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O CHRONICON LIVONIAE DE HENRICUS LIVONICUS (C.1188-1259): APARATO CRÍTICO E TRADUÇÃO DOS CAPÍTULOS I AO VIII

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O CHRONICON LIVONIAE DE HENRICUS LIVONICUS

(C.1188-1259): APARATO CRÍTICO E TRADUÇÃO DOS

CAPÍTULOS I AO VIII

THE CHRONICON LIVONIAE OF HENRICUS LIVONICUS (C.1188-1259):

CRITIC APPARATUS AND TRANSLATION OF CHAPTERS I TO VIII

André Szczawliska Muceniecks

Faculdade Teológica Batista de São Paulo Universidade de Campinas

Álvaro Alfredo Bragança Júnior

Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas Universidade Federal do Rio de Janeiro

Renan Marques Birro

Universidade Federal do Amapá

Resumo: Oferecemos ao público lusofalante uma tradução parcial da

Crônica da Livônia, produzida pelo

clérigo Henricus Livonicus (ou Henri da Livônia, c.1188-1259). O texto em voga versa sobre a expansão da Cristandade para o leste europeu e o início do que foi cunhado pela erudição como Cruzadas

Bálticas (ou Cruzadas Nortenhas). Palavras-chave: Crônica da Livônia;

Henricus Lettus - Cruzadas Bálticas; Cruzadas Nortenhas

Abstract: We offer to the portuguese

readers a partial translation of the Chronicle of Livonia, written by the clerk Henricus Livonicus (or Henry of Livonia, c.1188-1259). The beforementioned text presents the Christianity’s expansion to the european east and the beginning of what the scholars named as Baltic

Crusades (or Northern Crusades).

Key-words: Chronicle of Livonia;

Henricus Lettus - Baltic Crusades; Northern Crusades

1. Sobre a Livônia: O contexto político e o surgimento das primeiras instituições eclesiásticas

Em finais do século XII a Cristandade Ocidental passava por profundas transformações e por uma expansão sem precedentes. As Cruzadas dirigidas à Terra Santa são os movimentos mais emblemáticos de tal circunstância. Doutra feita, a Cristandade busocou sua expansão não apenas no além-mar, mas também na própria Europa. Desde as proximidades do ano mil e os tempos de Otto, o Grande (r.

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951-973 AD), as fronteiras europeias foram grandemente dilatadas. Em parte, tal movimento dava-se pela conversão de reis locais e a subsequente e forçada conversão de seus súditos e reinos. Tal deu-se na Escandinávia, na Polônia, Hungria e, no âmbito do Cristianismo Grego – que sofrera pesada retração no Mediterrâneo com o avanço muçulmano nos séculos anteriores - , na própria Rússia – então, Rus.

Para leste e norte havia um grande número de populações não cristianizadas e organizadas politicamente de formas diversas, não-unificadas, em sistemas de unidades étnicas e tribais. Eslavos, baltos e fino-úgricos, tais povos travavam comércio com escandinavos e germânicos por séculos a fio. Nos territórios vizinhos ao Sacro-Império, já por praticamente dois séculos, missionários, mercadores, guerreiros, camponeses e caçadores tentavam ampliar sua área de alcance e influência. As áreas habitadas pelas tribos eslávicas ocidentais – sorábios, veneti, wilzi, dentre outras – ofereciam grandes perspectivas de conversão, colonização, comércio e exploração de recursos naturais.

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Livônia no séc. XIII. Adaptado de: Latvijas Vestures Atlants.1998. p.6.

O movimento inicial, organizado e levado a cabo conjuntamente por forças seculares e religiosas deu-se em 1147, num contexto em que a Europa e o Mediterrâneo passavam pela Segunda Cruzada. São Bernardo de Claraval

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conclamaria os cruzados a engajarem-se em um movimento que eliminasse da terra fosse a religião dos eslavos pagãos ou os próprios (xii). A despeito da falha nos objetivos gerais da Segunda Cruzada, a que se deu no norte da Europa obteve êxito muito maior. De fato, a fronteira germânica do Rio Elba seria transposta, e no século XIII a região localizada a leste do mesmo seria pesadamente colonizada por cristãos dos principados germânicos e da Frísia.

Nas décadas seguintes mercadores de Lübeck e de outras cidades portuárias – não apenas germânicas, mas também de suecos e daneses – aumentariam os esforços de expansão comercial nas áreas para leste e norte do Báltico. Se para os Escandinavos o contexto não oferecia novidade alguma, para os germânicos a área consistia, de fato, em uma nova fronteira.

Tais regiões, intermediárias com as áreas boreais, proviam um comércio lucrativo de peles, cera, mel, couro, peixe seco e madeira. Em troca de tais produtos, os mercadores ocidentais proviam prata, tecidos finos, bens manufaturados e de luxo. Apesar dos lucros potenciais, os riscos à empreitada eram grandes. Em adição ao tempo reduzido de mar livre do gelo e aos perigos e dificuldades de acesso oferecidas pela natureza, somava-se os empecilhos de natureza humana: pirataria e roubos dos locais dificultavam grandemente a ação de mercadores.

A Cristianização dos Escandinavos e dos Rus e o final do período viking mudaria a natureza das relações entre escandinavos e os outros povos setentrionais. Enquanto os reinos escandinavos e a Rus seriam unificados e se institucionalizariam, as populações do norte permaneceriam em suas estruturas políticas tradicionais, fundamentadas em fortalezas locais, agricultura relativamente pobre, territórios pouco propícios à mesma e tomados por florestas e pântanos, complementação da subsistência por caça, pesca e comércio.

As expedições vikings de outrora não detinham mais a relevância anterior nas sociedades escandinavas; de fato, encerraram-se pouco tempo após a conversão das mesmas, sendo substituídas por empreendimentos de maior porte, organização e centralização. As populações do Báltico Oriental, no entanto, permaneceriam praticando-as – desta feita, entretanto, os principais locais afetados pelas mesmas seriam as nações escandinavas, e não mais as regiões da Europa Ocidental.

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A adição dos mercadores germânicos tornaria o contexto ainda mais complexo e multifacetado, e resultaria em esforços para a criação de entrepostos comerciais em locais estratégicos. A construção dos mesmos em tal contexto exigia fortificação da localidade, depósitos de bens e alojamentos temporários, bem como defesa e garantias de segurança para os mercadores, fatores que não podiam ser assegurados pelas autoridades tribais locais.

Desta forma, um contingente humano variado era requerido para atender às necessidades mercantis germânicas, que incluíam desde carpinteiros e pedreiros a soldados e mercenários – contingente humano que somente poderia ser providenciado de forma satisfatória por meio de colonização.

As autoridades eclesiásticas apresentavam também forte interesse na região. Com base nos relatos dos primeiros colonos e mercadores, os religiosos do Império desenvolveram relevante interesse missionário no Báltico, que seria combinado aos esforços de mercadores e políticos em uma ofensiva de grande escala e ordenada, ainda que a delineação geral de tal empreitada tenha levado alguns anos para tornar-se clara.

Com a atenção do imperador Frederico Barbarossa focada na Itália e o poder do norte do Império concentrando-se nas mãos de Heinrich, o Leão, é das províncias do norte e leste germânico, particularmente da Saxônia e Westphalia, que os maiores contingentes de cruzados virão.

Os esforços iniciais de colonização germânica da Livônia são em grande parte mérito de quatro eclesiásticos de Bremen: os bispos Meinhard, Berthold e Albert von Buxhövden, e o seu líder, arcebispo Hartwig II (1185-1207), que alimentava projetos de criação de um verdadeiro “império” eclesiástico na Europa de Norte, vendo na Livônia o lugar apropriado para isso.

A crônica inicia com o histórico de Meinhard. Tendo ouvido as histórias dos mercadores sobre os povos da Livônia, sente o chamado divino e, já idoso, com “venerável cabelo cinza”, parte para o campo em 1181. Em 1184, após algumas conversões dentre os lívios, constrói uma igreja na pequena vila lívia de Ükskülla e batiza alguns catecúmenos.

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No inverno seguinte há um ataque dos lituanos, e Meinhard repreende aos lívios por não protegerem-se adequadamente. Não sabendo como construir edificações de pedra, aceitam a oferta de Meinhard: em troca da construção de um forte de pedra, batizar-se-iam. Meinhard cumpre sua parte da barganha, traz pedreiros e construtores de Gotland, mas, após o forte (e uma igreja de pedra) estarem prontos, os lívios não se batizam. Situação semelhante ocorre na ilha próxima de Holm, atual Salaspils, e Meinhard volta em 1186 para Bremen.

