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O PAPEL DA FOTOGRAFIA NO JORNALISMO AMBIENTAL: A FORMA E O CONTEÚDO NÃO CONVENCEM

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Volume 17, julho a dezembro de 2006

O PAPEL DA FOTOGRAFIA NO JORNALISMO AMBIENTAL

A FORMA E O CONTEÚDO NÃO CONVENCEM

As fotos de um jornal podem muito bem nada dizer-me, o que quer dizer que eu as olho sem pô-las em posição de existência.

SARTRE

Pedro Celso Campos

4

RESUMO

Esta monografia tem o propósito de estudar a apresentação de informações jornalísticas sobre o meio ambiente. Trata-se de indagar se o jornalismo dá a este tema o destaque que ele requer e se o modo como são apresentadas as notícias tem ajudado, de alguma forma, a mudar o comportamento das pessoas em relação ao meio onde vivem. Se reconhecemos a responsabilidade social da imprensa, também aceitamos que o resultado do noticiário ambiental poderia ser mais eficiente. No entanto percebe-se que há algum desinteresse – tanto de editores e repórteres como das pessoas em geral - quando o assunto é desenvolvimento sustentável, preservação da vida, harmonia entre as pessoas e com a natureza. Mesmo os alertas dos ambientalistas sobre catástrofes que poderão inviabilizar a vida no planeta

4 Pedro Celso Campos,57, defendeu sua tese de doutorado em 28.03.2006, na ECA-USP, sob o título

"Jornalismo Ambiental e Consumo Sustentável - Proposta de Comunicação Integrada para a Educação Permanente", 324p., sob orientação do Prof. Dr. Luiz Barco. Dessa tese foi retirado o presente artigo. É jornalista profissional desde 1969, graduado pela Universidade de Brasília, e há dez anos ensina "Produção Jornalística - Técnicas de Reportagem e Entrevista" e "Jornalismo Impresso III" na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP, campus de Bauru. E-mail:

pcampos@faac.unesp.br.

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parecem não convencer as pessoas a colaborarem mais, dando cada um a sua parcela de contribuição por um mundo mais equilibrado, menos poluído, mais justo. Como mudar isto?

Palavras chave: Ambiente – Educação – Jornalismo – Transformação – Harmonia ABSTRACT

This monograph aims to study the presentation of newspaper information about the environment. It concerns asking whether the journalism gives the required emphasis to this theme and whether the way how the news are presented have helped, in some way, to change the behavior of the people in which concerns the environment where they live. If we recognize a social responsibility of the press, we also accept that the result of the environmental news could be more efficient. However we notice that, when the theme is sustainable development, life preservation, harmony among people and with nature, there is some indifference from both editors and journalists and also from the people in general. Even the alerts from environmentalists about catastrophes that may not make possible life in the planet seems not to convince the people to collaborate more, giving each one his parcel of contribution for a more balanced world, less polluted and more fair. How to change this situation?

Keywords: environment; education; journalism; transformation; harmony.

RÉSUMÉ

Cette monographie a-t`elle le propos d`etudier l´apresentation d´informations journalistiques sur l`ambient. Il est question de demander si le journalisme donne a cet sujet le relief qu` il sollicite y si le mode comme sont`apresentèes les notices a-t`il contribuié, d`aucune façon, a changer le comportement de les gens au regard de l`ambient où vivrent-elles. Si nous reconeçons la responsabilité social de la presse, acceptons-nous, aussi, qui le résultat de les nouvelles d`ambient pouvrait´il être plus efficient. Toutefois, on s`aperçu quì l y a quelcun désintérêt – autant de l`editeurs et de les repórteres comme de les gens – quand l`assumpte c´est le développement soutenible, preservation de la vie, l`harmonie parmi les gens y avec la nature. Jusque les alertes des ambientalistes sur des catástrofes qui pouvront inviabilizer la vie dans le planète semblent ne convaincre pas les personnes a collaborer des plus, donnent chaq` um sa parcelle d`apport par un monde plus equilibré, moins pollué, plus juste. Comment changer cela?

Mots - clef: Ambient – Éducation – Journalisme – Transformation - Harmonie

Semana do Meio Ambiente/2004

Diante da importância da fotografia como ferramenta de trabalho no jornalismo ambiental, decidimos selecionar as edições do maior jornal do país, a Folha de S. Paulo, que circularam na Semana do Meio Ambiente de 2004, entre os dias 2 e 6 de junho, para tentar compreender o papel que a imprensa convencional atribui ao fotojornalismo nas matérias sobre meio ambiente. Optamos pelo jornalismo impresso por acreditar que o meio atinge mais diretamente o público formador de opinião por excelência, se comparado

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a outros meios de comunicação, como a própria TV, onde o noticiário sobre meio ambiente é mais impactaante, mas o público é menos definido. Isto não invalida excelentes trabalhos que têm sido apresentados através da TV, sendo o melhor exemplo de todos eles, o

Repórter Eco, da TV Cultura, apresentado aos domingos, sob a coordenação de

Washington Novaes. Também é natural que, operando a partir da imagem, a televisão acabe privilegiando o noticiário ambiental que gera visual de qualidade, como as notícias sobre catástrofes ou os documentários fornecidos pelo National Geographic. Hoje, nos telejornais ou em programas como o Fantástico, sempre há espaço para imagens ambientais. Também são comuns os documentários do tipo Globo Repórter. A questão ambiental interessa, cada vez mais, a todas as pessoas do mundo, pois qualquer que seja o local do planeta onde ocorram danos ao meio ambiente, toda a humanidade é atingida, bem de acordo com a abordagem sistêmica que explica a integração de todos e de tudo ao longo de todo o tempo. Além de ser importante, o ambiente rende imagens imponentes, daí o interesse permanente da televisão.

Entretanto, a decisão de pagar uma assinatura ou passar por uma banca para comprar um exemplar de jornal faz do leitor um observador privilegiado porque não ficará apenas no “olhar” que é próprio ao telespectador (muitas vezes passivamente), terá que selecionar as notícias de seu interesse, terá que lê-las, poderá concordar ou discordar, eventualmente arquivará informações relevantes ou usará tais informações em seu ambiente de trabalho, de convivência etc, ou como fonte de pesquisa documental. Talvez acessará o site do jornal para se manifestar a respeito do que leu. Não se trata, convenhamos, de um observador comum. Conquistar sua atenção para os assuntos de interesse ambiental e mobilizá-lo a favor de um novo comportamento diante do mundo à sua volta é uma tarefa de bom tamanho que o jornalista especializado tem pela frente.

