que vigorou a ditadura militar e o revanchismo que os mesmos protagonistas alimentam do torturador que nunca lhes saíra da memória, numa narrativa já no presente.

Retirando-se deste clima e transportando-se para a tortura às escondidas, como método de obter informações preponderantes para desmantelar grupos de resistência ao governo, o filme foge do ato da tortura em si, mas ela aparece seguidamente em sua narrativa, imageticamente é que não prima por ir mais a fundo nas atrocidades cometidas pelo governo militar dentro deste aspecto.

Na imagem abaixo percebemos o que foi a tônica do filme ao tratar das cenas de tortura, espaços inóspitos onde eram alojados os presos políticos após supostamente terem sofrido maus tratos. É o homem em estado degradante, privado de seus direitos, sujeito a apodrecer junto daquele lugar. Os prisioneiros se mostram fragilizados, corpo deteriorado, feridas abertas, tudo dá a entender que foram espancados por aqueles que os deixaram ali, mas tortura literalmente não aparece, sobretudo nas primeiras cenas referentes ao tema.

(32)

O jogo psicológico é notadamente enfatizado dentro do filme, nas cenas em que os prisioneiros são atirados em lugares insalubres, a sua espera estava sempre um companheiro de causa que já havia passado pela mesma situação, as palavras são de conforto, é um estímulo a superação de tal fato deprimente, o que no decorrer do filme mostra ter deixado cicatrizes profundas para uma vida inteira, é como se a prisão nunca tivesse saído destes personagens, é a tortura psíquica que os torna eternos prisioneiros.

Imagem 5. Fonte: filme Ação entre amigos/1998.

Outras duas cenas merecem destaque por destoarem das demais existentes do filme, a primeira está ilustrada na imagem 6 (subsequente no texto). Fazendo referência a tal imagem, encontramos a proximidade entre torturado e torturador no ato da tortura. Em plano fechado aparece o rosto de um revolucionário, pesadamente machucado, é nítido que tivera sido espancado. Prosseguindo a cena, é mostrado o torturador recompondo-se, o que tudo indica, do cumprimento de sua função, espancar subversivos. A crueldade se soma a tortura psicológica, essa mais contundente, é quando o torturador confessa ter matado a esposa do torturado, fato agravado por ela estar esperando um filho do mesmo. No entanto, a tortura física aparece conotativamente, de forma executada e não em execução. A coragem do homem que

(33)

sofre a tortura é exacerbada, dando valoração do comprometimento com que aquele indivíduo possuía com suas convicções, mesmo que elas lhe custassem à própria vida.

Mas o grande contraponto de tais cenas é o momento em que os quatro homens (protagonistas), que no passado haviam sido torturados, se encontram na posição de torturadores. É quando do rapto de seu antigo algoz, agora em posição coerciva. Possuído pela raiva e sentimento de vingança, um dos protagonistas do filme não se contenta com a tortura psicológica que emprega ao seu antigo algoz, acabando por lhe dar um tiro na perna. É a revanche contemplada em todos os seus aspectos, a retribuição da tortura física e psicológica que sofrerá na mão do até então torturador, agora convertido em torturado. Contudo, são cenas que não carregam requinte de cruelmente e sim um momento de descontrole emocional, sobretudo é o que as imagens nos falam.

Imagem 6. Fonte: filme Ação entre amigos/1998.

4.3 Zuzu Angel

No filme Zuzu Angel as cenas que dizem respeito à tortura são exploradas de forma denotativa, sem rodeios ou insegurança ao tratar de artifícios utilizados por homens que serviam ao governo militar. Para além disso, consegue explorar muito bem o aparato forjado pelos militares para simplesmente banir da face da terra aqueles que

(34)

oferecessem resistência à sua política de dominação social. Mostra a unidade que possuíam as três esferas do poder militar: exército, marinha e aeronáutica. Todos engajados de forma inescrupulosa na manutenção da ordem social.

Sobretudo é um filme de martírio privado, narra a história particular de uma mãe que luta para ter o corpo de filho. Stuart fora preso, torturado, morto e desaparecido nas mãos dos militares. São esses dois personagens que dividem a dor proporcionada pela prática da tortura dentro de um país dominado por forças civis e militares ditatoriais. Ela sofre com os efeitos psicológicos: culpada por manter-se tanto tempo alienada à situação política do Brasil, frustrada por não conseguir enterrar o corpo de seu filho e eminentemente estando na mira dos militares que a elegeram como inimiga pública da pátria. Stuart Angel sofre as mais terríveis atrocidades físicas, em apenas um dia na prisão é torturado até a morte, sofrendo os mais diversos tipos de tortura.

