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NORBERT ELIAS: CORPO, EDUCAÇÃO E PROCESSOS CIVILIZADORES

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Academic year: 2021

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NORBERT ELIAS: CORPO, EDUCAÇÃO E PROCESSOS CIVILIZADORES

Ricardo de F. Lucena DFE/UFPB ricoluce@hotmail.com

RESUMO:

Trata o texto de uma reflexão sobre aspectos da obras de Norbert Elias e sobre a questão do Corpo e da Educação. No trabalho quero explorar uma possível relação entre o conceito de Processo Civilizador e as implicações relativas ao corpo e à educação. Onde podemos enxergar os elementos corpo e educação no discurso de Elias sobre o Processo Civilizador? É essa a questão básica que me vem animado na realização do trabalho e que tem nos livros O Processo Civilizador I e II, as referências bibliográficas básicas.

Palavras-chave: Corpo, educação, processo civilizador.

ABSTRACT:

The text is a reflection on aspects of Norbert Elias work, as well as the issue of Body and Education. In this paper I intend to exploit a possible relationship between the concept of the Civilizing Process and implications related to the body and education. Where can we see the elements ‘body and education’ in Elias speech, concerning the civilizing process? This is the basic question that drives us to work o this matter, and that finds the basic bibliographical references in the books the Civilizing Process I and II (1994).

Key words: Body, education, civilizing process.

Percebo a obra de Norbert Elias como um material denso e rico que permite a inauguração de novos e radicais olhares sobre temas distintos. Poderia dizer que, em muitos momentos, os seus textos são parecidos com lenha guardada em lugar quente e seco, a qual, quando é disposta no terreno da curiosidade, em forma de fogueira de São João, por exemplo, precisa de pouca brasa para resultar em chama viva e ardente. Mas essa imagem, sei bem, não é uma solução; ela aponta o centro do problema que me incomoda e que diz respeito à provocação para pensar a partir de um tema amplo: Norbert Elias: corpo, educação e processo civilizador. Entre tantos caminhos possíveis preferi tratar a idéia de corpo e educação como a de elementos de um processo civilizador ocidental, mesmo porque há em toda a produção intelectual de N. Elias um componente histórico que não pode ser desconsiderado. Tecerei ainda algumas observações sobre a idéia de processo civilizador e tentarei aí demonstrar onde, para Elias, a educação apresenta um estatuto relevante que me auxilie a pensar esse processo.

Parece-me incontestável que na obra de Norbert Elias tem uma grande importância a história. Isso está apontado em vários comentários a respeito dos seus trabalhos. Júlia Varela, no prólogo de um interessante ensaio escrito por Elias e intitulado “Conhecimento e Poder”, aponta a dificuldade de caracterizar-lhe a obra pelo fato de estar esta em constante re elaboração. Para ela,

nos encontramos ante uma metodologia processual e relacional, não só pela importância que confere às trocas(mudanças), às transformações que têm lugar durante

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amplos períodos de tempo(fato que lhe permite reconstruir a lógica interna da dinâmica social) , senão porque se prende à necessidade de analisar em cada período histórico a interdependência que existe entre múltiplos processos situados em diferentes níveis.”( Conocimento y Poder, p. 26).

Um outro exemplo vem de historiadores brasileiros, como Jurandir Malerba, que, tratando da produção elisiana num artigo denominado “Sobre Norbert Elias”, reclama contra o atraso na percepção tida pelo próprio circuito acadêmico e afirma que “seu vigor reside não apenas no fato de ter-se antecipado em meio século a temas muito caros hoje em dia, sobretudo a Historiografia. Seu enfoque, anota Malerba, sobre aspectos do comportamento humano estava à margem da pauta de preocupações da ciência histórica, tal como era entendida e praticada nos centros de pesquisa oficiais da década de 1930. Atualmente o olhar dos cientistas sociais – inclusive o dos historiadores – volta-se para as maneiras de vestir, comer, amar, apresentar-se, para os gestos e cerimoniais (p.73)”. Estes são temas bastante presentes às análises de Norbert Elias, em especial nas obras de caráter mais historiográfico, como A Sociedade de Corte e O Processo Civilizador.

Em linhas gerais, o entendimento do sentido dado por Elias à idéia de processo civilizador é considerado por duas categorias básicas: poder e violência. O entendimento da tensão entre a necessidade e o monopólio da primeira e o controle social e individual da segunda, dito de forma bastante resumida, estabelece as bases do processo civilizador ocidental.