Na primeira edição estudada, a do dia 2 de junho, n. 27.454, a análise quantitativa revelou apenas uma notícia sobre meio ambiente. Com foto colorida de quatro colunas e chamada na primeira página, seguidas de matéria também de quatro colunas e foto em preto e branco na pág. 4 do Caderno C, era uma pequena reportagem do gênero “catástrofe”, a respeito da tempestade que desabou sobre Maceió, no dia anterior, matando 14 pessoas. “Segundo informações do Corpo de Bombeiros, a última grande tragédia

ocorrida no Estado foi em 2000, com 20 mortos”, registrou a reportagem da Agência

Folhas, assinada por Silvia Freire. O coordenador do Radar Meteorológico de Alagoas,

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professor Ricardo Sarmento Tenório, disse que a chuva foi provocada por uma nebulosidade muito concentrada, proveniente do oceano Atlântico, possivelmente formada na costa da África, que estacionou sobre Maceió. Na foto da primeira página, uma vista aérea do Distrito Industrial, totalmente alagado.

“Chuva mata mais seis pessoas em Maceió, elevando para 20 o número de vítimas do temporal”. Esta foi a notícia relacionada com meio ambiente que o jornal

publicou na edição do dia 3 de junho, n. 27.455, porém sem chamada na primeira página, apenas com foto em preto e branco e texto, ambos de quatro colunas, ocupando pouco mais de um quarto da página C-5. Foram ouvidas as mesmas fontes: Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Radar Meteorológico, Governador Ronaldo Lessa (PSB) e o prefeito interino Alberto Sexta Feira (PSB). A matéria informava que “2.112 pessoas estão alojadas em 17

abrigos montados pela Prefeitura de Maceió em escolas, associações de bairro e igrejas. Na noite anterior, 1.090 pessoas estavam desabrigadas. A chuva destruiu 75 casas e danificou outras 118, de acordo com levantamento parcial feito pela Defesa Civil do Estado”. A foto mostrava funcionários da prefeitura e moradores procurando sobreviventes

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em área de deslizamento.

É interessante observar que no canto inferior esquerdo da pág. A-10, o jornal publicou, nesse dia (03.06.04), a seguinte nota, de uma coluna por 9 linhas, na seção Toda

Mídia, assinada por Nelson de Sá: “As chuvas que caíram sobre Maceió, em Alagoas, receberam destaque no JN e até em algumas agências internacionais. Mas a rádio CBN foi a única a registrar que elas atingiram `regiões nobres` da capital e provocaram até desabamento de mansões”.

A mesma edição trouxe outras notícias sobre meio ambiente, todas pulverizadas pelos cadernos do jornal, sem destaque mas com a retranca “Ambiente”. Uma delas saiu na última página do primeiro caderno, A-16, que é a página do jornal dedicada aos assuntos de Ciência. Com 18 linhas, assinada pela Sucursal de Brasília, a nota de uma coluna, no pé direito da página, registrava que duas empresas brasileiras estão

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desenvolvendo projeto para retirar do ar 30 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2), responsável pelo efeito estufa, o que, segundo acordos internacionais, valerá ao país US$150 milhões em créditos que poderão ser vendidos para empresas e países da União Européia.

Também no canto inferior direito, desta vez na página C-4, outra retranca “Ambiente” encabeçava o seguinte título de uma pequena matéria: “ONG diz que lares de SP são os mais poluídos”. Depois de examinar escritórios e 50 lares, o Greenpeace teria constatado que “nos lares de São Paulo foram encontradas as maiores concentrações de

hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), substâncias presentes na fumaça dos carros”.

A terceira edição estudada foi a de 4 de junho, n. 27.456. Um dos três editoriais do jornal, na página 2, tratava do Dia Mundial sem Tabaco – celebrado em 31 de maio daquele ano – quando autoridades sanitárias anunciaram estatísticas que mostravam a redução do consumo de cigarros no país. Preocupava-se, entretanto, o editorialista, com o fato de que os bolsões de resistência às campanhas anti-tabagistas encontram-se entre as “camadas de menor escolaridade e, presume-se, de menor instrução, que só procuram os

serviços de saúde quando as doenças relacionadas ao tabagismo se tornaram mais difíceis de tratar”.

O Folha Ciência, na pág. A-14, usou um oitavo de página com a retranca

“Panorâmica” – que geralmente traz uma boa foto sobre assunto de destaque – para publicar duas notas, uma sobre meio ambiente e outra sobre biotecnologia. A nota ambiental de uma coluna dava conta que o governo criou novas áreas de conservação: “Para comemorar a Semana do Meio Ambiente, de 31 de maio a 9 de junho, o governo

criou ontem, por decreto presidencial, duas florestas nacionais e igual número de reservas extrativistas”. É importante registrar o pé da nota: “Sem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a cerimônia foi esvaziada. Só dois governadores participaram. Foram assinados convênios com mais de dez estados”. A outra nota – “Liberação de

transgênico tem crítica nos EUA” – informava que o governo americano pretende tornar mais transparente o processo de aprovação de medidas relacionadas com os transgênicos, em resposta a críticas recebidas do Centro para a Ciência do Interesse Público.

A coluna Painel S. A. do caderno Folha Dinheiro, publicava, à pág. B-2, uma

breve nota também relacionada com o meio ambiente: “Embalagens – A Klabin lança o

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cartão KlaKold, para todos os tipos de embalagens frigorificadas, desenvolvido em parceria com a Sadia. Reciclável, o produto acarretou redução de 15% no preço, por ter eliminado pela metade as etapas de produção”.

A página B-10 trouxe ampla matéria sobre a decisão do Ministério da Agricultura de ampliar a fiscalização e o controle de qualidade da soja brasileira embarcada para a Ásia, tendo em vista as reiteradas devoluções de navios brasileiros, pela China, acusados de transportarem soja contaminada com fungicidas. Manchete da página, com linha fina e box explicativo, a matéria ocupava um quarto de página mas não tinha foto, começando com uma retranca criativa: “Sinal Amarelo”. Na pág. C-2 uma nota de serviço explicava o estado das praias do litoral de São Paulo para banho, informando que das 20 praias poluídas na semana anterior apenas 7 continuavam impróprias, após monitoramento de 65 praias. A região com pior situação continuava sendo a cidade de Santos, com três de suas sete praias avaliadas como poluídas.

