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Boletim Sindiluta: uma experiência político-editorial no contexto do novo sindicalismo 1

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Boletim Sindiluta: uma experiência político-editorial no contexto do

“novo sindicalismo”

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MIANI, Rozinaldo Antonio (Doutor) FIGUEIREDO, Daniel de Oliveira (Mestrando)

Universidade Estadual de Londrina / Paraná 2

Resumo:

O período da abertura política brasileira foi marcado pela emergência de importantes mobilizações sociais que resultaram na consolidação de organizações políticas que viriam a contribuir decisivamente para a derrocada da ditadura militar e o consequente processo de redemocratização brasileira. Merece destaque a intensificação da ação política do movimento sindical que resultou na construção do que ficaria conhecido como “novo sindicalismo”. No contexto do “novo sindicalismo”, se fazia necessária a constituição de uma “nova” imprensa sindical e, nesse sentido, o boletim Sindiluta, do Sindicato dos Químicos de São Paulo, materializou as principais características do projeto político-editorial idealizado pelas lideranças sindicais e profissionais da imprensa sindical. Analisar a configuração do projeto político-editorial do Sindiluta, enquanto expressão de uma imprensa sindical de novo teor, bem como verificar a importância da charge no contexto discursivo de uma “nova imprensa sindical” são os objetivos principais deste artigo.

Palavras-chave:

Sindiluta. Imprensa sindical. Novo sindicalismo. Charge.

1 - Introdução

No que se refere ao contexto do mundo do trabalho e das lutas sindicais que contribuíram para impulsionar o processo de redemocratização no Brasil durante a abertura política, muitos foram os fatores na ordem político-econômica e social que fizeram eclodir o estabelecimento de um “novo sindicalismo”. O processo de aceleração

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Alternativa, integrante do VIII Encontro Nacional de História da Mídia, 2011.

2 Rozinaldo Antonio Miani - Graduado em Comunicação Social - habilitação em Jornalismo - e História. Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e Doutor em História pela Unesp/Campus Assis. Professor do Departamento de Comunicação e do Programa de Mestrado em Comunicação Visual da Universidade Estadual de Londrina (UEL/PR). Coordenador do Curso de Especialização em Comunicação Popular e Comunitária da UEL e do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Popular (CNPq). E-mail: mianirozinaldo@gmail.com

Daniel de Oliveira Figueiredo - Graduado em Comunicação Social - habilitação em Relações

Públicas. Mestrando em Comunicação Visual pela Universidade Estadual de Londrina, bolsista CAPES. Professor do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: daniel.of.uel@gmail.com.

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da industrialização mundial, a abertura do mercado internacional ao capital estrangeiro, a ampliação de investimentos e subsídios para o desenvolvimento das indústrias de grande porte, a intensificação dos movimentos de urbanização e o consequente surgimento de grandes pólos industriais no Brasil, produziram importantes mutações na organização estrutural do mundo do trabalho e, nesse sentido, foram fatores que impulsionaram a reorganização e o crescimento do movimento sindical em sua totalidade, acarretando a possibilidade de concretização de uma nova concepção do pensar e fazer sindicais, numa perspectiva de ampliar a capacidade de organização e mobilização dos trabalhadores, em torno dos sindicatos, para reivindicar direitos sociais e conquistas corporativas.

Mesmo em contraposição às determinações do regime militar, alguns sindicatos mais combativos passaram a promover importantes ações sindicais, em especial a organização de greves massivas, que foram se articulando politicamente e produzindo as condições objetivas para a constituição do que viria a ser conhecido como “novo sindicalismo”.

Entendemos por “novo sindicalismo” a expressão política de um novo processo social, no âmbito do sindicalismo, que teve origem com as experiências de organização e luta dos trabalhadores a partir das greves de 1978 no ABC paulista e que intensificou o protagonismo social do movimento sindical numa vertente combativa, através de práticas de resistência política e de reivindicação econômica e social. Essa concepção de sindicalismo se consolidou com a criação de uma central sindical de orientação classista, qual seja, a Central Única dos Trabalhadores (MIANI, 2000).