Em seu retorno à Ükskülla - agora consagrado “bispo de Üksküll” pelo Arcebispo Hartwig II, Meinhard conta com mais missionários, mas a situação se deteriora, e os germânicos chegam a ser atacados pelos lívios. Muitos dos antigos conversos banham-se no Daugava a fim de lavar-se do batismo; os missionários tornam-se praticamente prisioneiros dos lívios. Por meio de subterfúgio, um dos missionários, o cisterciense Theodoric de Treiden, consegue fugir e retornar à Bremen.

Meinhard faleceria em 1196. O arcebispo Hartwig II aponta Berthold, anteriormente abade de Loccum, para a empreitada. A despeito de suas intenções iniciais de conversão pacífica dos nativos, Berthold muda de ideia após uma tentativa de assassinato em Holm, viajando em segredo para a Saxônia. Retorna para a Livônia com um exército de cruzados, mas é atingido por uma lança dos lívios em 24 de julho de 1198. Seu tempo de bispado, extremamente curto, inaugurou, entretanto, o costume de arregimentar e engajar cruzados na Livônia.

O bispo seguinte, Albert von Buxhövden, será de importância fundamental nos esforços subsequentes de conquista da Livônia e regiões adjacentes. Mais político do que religioso, Albert era sobrinho do arcebispo Hartwig II, e compartilhava de sua ambição e intenções da construção de uma espécie de império privado para sua família. Com privilégios assegurados tanto pelo papado como pelo Império, Albert foi instrumental em modificar a situação anterior de cruzados sazonais, que cumpriam seu tempo de peregrinação em troca de indulgências, por uma força mais constante.

Foi de sua iniciativa a fundação, em 1202 (sancionada em 1204 pelo papa Inocêncio III), da Fratres militiae Christi Livoniae, conhecida mais geralmente como

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“Ordem dos Irmãos da Espada”. De obediência inconstante aos bispos e duração efêmera, a Ordem sofrerá uma derrota pesada para os zemgálios e samogícios na Batalha de Saule, em 1236. Seus membros remanescentes seriam absorvidos pela Ordem Teutônica, que de fato consolidaria a conquista das terras bálticas nos anos subsequentes. Fundada na transição dos séculos XII para o XIII em Acre, na Palestina, a Ordem Teutônica mudara sua sede para a Transilvânia, em 1211, sendo que na década de 1230 auxiliaria o duque Konrad I da Mazóvia na crusada contra os prussianos. Dali em diante, a Ordem Teutônica se desconectaria em definitivo de seus propósitos iniciais na terra santa, focando-se por total na Europa de Leste e Norte1.

A crônica, no entanto, narra os eventos ocorridos apenas dentre 1184 a 1226/7. Um relato complementar, mais amplo cronologicamente, pode ser encontrado na Livländische Reimschronik, que engloba os anos de 1143 a 1290.

2. Os povos nativos

A Livônia do século XIII é uma região limítrofe não apenas em quesitos religiosos; consiste também na fronteira europeia entre indo-europeus e fino-úgricos.

O termo de cunho etno-linguístico “fino-úgrico” refere-se aos grupos humanos de uma das subdivisões da grande família linguística Urálica. Sua expansão geográfica dá-se por todo o norte Eurasiático, e sua unidade com o grupo Altaico é objeto de discussão2.

O ramo fino-úgrico possui duas grandes subdivisões, fino-permiano e úgrico que, por sua vez, subdividem-se ainda mais. No recorte de interesse da região báltica habitam diversas tribos de finlandeses, vots e izhors nas circunvizinhanças da atual São Petersburgo, estonianos e os lívios da Letônia, bem como os Saami da Escandinávia – denominados popularmente como “lapões”3.

1 Cf. URBAN, William. The Teutonic Knights: a Military History. London: Greenhill Books, 2003.

2 MARCANTONIO, Angela (org). The Uralic Language Family: Facts, Myths and Statistics (Publications

of the Philological Society). Oxford: Wiley-Blackwell, 2002. pp.21ss, 35ss, 48ss.

3 DÉCSY, Gyula. Einführung in die Finnisch-Ugrische Sprachwissenschaft. Wiesbaden: Otto

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O grupo etno-linguístico do ramo fino-úgrico da família uralo-altaica pode ser considerado como o mais próximo que temos condição de definir enquanto “autóctones” da Europa setentrional e Norte-oriental. O período de chegada dos mesmos à Europa do norte, no entanto, é discutido, e a discussão liga-se aos debates arqueológicos e linguísticos relativos aos próprios conceitos de Urheimat, migração e difusão.

As primeiras hipóteses seguindo tais linhas datam do século XIX. As teorias originadas com Castrén, Wiedemann e Aminoff defendem migrações dos fino-úgricos originadas de uma Urheimat na Sibéria – seja ela localizada a oeste dos Altai (Castrén4), bacia do Volga (Aminoff5, Köppen6, Toivonen7) ou proximidades dos

Urais (Paasonen8) - para o oeste; segundo tal ideia, os ancestrais de lívios,

estonianos e finlandeses teriam atingido as costas do báltico apenas nos tempos romanos9, havendo, segundo a interpretação linguística, influência das línguas

bálticas no fino-úgrico a partir dos últimos séculos antes de Cristo10.

A ideia de uma habitação mais antiga e contínua fino-úgrica no Báltico ganhou acolhida na metade do século XX, principalmente com os trabalhos do arqueólogo estoniano Harri Moora, que demonstrou a ocupação e desenvolvimento cultural contínuos das regiões fino-úgricas no Báltico desde a idade do bronze até a idade do ferro11. Tais ideias encontraram suporte em graus variados de acadêmicos

4 CASTRÉN, Matthias Alexander. Nordiska resor och forskningar, V. Helsingfors: Finska

Litteratur-Sällskapets Tryckeri, 1858.

5 AMINOFF, T.G. Lyhyt silmäys itäisten Suomensukuisten kansain historiaan. In: Koitar, 2, 1873. 6 KÖPPEN, F.T. Ein neuer tiergeographischer Beitrag zur Frage über die Urheimat der Indoeuropäer und Ugrofinnen. In: Das Ausland, 1890. Pp.1001-1007.

7 TOIVONEN, Y.H. Suomen historia radiossa: 1, Esihistoria ja Ruotsin vallan aika. Helsinki : Otava,

1929. Pp.07-17.

8 PAASONEN, Heikki. Beiträge zur Aufhellung der Frage nach der Urheimat der finnisch-ugrischen Völker. In: Turun Suom. Yliopiston Julkaisuja, B I/5, 1923.

9 CHRISTIANSEN, 1996: 40s.

10 VUORELA, Toivo. The Finno-Ugric Peoples. The Hague: Indiana University Publications, 1964, p.7. 11 Ver MOORA, Harri. Die Vorzeit Estlands. Tartu: Akadeemiline Kooperatiiv, 1932. & __________. Eesti rahva etnilisest ajaloost. Tallin: Eesti Riiklik Kirjastus, 1956.

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como Meinander12, Vilkuna13 e Indreko14, com nuances que por vezes retornam aos

conceitos de Urheimat e levantam problemas da recorrência a modelos explicativos arqueológicos histórico-culturais15.

Os territórios antigamente habitados pelas populações fino-úgricas possuíam considerável extensão, tendo sido drasticamente diminuídos. Parte considerável de regiões habitadas antigamente por populações de fala fino-úgrica é atualmente habitada por grupos indo-europeus (germanos, baltos e eslavos) e turcos. O século XIII foi de particular relevância neste processo, a Chronicon Livoniae consistindo em um de seus testemunhos mais eloquentes. Vots e Izhors foram praticamente dizimados com o passar dos tempos. Finlandeses, Karelios e estonianos sobreviveram; quanto aos lívios, que deram o nome à própria entidade política mais duradoura do Báltico, foram reduzidos a um número pequeno de famílias na costa noroeste letã e a um substrato linguístico no próprio letão.

A Crônica de Henri fornece vislumbres sobre a forma de organização social e informações de diversos campos, incluindo religiosidade, de lívios e estonianos. Tais grupos ordenavam-se em territórios tribais delimitados, de forma similar aos baltos. Cada território era dividido, por sua vez, em grupos menores, chamados de “kilegunde”, que se tornaria após a conquista cristã o termo nativo para “paróquia”16.