Na pág. C-3, sob a retranca “Ubatuba” e o título “Prefeitura é acusada de dano ambiental”, nota de uma coluna registrava que uma área de 3.270 m2 de mata atlântica foi desmatada pela prefeitura de Ubatuba, segundo o Ministério Público e o Batalhão de Polícia Ambiental da cidade.

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A sessão Panorâmica do caderno Cotidiano publicava, na pág. C-3, uma boa

foto (ainda que visivelmente ensaiada) relacionada com o meio ambiente. Trata-se do fenômeno da invasão de caramujos que ocorre nesta época mais úmida do ano na zona norte do Rio de Janeiro.

No sábado, dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, a edição n. 27.457 publicou poucas matérias sobre o assunto. Nenhuma na primeira página. Na página 2, nenhum editorial. Na última página do primeiro caderno, o Folha Ciência trazia uma matéria de três colunas por 9cm, com foto colorida ao lado, do mesmo tamanho. O texto tem a retranca “Ambiente” seguida da linha fina “Espécies em risco são ainda pouco compreendidas”, acima do seguinte título: “ONU diz que pesca insustentável é maior ameaça à proteção de corais”. O alerta da ONU lembrava que os corais – ainda pouco estudados - podem ser a chave para novos medicamentos e que estão sendo destruídos pela pesca predatória, pela exploração de petróleo em alto mar, pela instalação de cabos

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submarinos etc, conforme Klaus Töpfer, líder do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente-PNUMA.

Na pág. 6 do caderno B, o jornal deu prosseguimento à retranca do dia anterior, “Sinal Amarelo” sobre a rejeição da soja sul americana pela China sob acusação de contaminação por herbicidas. Embora igualmente sem foto, a matéria estava mais contextualizada que na edição anterior. Um box mostrava que a soja é, de longe, o principal item na pauta de exportações para a China, com US$ 355,8 milhões exportados de janeiro a abril deste ano. Outro box tentava explicar a conduta chinesa e divulgava versões segundo as quais a China teria feito compras na América do Sul quando o produto estava em alta e agora estaria usando de estratégia para forçar a revisão dos contratos. O box ainda informava que nos últimos dois meses 239 mil toneladas de soja brasileira já foram devolvidas pela China.

A parte da edição dedicada ao público infantil, o suplemento Folhinha deu três

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notas ilustradas sobre meio ambiente. Uma na pág. F 2, sobre instalações com lixo reciclável no Sesc Interlagos,

e outra na pág. F-3, sobre a decisão do governo austríaco de adotar um regime de férias para os animais que trabalham em circos, além de proibir a mutilação de rabos de cachorros.

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Na mesma página, com mais destaque, uma reportagem também ilustrada com foto colorida, acompanhada de um box com mais duas fotos coloridas, menores, contava para as crianças como foi a mortandade criminosa de bichos no Zoológico de São Paulo, onde 73 animais já morreram em situação ainda misteriosa, pois as investigações continuam. No box uma nota sobre a volta da macaquinha Fafá que tinha ficado muito triste com a morte de seu companheiro de jaula, o macaco Felipe, e passara quatro meses de isolamento no hospital veterinário. Abaixo da foto de Fafá, duas pequenas fotos mostravam um mico-leão-dourado e dois bisões, habitantes do lugar.

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A última edição pesquisada foi a de n. 27.458, que circulou no domingo, dia 6 de junho. Se durante a Semana do Meio Ambiente quase nada de relevante foi publicado sobre o tema, se no Dia Internacional do Meio Ambiente (5 de junho) também nada se publicou, o mesmo ocorreu nessa edição do domingo, dia em que o jornal atinge seu maior índice de leitura, quando o valor do exemplar, no interior de São Paulo, mais exatamente em Bauru, local desta pesquisa, passa de R$ 2,20 para R$ 3,50, esgotando-se logo pela manhã nas bancas. Nessa edição foi dada continuidade à polêmica da soja, agora com a China rebatendo as acusações dos produtores de que estaria denunciando a presença do fungicida Carboxin (usado no tratamento de sementes destinadas ao plantio e que estariam misturadas com a soja para consumo humano, conforme constatado nos navios devolvidos), segundo publicado às páginas B-1, B-4 e B-5. A seqüência de matérias revelava que o Brasil perdeu US$ 1 bilhão com o veto chinês à soja brasileira, por isto o Ministério da Agricultura estava anunciando enérgicas providências de fiscalização para evitar a contaminação do produto exportado. Pela primeira vez as reportagens sobre a soja traziam uma foto destacada no alto da página B-4, colorida, em 4 colunas, documentando (grifo nosso) a fiscalização do produto.

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Na página B-12 havia apenas um Informe Publicitário (coluna paga) do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo-SindusCon elogiando o lançamento, na semana anterior, em São Paulo, do manual “Madeira: Uso Sustentável na Construção Civil” – iniciativa do IPT-USP, Prefeitura Municipal de São Paulo e SindusCon, destinado a orientar os consumidores na compra da madeira adequada a cada uso e na destinação dos resíduos, visando preservar as florestas nativas e as espécies hoje escassas, como a peroba-rosa e o pinho-do-paraná.

Análise

A pesquisa demonstra que o maior jornal do país ignorou a Semana do Meio Ambiente. Se atribuirmos o “valor-notícia” das fotos sobre Maceió ao efeito tragédia e se concordarmos que a cobertura sobre a soja está mais relacionada com o agronegócio do que com o meio ambiente, sobram apenas notinhas esparsas, sem foto, ou então matérias ilustradas com fotos que não passam mesmo de “ilustração”, como veremos, restando apenas uma foto do tipo “documento”, que é a dos caramujos, mesmo assim sem texto e

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ensaiada. Nenhum pauteiro achou interessante propor reportagens e entrevistas sobre o tema da semana, embora a televisão tenha apresentado, na ocasião, sucessivas reportagens denunciando a extinção da Mata Atlântica que em 1500 ocupava 15% do território nacional e hoje está reduzida a menos da metade: 7%, conforme a ONG S.0.S Mata Atlântica, constatando-se também que há mais pobreza e miséria, hoje, onde o desmatamento foi maior.