A estrutura sindical que vinha sendo praticada até então, nascida com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mostrava-se integrada com o sistema econômico e político vigente e privilegiava ações verticalizadas nos sindicatos, de maneira a indicar uma orientação política de conciliação de classes e de manutenção do sistema capitalista com a reprodução da exploração da força de trabalho, além de ser favorável às orientações e práticas do “pacto social”, discurso presente desde o período da “abertura política” e que deflagrou o fraudulento processo de redemocratização do Brasil com a chamada “Nova República”, indicando uma continuidade na condição de favorecimento às elites burguesas do país.

Em sua constituição, o “novo sindicalismo” reuniu a combinação da ação política das oposições sindicais com a dos sindicatos combativos. A formação de uma

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central sindical que aglutinasse em torno de si a luta e os interesses históricos dos trabalhadores se tornou imprescindível para a organização eficiente dessas forças de militância. O projeto de criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), além de dar continuidade ao princípio de rompimento com a exploração burguesa e a estrutura sindical vigente, tornou-se estratégico para a consolidação destes esforços.

Logo após sua criação, a CUT se destacou no incipiente contexto do “novo sindicalismo” e nas disputas por mudanças nas relações trabalhistas brasileiras; seu comportamento foi expressivo e contundente, demarcando os princípios de uma nova maneira de pensar e fazer sindicalismo. Para Ricardo Antunes, sua atuação foi

[...] bifronte: de um lado voltada para a luta contra o arrocho salarial, contra a superexploração da força de trabalho, contra a política econômica, tanto do regime militar quanto da ‘Nova República’. De outro lado, é inegável que a atuação da CUT, nesta década de oitenta, teve um papel decisivo na democratização da estrutura sindical, em especial na luta pelo fim da ingerência do Estado. Creio que no balanço destes anos de existência, sua ação tenha sido decisiva nos embates grevistas: A CUT esteve presente nas paralisações do trabalho, ora como pólo desencadeador, como ocorreu em vários casos, ora como organismo ou aparato de apoio às greves, quando estas ocorriam à margem dos sindicatos. A sua presença constante nos embates cotidianos da classe trabalhadora é o elemento que a nutre e lhe dá substância orgânica (ANTUNES, 1995, p.31).

Para dar voz ao discurso politizado da nova concepção e organização sindicais do “novo sindicalismo” e possibilitar a criação de instrumentos comunicativos que contribuíssem com a formação e informação em relação às ações de luta política em favor dos trabalhadores, uma reestruturação política e estrutural da imprensa sindical se fazia necessária. Outra visão sobre o jornalismo praticado, a aproximação de profissionais especializados e a utilização de outros tipos de linguagem, em especial as linguagens iconográficas, demarcaram o surgimento da “nova imprensa sindical”, tema que iremos desenvolver a seguir.

2 - A emergência de uma “nova imprensa sindical” e a experiência do Sindiluta

A imprensa sindical, entendida como uma entre as várias formas de comunicação no universo sindical, é relativamente recente. Apesar de considerarmos

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que o movimento sindical há muito tempo vem desenvolvendo uma prática cada vez mais intensiva no campo da comunicação, mais precisamente desde as primeiras organizações sindicais operárias no Brasil (impulsionadas pelo anarcossindicalismo) e, principalmente, após a criação oficial dos sindicatos com a implantação do sindicalismo oficial pelo governo Getúlio Vargas, o estabelecimento de uma imprensa sindical permanente e orgânica só se consolidou com a emergência do “novo sindicalismo”.

No que se refere à concepção e prática da imprensa sindical pós emergência do “novo sindicalismo” é possível identificarmos importantes diferenciações em relação às experiências anteriores da imprensa das classes subalternas 3. A esse respeito, Rozinaldo Miani argumenta que o novo modelo de imprensa sindical, que se desenvolveu a partir da retomada das lutas sindicais, modificou substancialmente a concepção editorial e a dinâmica do processo de produção praticadas até então. Afirma o referido autor:

Ela não é elaborada por trabalhadores ou militantes proletários ligados organicamente às organizações; é produzida por profissionais especializados, principalmente jornalistas, contratados pela entidade para fazer a notícia e “encaminhar” o jornal. Diante disso nasce uma preocupação dos próprios militantes operários em produzir textos e livros mostrando como esses profissionais devem atuar, que linguagem utilizar (veja-se o exemplo de Vito Giannotti, militante da oposição metalúrgica de São Paulo que escreveu sobre o que é “jornalismo operário”). Quanto ao conteúdo, este sofre uma gradativa alteração e vai se confirmando uma supremacia das lutas econômicas sobre as lutas políticas, como reflexo da própria orientação interna das direções sindicais (MIANI, 2000, p. 37).