Sem dúvida é um filme fortíssimo, se levarmos em conta sua abordagem nas cenas de tortura, pode-se garantir que registra uma nova fase de como explorar o tema na grande tela do cinema brasileiro da Retomada. Simplesmente chocante, a dor invade todos os nossos sentidos, explora o nosso repúdio, embrulha o estômago. È na interface das cenas onde Stuart sofre fisicamente e Zuzu psicologicamente, que a película consegue extrair do espectador uma oscilação de sentimentos. Enquanto Stuart é torturado, nos colocamos na pele dele, e, portanto sentimos pena de nós mesmos. Quando Zuzu é consternada pelos traumas psicológicos, sentimos pena daquela pobre mãe como se fosse nossa própria mãe. É uma obra que inegavelmente mexe com o espectador que se vê em meio a uma tempestade de crueldade.

Ainda assim, mesmo possuindo tal dualidade entre os efeitos da tortura, Zuzu

Angel é marcadamente notabilizado pelas acentuadas cenas onde os militares torturavam

jovens revolucionários. São as veias abertas da metodologia da tortura existente à época no Brasil. Esmiúça-se o comprometimento em que os torturadores possuíam com o seu ofício de torturar. Um instinto cruel exacerbado pela conivência de uma ideologia de estado de terror.

Na imagem que se segue, e poderíamos ter recortado várias outras explicitando a tortura, podemos ver a dor. Neste filme ela se materializa diante de nós espectadores. Percebemos Stuart, sendo forçado a entregar seus companheiros de luta. O sal é usado como elemento de proporcionar a dor para a obtenção de resposta. Os gritos que acompanham a cena arrepiam a qualquer um que possua o mínimo de senso de humanidade. E esta seria apenas a primeira cena de muitas outras que chocam por sua

(35)

riqueza de detalhes sobre as práticas dos torturadores, e também, pelo conjunto de sentimentos ao qual era imerso um torturado.

Imagem 7. Fonte: filme Zuzu Angel/2006.

Como colocado no parágrafo anterior, à medida que a película avança o roll de práticas da tortura empregada pelos militares atende quase que uma escalada hierárquica, no que em seu entendimento parecia começar com métodos mais sutis, migrando para técnicas mais pesadas, ao passo que não conseguiam arrancar do torturado as informações que julgavam pertinentes. A humilhação e o medo estão presentes. Sempre nus os torturados eram interrogados, intimidados e espancados. Com sacos na cabeça, eram obrigados a conviver com a angústia do que estava por vir. É a tortura física e psicológica minando e testando a resistência física e a sanidade mental daqueles que adentravam os porões da ditadura na posição de presos políticos. É posto na tela a frieza e o calculismo com que os torturadores exerciam suas tarefas, sem culpas, e sim, como uma missão divina, expurgando o demônio do corpo dos que pretendiam arruinar uma sociedade pensada pelos militares.

(36)

Imagem 8. Fonte: filme Zuzu Angel/2006.

Outro ponto que fica bem nítido no filme é a destreza que os torturadores possuíam na técnica de torturar, é quase como que seguissem uma cartilha para através da tortura conseguir o ato da delação. Eles foram treinados para isso. No decorrer de uma das cenas representada na imagem 9 (após no texto), mostra que após choques elétricos dados nos torturados, os torturadores fechavam os registros de água das celas onde se encontravam os prisioneiros. A própria narrativa do filme nos explica que depois de passar por uma série de eletro-choques o ser humano sente uma sede insaciável, isso é posto no filme em caráter de denúncia, dizendo que os torturadores sabiam exatamente o que estavam fazendo, instruídos para tal tarefa e engajados de corpo e alma na ideologia do regime ditatorial. Matavam porque não conseguiam controlar seu ímpeto de crueldade, já que eram muitas vezes auxiliados por médicos que aferiam as condições físicas e mentais dos torturados.

Zuzu Angel mostra-se implacável em registrar nas telas do cinema as práticas

utilizadas pelos mantenedores do sistema político vigente durante a ditadura militar no Brasil. As cenas de tortura não camuflam e nem amenizam o espectro daqueles que torturam. Explora a crueldade para causar espanto dentro de história que seria mórbida sem as fortes cenas de tortura contidas em seu roteiro. São elas que tiram o caráter

(37)

puramente privado da história entre mãe e filho e as colocam no plano público, onde qualquer indivíduo estava sujeito a encontrar-se em tal situação.

Imagem 9. Fonte: filme Zuzu Angel/2006.