Porque o jornalismo ambiental é tão fraco e tão desprestigiado no Brasil? Para responder a este questionamento, busquemos, de início, uma definição para este tipo de especialização profissional que tem suas bases no Jornalismo Científico, ou no jornalismo de investigação, isto é, no melhor jornalismo de aprofundamento. Estamos falando da divulgação de fatos, processos, estudos e pesquisas relacionados com a preservação do meio ambiente e da biodiversidade apenas, ou também falamos de um jornalismo que coloca a vida no centro de suas preocupações? Este dilema está na base do enfrentamento que se dá entre os que praticam o chamado ecologismo1 e os que vêem nas preocupações ambientais apenas uma ideologia de esquerda destinada a conturbar o crescimento econômico do país. Os mais conservadores, especialmente os de orientação neoliberal, entendem que precisamos antes cuidar dos problemas sociais, da pobreza extrema, da falta de saneamento para depois iniciarmos a batalha de salvamento do mico leão dourado e da ararinha azul. Estes, porém, confundem a preocupação ambiental, como um todo, com alguns setores do movimento ecológico que trabalham pela salvação de espécies em extinção, trabalho este muito meritório, diga-se... Também se esquecem que os problemas relacionados com a pobreza se agravaram exatamente nos últimos 300 anos de crescimento ilimitado da economia à custa da natureza, sendo, aliás, motivo de justa preocupação dos que se ocupam realmente do ambientalismo. Na verdade, trata-se de um falso dilema, pois, como diz o presidente da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, Miguel Milano: 2

Corremos o risco de matar os recursos naturais e inviabilizar o próprio desenvolvimento. Nossa população já é tão grande e nosso território já foi tão devastado que não é possível suprir primeiro as deficiências econômicas para depois discutir proteção ambiental. As duas coisas têm que ser feitas juntas.(Época, São Paulo, 7 jun. 2004, ed. n. 316, p. 58 - 60). 3

Mas, retomando o campo das definições, que se entende por jornalismo ambiental? Para Miguel Montaño:

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se puede establecer como periodismo ambiental aquél que se ocupa de la información de actualidade que contextualice, analice los procesos y enumere los efectos de aquellas intervenciones relacionadas com la naturaleza y el médio ambiente y en especial de aquellos aspectos que tienen que ver com su degradación.(MONTAÑO, 1999). 4

O autor fala-nos de um noticiário atual e contextualizado, duas características que envolvem todo o empenho do profissional no sentido de manter boas fontes de informação e de não poupar esforços para explicar os fatos dentro da situação onde eles ocorrem, tendo em vista, mais uma vez, que nada está isolado, principalmente quando se fala de meio ambiente. Desenvolvimento econômico e meio ambiente, como também já vimos, estão fortemente relacionados.

Mesmo quando o jornalismo ambiental evita envolver-se com as várias correntes do movimento ecológico, buscando a prática objetiva da informação ambiental, desprovida de ideologia, esta é uma atividade que não está isenta de um certo ativismo, tendo em vista que os meios de comunicação são o único instrumento capaz de educar as pessoas na escala necessária visando uma mudança de comportamento. Filtrando os interesses em jogo, o jornalista especializado em meio ambiente deve ter em mente que o seu texto, a sua foto, não visam apenas dar uma informação superficial, visam, na verdade, sensibilizar as pessoas para que engrossem a luta pela defesa do ambiente. Esta especialidade “tem uma função educativa. É necessário que os futuros jornalistas tenham

presente a importância do jornalismo ambiental na formação dos cidadãos”, argumenta a

professora Ilza Girardi Tourinho, responsável pela introdução da disciplina "Jornalismo Ambiental" na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Segundo ela “mais que uma

especialização, o jornalismo ambiental envolve uma visão de mundo comprometida com novos parâmetros de convivência e solidariedade”. 5

Significa, naturalmente, atribuir ao jornalismo ambiental uma motivação mais ampla, uma garra maior, um espaço mais adequado diante do seu alcance e significação. Não é o que vemos, porém, nas edições analisadas nesta pesquisa. Conforme descrito no estudo da forma e do conteúdo, em muitas situações as notícias foram dadas em minúsculas notas de pé de página. Matérias maiores – como a da soja – mereciam, desde o início da cobertura, uma boa foto colorida, ou infográfico apropriado, porque tratava-se de identificar sementes (destinadas ao plantio, por isto mesmo de cor diferente devido ao

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tratamento com herbicida), impróprias para consumo humano, misturadas com a soja exportada. Em outras situações, as fotos foram usadas mais como ilustração – no caso do tigre siberiano da matéria sobre férias para os animais austríacos – do que como documentação, pois tratava-se de mostrar animais em situações de trabalho (em circos, em serviços policiais, em transportes de cargas, em trabalhos no campo etc), portanto credenciados às referidas “férias” que acabaram de ser criadas. Outras fotos, como na matéria sobre os corais, parecem explorar muito mais a plástica da imagem que seu conteúdo informativo, usando-se a foto apenas para chamar a atenção do leitor, já que não é possível identificar “no conteúdo da foto” algum tipo de dano causado pela ação da pesca. Todo o corpus da pesquisa revela que o fotojornalismo tem sido usado, no impresso, com a mesma displicência que se usam as imagens na TV, valorizando-se o espetáculo da estética – inclusive com frias fotos de arquivo – sem maiores preocupações com o caráter ético de documentação que é próprio da fotografia, conforme KOSSOY(1989, p. 20). A foto dos corais foi extraída da revista “Science” - como dá conta o crédito - enquanto a foto do tigre siberiano - do fotógrafo Gerhard Gradwoht, da Associated Press -, “ilustrando” uma decisão atual do governo austríaco, foi tirada em 27 de maio de 1999, portanto cinco anos antes. Até mesmo as fotos do zôo de São Paulo haviam sido produzidas três meses antes da publicação aqui analisada.