Quem melhor analisou as características da imprensa sindical no contexto do “novo sindicalismo” foi Valdeci Verdelho, jornalista sindical, que, inclusive, nomeou a imprensa sindical do início da década de 1980 como “nova imprensa sindical”. Para Verdelho, essa imprensa

[...] deixa de ser meramente uma atividade de militância voltada para doutrinação ideológica, como acontecia no começo do século, e deixa de ser a simples tarefa de ‘fechar’ o jornal, encomendado por alguém da diretoria, tal como se observava nos últimos anos, para ser a tentativa de desenvolver o que poderíamos chamar a ‘comunicação das classes trabalhadoras’. Ou seja, uma comunicação que a partir do

3 Uma reflexão atualizada sobre cada etapa da imprensa das classes subalternas pode ser encontrada em MIANI, Rozinaldo Antonio. Imprensa das classes subalternas: atualização e atualidade de um conceito. Em Questão, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 193-208, jan./jun. 2010.

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trabalho sindical, diretamente vinculado às fábricas, aos locais de trabalho (utilizando mensagens, meios, linguagens e formas próprias da classe, portanto, contrapondo-se à que é elaborada e difundida pelos detentores dos meios de produção, através dos meios de comunicação de massa), enseja uma ação transformadora da realidade política, econômica, social e cultural. Resumindo, uma comunicação, sob todos os aspectos, instrumento dos trabalhadores na luta contra a exploração econômica e a opressão política (VERDELHO, 1986, p.81/82).

Em um esforço de sistematização da concepção da “nova imprensa sindical”, Verdelho descreve suas características essenciais e destaca: a) a prática dialógica inerente à comunicação, que se propõe participativa e transformadora da realidade do trabalhador; b) a multiplicidade de meios utilizados para a comunicação, principalmente pela atuação dos “técnicos”, que vão aprofundando seus conhecimentos sobre a realidade dos interlocutores (categoria para qual trabalham) e desenvolvendo ou resgatando outros meios impressos, como cartazes, gibis, cartilhas, e até estampas para camisetas; c) o desenvolvimento de uma imprensa diária e, com ela, um novo estilo e uma linguagem própria para se comunicar, a “linguagem do trabalhador”; d) o surgimento do hábito de leitura entre os trabalhadores, afinal “a imprensa sindical diária é efetivamente lida e tem a participação real dos interlocutores”.

Dentre as características apresentadas, merece destaque o fato de a imprensa sindical ganhar periodicidade diária. Essa condição passou a exigir da equipe envolvida em sua produção o desenvolvimento de uma capacidade criativa e de uma eficiência profissional inéditas, principalmente no que dizia respeito à agilidade no processo de produção e à adequação de linguagem. Sobre essa última questão, Verdelho afirma que “a linguagem utilizada é, ou procura ser, a própria linguagem do trabalhador”; nesse sentido a imprensa sindical diária passou a “recorrer frequentemente a imagens para transmitir uma idéia e abrir amplo espaço para recursos visuais, como ilustrações, charges, cartuns, fotos e quadros esquemáticos” (VERDELHO, 1986, p. 97).

Para além de apresentar uma sistematização teórica da “nova imprensa sindical”, Verdelho foi protagonista de uma das mais representativas experiências dessa imprensa no contexto do “novo sindicalismo”. Verdelho foi jornalista do Sindicato dos Químicos de São Paulo e foi responsável pela produção, por alguns anos, do boletim

Sindiluta que materializou o projeto político-editorial da “nova imprensa sindical”.