2.1. Os lívios

Como já afirmamos, a despeito de fornecerem o nome à região que incorporaria toda a costa do Báltico Oriental, os lívios tiveram seu antigo habitat extremamente reduzido. Nos tempos nos quais ocorreram os eventos narrados na

12 MEINANDER, Carl Fredrik. Var bodde urfinnarna? In: Nordenskiöld-Samfundets tidskrift, n.14,

1954. Pp. 79-87.

13 VILKUNA, Kustaa. När kommo östersfjöfinnarna till Baltikum? In: Folk-Liv, XII-XIII. 1948/1949,

pp.15-43.

14 INDREKO, Richard. Origin and area of Settlement of the Fenno-Ugrian peoples. In: Science in Exile.

Heidelberg: Publications of the Scientifice Quaterly “Scholar”, n.01, 1948.

15 Para um parecer contemporâneo e atualizado sobre a discussão em particular a crítica modelos

explicativos arqueológicos e linguísticos, etnicidade e explicações histórico-culturais, ver: ZVELEBIL, Marek. Revisiting Indreko´s Culture Historical Model: “Origin and area of Settlement of the Finno-Ugrian peoples”, Trames 1(5), 2001, pp.26-47.

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crônica, seu território incluía a atual província letã de Vidzeme, que perpassa do Daugava até suas fronteiras setentrionais com a Estônia, e a metade costeira setentrional da província letã de Kurzeme. Na atualidade os lívios compõem poucas famílias habitando uma estreita faixa costeira ao norte da Kurzeme; em sua maioria foram assimilados pelos kurs na kurzeme e destruídos na Vidzeme, em parte pelo avanço cruzado germânico e escandinavo, mas em parte considerável pela própria expansão territorial dos baltos, que, à exemplo dos letões, aproveitaram-se do influxo germânico para apropriar-se de territórios de lívios e estonianos.

Mais referências aos lívios do medievo advém principalmente de fontes escandinavas. Nelas, a região é chamada de “Lifland”, normalmente listada juntamente com as regiões de etnicidade báltica dos kurir e semgallir, os kurs e semgálios da crônica. Termos relatados a Lifland são encontrados nas estelas rúnicas U 698, Sö 38, Sö 198 (que cita Tumisnis – o cabo de Domesnes, atual Kolkasrags), na Gesta Danorum de Saxo Gramaticus, na Heimslýsing e a Ǫrvar-Odds

saga.

Nas estelas e nas duas últimas, as referências são pontuais, constitutivas de cenários ou listas de populações conquistadas por algum líder guerreiro; simples referências. Na Gesta Danorum os lívios são listados também como elementos constitutivos do entorno, mas são inclusos nas construções narrativas de Saxo Grammaticus, normalmente em passagens que, não obstante referirem-se a eventos do passado escandinavo, refletem pensamentos do autor sobre os acontecimentos presentes nas cruzadas setentrionais, como, por exemplo, o livro VIII, no qual Saxo define alianças das tribos locais com os poderes do báltico: lívios aliando-se a daneses, saxões e eslavos, e kurs e estonianos aos suecos.

Na Póviest vriémennikh liet são listados como liv, na mesma situação que na maioria das fontes escandinavas – de forma acessória, constitutiva de cenário, apenas de passagem. O maior conhecimento que se tem de seus costumes se dá de fato por meio da Livländische Reimschronik e da Chronicon Livoniae.

A região de Kolka, na costa norte de Kurzeme, Letônia, possui os remanescentes de famílias lívias no período contemporâneo. Há um forte substrato linguístico lívio no letão como um todo, mais acentuadamente nos dialetos de

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Kurzeme.

3. A Estônia

STURM, D. Ancient Estonian Counties. Imagem de domínio público.

Obtido em https://en.wikipedia.org/wiki/Ugandi_County#/media/File:Ancient_Estonian_counties.png Último acesso em 24/06/2018.

Adam de Bremem, no século XI, já citaria a Estônia; seu conhecimento era insuficiente, no mínimo, e, no livro IV da Gesta Hamburgensis, chama-a de uma ilha17.

Os estonianos são, no entanto, bem conhecidos em diversas outras fontes do medievo, particularmente de origem escandinava. Pela sua costa norte oposta ao Golfo da Finlândia, chamada Virumaa – Vironia, na Crônica de Henri - passava rota comercial de relevância entre escandinavos, estonianos, vots, izhors, karelios e eslavos orientais.

Estonia, Eistland/Estland é um termo genérico para Estônia propriamente

dita. Nome similar fora empregado em Tácito e na tradução de Alfredo de Orósio

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para a região mais meridional e de caráter etno-linguístico muito diverso da Prússia Oriental (listadas no século XIII nas regiões de Samland e Ermland, e nas fontes anglo-saxônicas também como Witland).

O nome aparece amplamente nas fontes escandinavas, incluindo sagas, listas geográficas como a encontrada no capítulo 30 da Ọrvar-Odds, trabalhos de cunho mais universal de Saxo Grammaticus e Snorri Sturlusson, e na estela rúnica Vg 181. A estela U 439 possui o termo “–skalat”, interpretado tão diferentemente como Aistland ou Serkland1819. Já na Póviest vriémennikh liet os estonianos são chamados

de Tchud. Pritsak20 considera que as estelas U 446 e Sö 45 possuam referências à

Eistland por meio do nome próprio Æist-fari, “o que viaja para os Æisti”, mas é interpretação dúbia. Pode-se sugerir o significado “o que viaja para leste”, por exemplo.

Os estonianos são citados com frequência nas narrativas escandinavas, portando-se de forma muito similar aos próprios vikings oriundos de tais regiões, travando comércio e alianças ou lutando com os mesmos. Uma das elaborações mais significativas envolvendo aos estonianos está na Heimskringla (século XIII), que contém a captura e escravidão do ainda menino Olaf Tryggvason, posteriormente Olaf I da Noruega, por vikings estonianos. Vendido e criado como escravo por um estoniano chamado de Klerkon, passa nas mãos de outros donos, até ser comprado por seu tio Sigurðr Eiriksson e ser levado para crescer em Garðaríki.

Um nome que aparece com proeminência na Crônica de Henri é Vironia. A designação deriva do estoniano Virumaa, Virland as fontes germânicas e escandinavas. Trata-se da região costeira de nordeste da Estônia, podendo ser

18 Serkland é termo que pode significar a região além Volga, no mundo muçulmano, ou a região os

Khazares, às margens do Mar Cáspio. Como veremos no capítulo 04, por vezes o nome é empregado para África, à medida em que se conecta com os islâmicos.

19 A interpretação que –skalat é Aistland é endossada por Melnikova (МЕЛЬНИКОВА Е.А. СКАНДИНАВСКИЕ РУНИЧЕСКИЕ НАДПИСИ: НОВЫЕ НАХОДКИ И ИНТЕРПРЕТАЦИИ. МОСКВА: ИЗДАТЕЛЬСКАЯ ФИРМА -ВОСТОЧНАЯ ЛИТЕРАТУРА РАН,2001[1977],p.201). Tal estela faz parte das chamadas “Estelas

de Yngvarr”, série de estelas que referem-se à expedição de grande alcance ao leste efetuada por Yngvarr , que terminou em desastre nas proximidades do Cáspio, e que iniciou-se no Báltico Oriental. Sua argumentação centraliza-se na interpretação de que a expedição de Yngvarr partira da Estônia. Omeljan Pritsak considera tal interpretação errônea (PRITSAK, Omeljan. The Origin of Rus'. Cambridge: Harvard University Press, 1981, p.362).

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satisfatoriamente equacionada com a região de Narva citada na Póviest vriémennikh

liet. O nome aparece com menor frequência do que derivados de “Estland”, mas

ainda assim é bem conhecido. Aparece nas estelas rúnicas U 346, U 356 (contém a mesma mensagem e foram confeccionadas pelo mesmo artesão) e U 533, bem como na Heymslýsing e no capítulo 30 da Ǫrvar-Odds saga. Virumaa foi a região estoniana com maior contato escandinavo no período viking, devido à sua localização próxima ao Golfo da Finlândia, que a colocava dire tamente no principal ramo do Austrvegr – a rota escandinava para o leste.

Contígua à Vironia/Virumaa, para oeste, encontra-se a região da Revalia, cujo nome em fontes escandinavas sofre variações entre Rifaland (na Ǫrvar-Odds saga)e Refalir (na Heimslýsing). Reval foi o nome medieval para a atual capital da Estônia, Tallinn, que por sua vez significa “forte dos daneses”. É o termo corrente nas fontes primárias medievais.