Quando nos propomos a estudar fotos assim, desvinculadas da realidade, constatamos que essa atitude de impingir ao leitor fotos de arquivo como se fossem atualizadas, contraria os cânones da fotografia, se considerarmos fundamentações clássicas como em ANDRÉ BAZIN.6 Ora, a gênese de uma foto tirada cinco anos atrás - como no caso do tigre siberiano – não pode estar presente na foto agora apresentada em outro contexto, totalmente diverso, por isto ela se reveste de mero caráter ilustrativo, sem condições de “documentar” o fato a que se refere. Claro, também, que o leitor comum não percebe tais detalhes, mas o exemplo remete a outros procedimentos igualmente condenáveis de alterar, digitalmente, a foto original de modo a torná-la “mais plástica” – como na bonita foto dos corais – ou menos agressiva – como ocorreu no atentado de Madri, em 2004, em que vários jornais do mundo apagaram digitalmente a imagem de uma perna humana que aparecia, isolada do corpo, no canto inferior esquerdo da foto, (de um amador, por sinal). Não é possível pensar a fotografia fora do seu ato constitutivo (DUBOIS, 1994, p. 59), por isto qualquer alteração é uma descaracterização, é uma

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manipulação do real acontecido. Quando fazemos a opção de recorrer a uma foto fria, de arquivo, para ilustrar um fato quente, do momento, certamente nos enquadramos na crítica que FRANCASTEL, (1993, p. 16) faz ao método educativo de Piaget por ignorar a arte:

Evitemos substituir o mito do realismo – tão poderoso desde o Quatrocentos – por aquele de um estruturalismo que aceitaria a idéia de modelos de certa forma pré-fabricados e que o artista deveria descobrir em vez de criar.

Atendo-nos ao que o fato representa em si, buscando ser fiel ao acontecido, sem máscaras ou manipulações, estaremos passando ao leitor uma mensagem mais transparente, mais clara, mais honesta, no que ainda podemos concordar com FRANCASTEL (1993, p. 16): “O artista cria objetos para permitir à sociedade tomar

consciência dela mesma e comunicar as outras suas hipóteses” .

Ademais, a imagem pertence ao seu contexto, isto é, remete sempre ao instante de sua produção, “ela não fala daquilo que não é mais, mas apenas, e com certeza, daquilo que foi”. (BARTHES, 1984, p. 123). Como podemos compreender a bela imagem do coral se ela nos fala de um instante passado que já não tem a ver com o fato atualmente denunciado sobre os danos causados pela pesca? Essa falta de coerência entre texto e imagem, entre passado e presente, entre a intencionalidade do ato fotográfico e a contingência representada, remete-nos ao questionamento de DENIS ROCHE 7 sobre o que interessa ver na foto: “A questão, decerto, não é mais ´qual a questão que nos é colocada

por uma foto?`, nem ´o que um filósofo pode fazer com uma foto?`..., mas, antes, “com que uma fotografia pode ter algo a ver desde o momento em que se faz?”

Quando produzida junto com o texto escrito, isto é, no mesmo tempo do fato acontecido, a fotografia complementa a informação, dando-lhe uma dimensão de contexto histórico, ajudando o leitor a entender melhor do que se trata, pois ali estará presente não uma imagem casual, mas um material jornalístico produzido com determinada intencionalidade em relação ao fato noticiado ou acontecido. É assim que podemos compreender melhor a informação sobre a tragédia de Maceió conferindo o Distrito Industrial inundado ou a cena dos trabalhadores procurando vítimas nos escombros. É o caso da foto mostrando a infestação de caramujos no Rio. O fotógrafo participou do evento noticioso, acompanhou o repórter, produziu a foto com determinada intencionalidade, com

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o objetivo de esclarecer, de explicar, de completar a matéria. Foi a única foto – nesta pesquisa – que documentou um fato ambiental, embora a falta de texto revele o descaso do editor com o assunto, tratado de forma meramente episódica e sem importância, como que cedendo à falsa premissa de que uma foto vale por mil palavras. A este propósito, citado por KOSSOY (1989, p. 51), JEAN KEIM 8 esclarece:

Se a fotografia julga-se um documento e quer ser apresentada como tal, as informações escritas são de primordial importância. Esta verdade elementar é freqüentemente esquecida pelos que consideram que a fotografia basta-se a si mesma. A informação escrita é essencial.

Mesmo quando reconhecemos a impossibilidade da neutralidade no jornalismo, teremos muito mais coerência na foto atual, criada, que na foto “arranjada”, “descoberta” no arquivo. O professor BORIS KOSSOY (1989, p. 53) esclarece bem a este respeito, em seu clássico “Fotografia e História”:

A fotografia não é apenas um documento por aquilo que mostra da cena passada, irreversível e congelada na imagem, o assunto; faz saber também de seu autor, o fotógrafo, e da tecnologia que lhe proporcionou uma configuração característica e viabilizou seu conteúdo.

Quando o jornal utiliza antigas fotos de arquivo para “ilustrar” informações atuais – por comodidade ou para não ter de comprar a foto verdadeiramente jornalística e documental – certamente está usando a foto como mera descrição9 e não como parte do texto informativo.

O uso inadequado do fotojornalismo no noticiário ambiental e os minguados espaços de fim de página parecem identificar que esta especialização profissional ainda é vista com muitas reservas por parte de editores e mesmo de empresários da mídia. Com melhor aproveitamento, este tipo de noticiário poderia contribuir mais significativamente para o engajamento de todos na tarefa de limpar o mundo e mantê-lo limpo para as futuras gerações. Não é o que sentimos, entretanto, quando, trafegando atrás de um veículo, percebemos, de modo bastante constrangedor, adultos e crianças atirando lixo sobre o asfalto, até mesmo pontas de cigarro ou latas de alumínio, pedaços de papel, restos de comida, tanto nas rodovias como em plena área urbana. Mais grave ainda é constatarmos, no noticiário, que o desmatamento das florestas avança, apesar de tudo, para dar lugar ao

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agronegócio, e que os animais silvestres continuam sendo contrabandeados no bojo da biopirataria, entre tantos outros males ambientais que se perpetuam renitentemente.