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fundado em 1933 e que nasceu unificado com o setor plástico, tornou-se um sindicato específico do setor químico em 1954. Em 1957, uma oposição sindical de corrente nacionalista se organizou e ganhou as eleições no sindicato, fortalecendo a luta política da categoria junto ao patronato e ao governo. Essa atuação mais combativa prevaleceu ate 1964, ano do golpe militar, quando a diretoria do sindicato foi cassada e a entidade ficou sob intervenção até 1982. Já no período da abertura política, uma nova oposição sindical se articulou e venceu as eleições sindicais naquele ano. A partir de então, o Sindicato dos Químicos de São Paulo se vinculou ao movimento sindical combativo e participou decisivamente do processo de construção do “novo sindicalismo” 4.

Como parte fundamental do projeto da nova diretoria, de construção de um sindicalismo de luta e classista, a criação de um instrumento de comunicação se fazia essencial. Nesse sentido, foi criado o Sindiluta, boletim diário que passou a circular junto à categoria a partir do dia 07 de abril de 1983. Em sua edição número 1, ficaram explícitos os objetivos e a concepção de imprensa sindical defendidos:

Através do SINDILUTA DIÁRIO a diretoria do Sindicato vai estar em contato com a categoria diariamente para informar, convocar, denunciar, orientar, conclamar e levar suas palavras de ordem. E cada trabalhador vai poder comunicar seus problemas, suas preocupações assim como tomar conhecimento das lutas que outros trabalhadores estão levando em outros locais de trabalho ou outras categorias. SINDILUTA DIÁRIO será um porta-voz da classe trabalhadora contra os baixos salários, a insalubridade, discriminação, as péssimas condições de trabalho, as arbitrariedades das chefias. Enfim, contra toda a exploração imposta pelo governo e pelos patrões. Mas SINDILUTA DIÁRIO será, principalmente, um instrumento de luta dos trabalhadores. Sendo assim, não será um jornalzinho feito pelo Sindicato para o trabalhador. Mas um jornalzinho feito com os trabalhadores. Os trabalhadores é que fornecerão o material a ser publicado; definirá a maneira de se tratar cada assunto e, principalmente, cuidarão da distribuição, levando diariamente alguns exemplares para o seu local de trabalho e discutindo com os companheiros os assuntos publicados. SINDILUTA DIÁRIO será, portanto, um jornalzinho do trabalhador e sendo assim depende de cada trabalhador (SINDILUTA, 07/04/1983, p. 1).

Durante os primeiros anos de circulação do Sindiluta pode-se verificar que os pressupostos de uma “nova imprensa sindical” efetivamente se estabeleceram. O

5 A reunificação entre os sindicatos dos químicos e dos plásticos teve início num congresso conjunto realizado em 1993, em Caraguatatuba/SP, e se consolidou em 1994 com a eleição unificada de uma diretoria envolvendo dirigentes das duas categorias trabalhistas.

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referido “jornalzinho” circulava diariamente; tematizava e abordava os assuntos sob a perspectiva dos interesses dos trabalhadores; procurava ampliar as formas de participação dos trabalhadores da base na definição das pautas; utilizava recursos imagéticos, principalmente a charge; e tornou-se um efetivo instrumento de formação e informação dos trabalhadores. Nesse sentido, podemos afirmar que o boletim Sindiluta materializou o desejo das lideranças do “novo sindicalismo” de construção de um projeto político-editorial de novas bases, fundamentado na proposta de desenvolvimento de uma “nova imprensa sindical”.

Passaremos agora a analisar de maneira mais aprofundada a proposta político-editorial do Sindiluta, especificamente no que se refere à prática de um jornalismo opinativo e combativo e ao uso de recursos imagéticos em sua constituição.

3 - Sindiluta: Uma experiência político-editorial compatível com o “novo sindicalismo”

A construção de “um projeto de uma imprensa atuante e independente” 5 se tornou realidade no contexto do Sindicato dos Químicos de São Paulo com a criação do

Sindiluta. Desde sua concepção, o referido boletim se tornou expoente de uma imprensa

sindical inovadora e classista.

A prática de um jornalismo marcadamente opinativo e voltado para os interesses dos trabalhadores, portanto de natureza classista, foi uma das principais marcas do Sindiluta ao longo dos primeiros anos do processo de “redemocratização brasileira” e da consolidação da retomada do movimento sindical combativo.