Para entendermos esse processo, vejamos a questão básica formulada por Elias: De que forma a sociedade extremamente descentralizada de princípio da Idade Média, na qual numerosos guerreiros de maior ou menor importância eram os autênticos governantes do território ocidental, veio a transformar-se em uma das sociedades internamente mais ou menos pacificadas, mas extremamente belicosas, que chamamos Estado? Que dinâmica de interdependência humana pressiona para a integração de áreas cada vez mais extensas sob um aparelho governamental relativamente estável e centralizado?(Processo Civilizador vol 1, p. 16).

Na resposta a questões como estas, alguns aspectos merecem destaque: a formação do Estado, com o aumento da centralização política e administrativa e da pacificação sob o seu controle, e com o aumento das cadeias de interdependência (ou um processo de democratização funcional); a elaboração e o refinamento das condutas e dos padrões sociais; um aumento concomitante da pressão social sobre as pessoas para exercerem o autocontrole e um aumento da consciência reguladora do comportamento. Todos esses aspectos aparecem como elementos do processo civilizador, apontados por Elias, ou dos processos civilizadores, ocidentais desde a Idade Média.

Diferentemente de outras análises da questão da civilização, a resposta elaborada pelo referido autor, toma o caminho de duas vertentes singulares nos aspectos da psicogênese e da sociogênese do processo que ele elabora. A psicogênese corresponde ao desenvolvimento de longa duração das estruturas da personalidade humana e às transformações do comportamento, “a passagem dos mecanismos de coação exteriores para mecanismos interiores: uma espécie de internalização, disciplinarização de si.”

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(Waizbort, 1999). Já a sociogênese diz respeito ao desenvolvimento, a longo prazo, das estruturas sociais. A civilização, que é um processo, é, por conseguinte, o processo da formação do Estado moderno. “Este visto como a centralização rumo à monopolização: do território, do uso da violência, do direito a cobrar impostos, que implica em um crescente grau de dependência e funcionalização, coordenação, regulação e internalização do conjunto dos processos sociais.” (Waizbort,1999). Destarte, a riqueza da análise está na mútua dependência estabelecida entre a psicogênese e a sociogênese. Tal dependência marca a teoria do processo civilizador, ou dos processos civilizadores, como frisa o próprio Norbert Elias na sinopse do volume dois da sua obra mais conhecida.

Portanto, o que caracteriza esse processo é a transformação dos modelos de conduta, que tomam uma direção específica, em alguns segmentos das classes sociais mais altas, especialmente a partir do século XVI. O domínio da conduta e da sensibilidade torna-se mais rigoroso, mais diferenciado e menos tolerante com excessos de atitudes emotivas e de autocensuras. Para Norbert Elias, essa mudança encontrou a sua expressão num termo novo lançado por Erasmo de Roterdan e utilizado em muitos outros países “como símbolo de um novo refinamento das maneiras, o termo CIVILIDADE, que mais tarde deu origem ao verbo CIVILIZAR.” ( Elias,1994 p. 41) O processo de formação do Estado e a pacificação sob o seu controle com a particular sujeição da classe guerreira a um controle mais severo, a civilização dos nobres nos países continentais, percebeu Elias, possuía algo de comum com a mudança verificada no código de sensibilidade e de conduta, o que não deixa de ter uma relação muito próxima com uma idéia da necessidade de educar que herdamos. Assim, o modelo de controle do comportamento num período dado e a estrutura das funções psicológicas vinculam-se à estrutura das funções sociais e à mudança do relacionamento entre as pessoas.

Mas, a procura da identificação das bases desses processos civilizadores fez Elias estabelecer uma análise por meio de vários temas que chamo aqui de “transversais” e pelo menos por meio de três grandes e influentes formações sociais na Europa: a França, a Alemanha e a Inglaterra.

No tocante aos temas “transversais” me é de particular beleza a análise que faz do processo de envelhecimento e isolamento que cada indivíduo sofre nas sociedades ocidentais mais desenvolvidas, acompanhando o embaraço diante da morte. O autor anota: “jamais anteriormente as pessoas morreram de uma maneira tão pouco ruidosa e tão higiênica como hoje em dia (...) e jamais isso foi feito em condições que tenham fomentado tanto a solidão.” (Elias, 1987. P. 105).