Saxo Grammaticus emprega o termo “Rotala” ao se referir à costa norte-ocidental estoniana, na altura de Haapsalu21, encompassada pela província medieval

estoniana de Läänemaa. Em estoniano, “Ridala”. A seu leste, na província de Harju, localiza-se a fortificação de Warbole (Varbola em estoniano), citada algumas vezes por Henri.

A Ilha de Saaremaa, Ösel nas fontes germânicas e Eysýsla nas escandinavas, encontrará proeminência na narrativa de Henri, assim como em uma série de fontes medievais e escandinavas. De fato, em muitas ocasiões ataques relatados por cronistas como efetuados por estonianos e kurs provavelmente o foram feitos por estonianos de Ösel, que com frequência atuavam em conjunto com os kurs. Henri narrará sua conquista nas partes finais da Crônica22. Possivelmente a ilha é citada

21 FISCHER, Peter. On Translating Saxo. In: FRIIS-JENSEN, Karsten (ed.). Saxo Grammaticus: a

Medieval Author between Norse and Latin Culture. Museum Tusculanum Press: Copenhagen,1981. p.62. CHRISTIANSEN, 1997: 111.

22 MÄGI, Marika. Viking Age and early medieval Eastern Baltic between the West and the East. In:

Steinar, Imsen (Ed.). Taxes, tributes and tributary lands in the making of Scandinavian kingdoms in the

Middle Ages. Trondheim: Tapir Academic Press, 2011, p.194; FINLAY, Alison & FAULKES, Anthony

(trads.) Heimskringla. University College London: Viking Society for Northern Research, 2011. p.235-240.

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na estela rúnica U 51823, na forma de “Isislu”, mas é igualmente possível que a termo

reconstruído refira-se a ilha de Selaön, no lago Malaren, Suécia24.

Aðalsýsla é um nome que aparece pareado em fontes escandinavas à ilha de

Eysýsla/Ösel/Saaremaa, mas tal pareamento não se reflete na crônica de Henri. O escandinavo Aðalsýsla é um termo para a região costeira ocidental estoniana de Sakala, Saccala na Crônica.

Por fim Ungannia/Ugandi: muito citada na Chronicon Livoniae, é a região de sudeste da Estônia, nas proximidades da região eslávica de Pskov. Desta região limítrofe com os latgálios derivará o nome letão para a Estônia como um todo, “Igaunija”. Foi a região mais afetada pelas guerras narradas por Henri, e que sofreu particularmente com a expansão dos letões para o norte.

23 МЕЛЬНИКОВА Е.А.СКАНДИНАВСКИЕ РУНИЧЕСКИЕ НАДПИСИ:НОВЫЕ НАХОДКИ И ИНТЕРПРЕТАЦИИ.МОСКВА:

ИЗДАТЕЛЬСКАЯ ФИРМА -ВОСТОЧНАЯ ЛИТЕРАТУРА РАН,2001[1977],p.201.

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4. Os Baltos

Mapa:Tribos bálticas no século XIII

Fonte: GIMBUTAS, Marija. The Balts. London: thames and Hudson, 1963. P.23.

Atualmente apenas na Letônia e Lituânia, bem como em colônias de tais etnias em outros países, existem descendentes dos antigos baltos indo-europeus. A partir do período medieval os países bálticos sofreram contínua dominação de potências estrangeiras, em particular escandinavos, germânicos e, por fim, eslavos, possuindo seu território original drasticamente reduzido.

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As referências nos autores clássicos aos povos bálticos são muito poucas, e a identificação étnica dos mesmos não é absoluta. Maria Gimbutas assume que os “Neuri” de Heródoto seriam Baltos, em seu ramo oriental25, mas a identificação não

é inequívoca. Os “aesti” de Tácito, entretanto, são considerados com maior consenso como populações bálticas ocidentais, habitando a região circundante da atual península de Kaliningrado e os territórios da antiga Prússia Oriental e sul da Curlândia.

Os territórios habitados pelos povos bálticos, em seu ramo oriental, estendiam-se no passado até as proximidades das atuais Moscou e Yaroslav. Tal hipótese é fundamentada na comparação das culturas arqueológicas e, em principal, na análise de topônimos feita por Būga (entre 1913 e 1924) nos rios da Bielo-Rússia, Vasmer (em 1932) nos distritos de Smolensk, Tver (Kalinin), Moscou e Chernigov, e de Toporov e Trubachev (em 1962) na bacia do Dnieper.

O extenso estudo de Toporov e Trubachev demonstrará uma origem báltica para o nome de mais de 1000 rios na bacia do Dnieper, oferecendo fortes evidências para uma ampla expansão dos povos na antiguidade nas regiões das atuais Bielo-Rússia e Bielo-Rússia européia26. Endre Bojtar apontará críticas importantes à definição

territorial com base nos hidrônimos. Dentre elas, a relatividade de um suposto “conservadorismo” na manutenção dos nomes de rios27. Entretanto, mantém a ideia

da região aproximada de expansão báltica antes da chegada de migrantes eslavos para o norte.

25 GIMBUTAS, Marija. The Balts. London: Thames and Hudson, 1963. pp.97-102.

26 ТОПОРОВ, Владимир Н.; ТРУБАЧЕВ, Олег Н. Лингвистический анализ гидронимов Верхнего Поднепровья. Москва: изд-во Академии наук СССР, 1962.

27BOJTAR, Endre. Foreword to the Past: A Cultural History of the Baltic People. Budapeste: Central

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230

Locais com toponímia báltica.

Legenda: 1. Nomes bálticos frequentes; 2. Nomes bálticos infrequentes; 3. Nomes bálticos raros e questionáveis.

Fonte: BOJTAR, Endre. Foreword to the Past: A Cultural History of the Baltic People.

Budapeste: Central European University Press, 1999 [1997].p.54.

Barford defende a identificação dos povos baltos com uma área aproximada das Culturas arqueológicas Kievana, no período romano e Tumshemlya-Bansherovo,

Kolochin e Balachino, na primeira metade do século VI A.D28. Temos, dessa forma,

uma região hipotética (porém consensual) de habitação báltica que coincidia com a região de florestas do norte europeu e circundando a região sul e oriental do Báltico, bordejando a oeste os povos germânicos, a sul proto-eslavos e povos das estepes e a norte e leste populações não indo-européias de idiomas fino-úgricos. Por conseguinte, os povos bálticos foram particularmente afetados com as expansões eslávicas, tanto dos eslavos de leste para o norte da Rússia nos séculos VIII e IX quanto dos eslavos ocidentais que chegaram às proximidades bálticas no século VI.

As fontes escritas sugerem que nesse processo de expansão eslávica o ramo báltico oriental ficou isolado do ramo ocidental pelos eslavos de leste. A referência nesse sentido é dada pela Póviest vriémennikh liet, ao citar a resistência dos povos chamados de Galindoi, que Gimbutas identifica como baltos, aparentemente

28 BARFORD, P.M. The Early Slavs: Culture and Society in Early Medieval Eastern Europe. Ithaca:

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231

separados de outros povos e de similaridade etno-linguística, e que iriam migrar para a região leste das atuais Letônia e Lituânia. Nota-se que entre as tribos prussianas do século XIII a região mais limítrofe e meridional era chamada de “Galinda”.

A identificação entre esses galindos e os das proximidades de Moscou não é totalmente inequívoca. A própria etimologia do termo pode apresentar conclusões diversas. Termos bálticos similares (letão “gals”, lituano “galas”) possuem campo semântico relativo a “fim”, “término”, e, dessa forma, é razoável pressupor que regiões limítrofes, fronteiriças ou distantes poderiam receber nomes com tal terminologia.

Na Chronicon Livoniae recebem destaque dois dos três principais grupos bálticos: as tribos letãs, das quais se destacam kurs, zemgálios, selônios e latgálios, e as tribos lituanas, divididas entre žemaičiai e aukštaičiai – as tribos das terras baixas e altas, respectivamente; das tribos das costas baixas viriam os samogícios. Henri emprega para os lituanos o termo letones, lethones, ligado ao báltico “leiti”, de onde deriva o nome lituano para a Lituânia, “Lietuva”29. A Povest vremenikh let, por

sua vez, também emprega um termo geral para os lituanos, “Litva”. As tribos prussianas habitaram as regiões da atual península de Kaliningrado e serão mais citadas na Livländische Reimschronik.

Quanto aos nomes para letões/letos e latgálios, a questão é problemática, assim como o é a própria questão da formação étnica e nacional da Letônia. O nome letão para Letônia, “Latvija”, é recente; de fato, não ocorreu formação do país antes do século XX, e a formação de uma consciência nacional deu seus primeiros passos apenas no século XIX. O nome “latvis”, “letão”, é registrado pela primeira vez em 1648, sendo empregado dali em diante para o que compreendemos atualmente como povo letão, ou então se referindo à língua letã.