Em suas páginas, diariamente, o Sindiluta apresentava análises da conjuntura econômica e política brasileira e seus impactos na realidade cotidiana dos trabalhadores da categoria. Assuntos como desemprego, questão salarial, mobilizações e greves dos trabalhadores apareciam com frequência, sempre analisados e comentados na perspectiva de denúncia contra a exploração cometida contra os trabalhadores. Temas mais gerais da realidade nacional também eram tematizados, como eleições, dívida externa, políticas públicas, atuação dos meios de comunicação de massa, sempre

5 Expressão utilizada por Domingos Galante, eleito presidente do sindicato nas eleições de 1982, ao se

referir à proposta da diretoria eleita em relação à imprensa sindical. A afirmação foi feita por ocasião de entrevista concedida a Rozinaldo Miani, em 1999, para realização de dissertação de mestrado.

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tratados de maneira crítica e politizada. A esse respeito, segundo Miani, “é indiscutível a comprovação da função do Sindiluta como porta-voz da classe trabalhadora contra toda a exploração imposta pelo governo e pelos patrões” (MIANI, 2000, p. 112).

Em relação às práticas abusivas e arbitrárias das empresas contra os trabalhadores, o Sindiluta se apresentava como um defensor intransigente da categoria, denunciando tais atitudes e não se omitindo em nomear os responsáveis (patrões e chefias) pela exploração e repressão cometidas.

Os responsáveis pela produção do boletim também se preocupavam em informar e esclarecer os trabalhadores sobre a estrutura do sindicato e sua atuação política, reforçando o vínculo do sindicato com o movimento do “novo sindicalismo”, manifestando apoio aos Conclat’s e à criação e consolidação da CUT. Cumpria, ainda, o papel de convocar a categoria para a participação em assembléias, plenárias, reuniões específicas de mobilizações e informava sobre as lutas e as greves ocorridas na categoria.

O Sindiluta se constituía, ainda, em um instrumento de solidariedade de classe nacional e internacional. As demais categorias trabalhistas no Brasil, em processos de luta pela retomada dos sindicatos ou em suas lutas políticas corporativas, bem como as lutas da classe trabalhadora em outros países, especialmente da América Latina, recebiam tratamento especial nas páginas do boletim, com palavras de apoio e assumindo compromisso público de solidariedade com tais lutas.

Enfim, o Sindiluta cumpria gradativamente o papel de articulador e organizador político da categoria, bem como passava a fazer parte do cotidiano do trabalhador como um “companheiro” inseparável, promovendo formação e levando informação à categoria.

3.1 - A presença da charge e sua importância política no Sindiluta

Ao mesmo tempo em que uma nova concepção político-editorial de imprensa sindical passou a tomar forma no contexto do “novo sindicalismo”, também se observou a intensificação do fenômeno da profissionalização do setor. A presença de jornalistas com formação profissional atuando na imprensa sindical contribuiu para que os novos projetos gráfico-editoriais dos sindicatos ganhassem em qualidade e versatilidade.

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Nesse sentido, os jornais e boletins sindicais ganharam novos formatos e novas linguagens passaram a compor o “desenho visual” de tais produções comunicativas. Não se trata de afirmar que foi apenas o fator da profissionalização que possibilitou a incorporação de novas estratégias comunicativas e de persuasão no contexto da imprensa sindical (até porque a experiência da imprensa alternativa havia sido um laboratório muito fértil para novas concepções e práticas de produções comunicativas), mas esse fator contribuiu para que as diretorias sindicais se apresentassem mais sensíveis diante da argumentação da necessidade de investimentos no setor (principalmente com a contratação de outros profissionais, como fotógrafos, chargistas, diagramadores).

Dentre as estratégias comunicativas alternativas desenvolvidas ou intensificadas no contexto da imprensa sindical da época, destacamos a ampliação da utilização de recursos visuais, de modo geral, e das charges, em particular. O reconhecimento de que a charge representava uma maneira mais fácil de comunicação junto aos trabalhadores era comungado tanto pelos dirigentes quanto pelos próprios chargistas. Nesse sentido, a charge, pela sua ludicidade e humor, foi ganhando o seu espaço e passou a ocupar uma posição estratégica no conjunto de recursos da imprensa sindical.