Por outro lado, na análise que faz da vida do músico Mozart, em o componente da presença e do papel do indivíduo no grupo é um fator de destaque. Aqui o conceito de processo de individualização1, num sentido diferente da individualidade, aliado ao de habitus, permite uma análise que destaque o indivíduo sem deslocá-lo do grupo social em que está inserido. Em Mozart: a sociologia de um gênio(1995), Elias nos dá a oportunidade

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O processo de individualização é um conceito que considera que “desde a infância o indivíduo é treinado para desenvolver um grau bastante elevado de autocontrole e independência pessoal. É acostumado a competir com os outros, aprende desde cedo quando algo lhe granjeia aprovação e lhe causa orgulho, que é desejável distinguir-se dos outros por qualidades, esforços e realizações pessoais, aprende a encontrar satisfação neste tipo de sucesso. Mas, ao mesmo tempo, em todas estas sociedades, há rígidos limites estabelecidos quanto à maneira como o sujeito pode distinguir-se e os campos em que pode fazê-lo.”(A sociedade dos indivíduos. P. 120)

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de reconhecer a dinâmica social de um grupo por meio de um indivíduo sem, contudo, isolar esse indivíduo, tratando-o como um caso à parte e único, mas vendo-o como produto de dependências mútuas e fundamentais.

Outros três trabalhos se destacam pela análise desse processo na França, Alemanha e Inglaterra. No primeiro, em “A sociedade de Corte” Elias marca a gênese desse processo, onde a corte dos reis da França é uma formação social onde se definem, de maneira específica, as relações entre os sujeitos sociais e as dependências recíprocas que ligam os indivíduos uns aos outros e engendram códigos de comportamentos originais. Já em Os Alemães, Norbert Elias trata, de forma bastante rica, o desenvolvimento do habitus nacional alemão, seu processo, a longo prazo, de formação do Estado na Alemanha e aí apontando elementos que possibilitaram o violento surto descivilizador da época de Hitler. Mostra os caminhos em que as características do habitus, da individualização e da estrutura social se combinaram para produzir a ascensão de Hitler e os genocídios nazistas. Isso como resultante do passado de formação do Estado alemão. Nesse sentido, “Os Alemães” são uma obra que vem corrigir um desvio de análises feitas sobre a teoria dos processos civilizadores, os quais apontam-na como uma análise apenas “otimista”, para não dizer “ingênua”, da história ocidental, fazendo reconhecer aí, o sentido descivilizador possível como resultante das intrincadas e complexas relações humanas. A esse respeito dizia Elias: “a civilização não é ‘razoável’ nem ‘racional’, como também não é irracional. É posta em movimento cegamente e mantida em movimento pela dinâmica autônoma de uma rede de relacionamentos, por mudanças específicas na maneira como as pessoas se vêem obrigadas a conviver.” (Elias, a Sociedade dos Indivíduos, 1994, p. 195).

Por outro lado, é na análise desse processo na Inglaterra que N. Elias chega ao ponto de tratar dos esportes. Na introdução de um livro publicado em português com o título de “A busca da excitação” (em inglês Quest for excitement. Sport and Laisure in the Civilizing Process), ele vai explicitar como o processo que culminou com a parlamentarização das classes sociais privilegiadas da Inglaterra, especialmente ao longo do século XVIII, teve um equivalente na esportivização dos seus passatempos(p.48). Tanto num caso como no outro, salta aos olhos, na análise proposta, o aumento da sensibilidade, no que se refere à violência. Nesse sentido, baseia-se na mudança do equilíbrio de poder entre o Rei e os proprietários rurais das classes mais altas. Estes, na Inglaterra, diferentemente da França, desempenharam um papel ativo e não muito dependente do poder do Rei. Por isso, para Elias, o regime parlamentar

desenvolveu-se durante o século XVIII, em resposta a um equilíbrio de poder do rei, equilíbrio esse que garantia que os reis da Inglaterra, de modo diferente daquele dos reis da França, nunca transformariam as suas classes mais altas em cortesãos, nem governariam de modo tirânico sobre os seus interesses. (p. 63)

O regime parlamentar na Inglaterra foi a expressão do controle dos impulsos como uma forma de sobrevivência social, pois o êxito social dependia da capacidade de lutar, não com punhais ou espadas, mas com o poder do argumento, com a habilidade da persuasão, com a arte do compromisso. Dessa capacidade de se manter preso e fiel às regras também dependeram as práticas dos passatempos que as classes altas inglesas fizeram emergir nesse período.

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Particularmente, acredito que as trilhas abertas pelos trabalhos de Norbet Elias ainda podem nos auxiliar, de forma rica, inovadora e desafiadora, na perspectiva de uma compreensão de um processo colonizador que teve início há cerca de cinco séculos. O primeiro passo é entender que o processo é plural, tanto no tempo como no espaço de construção. Entender, por exemplo, que, quanto ao aspecto relativo à educação, esse processo requer um alto grau de controle e transformação dos instintos, assim como um crescente nível de especialização imposto pelas funções adultas.