Não se pode colocar toda a culpa no governo, mas tanto a imprensa quanto os órgãos públicos deveriam se empenhar mais em uma campanha permanente a favor do meio ambiente, acima de ideologias ou de denominações políticas. O exercício da cidadania e da civilidade, por uma vida mais saudável, não deve ser confrontado com a tendência ideológica do indivíduo, mas sim com sua noção de patriotismo e de cidadania, melhor ainda, de cidadão do mundo, tendo em vista a integração total de tudo e de todos. Não podemos ser, ao mesmo tempo, o cidadão que navega nas estrelas e que joga lixo na rua. Não faz sentido.

A mídia tem o poder de educar. Exemplo de seu bom êxito, neste particular, é a continuada campanha contra o hábito de fumar. É bem verdade que os meios de comunicação foram obrigados a abrir mão da gorda receita publicitária proveniente dos anunciantes de cigarro, já que a publicidade foi proibida pelo governo. De qualquer forma o apoio ao anti-tabagismo resultou em grande avanço, segundo provam as estatísticas em todo o mundo. 10

Considerado o poder da mídia, o que se poderia esperar, por exemplo, se as pessoas fossem persuadidas - através de reportagens devidamente contextualizadas e bem apuradas – a levarem menos plástico para dentro de casa, especialmente para a cozinha? Isto significaria utilizar containeres ou sacos recicláveis para acomodar as compras feitas no supermercado ou na padaria. Significaria voltar a preferir garrafas de vidro na hora de comprar cerveja e refrigerante. Afinal, sabemos que o plástico leva 450 anos para se incorporar à natureza. Também sabemos que, somente no Brasil, mais de 700 milhões de sacos plásticos são utilizados mensalmente, apenas nos supermercados, enquanto nos EUA e no Canadá o setor de plásticos cresce mais rápido que o de manufaturas, como vimos no capítulo sobre Consumismo. No entanto, o plástico é o maior poluente de oceanos e praias. Em 7 de maio de 2004, o site BBC Brasil divulgou nota da revista Science, segundo a qual pesquisadores da universidade de Plymouth coletaram amostras de 17 praias e estuários da Grã-Bretanha e constataram, entre as partículas não-naturais, uma variação de plásticos ou polímeros, incluindo nylon, poliéster e acrílico. Tais evidências também foram encontradas no aparelho digestivo de minhocas e crustáceos.

Um pauteiro não precisaria ser muito criativo para se indagar onde vai parar

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tanto plástico que as pessoas levam para casa e o que poderia ser feito para diminuir o impacto ambiental que este hábito, aparentemente tão inofensivo, provoca na natureza. Mas seria preciso juntar a informação globalizada da agência de notícia com a situação real do seu país, do seu estado, da sua cidade. Será que faltam assuntos para um bom caderno na Semana do Meio Ambiente? Além do plástico há problemas graves que afetam o mundo e todos nós, como o lixo,11 a escassez de água,12 a poluição química,13 o aquecimento do clima 14 etc.

Não falta assunto para pautar o meio ambiente, mesmo quando o jornalista se lembra que o jornal não é dele, é do patrão, como observa ABRAMO (1988, p. 110).

Neste ponto é necessário refletir sobre a questão econômica, pois se os meios de comunicação são controlados pelas elites empresariais do país – e assim também é no mundo - se eles visam apenas o lucro porque a notícia é um produto à venda, como ensina MEDINA (1988), afinal, se todos visam apenas o lucro e não o bem-estar das pessoas, porque abrir espaço para um jornalismo que vai refrear o consumo e, consequentemente, reduzir o faturamento dos negócios? Embora aparentemente escandalizados com o que se passa no mundo, neste momento, será que os empresários de comunicação – e muitos jornalistas mais realistas que o rei - pensam muito diferente do Sr Bush, para quem “o negócio da América são os negócios”?. Para Ignácio Ramonet, do Le Monde

Diplomatique,

a imprensa está contaminada pela ganância, pela subserviência, pela busca desenfreada do lucro. É pautada pelo individualismo racionalista, frio, calculista, superficialista. Ela valoriza mais o espetáculo, o consumismo, o desperdício. (Le Monde Diplomatique, 2002, p. 38). 15

Este modo de abordar a questão parece deixar claro que as empresas de comunicação, longe de serem uma promessa de solução para os problemas ambientais ou de educação para a mudança, são parte do problema, daí a visível má vontade com o jornalismo ambiental. Naturalmente esta é uma situação que vai mudar porque a mídia terá que responder às demandas sociais por um ambiente mais saudável, assim as concessões atuais de minguados espaços e fotos de arquivo tenderão a se ampliar até que o JA se firme em seu lugar de destaque. Enquanto isto o que se tem visto é um grande crescimento do debate sobre ambientalismo em veículos menos dependentes do poder econômico, como a Internet e os jornais alternativos. A este propósito, TOURINHO (2003) afirma:

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Creio que o jornalismo ambiental tem muito futuro, mas temos que mudar a mentalidade dos empresários e também temos que utilizar outros meios. Por exemplo, os meios comunitários, como o jornal do Movimento dos Trabalhadores sem Terra-MST, um jornal que tem uma visão crítica sobre esses temas ambientais, como no caso dos transgênicos. Por isto digo aos meus alunos que é preciso buscar meios alternativos para mudar a situação.(Entrevista em 2003). 16

Considerações

Das indagações aqui levantadas, resulta que o jornalismo ambiental é um modo de ver a realidade, não se tratando apenas de coletar e difundir notícias, mas de difundir conhecimentos, criar consciência e incentivar a transformação de práticas e comportamentos danosos ao meio ambiente e, logo, prejudiciais à vida, em toda a sua extensão. Não se pode prescindir da imagem, enquanto documento, neste tipo de jornalismo científico17 porque a imagem, juntamente com a boa apuração, será a grande aliada do texto persuasivo. Todavia, como se observou na pesquisa, nem sempre o jornal usou fotografias nas matérias ambientais. Quando o fez, explorou apenas o aspecto ilustrativo da fotografia, o que confere à notícia um caráter de mero entretenimento (como nas fotos do zoológico) ou de espetáculo (como na apresentação do tigre ou dos corais), em prejuízo da função educativa da informação. Esse modo frio e distante de tratar a questão, talvez explique o próprio desinteresse do público pelos temas ambientais, ou pela reflexão que eles poderiam despertar. O que se tem visto é muita confusão de linguagem, muitas vezes tratando-se como jornalismo ambiental o que não passa de agronegócio,18 ecoturismo ou jornalismo-catástrofe. A falta de arcabouço teórico que forneceria as bases para a linguagem, a forma e o conteúdo adequado a esta especialização, resulta no jornalismo ambiental que temos hoje, apenas preocupado com a veiculação de notícias oficiais ou com um denuncismo insubsistente e escandaloso, às vezes até chantagista e inconfessável. Ao contrário do que já acontece em muitas universidades da Europa e dos EUA, em nosso país há pouquíssimos cursos universitários, na graduação ou na pós-graduação, preparando os futuros jornalistas especializados em meio ambiente. Se não há ensino, é natural reconhecer que também não há pesquisa, o que empurra para um horizonte remoto o preenchimento dessa lacuna na área acadêmica, deixando o Brasil bem atrás da própria América Latina onde prosperam centros de estudos a respeito, em todos os níveis e nos mais variados fóruns.