Por sua natureza dissertativa, a charge cumpria, necessariamente, uma função opinativa junto ao leitor. Às vezes a charge aparecia ao lado de textos analíticos de conjuntura política ou de descrição e análise de situações cotidianas enfrentadas pelos trabalhadores da própria categoria. Outras vezes, o que se tinha era a produção de charges editoriais (MIANI, 2008) que faziam referência às lutas ou posições políticas das direções sindicais.

No Sindicato dos Químicos de São Paulo, Bira (1982 a 1988), Marcatti (1984 a 1988) e Paulo Monteiro (1986 a 1990) ilustraram quase diariamente as páginas do boletim Sindiluta e contribuíram de maneira decisiva para criar uma cultura política da charge na imprensa sindical.

As charges raramente eram utilizadas apenas como ilustração das matérias (função que acaba ocupando a fotografia atualmente) ou recurso de diagramação para a publicação. Eram tratadas como estratégia comunicativa de defesa política em favor dos interesses dos trabalhadores, reforço de discussões apresentadas em textos de denúncias

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da exploração patronal, sistematização de posicionamentos político-ideológicos da direção sindical e, em muitas situações, como elemento de mobilização dos trabalhadores. A esse respeito, em entrevista concedida a Miani por ocasião de dissertação de mestrado, Jorge Coelho (à época diretor de imprensa do sindicato), relatou o seguinte episódio:

Eu me lembro, inclusive, de uma vez que discutimos a história de uma charge sobre a péssima qualidade da comida na Oxigênio e dissemos que nem gato comia. Daí o Bira fez a charge em que o gato comia aquela porcaria e morria. Essa charge teve uma repercussão fantástica; os trabalhadores viram o desenho e a mobilização contra a refeição servida pela empresa foi muito grande (apud MIANI, 2000, p.114/115).

Em alguns casos específicos, os chargistas, por terem dimensão do potencial persuasiva da linguagem chárgica, utilizavam-nas no boletim como fator de continuidade para uma maior reflexão, encadeando uma sequência narrativa em seis ou sete edições (dias). Assim, criavam uma “história” politizada e que instigava os trabalhadores a lerem o próximo jornal.

Desde sua criação, até meados de 1989, as charges tinham periodicidade quase diária no boletim; raras eram as edições que não exploravam a visualidade 6. Com a saída do chargista Bira do sindicato em 1988, percebe-se uma diminuição do uso deste recurso iconográfico. A fotografia, devido às inovações na diagramação e impressão, ganhou maior destaque e reposicionou a presença charge enquanto recurso visual.

Miani, quando da produção de sua dissertação de mestrado, entrevistou os chargistas de alguns sindicatos representativos do “novo sindicalismo”, que manifestaram sua compreensão da charge no contexto da imprensa sindical. Vale reproduzir a afirmação de Pecê (chargista do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) que defende a charge como “o espaço da reflexão, da opinião, do humor, da vingança do riso. É o espaço arejado e temperado da notícia, onde o desenho pinta e borda” (apud MIANI, 2000, p. 91). Já na opinião de Bira, a charge se constituía como “um espaço de pensamento crítico, de resistência à opinião simplista e acomodada” (Idem, p. 115).

6 Para se ter uma ideia da presença das imagens (em especial da charge) no Sindiluta, até a edição 584,

veiculada em dezembro/1985, apenas 64 edições não apresentaram nenhum recurso visual, representando apenas 11% do total de boletins do período 1983/1985 (Cf. MIANI, 2000). Não foi realizado nenhum levantamento preciso no período posterior, mas por observação é possível constatar que esse percentual se manteve ou até mesmo diminuiu nos anos seguintes.

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Dessa forma, após uma identificação teórica e a validação de profissionais que atuaram neste contexto, defendemos que a presença da charge, com sua ludicidade, seu humor e seu potencial persuasivo, contribuiu para a constituição de uma nova cultura política a respeito da imprensa sindical, compatível com as necessidades políticas do “novo sindicalismo” emergente.