Corpo, Educação e Civilização

A relação entre corpo, educação e civilização faz suscitar uma série de interrogações, melhor dizendo, de inquietações que podem trazer novos movimentos para pensarmos o homem. Afinal, a preocupação com a educação compõe, na história humana, um aspecto relevante de um projeto civilizador de qualquer sociedade. Por outro lado, a idéia de corpo – pela sua atualidade e relevância – é mais uma expressão de um processo que, nas sociedades ocidentais, se expressa também por um padrão de condutas específicas, na forma de manifestação de sentimentos, que cada vez mais se desloca de um controle exercido por terceiros e passa, sob vários aspectos, a ser autocontralado.

Pretendo aqui passar a discorrer sobre a questão do corpo e da educação, pensando a partir do conceito de civilização cunhado por Norbert Elias, no intuito de retirar elementos que nos permitam observar como educação e corpo são tratados conforme a idéia que este autor desenvolve sobre os processos civilizadores. Ressalte-se que a temática corpo e a temática educação, no sentido mais “formal e pedagógico”, não compunham o leque de preocupações mais centrais que Norbert Elias discutiu ao longo de sua obra. Portanto, meu propósito é o de pensar a temática a partir da seguinte questão: onde e como é possível identificar a idéia de educação e corpo na teoria dos processos civilizadores?

Por uma questão de relação com o tempo, visto como um componente relevante nas observações feitas por Norbert Elias, proponho uma aproximação com uma idéia já meio antiga, mas bastante atual na relevância. Idéia essa que diz respeito aos argumentos feitos por Epicuro na sua Carta sobre a felicidade(2001) e que parece fundamentar alguns dos conceitos postos por Norbert Elias. Chama atenção nesse escrito de Epicuro o fato de a felicidade ser justamente a busca pela saúde do corpo e pela serenidade do espírito. Em razão desse fim, diz Epicuro: “praticamos todas as nossas ações para nos afastar da dor e do medo.” (p 35). Para isso, ainda ressalta este autor, devemos ter um conhecimento seguro dos desejos como uma forma de saber direcionar nossas escolhas. Ou seja, controlando nossos desejos, saberemos também trilhar o caminho em busca da felicidade. Um outro aspecto dessa “filosofia” é praticar a prudência como uma virtude necessária já que é “o princípio e o supremo bem.” (p 45). Controle dos desejos e prudência são sinônimos de um autocontrole em que nos sentirmos felizes. É nesse sentido que um controle efetuado através de terceiras pessoas é convertido, sob vários aspectos, em autocontrole – fundamento da idéia de processo que, para Norbert Elias, marca o sentido da civilização. Mas onde podemos ir identificando esses aspectos nos escritos elisianos? Ou melhor: onde podemos perceber e destacar esses elementos de controle social e individual que nos

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permitem entender educação e corpo no processo de civilização experimentado no Ocidente?

Uma das passagens que melhor expressa a questão do “ser educado” no processo analisado por Norbert Elias pode ser identificada no texto a seguir, o que nos permite também fazer algumas observações acerca da idéia de corpo. No texto, muito do que é dito tem estreita relação com a questão do movimento e, para quem trabalha com educação, pode dar uma idéia do que representa as formas de organização que criamos e a que nos submetemos:

O controle comportamental desta ou daquela espécie existe sem dúvida em todas as sociedades humanas. Mas aqui, em muitas sociedades ocidentais, há vários séculos que esse controle é particularmente intensivo, complexo e difundido; e o controle social está mais ligado do que nunca ao autocontrole do indivíduo. Nas crianças, os impulsos instintivos, emocionais e mentais, assim como os movimentos musculares e os comportamentos a que tudo isso as impele, ainda são completamente inseparáveis. Elas agem como sentem. Falam como pensam. À medida que vão crescendo, os impulsos elementares e espontâneos, de um lado, e a descarga motora – os atos e comportamentos decorrentes desses impulsos –, de outro, separam-se cada vez mais. Impulsos contrários, formados com base nas experiências individuais, interpõem-se entre eles. (...) Uma trama delicadamente tecida de controles, que abarca de modo bastante uniforme, não apenas algumas, mas todas as áreas da existência humana, é instalada nos jovens desta ou daquela forma, e às vezes de formas contrárias, como uma espécie de imunização, por meio do exemplo, das palavras e atos dos adultos. E o que era, a princípio, um ditame social acaba por tornar-se, principalmente por intermédio de pais e professores, uma segunda natureza do indivíduo, conforme suas experiências particulares.(Elias,A Sociedade dos Indivíduos., 1994. p. 98).