4.1 Batismo de Sangue

Este filme é tão forte quanto o nome que lhe foi dado, encaixando-se perfeitamente no conjunto da obra. Notadamente é o filme mais enfático no que tange a exploração da tortura como tentativa de foco central em uma película do cinema da Retomada. Traz a síntese de que é impossível esquecer tempos como os vividos no Brasil durante a Ditadura civil militar, e mais, que em muitos casos foi impossível sobreviver a tais lembranças. Pode-se nesta obra encontrar o melhor retrato da prática da tortura e suas conseqüências em um indivíduo. Aborda com riqueza o antagonismo entre torturados e torturadores. De um lado o medo, a angústia, a incerteza, a dor, a vergonha e vidas devastadas. De outro, o inescrupuloso, o sarcástico, a crueldade, a covardia, a indecência e crimes impunes. Assim, apresenta-se Batismo de sangue, do início ao fim, um recurso didático para quem tem interesse em saber nos mínimos detalhes sobre a metodologia empregada nas sessões de tortura nos porões da Ditadura

(38)

civil militar. Frei Betto em uma passagem de seu livro Batismo de Sangue, no qual o filme foi baseado, nos conta um pouco como era a vida no cárcere:

Os interrogatórios não tinham fim e o retrato do regime que se emplantara no Brasil desfilava, sem retoques, por fora da pequena grade que lhes permitia acompanhar o movimento do corredor. Foi ao fim da tarde de quarta-feira, 5 de novembro de 1969, que vocês viram, assombrados, silentes, os carcereiros passarem carregando um preso com os braços e pernas tombados no ar, o corpo nu coberto de sangue e hematomas, versão brasileira de Pietà. Fecharam Jeová de Assis Gomes numa solitária do fundão e, na tarde do dia seguinte, ele apareceu todo engessado, mas mesmo assim continuaram torturando o jovem estudante de física da USP, acusado de responsável, na ALN, pela implantação da guerrilha rural, o que não se podia comprovar, já que ele nada dizia que pudesse interessar Fleury e sua equipe, até que decidiram aumentar a dose e ligaram a máquina de choque diretamente num aparelho de TV e ouviram dele apenas um comentário: ‘muda de canal porque este está muito fraco, o que lhe custou à fratura dos braços e pernas. (1983, p.223).

As cenas que representam os métodos utilizados pelos torturadores são infindáveis, as técnicas eram tantas que os prisioneiros ficavam meses trancafiados, experimentando os mais variados tipos de coerção física e mental. Não é à toa que o personagem principal da trama suicida-se após ser libertado de uma prisão militar. Para ele foi impossível conviver com as lembranças, não sobrevivendo às torturas dos fantasmas que o rodeavam.

No entanto, temos de escolher algumas cenas para que nosso relato torne-se mais ilustrativo e as imagens 10, 11 e 12 vão nos auxiliar na direção de tal intento.

(39)

Imagem 10. Fonte: filme Batismo de Sangue/2007.

Na cena ilustrada acima, o torturado está quase desmaiado após sofrer agressões físicas e psicológicas. Acabara de ser retirado do pau-de-arara, os punhos marcadamente machucados pelas cordas que o sustentavam suspenso, e o seu semblante denota uma pessoa inerte, que já não responde a qualquer sentido, seja de ordem física ou psíquica. Não obstante em deixar tal indivíduo em situação deplorável, o torturador continua o seu ritual, entre xingamentos e pisadas na cabeça da vítima. Ele se deleita com o sofrimento que propicia ao seu prisioneiro. É bom enfatizar que as cenas de tortura têm grande duração dentro desta película, retratando o processo do início ao fim. Não podemos esquecer as cenas em que os frades estavam presos na mesma cela enquanto esperavam transferência para outra sede militar. O número de pessoas que apresentavam ferimentos por espancamentos era demasiado assustador, e a cada novo prisioneiro que adentrava o cárcere, mostrava o caminho cruel que tivera percorrido para chegar com vida até ali.

Outro aspecto peculiar desta obra é o de inserir o que parece ser a mais terrível das engenhocas de tortura, a cadeira-do-dragão. Este aparelho todo revestido por placas de metal e interligado a uma rede de fios elétricos causava danos irreparáveis às vítimas. Na figura abaixo podemos ver que a expressão facial e corporal de Caio Blat (Frei Tito), é o suprassumo da dor, nervos contraídos e gritos ensurdecedores.

(40)

Imagem 11. Fonte: filme Batismo de Sangue/2007.