A divisão das grandes regiões contemporâneas letãs reflete parcialmente a divisão antiga tribal – Kurzeme, Zemgale, Vidzeme e Latgale; as fontes antigas falam de kurs/curônios, zemgálios, selônios e letos coexistindo com os lívios fino-úgricos.

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232

A existência e continuidade local de curônios, zemgálios e selônios não apresenta dificuldades maiores aos pesquisadores. A questão problemática se dá na identificação entre letos/letões com latgálios.

As fontes latinas e germânicas possuem variantes do nome ligadas à “lethos”, “lettis”, de onde derivaria o nome alemão para a Letônia, “Lettland”, “terra dos letos”. Fontes eslavas orientais – a redação Lauretina da Povest vremenikh let e a Crônica de Novgorod - mencionam nomes ligados à Lotgala, Lotgalia, Лотыголa. O século XX encontra na região oriental letã o dialeto latgálio, diferenciado do letão geral, falado nas regiões habitadas pelos descendentes de curônios, zemgálios, selônios e lívios. Como explicar tal disparidade?

Há duas linhas gerais de explicação; a escola dos linguistas Būga e Endzelīņš equalizaria os letões/letos aos latgálios; segundo esta escola, o povo citado por Henri como “Lettones” é o mesmo povo latgálio; este povo se expandiu pela região central, oriental e norte da atual Letônia, assimilando os lívios e selônios. De muitos problemas insolúveis o principal é que o dialeto que formou a base principal para o letão é o falar da região central, envolvendo o Golfo de Riga, destarte mais próximo à área dos zemgálios e à pequena e pouco citada tribo dos selônios, do que propriamente aos latgálios.

O outro ponto de vista, mais embasado arqueológica e historicamente, mas que encontrou oposição severa dos partidários de Endzelīņš, é bem exposto por Kabelka. Segundo esta posição, os latgálios derivaram dos letões, e não o contrário; as tribos baltas orientais que migraram entre os séculos 6 a 9 a.C. para o território das atuais Lituânia e Letônia teriam originado respectivamente as tribos lituanas e letãs – dentre as quais, posteriormente, derivariam os latgálios em sua forma posterior30.

O eventos da conquista germânica narrados na crônica fazem menção principalmente aos zemgálios, kurs, lituanos e letos/letões. Diferentemente de seus vizinhos costeiros, as diversas tribos lituanas tiveram menor contato com a Escandinávia e maior com Polônia, as demais tribos bálticas e os eslavos de leste. Os

30 BOJTAR, Endre. Foreword to the Past: A Cultural History of the Baltic People. Budapeste: Central

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contatos com o mundo escandinavo foram, dessa forma, intermediados por seus vizinhos. Os próprios territórios lituanos ficavam à margem das grandes rotas comerciais que ligavam a Escandinávia à Eurásia, e sua geografia, abundante em florestas e pântanos, certamente não colaborou para a diminuição de seu isolamento.

A despeito desse isolamento, por ocasião das cruzadas setentrionais e a expansão germânica para o leste os lituanos foram capazes de se organizar em uma monarquia forte e expansionista, com a originalidade de manterem suas crenças pagãs ancestrais. O paganismo oficial lituano apenas perderia seu lugar por ocasião da unificação das coroas polaca e lituana, e na idade moderna a Polônia-Lituânia consistirá no estado territorial mais extenso e múltiplo da Europa. Os samogícios foram responsáveis pelo aniquilamento da Ordem dos Irmãos da Espada na batalha de Saule, em 1236.

5. Os zemgálios

Tribo que recebe destaque por toda a crônica e, à parte dos lituanos, seria a última a ser conquistada e cristianizada, foi a tribo dos zemgálios. Citados nos séculos anteriores em fontes escandinavas como Semgallir, deram o nome à província de Zemgale dos letões, chamada Semigalia nas fontes latinas e Zemgola na

Póviest vriémennikh liet.

Os zemgálios habitavam os territórios ao sul do Daugava, etnograficamente categorizados dentre os baltos orientais. Seu idioma é um dos principais constituintes dos dialetos centrais formadores do letão atual. A composição de seu etônimo, Zemgale, indica a localização de uma terra de fronteira – zeme, “terra”, gals – “limite, fim, fronteira”, e pode sugerir tal localização tanto como a região fronteiriça aos lívios do norte como a tribo letã mais meridional, ainda que tais afirmativas sejam especulativas.

A narração de sua conquista encontra-se na Chronicon Heinrici Livoniae e na

Livläendische Reimshronik. Ainda que, com ojá referido, consista na última

população a ser conquistada e cristianizada, os zemgálios despontam desde o início da Chronicon Heinrici Livoniae, de início como aliados dos germânicos em suas

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234

disputas tribais contra lituanos e estonianos. Alguns de seus costumes (como a decapitação de inimigos no campo de batalha) parecem impactar ao cronista, que dedica bastante espaço aos mesmos, mas as alianças e identificações étnicas dos mesmos não ficam claras. Aparentemente, pela crônica, as relações com os kurs eram amigáveis, diferentemente da situação com estonianos e lituanos, mas o caráter pontual de tais alianças não nos permite considerações absolutas que elucidem em definitivo a etimologia.

São citados nas estelas rúnicas Sö 198, Sö 327, possuem uma referência dúbia (proposta por Brate) na Sö 110, bem como em uma caixa de cobre encontrada em Sigtuna (R 173)31. Apesar das referências relativamente frequentes nas inscrições

rúnicas, as referências escritas aos zemgálios nas fontes tradicionais escritas são mais raras. São listados na Heimslýsing e na Ǫrvar-Odds saga (30), escritas em data posterior à conquista da Livônia, e são citados duas vezes apenas na Gesta Danorum, nos livros 5 e 7. No último caso, ambas as referências são de passagem e ligadas à história de Starkatherus, sendo os zemgálios citados em conjunto com outros povos do Báltico (kurs e sembi na primeira, kurs e Esti na segunda); na primeira referência os mesmos se revoltam contra o domínio danês e são conquistados por Starkatherus. A segunda é o poema final do herói, no qual cita suas conquistas, listando ali o episódio narrado anteriormente.

6. Curônia/Kurland

Outra região de destaque especial na crônica è a Curônia, Curlândia ou Kurland, Kurzeme (“terra dos kurs”) em letão. A região dividia-se no período viking em cinco áreas centralizadas em fortificações (Pilsats, Megova, Duvzare, Ceklis e Piemare), chegando até a costa norte da atual Lituânia.

Os Kurs (kurir nas fontes escandinavas, kors na Póviest vriémennikh liet) são, juntamente com os estonianos, as populações bálticas mais citadas nas fontes escritas escandinavas. É referente aos kurs a referência mais antiga em uma fonte escrita feita a um povo báltico. Contida na Vita Anskarii de Rimbert, escrita no século

31 МЕЛЬНИКОВА Е.А.СКАНДИНАВСКИЕ РУНИЧЕСКИЕ НАДПИСИ:НОВЫЕ НАХОДКИ И ИНТЕРПРЕТАЦИИ.МОСКВА:

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235

IX, conta sobre um suposto período de domínio dos suecos sobre os kurs ocorrido nos séculos anteriores. De forma similar à Estônia, Adam de Bremen, no século XI, cita a Curlândia como uma ilha, sem conhecimento específico do território, mas afirmando tratar-se de terra cheia de adivinhadores, pagãos aguerridos e sedentos de sangue, muito ouro e bons cavalos.

As referências escandinavas aos kurs são as mais longas e mesmo factíveis, algumas delas memoráveis, como a descrição do cativeiro do skaldr Egill Skalagrímsson na Egils saga, escrita no século XIII provavelmente por Snorri Sturlusson. Nos séculos XII e XIII os kurs estavam frequentemente associados aos estonianos de Saaremaa, executando expedições vikings pelo báltico, capturando escravos e bens (incluindo sinos de igrejas, principalmente na Suécia). Aparentemente até então, a julgar pelas referências textuais, possuíram diversos períodos de domínio ou pagamento de tributo da parte de Escandinavos entremeados por revoltas e momentos de liberdade. Em algumas ocasiões aparentam ser parceiros de escandinavos, seja em contatos comerciais ou expedições vikings.