Os estudantes de jornalismo também podem concluir, no que se refere à prática

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profissional, que esta especialização exige uma indispensável prova de coerência do próprio jornalista. O repórter que não está em harmonia com ele mesmo e com a vida (de bem com o mundo, como se diz), não vai conseguir ser convincente quando tiver que pautar, apurar, escrever, fotografar ou editar sobre meio ambiente, vida saudável, desenvolvimento sustentável, tecnologia limpa, biodiversidade etc. Afinal, jornalismo é emoção, é vida, e só quem está vivo pode falar de vida, com vida, esperança e fé. Schopenhauer pode até dizer que "a vida é um negócio que não cobre os seus custos",19 mas não é o que pensa Fichte, por exemplo, ao dizer que "nada tem valor e significado

incondicionados, a não ser a vida; todo o demais, pensamento, invenção e saber, só tem valor na medida em que de algum modo se refere ao que é vivo, parte dele e visa refluir para ele". 20

É permitido deduzir, afinal, que o jornalismo ambiental não convence porque os jornalistas não estão convencidos. Estão muito “conformados” com a linha editorial das empresas onde atuam, com manuais de redação que reduzem e bitolam, sem capacidade de ousar e pensar, sem a emocionante experiência de se sentirem livres. Muitas vezes nem mesmo os grandes jornais são tão livres como apregoam. Vejamos o que diz um dos principais autores de Jornalismo Literário de todos os tempos, Gay Talese, a respeito da imprensa, ao analisar a pseudo independência editorial do New York Times, especificamente do jornalismo “chapa branca” que o jornalão tem praticado no caso da invasão do Iraque:

O problema é que ela [a imprensa] não relata a notícia porque não a vê. A notícia é entregue à mídia por alguém – pelos generais, pelo pessoal de relações públicas do presidente. No afã de conseguir informações de dentro, exclusivas, os jornalistas se tornam `embutidos` justamente com as pessoas das quais deviam estar desvinculados. (TALESE, Folha de S. Paulo, 2004). 21

Este tipo de militância certamente exigirá, por igual, um posicionamento político que aceite lutar por um outro modo de ver o mundo, com um olhar que vá além dos negócios, que possa contemplar o belo e o simples, o singelo e o feliz, o autêntico e solidário. Só um jornalismo assim, emocionante e vivo, conseguirá superar a passividade do homem moderno, situado em um contexto econômico erigido, desafortunadamente, pelo neoliberalismo que privilegia o individualismo, o “salve-se quem puder”, o alheamento diante das questões coletivas, a total ausência de solidariedade perante o problema “do outro”, sem se dar conta que o “outro” é ele mesmo do ponto de vista do

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“outro”, ou seja, que nada nem ninguém está isolado. Tudo atinge a todos. Já se falou muito sobre isto e ainda hoje é preciso correr o risco de ser olhado como lunático ou desequilibrado para pensar em menos consumismo, menos concorrência, menos arrogância e mais felicidade.

Encerramos com Oscar Niemeyer: 22

Sentia que essa preocupação com a modéstia e a importância que poderia assumir em qualquer movimento de caráter político nunca tinham sido devidamente valorizadas. O que parece justificar o empenho com que a elas costumo voltar, certo de que, mais modesto, o homem será um dia mais feliz.

NOTAS

1 Projeto político de transformação social, baseado em princípios ecológicos e no ideal de uma sociedade não

opressiva e comunitária. Defendido pelo Partido Verde na Alemanha e na França, como já vimos, este princípio consagra a idéia de que não bastam medidas parciais de proteção ambiental. Trata-se de ampla mudança na economia, na cultura e na própria maneira dos homens se relacionarem entre si e com a natureza.

2 Engenheiro Florestal, professor da UFPR e da Colorado State University, nos EUA, criador do primeiro

curso de pós-graduação em Ecologia do país.

3 Cf. revista Época, São Paulo, 7 jun. 2004, ed. n. 316, p. 58-60.

4 Cf. MONTAÑO, M. Periodismo Ambiental en Canal Sur Televisión. Universidad de La

Laguna-Tenerife-ES. In: Revista Latina de Comunicación Social, n. 6 abr. 1999.

5 "O movimento ecológico e o jornalismo ambiental, desde o início dos anos 1970, têm dado um bom

exemplo de compromisso com a cidadania na medida em que foram os primeiros a colocar na ordem do dia conceitos e discussões que ficavam até então restritos às instituições de pesquisa e universidades. Com o tempo as pessoas começaram a entender o que é poluição, o que é agrotóxico, qual o problema da camada de ozônio, para ficar só nestes exemplos, e a se somarem aos grupos que reivindicam melhoria da qualidade da água, do ar, do solo, enfim, da vida. Cf. Entrevista ao jornalista Juarez Tosi, da EcoAgência de Notícias -

http://www.ecoagencia.com.br. Acesso em: 20 dez 2004. Cf. também http://www.boletinbit.tv.es - Información para profesionales de la TV. Acesso em: 9 out. 2003.

6 “A característica essencial da imagem fotográfica deve ser procurada não no resultado, mas na gênese”.

Citado por Philippe Dubois (1994, p. 66).

7 Citado por DUBOIS, 1994, p. 58.

8 Cf. Histoire de la Photographie. Paris: Presse Universitaire, 1970:84. 9 Cf. KOSSOY, 1989, p. 53.

10 No Brasil, o hábito de fumar atingia quase um terço dos habitantes em 1989. Hoje os fumantes são apenas

17%, uma redução de aproximadamente 50%, segundo a OMS.