Pensar nessas idéias apresentadas por Norbert Elias é pensar no próprio processo de educação a que todos nós nos submetemos ao longo da vida. É perceber que “à medida que elas avançam, mais e mais atividades que originalmente implicavam a pessoa inteira, com todos os seus membros, são concentradas apenas nos olhos, embora, é claro, esse tipo excessivo de restrição passa a ser compensado por atividades, como a dança, ou os esportes” (...). Por isso, os prazeres do olhar e da audição tornam-se mais ricos, mais intensos, mais sutis e mais gerais. Os dos membros são cada vez mais confinados a algumas áreas da vida. Percebemos muito e nos movimentamos pouco.

Assim, é preciso considerar que sem um controle muito específico do comportamento dos seus indivíduos – isso se inicia na família, mas tem continuidade na escola e em diferentes espaços da vida social – sem formas de canalizar suas pulsões e emoções, nenhuma sociedade pode sobreviver. Portanto, controlar os desejos, distinguir entre as diferentes formas de prazer e enxergar a prudência como uma virtude a ser buscada, tudo isso parece que pode marcar um sentido para a educação numa sociedade onde a idéia de civilização pauta-se no equilíbrio da conduta humana e no controle das paixões e dos sentimentos provenientes da diferenciação e interdependência funcional.

Numa relação com a educação, a idéia que nós formamos de corpo é, por sua vez, a expressão de um estágio avançado daquilo a que o Elias chama a atenção num estágio

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avançado de civilização de um processo de individualização, que marca a presença do sujeito no mundo, ou seja, do indivíduo entre outros indivíduos. Expressões como “eu tenho um corpo” ou “eu sou um corpo”, embora ainda tragam em si um caráter dual, são o ápice de um modo de pensar e sentir que só muito recentemente ocupou lugar na consciência humana. A idéia de corpo humano ser visto como animal, natureza e cultura, sujeito e objeto, visível e invisível, impreciso, polissêmico e inacabado, possuidor de zonas de silêncio “faz crer que a complexa condição humana diz respeito à consciência de que o corpo produz saberes individuais e coletivos, mas que é imprescindível conhecer integralmente o sujeito encarnado, pois este possui muitos segredos, é matéria do irrefletido, do impensado. Ao mesmo tempo em que se mostra, o corpo humano é capaz de se esconder.” (Mendes, 2006. p. 129)

Essa idéia, esse “conceito” chamado corpo, é a fronteira que permite alargar os controles que fazem do homem aquela espécie que se realiza na direção do outro. Afinal, que sujeito somos nós, que criamos formas de comunicação vocabular específicas de cada grupo, mas comum a espécie e que desenvolvemos rostos maleáveis capazes de ter marcas que descrevem, mais que tudo, uma história, a minha história, a história de cada um?

Para Norbert Elias, o desenvolvimento do indivíduo não ocorre na abstração; é parte de um substrato onde a “identidade-eu” se forma e cuja base não é a memória ou o autoconhecimento gerado no cérebro, mas o organismo inteiro. A capacidade de o indivíduo se reconhecer em sua organização física, ao passo que lhe permite perceber como imagem espaço-temporal entre outras imagens similares, levou-as a ter uma auto imagem dividida. Assim, diz Elias:

(...) o indivíduo fala de si na condição de objeto de observação, por intermédio de termos como “meu corpo”, ao passo que, em relação a si mesmo, como ser capaz de se observar à distância, ele utiliza termos, como ‘minha pessoa’, ‘minha alma’ ou ‘minha mente’. (...) O simples emprego da expressão ‘meu corpo’ faz parecer que sou uma pessoa existente fora do meu corpo e que agora adquiriu um corpo, mas ou menos da forma como se adquire uma roupa. (Elias, a sociedade dos Indivíduos. P.154-155)

Isso mostra quanto ainda temos que trabalhar nesse caminho de conscientização o qual a teoria dos processos nos aponta. Uma concepção de educação assim arquitetada passa pela idéia de relação, uma vez que o indivíduo carece, para existir, de construir relações com outros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

EPICURO. Carta sobre a felicidade. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1997.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., vol 1, 1994. ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., vol 2, 1994. ____________. A sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 1994. ____________. La soledad de los moribundos. México: FCE, 1987.

____________. Mozart: a sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. ELIAS, N. & DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992.

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MENDES, Maria Isabel B. de Souza. Mens Sana in corpore sano: compreensões de corpo, saúde e educação física. Natal: Programa de Pós-Graduação em Educação, UFRN, 2006. Tese de doutorado

WAIZBORT, L. (org.) Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Edusp, 1999.

Ricardo de F. Lucena,

End: Rua General Alfredo Floro Cantalice, 65. Bancários. João Pessoa/PB CEP. 58051-120.

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