Na Gesta Danorum de Saxo Gramamaticus, os kurs (“curetes”) são citados nos livros 1, 2, 3, 5, 6, 8, 9, 11 e 14, incluindo episódios relevantes como o cativeiro de Hadingus, no livro I, e a batalha de Bravalla, no livro 8. É interessante notar que, de forma contrastante com esta relativa abundância de referências em fontes de ordem mais tradicional, a única possível referência à terra dos kurs em estelas rúnicas encontra-se na G 135, que fala sobre um homem morto em Vindau – Vendava. No período em questão os kurs se encontravam em processo de expansão ao norte, habitado por lívios, e não é possível saber com exatidão se a referência ao Venta implicaria em alguma relação com os kurs ou com os lívios da Kurzeme.

Quanto à Chronicon Henrici Livoniae, a maior parte das informações sobre os kurs são táticas militares e costumes funerários dos mesmos, por ocasião de expedições de ataques marítimos aos cruzados e no cerco efetuado por eles a Riga, interrompido para o cumprimento da cremação de seus mortos. A despeito da relevância dos mesmos em fontes escandinavas, Henri dá maior atenção aos zemgálios.

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236

A categorização étnica dos kurs do período viking enquanto baltos não foi feita sem disputa. De fato, foi razoavelmente comum classificá-los enquanto uma tribo fino-úgrica, ideia que esporadicamente volta à tona, principalmente da parte de autores finlandeses e estonianos.

Um dos argumentos mais fortes nesse sentido é o número considerável de termos de origem fino-úgrica que transparecem nos tratados do século XIII no idioma dos kurs, como sua própria denominação, “kur”, que pode significar “grou” nos idiomas fino-úgricos. “Kiligunden”, de forma similar ao Kiligunde de lívios e estonianos, era o termo empregado para suas regiões administrativas; “maleva” representava uma unidade do exército. Esse nível de argumento é usual em obras de popularização científica, como do historiador amador Edgar Valter Saks32; de

fato, como já afirmado mais acima, o substrato fino-úgrico não é exclusividade dos dialetos da kurzeme, sendo encontrado no idioma letão como um todo.

Porém há argumentos a este respeito mais recentes e de nível mais acadêmico. Um deles é a denominação até o século XIX da ilha estoniana de Saaremaa como “Kurasaar”, “Ilha dos Kurs”. Marika Mägi efetua um paralelo com a situação na Estônia de Saarema, chamada de Eysýsla, em contrapartida à costa Ocidental, como Adalsýsla.33

Esta identificação é aceita por poucos, e deve ser considerada como uma idiossincrasia a mais em categorizações e divisões étnicas das populações (não apenas) do medievo. De fato, os kurs serão uma das tribos constituintes dos letões da Idade Moderna e Contemporânea; o substrato e os cognatos fino-úgricos na língua letã advém do idioma dos lívios, não da língua dos kurs. Em adição, o istmo da Curônia, entre a Prússia Oriental e a Lituânia, foi habitado até o século XIX pelos

Kursenieki, descendentes dos antigos kurs, e seu idioma era claramente balto, sendo

que a discussão mais séria academicamente dividiu-se no sentido de classificá-lo enquanto idioma balto oriental, ligado ao letão e ao lituano, ou ocidental, ligado ao

32 SAKS, E. V. Eesti viikingid. Tallin: Olion, 2005, pp.31-34.

33 VUORELA, Toivo. The Finno-Ugric Peoples. The Hague: Indiana University Publications, 1964,

p.206; MÄGI, Marika. Viking Age and early medieval Eastern Baltic between the West and the East. In: Steinar, Imsen (Ed.). Taxes, tributes and tributary lands in the making of Scandinavian kingdoms in

(24)

237

prussiano antigo34.

Os sítios arqueológicos de Grobiņa (atual Letônia) e Apuole (atual Lituânia), escavados por Birger Nerman na década de 1920, dão suporte à relações antigas dos mesmos com a Escandinávia, principalmente os Svear e a ilha de Gotland, desde o século VII35.

7. Sobre Henricus Livonicus

Henricus Livonicus, ou Henri da Livônia, foi um missionário, sacerdote e

intérprete, provavelmente saxão, que chegou à Livônia por volta de 120536. Sua

origem e etnicidade é fruto de debate de viés nacionalista; alguns autores letões alegam uma origem lívia ou letã para o mesmo37, conquanto os alemães defendem a

contraparte germânica38.

A argumentação baseada no próprio texto tem sido usada em ambas defesas. Autores letões argumentam que alguns fatores como o conhecimento das línguas locais, evidenciado pelo número elevado de palavras nativas citadas no texto, bem como descrições de costumes nativos seriam evidências de sua afiliação étnica.

De fato, os comentaristas e historiadores alemães empregarão as mesmas evidências com sentido oposto; o conhecimento das línguas locais demonstrado por Henri seria evidência de seu trabalho como intérprete para os germânicos. Paul Johansen vai mais além, especulando que o conhecimento de lívio e mesmo talvez

34 STONKUTĖ, Loreta. Kuršininkų tarmės lituanizmai. In: Studentu zinātniskās Konferences «Aktuāli

baltistikas jautājumi» tēzes. Latvijas Universitātes Filoloģijas fakultātes, 2002, p.43.

35 NERMAN, Birger. Funde und Ausgrabungen in Grobiņa, 1929. In: Congressus Secundus

Archaeologorum Balticorum Rigae, 19.-23. VIII. 1930. Riga, 1930. pp.195-206.

36 TAMM, Marek; KALJUNDI, Linda; JENSEN, Carsten Selch. Preface. In: ________ (Eds.). Crusading and Chronicle Writing on the Medieval Baltic Frontier: A Companion. Farnham: Ashgate, 2011, p.xviii. 37 Principalmente autores de Histórias nacionais, não especializadas ou generalistas. Por exemplo,

Arnolds Spekke (History of Latvia: na Outline. Riga: Jumava, 2006 [1948] p.123) e Alfreds Bilmanis (History of Latvia. Princeton: Princeton University Press, 1951 [várias edições posteriores]). Note-se, no entanto, que mesmo dentre os autores letões e estonianos há grande aceite da posição de que Henrique fora um germânico. Por exemplo, Arveds Schwabe (Histoire du Peuple Letton. Stockholm: E. Olofssons Boktryckeri, 1953). Ēvalds Mugurēvičs (Ed. Indriķa hronika. Riga: Zinātne 1993, pp.444s), por sua vez, conquanto considere que Henri possa ter nascido no norte da Germânia, considera que isto não impeça que o mesmo fosse de origem ou etnicidade báltica; dentre os acadêmicos mais recentes, será um dos poucos a adotar tal posição.

38 JOHANSEN, Paul. Die Chronik als Biographie: Heinrich von Lettlands Lebensgang und

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238

alguma língua letã (curônio, zemgálio ou latgálio) de Henricus teria sido obtido no monastério de Segeberg, por ocasião de quando o bispo Alberto tomou 30 jovens reféns de origem lívia em 120039.

Quiçá o argumento mais empregado historicamente para identificar Henricus como letão é o próprio título da crônica, “Henricus de Lettis”, “Henrique, dos letos”. Tal título, no entanto, deriva de tradução errônea feita em 1740 feita por Johann Daniel Gruber.

As referências feitas no texto pelo próprio Henricus em seu texto são seis, nas seguintes entradas:

Henrici, scolaris Alebrandi (XI.7; 1207); Heinricus sacerdos et Lehti (XII.6, 1208); Henricus de Lettis, sacerdos et interpres (XVI.3, 1212); Henricus et Alabrandus (XVII.6, 1213); Henricus, Lettorum minister de Ymera (XXIV.1, 1220); Henricus et Petrus (XXIV.2, 1220).

As passagens listadas identificam Henri como o sacerdote dos letões de Ymera; quanto a uma identificação étnica, no entanto, não são conclusivas. De fato, há o paralelo com outros eclesiásticos, que recebem epítetos similares, não por identificação ou origem étnica, mas por trabalharem entre tais povos; Theodoricus de Kukunoys – Theodoric de Kokhenhusen/Koknese ou Rodolfus de Wenden – Rudolf de Wenden/Cesis, por exemplo40.

No geral, Henri é bastante circunspecto ao referir a si mesmo. Há uma passagem, no entanto, em que é possível encontrar uma auto-identificação com os germânicos: “Ex nostris vero ceciderunt duo et ex Lettis duo (...)” (“E dos nossos caíram dois

e dos letões, dois (...)” (XXIII.9; 1220).

O que se pode deduzir e reconstruir da vida de Henrique consta principalmente de informações na própria crônica. A informação foi listada

39 JOHANSEN, Paul. Die Chronik als Biographie: Heinrich von Lettlands Lebensgang und

Weltanschauung. In: Jahrbücher für Geschichte Osteuropas, neue Folge I, 1953, p.10.