3.1.1 - A busca por identificação através da criação de personagens

Um destaque importante na produção chárgica, recorrente na “nova imprensa sindical”, foi o aparecimento de personagens representativos das mais diversas categorias trabalhistas. Os sindicatos e seus chargistas utilizavam recursos criativos na criação de personagens que passaram a ter presença constante nas imagens, principalmente em situações representativas do cotidiano dos trabalhadores. A identificação era quase imediata dos personagens com o próprio trabalhador e isso potencializava a sua aproximação com o sindicato e com suas posições ideológicas, além de ampliar sua atitude persuasiva.

Com a criação do Sindiluta nasceram dois personagens, que passaram a ter presença constante no boletim; são eles, “Chico Ácido” e “Maria dos Remédios”, personagens criados por Bira. “Chico” é um trabalhador padrão das indústrias químicas; representava situações cotidianas dos trabalhadores da categoria e sempre demonstrava comportamento politizado, pró-sindicato e bastante questionador. Dando o exemplo da luta contra a exploração, promovia discussões sobre as questões salariais, comportamentais e ideológicas.

O ramo químico também inclui o setor farmacêutico. Nesse sentido, “Maria dos Remédios” tornou-se uma representante da categoria que trabalhava no setor de medicamentos e encampava as lutas deste setor. Contra a exploração da força de trabalho e repressão política e ideológica, a personagem se destacava pelo combate à política de aumento dos preços dos remédios e concomitante arrocho salarial contra os trabalhadores e trabalhadoras.

No ano de 1986 ganharam presença outros dois personagens, desta feita criados pelo desenhista Paulo Monteiro. “Meia-noite” é o oposto, sob a perspectiva de atuação

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politizada no sindicato, de “Chico Ácido”. Representativo daqueles trabalhadores que não entendem a luta da categoria e sua dimensão ideológica, o personagem era caracterizado por sempre fazer hora extra e se submeter às imposições do patrão.

Além do “Meia-noite”, “Mimi” trazia consigo importantes reflexões sobre a vida dos trabalhadores e a importância da militância em seu cotidiano. Teve relevante atuação na questão da mulher trabalhadora e se fazia representante orgânica da subjetividade do mundo do trabalho.

Em 1987 apareceram outros dois personagens, também criados por Paulo Monteiro. “Chilique” e “Fuzuê”, apesar de terem atuação coadjuvante, ajudavm os chargistas a discutirem os problemas da classe trabalhadora e melhor esclarecerem a importância da atuação politizada na conjuntura política, econômica e social da época.

Esses personagens, em conjunto ou individualmente, procuravam estabelecer as identificações necessárias com os perfis dos trabalhadores do ramo químico para potencializar uma aproximação do discurso político-ideológico do sindicato junto à categoria. A presença desses personagens nas mais diversas situações cotidianas e/ou conjunturais favorecia a ação persuasiva de conscientização e formação política dos trabalhadores da categoria em relação aos objetivos estratégicos da direção sindical.

4 - Considerações finais

A constituição de uma “nova imprensa sindical” se apresentava como uma exigência para compatibilizar a prática comunicativa dos sindicatos com a reorganização e reorientação política do movimento sindical, a partir da emergência do “novo sindicalismo”.

A elaboração de uma nova concepção de imprensa sindical, concomitante e combinada com a materialização de um projeto político-editorial, se fez realidade no Sindicato dos Químicos de São Paulo, no início da década de 1980, fundamentalmente com a criação do boletim Sindiluta.

O Sindiluta não foi o único, e talvez nem mesmo o primeiro representante de uma imprensa sindical correlata do “novo sindicalismo”. Faz-se necessário, neste momento, ao menos fazer referência ao jornal Tribuna Metalúrgica do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, que desde o final da década de

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1970 já prenunciava e lançava algumas bases do que viria a ser a concretização de uma “nova imprensa sindical”.

O que procuramos com esse trabalho foi, tão somente, apresentar algumas das contribuições efetivas que a experiência do boletim Sindiluta proporcionou para a consolidação de uma nova forma de ser e fazer imprensa sindical. Que outros exemplos sejam reconhecidos e analisados para compor o universo das práticas comunicativas sindicais vinculadas ao contexto de uma comunicação popular alternativa.

Referências

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