11 Pesquisas revelam que cada pessoa produz, ao longo da vida, 25t de lixo. Ora, até o final do século a

população mundial terá crescido dos atuais 6,5 bilhões de habitantes para algo em torno de 14 bilhões...onde colocar tanto lixo se ele continuar crescendo na mesma proporção? Cf. Lester Brown, presidente do WWI-Worldwatch Institute e do EPI-Earth Policy Institute - http://www.wwiuma.org.br/.

12 Dados da ONU revelam que nos próximos 20 anos a média mundial de abastecimento de água por

habitante diminuirá em um terço. Os mais atingidos serão os países pobres. As crianças nascidas em países desenvolvidos consomem de 30 a 50 vezes mais água do que as dos países em desenvolvimento. A maioria dos 80 milhões de pessoas que são adicionadas à população mundial, a cada ano, está sendo adicionada em países que já sofrem escassez de água. Numa economia mundial cada vez mais integrada, a escassez de água cruza fronteiras através do comércio de grãos, uma vez que são necessárias 1.000t de água para a produção de 1t de grãos...assim, a guerra futura pela água se dará no comércio internacional de grãos, segundo avaliação de Lester Brown.

13 Se é verdade que a Amazônia é o pulmão do mundo e que a floresta faz a limpeza do ar que respiramos na

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América do Sul, segundo pesquisadores de prestígio, e se é verdade que tudo está integrado, que os danos ocorridos em algum lugar do planeta acabam atingindo a todos, como ignorar as toneladas de veneno que estão sendo despejadas sobre a Amazônia Colombiana para combater o narcotráfico? O Plano Colômbia já provocou a contaminação de mais de 1 milhão de hectares da floresta com agentes químicos como o Round up Ultra, cujo efeito é 26 vezes maior que o permitido pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA para uso agrícola. Outro que preocupa é o fungo Fusarium Oxysporium, produzido pelo Departamento de Agricultura dos EUA. Segundo a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) as fumigações estão matando as crianças indígenas e destruindo a biodiversidade da região amazônica, ameaçando a segurança alimentar da população, dizimando a flora e a fauna. (Cf. Sem Fronteiras Web – Notícias de um Novo Mundo).

14 Responsáveis por quase um quarto das emissões globais de dióxido de carbono, os EUA recusam-se a

assinar o Protocolo de Kyoto. Enquanto isto o efeito estufa, causado pela presença de CO2 derivado da queima de combustíveis fósseis, aquece o clima da terra e provoca o derretimento das geleiras, causando elevação no nível do mar. Mapa do Banco Mundial revela que a previsão de elevação de um metro até o final do século inundaria metade dos arrozais de Bangladesch, forçando seus 134 milhões de habitantes a migrar. Um terço de Xangai ficaria submerso. Donald F. Boesch, do Centro de Ciências Ambientais da Universidade de Maryland, calcula que para cada milímetro de elevação, a faixa litorânea regride, em média, 1,5 metro. Assim, o mar recuará 1.500 metros com uma elevação de 1 metro. Durante o século XX o nível do mar já subiu de 20 a 30 centímetros.

15 Cf. Le Monde Diplomatique (Cadernos Diplô), 3 jan. 2002, ed. n. 3, p. 38.

16 Em entrevista ao site espanhol Boletinbit.tv – Información para profesionales de la TV, em 09.10.2003. 17 "O jornalismo ambiental deve ser tratado como um campo do Jornalismo Científico, que, pela importância

assumida na atualidade, precisa ter uma abordagem diferenciada, porque hoje, mais do que nunca, estamos discutindo o futuro do Planeta. [...] esta é uma discussão que envolve todos os setores, muitos dos quais já estão se especializando para atender as novas demandas da sociedade". Cf. Ilza Tourinho. In: entrevista ao jornalista Juarez Tosi (ibid).

18 Depois de viver por quatro séculos de costas para o interior, o Brasil descobriu [de repente] a competência

do seu produtor rural. De Jeca Tatu, o agricultor virou celebridade, com direito a capa de Exame e matéria especial no Jornal Nacional, da Rede Globo. Na verdade foi a imprensa estrangeira - Newsweek, Financial

Times e New York Times - e não a cabocla, quem primeiro descobriu a força do agronegócio brasileiro.

[De fato] o país lidera a produção mundial de soja, suco de laranja, açúcar, carne bovina e frango. O agronegócio, responsável por 30% do PIB do país, deve exportar US$ 30 bilhões [em 2004], o dobro da receita apurada em 2000. O setor, portanto, merece respeito e destaque na mídia. O que preocupa é a qualidade da cobertura, que nos parece superficial e ufanista. A maioria das reportagens comemora a conquista do cerrado pela agricultura, sem dedicar uma linha que aponte os riscos para o ambiente com a expansão desenfreada da soja na região [amazônica]. Fala-se no sucesso do camarão do Nordeste, produto que ganhou mercado no exterior, mas não se menciona os impactos desta produção sobre o frágil ecossistema do litoral nordestino. Destaca-se a excelência da nossa pecuária de corte, hoje líder no mercado mundial de carne bovina, mas não se aponta o crescente desmatamento na Amazônia [com impactos sobre o clima e o efeito estufa] para a implantação de pastagens. Cf. Bruno Blecher, Observatório da Imprensa

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br . Acessado em 08/09/2004.

19 Cf. O Mundo como Vontade e como Representação, vol. II, 1844, cap. "Da nulidade e do sofrimento da

vida", citado por TANNER, M. in Schopenhauer - Metafísica e Arte. São Paulo: Editora Unesp, 2001, (Coleção Grandes Filósofos), p. 24.

20 Cf. FICHTE, J. G., citado por TORRES FILHO, R. R. O Espírito e a Letra. São Paulo: Ática, 1975, p.

54. In GOETHE, J.W. Doutrina das Cores. Apresentação e tradução de Marco Giannotti. São Paulo: Nova Alexandria, 1993, p. 21.

21 Entrevista a Rafael Carrielo, de Nova York, para a Folha de São Paulo, 6 jun. 2004. 22 Cf. Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, 06/06/2004.

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Fontes

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Referências

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