40 KIVIMÄE, Jüri. Henricus the Ethnographer: reflections on Ethnicity in the Chronicle of Livonia. In:

TAMM, Marek; KALJUNDI, Linda; JENSEN, Carsten Selch (Eds.). Crusading and Chronicle Writing on the Medieval Baltic Frontier: a Companion. Farnham: Ashgate, 2011, p.80.

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239

satisfatoriamente por Paul Johansen em 195341, sendo que, com a notável exceção

de Arbusow, os comentaristas e autores posteriores pouco fizeram ou adicionaram a este respeito. Henri teria nascido por volta de 1188, provavelmente na Saxônia. Estudou possivelmente no monastério de Segeberg, em Holstein, que ele cita com frequência (I.2; VI.3; IX.6; X.7), e onde adquiriu sólido conhecimento do latim, ao menos eclesiástico.

Ainda ali possivelmente Henri teve seu primeiro contato com as línguas bálticas em 1200, por meio dos reféns obtidos pelo bispo Alberto na Livônia, e que ficaram sob os cuidados do irmão do mesmo, Rothmar, abade de Segeberg.

Henri provavelmente chegaria à Livônia em 1205, como acadêmico e tradutor da missão do bispo Alberto. Foi ordenado sacerdote em 1208, recebendo uma nova paróquia provavelmente em Papendorf (let. Rubene), 9 milhas a sudeste de Wolmar. Viveria ali com os letões, os quais evangelizaria pelo restante de sua vida.

Entre 1224 a 1226 Henri escreveria sua Crônica, adicionando a seção que contaria a conquista de Ösel/Saaremaa em 1227. Entre 1225 a 1227 Henri teria servido também como intérprete de William de Modena, legado papal, e provavelmente seu relato consistiria em uma espécie de relatório para ele sobre a missão. Ademais, Henri ainda residiria próximo a Papendorf em 1259, já idoso42.

Outras características do texto nos dão um retrato do homem que foi Henri. Algumas de suas descrições são bastante pictoriais, vívidas, por vezes detalhadas. Ele demonstra certo interesse por tecnologias e táticas bélicas, descrevendo o emprego da Ballista, por exemplo, demonstrando a reação dos nativos às inovações trazidas pelos alemães, e demonstrando o rápido aprendizado dos locais.

Outro campo que parece interessar a Henricus é a música, e certo episódio da crônica nos traz o relato de como, em meio ao campo de batalha, o autor pôs-se a tocar certo instrumento musical, que o texto não afirma qual é. Pelo meio bélico e pela necessidade de volume sonoro nos arriscaríamos de pode ter se tratado de

41 JOHANSEN, Paul. Die Chronik als Biographie. Heinrich von Lettlands Lebensgang und

Weltanschauung, Jahrbücher für Geschichte Osteuropas 1(1), 1953, pp.1-24.

42 JOHANSEN, Paul. Die Chronik als Biographie. Heinrich von Lettlands Lebensgang und

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240

alguma espécie antiga de dudel, a gaita de foles germânica, mas trata-se nada mais que uma pressuposição de nossa pena.

Algumas das descrições dos costumes nativos parecem ter chocado ao autor de certa forma. Em mais de uma ocasião Henri relata batalhas entre os locais e os germânicos, por vezes com alguns detalhes curiosos, possivelmente de fundo religioso. Há uma infinidade de citações da Vulgata e de outros documentos latinos litúrgicos – de fato, a praticamente toda página - mas uma alusão bem menor feita a autores latinos clássicos.

8. Sobre a Crônica da Livônia

Existem 16 cópias ou fragmentos da crônica. O trabalho de harmonizá-los e tentar criar um stemma coerente foi feito principalmente por Arbusow, de forma bastante meticulosa. O Codex Zamoscianus (Z), manuscrito mais antigo, data do começo do século XIV. Removido da Livônia no século XVI por ocasião do governo Polonês na Livônia e Estônia, encontra-se depositado na Biblioteca Nacional Polonesa (Biblioteka narodowa), em Varsóvia. Deriva seu nome por ter sido possessão da família dos Zamoyski. Jan Zamoyski fora grande chanceler entre 1588 e 1605 e grande Hetman da coroa a partir de 1581, governando diversos territórios da Estônia, que incluía Tartu/Dorpat43.

Encontra-se incompleto, no entanto, chegando apenas até o capítulo XXIII e faltando as primeiras quatro páginas, dentre outros trechos. No todo, a parte faltando do mesmo perfaz um terço da crônica. Única cópia em pergaminho, é considerado o manuscrito mais próximo de um suposto arquétipo (A), copiado do original de Henrici44. Arbusow pressupõe que esse arquétipo fora uma cópia do

próprio século XIII feita em cima do original da pena de Henrici (H); conteria erros que não deveriam ser da própria lavra de Henrici. No entanto, todos os demais manuscritos foram copiados deste arquétipo.

43 KALA, Tiina. Henry´s Chronicle in the service of Historical thought: Editor and Editions. In: TAMM,

Marek; KALJUNDI, Linda; JENSEN, Carsten Selch (Eds.). Crusading and Chronicle Writing on the

Medieval Baltic Frontier: a Companion. Farnham: Ashgate, 2011, p.388.

44 MUGURĒVIČS, Ēvalds. Priekšvārds. In: Indriķa hronika. No latīņu valodas tulkojis Ā. Feldhūns; Ē.

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241

Uma cópia perdida de A, datada do século XIV ou XV e chamada por Arbusow de X originaria diversas cópias, das quais destacariam-se M e N.

De M derivaria o manuscrito de maior importância apóz Z. Chamado de Codex

Skodeiskianus ou Codex Rigensis (S), é cópia datada do século XVII. Depositado na Latvijas Akadēmiskajā bibliotēkā em Riga, pertenceu ao pastor luterano Nathanael

Skodeisky. Foi com S que Arbusow completou a maior parte das lacunas de Z. Outro derivado de M fora o Codex Gymnasialis Revaliensis (R), cópia efetuada a partir do século XVII, depositada na Biblioteca do Ginásio de Reval/Tallinn. Cópia de pouca qualidade, é a única a conter uma sentença do capítulo XV45.

De N derivara o Codex Toll (T), cópia também de relativa baixa qualidade do século XVII, pertencente ao barão Robert Von Toll (1802-1876), historiador amador. Contém aproximadamente um terço da crônica e foi útil na reconstrução de três sentenças da crônica. Provavelmente esta cópia foi feita por encomenda do sueco Thomas Hjärn (morto em 1678), interessado na coleta de fontes primárias das províncias bálticas46.

Por fim, cabe mencionar outra cópia do final do século XVII, o Codex

Oxenstierna (o). Para Arbusow, O também derivara de N. O interesse no manuscrito,

no entanto, está no fato do mesmo consistir em uma interpolação das cópias disponíveis até então. Pertencente a Erik Axelsson Oxenstierna, governador sueco da Estônia entre 1646 a 1652, o manuscrito passou por uma série de proprietários, finalmente chegando a Johann Daniel Gruber, bibliotecário da Landesbibliothek de Hanover e prieiro editor da crônica. O Codex Oxenstierna possui muitas alterações e interpolações. Sua cópia foi feita em latim clássico.

Do número de manuscritos e cópias depreende-se que a crônica despertou certo interesse, tendo sido recopiada e quiçá alterada no período do governo sueco da Livônia. As pressuposições de Arbusow ainda são aceites pelos eruditos e acadêmicos posteriores. O texto crítico contemporâneo é, portanto, baseado em sua

45 “simul et virorum interfectorum alia duo milia”.

46 KALA, Tiina. Henry´s Chronicle in the service of Historical thought. In: TAMM, Marek; KALJUNDI,

Linda; JENSEN, Carsten Selch (Eds.). Crusading and Chronicle Writing on the Medieval Baltic Frontier: a Companion. Farnham: Ashgate, 2011, p.389.

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242

maior parte em Z, completado por S. Poucas de suas lacunas foram preenchidas com R e T.

Stemma codicum

Obtido em: KALA, Tiina. Henry´s Chronicle in the service of Historical thought: Editor and Editions. In: TAMM, Marek; KALJUNDI, Linda; JENSEN, Carsten Selch (Eds.). Crusading and

Chronicle Writing on the Medieval Baltic Frontier: a Companion. Farnham: Ashgate, 2011, p.

390.