Na imagem 12, podemos observar o torturador apagando um cigarro nas costas do torturado. Cenas deste gênero são ainda mais chocantes e comum dentro do filme

Batismo de Sangue e todas vêm acompanhadas por discursos aterrorizantes e ofensas

morais contra os torturados. O sarcasmo entra em cena repetidamente. É nítido o divertimento com que os torturadores encaram seu ofício, a crueldade aparece sob várias facetas, todas elas servindo aos interesses dos carnífices fardados.

A dualidade das consequências ocasionadas pela tortura, tanto as físicas, quanto psicológicas, são muito bem encarnadas por Caio Blat (Frei Tito). Sua atuação faz com que não consigamos discernir qual foram as cicatrizes mais dolorosas para o protagonista do filme, a personagem expressa dor em seus gestos, expressões, voz, olhar e até mesmo em seu espectro.

(41)
(42)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tomar o Cinema Novo como ponto de partida para traçar um panorama histórico do cinema brasileiro, fica perceptível a influência que o golpe civil militar de 1964 possui em sua trajetória. Podemos falar num cinema brasileiro “antes, durante e depois” da ditadura militar. Com isso, notabilizamos a fragilidade do cinema perante a ideologia vigente, pois está sujeito às transformações políticas do lugar onde é produzido. Se no “antes”, anos que se intercalam as ditaduras de Vargas e a civil Militar, havia liberdade para os criadores do Cinema Novo e sua crítica social, no “durante” o cinema brasileiro teve que se enquadrar num estilo de filme que fosse aprovado pela censura militar, e no “depois”, aparece uma liberdade engessada pelos que dominam o mercado cinematográfico. É nessa fragilidade que o cinema perde sua essência como expressão de arte, subjugada por interesses ideológicos que limitam a naturalidade do seu discurso. Com o Cinema da Retomada essa regra não se tornou exceção.

Como vimos durante o percurso da pesquisa, muito se esperava do Cinema da Retoma, afinal tem seu surgimento depois de uma reabertura democrática em nosso país, (1985), que por durante vinte e cinco vivera sobe pesada ditadura. Seria inevitável que o Cinema Novo surgisse como inspiração e contraponto para esta nova fase do cinema brasileiro, pois foi o momento em que o cinema possuiu certa liberdade para introduzir o experimentalismo e simbolismo a serviço da crítica social que acabaram revolucionando a sétima arte na década de 1960 no país.

No entanto, o Cinema da Retomada não fechou os olhos para as mazelas sociais do país, mas teve de mostrá-las respeitando uma concepção fortíssima de mercado, ou seja, ter como retorno o lucro, e para isso adaptar-se a uma fórmula de fazer cinema que fosse capaz de passar através de sua forma e conteúdo uma estética e narrativa a conquistar grandes bilheterias.

Munidos desta prerrogativa, os filmes que trazem como tema os anos em que a Ditadura civil militar vigorou no país, exploraram histórias onde pudessem construir um enredo que prendesse o espectador na poltrona dos cinemas. O lado emotivo de tais narrativas foi construído em dramas particulares. O sofrimento, a dor e a angústia andaram lado a lado com a história privada de vidas que foram abaladas pela intransigência do regime ditatorial brasileiro, e neste contexto a tortura política serviu como um prato cheio para uma estética do choque, por vezes mostradas

Referências

Documentos relacionados

Com relação ao nível de desempenho técnico-tático das equipes de voleibol nas categorias de formação, considerando o sexo dos jogadores, as evidências

Através do experimento in vivo, verificou-se que o pó nebulizado de nanocápsulas (Neb-NC) é efetivo na proteção da mucosa gastrintestinal frente à indometacina, enquanto que os

• Capacitação e Transferência da metodologia do Sistema ISOR ® para atividades de Coaching e/ou Mentoring utilizando o método das 8 sessões;.. • Capacitação e Transferência

Excluindo as operações de Santos, os demais terminais da Ultracargo apresentaram EBITDA de R$ 15 milhões, redução de 30% e 40% em relação ao 4T14 e ao 3T15,

Os prováveis resultados desta experiência são: na amostra de solo arenoso ou areia, a água irá se infiltrar mais rapidamente e terá maior gotejamento que na amostra de solo

5.2 Importante, então, salientar que a Egrégia Comissão Disciplinar, por maioria, considerou pela aplicação de penalidade disciplinar em desfavor do supramencionado Chefe

Este desafio nos exige uma nova postura frente às questões ambientais, significa tomar o meio ambiente como problema pedagógico, como práxis unificadora que favoreça

4.5.3.1 Comparação da evolução das e iên ias da rede gerada pelo modelo Elite om uma rede aleatória, uma rede livre de es ala e uma rede de mundo pequeno