H – Original de Henrici A – Arquétipo do século XIII Z - Codex Zamoscianus

X – cópia de A efetuada no século XIV ou XV

M – cópia de X efetuada provavelmente no século XV N - cópia de X efetuada provavelmente no século XV

S - Codex Skodeiskianus ou Codex Rigensis – cópia de M efetuada no século XVII R – Codex Gymnasialis Revaliensis - cópia de M efetuada no século XVII

o - Codex Oxenstierna – cópia e interpolação do final do século XVII baseada em N T - Codex Toll – cópia de N do século XVII

8.1. Edições e traduções

A primeira edição do texto latino foi publicada em 1740 por Johann Daniel Gruber, quando também se difundiu o título errôneo, “Henri dos letões”. Por sua vez, a primeira tradução da crônica, para o alemão, foi feita por Johann Gottfrid Arndt

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243

em 1747, com algumas correções do texto de Gruber. Uma nova edição, com tais correções e uma nova tradução para o alemão, foi feita por August Hansen, em 1853, seguida de outra de Pabst, em 1867. O texto latino da Monumenta Germaniae

Historica foi editado em 1874 por Wilhelm Arndt, ao qual foram feitas correções e

adições por Leonid Arbusow em 1926 e 1927, adicionadas às edições finais de Bauer, de 1955 e 1959. É neste último texto que se baseia esta tradução.

A crônica foi traduzida para o inglês apenas em 1950-51, ainda baseada na edição de Arndt com poucas das alterações de Arbusow, por James Brundage, sendo reeditada em 1961 e 2003 – desta feita com as alterações baseadas na edição de Bauer. As primeiras traduções para o letão foram feitas por Matīss Siliņš em 1883 e Jānis Krīpēns em 1936. Em 1993 a Zinātne publicou uma nova tradução para o letão, da parte de Ābrams Feldhūns, com introdução e comentário de Ēvalds Mugurēvičs47

e atualizada segundo o aparato crítico de Arbusow e Bauer.

Para o estoniano, a primeira tradução foi publicada por Jaan Jung em 188448.

Seria seguida por outra tradução apenas em 1962, por Jūliuss Megiste, publicada em Stocolmo. Finalmente, Rihards Kleis publicaria uma nova tradução estoniana em 1982, com comentário e introdução de Enn Tarvel.

As traduções da crônica para o russo possuem uma história a parte. Trechos da mesma foram traduzidos pela primeira vez em 1854 por A. Kunik, sendo que em 1876 uma tradução completa com introdução e comentários foi preparada por J. Češihins-Vetrinskis. A versão mais autoritativa foi publicada em 1938 por Anninski e Bystrianski na URSS. A introdução de Anninski é sóbria e detalhada, acadêmica em todos os sentidos; também foi a primeira tradução a se valer dos trabalhos críticos de Arbusow. O prefácio de Bystrianski, no entanto, veicula ideologia soviética da década de 30, particularmente o antagonismo contra os germânicos, representando a Alemanha nazista da década de 30.

A crônica foi traduzida para o lituano apenas em 1991, por Juozas Jurginis. O finlandês recebeu sua tradução em 2003, da parte de Maijastina Kahlos e Raija

47 Indriķa hronika. No latīņu valodas tulkojis Ā. Feldhūns; Ē. Mugurēviča priekšvārds un komentāri.

Rīga: Zinātne, 1993. 453pp.

(31)

244

Sarasti-Wilenius. Além destas linguagens, existe ainda uma tradução publicada para o italiano em 2005, feita por Piero Bugiani, com comentário e introdução de Pietro Umberto Dini.

CHRONICON LIVONIAE

49

HENRICUS LETTUS

CRÔNICA DA LIVÔNIA

HENRI DA LIVÔNIA

Liber primus. De Lyvonia De primo episcopo Meynardo

Divina providencia, memor Raab et Babilonis, videlicet confuse gentilitatis, nostris et modernis temporibus Livones ydolatras ab ydolatrie et peccati sompno taliter igne sui amoris excitavit.

Fuit vir vite venerabilis et venerand caniciei, sacerdos ex ordine beati Augusti in cenobio Sigebergensi. Hic simpliciter pro Christo et predicandi

Livro um. Sobre a Livônia

Sobre o primeiro bispo, Meinhard

Divina providência, lembre-se de Raab e da Babilônia, ou seja, da confusão do paganismo, ao despertar nos nossos tempos modernos os lívios do sono da idolatria e do pecado pela excitação do seu amor.

Havia um homem de vida e cabelos veneráveis, sacerdote da ordem de Santo Agostinho do mosteiro de Segeberg53. Ele se dirigiu à Livonia com

49 Também conhecida como Crônica de Henrique de Livônia, redigida pelo clérigo Henri da Livônia (c.

1180-1259). A edição latina utilizada nesta versão bilíngüe é a mesma que se encontra disponível na

Monumenta Germaniae Historica (MGH): HENRICUS DE LETTIS. Chronicon Lyvoniae. Ed. Leonid

Arbusow. Ver. Albert Bauer In: MIGNE, Jacques Paul. MGH, SSRG. Hannover: Impensis Blibliopolli Hahniani, 1955.

53 Segeberg é atualmente um distrito de Schleswig-Holstein, Alemanha, que fica na porção

setentrional das dimensões atuais do país, na divisa com a Dinamarca. A fundação de seu monastério está descrita na Chronicon Slavorum, de Helmond. (BUSE, Dieter K. Schleswig-Holstein. In: __________.

The regions of Germany: a reference guide to history and culture. London: Greenwood, 2005, p.

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245

tantum causa cum comitatu

mercatorum Lyvoniam venit.

Theutonici enim mercatores,

Lyvonibus familiaritate coniuncti, Lyvoniam frequenter navigio per Dune flumen adire solebant.

Accepta itaque licencia prefatus sacerdos a rege Woldemaro de Ploceke, cui Lyvones adhuc pagani tributa solvebant, simul et ab eo muneris receptis, audacter divinum opus aggreditur, Lyvonibus predicando et ecclesiam in villa Ykescola construendo.

Ex eadem villa primus Ylo, pater Kulewene, et Viezo, pater Alonis, primi baptizantur, aliis vicissim sequentibus.

uma comitiva de mercadores

simplesmente pela causa de Cristo e apenas para predicar. Os mercadores eram teutônicos, e estavam ligados aos lívios por laços familiares, e navegavam à Livônia com freqüência subindo o rio Daugava54.

Portanto, após ser licenciado pelo rei Wladimir de Polotsk55, a quem os lívios

ainda pagãos pagavam os tributos, e, ao mesmo tempo, ser presenteado por ele, o sacerdote iniciou sua tarefa divina, pregando aos lívios e construindo uma igreja na vila de Üxküll56.

Em seguida, na mesma vila, Ylo, o pai de Kulewene, e Viezo, o pai de Alonis,

54 Daugava, no letão; Düna, para os germânicos, Zapadnaia Dvina (“Dvina Ocidental”, para os russos). 55 O rei referido, Vladimir, não era um rei, mas sim príncipe de Polotsk. É importante não

confundí-lo com Waldemar, da Dinamarca. Poconfundí-lotsk corresponderia hoje à parte central de Belarus, e fazia parte de uma rede de principados cristãos no Leste Europeu que renitiam aos interesses e expansões germânicas e escandinavas na região. Porém, estes reinos já se encontravam em declínio nos séculos XII e XIII, e pouco puderam fazer para se manterem autônomos: Polotsk, por exemplo, caiu sob o controle da cidade de Riga em 1227, e com o fim da dinastia Riurikida em 1307 entrou em domínio lituano. (MARTIN, Janet. Medieval Russia (980-1584). Cambridge: at the University Press, 1996 [1995]DIMNIK, Martin. The Rus’ principalities (1125–1246) In: PERRIE, Marie (ed.). The Cambridge

History of Russia: from early Rus’ to 1689. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p. 98-126).

Para mais informações sobre este e outros principados russos, ver: CROSS, Samuel Hazzard & SHERBOWITZ-WETZOR, Olgerd P. The Russian Primary Chronicle, Laurentian Text. Cambridge: The Mediaeval Academy of America, 1953).

56 No original, “Ykescola”. Germânico Üxküll (na bibliografia mais antiga, “Uexküll”), a letã Ikšķile. O

termo é de origem fino-úgrica, da língua lívia (Üksküla), significando um lugar no qual é possível a transposição do rio. SUTROP, Urmas, Ykescola. Ykescole attested in the Chronicle of Henry of Livonia

and Üksküla (Uexküll). To Tõnu Karma on his 80th birthday. Estonian Mother Tongue Society Year

Referências

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