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Alicerces de ontem, fundações de amanhã: o reforço como garantia da preservação monumental

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ALICERCES DE ONTEM, FUNDAÇÕES DE AMANHÃ: O REFORÇO

COMO GARANTIA DA PRESERVAÇÃO MONUMENTAL

A. VIANA DA FONSECA

Prof. Associado FEUP

SUMÁRIO

Desde a Antiguidade que se interioriza que a garantia da perenidade das estruturas passa pela boa concepção e execução dos “alicerces” e que a salvaguarda do advento de danos, cujo carácter evolutivo se intensifica a partir das patologias de fundações, cuja degradação ao longo dos anos de vida pode ser imperceptível e aparentemente inatingível, se consegue com a atenta consideração da necessidade de reforço. A eventual incorrecta concepção (projecto) das fundações históricas pode ser consequência das limitações do conhecimento sobre a mecânica dos solos e das rochas, que hoje se detém, mas também à dificuldade que então havia para fazer um reconhecimento competente dos maciços e das limitações para a execução de soluções muito arrojadas – como estacas de grande comprimento, ou outras soluções hoje realizáveis. A degradação de algumas dessas fundações, independentemente da solução projectada e da execução, é imputável a diversos factores, naturais ou antrópicos, como sejam as mudanças de condições hidrológicas, geológicas, ambientais, ocupacionais, etc. Neste texto enquadra-se o problema e ilustram-se alguns casos esclarecedores da multiplicidade de relações causa-efeito, tanto no nosso território nacional como fora dele, e algumas soluções apontadas e executadas para sua estabilização e reforço. Na perspectiva do autor, a base do trabalho de identificação das soluções mais ajustadas para a preservação monumental passa por um bom reconhecimento dos mecanismos de dano, que se devem identificar na superestrutura, e na confirmação desses movimentos através de uma tão exaustiva quanto necessária prospecção que caracterize as condições dos maciços de fundação, fundamento das técnicas a adoptar.

1. INTRODUÇÃO

Desde tempos bíblicos que o bom senso dos grandes Arquitectos-Engenheiros que criaram a grande história edificada, conduziu a cuidados especiais na garantia da integridade e segurança das belíssimas e muitas vezes arrojadas estruturas que hoje herdamos. Nestas se incluem os edifícios mais complexos, de grande volumetria e vãos arrojados – como catedrais góticas ou,

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simplesmente, igrejas com naves de grande porte, passando pelas pontes românicas de arco, que permitiram cruzar linhas de água, ou pelas muralhas de imponentes fortificações, situadas em zonas estratégicas e, por isso, aonde os processos erosivos têm sido mais agressivos. A garantia de uma correcta transmissão de cargas ao solo por uma fundação adequada, associada à construção de uma estrutura, foi encarada pelos grandes “edificadores” como a forma mais segura de garantir a perenidade das suas realizações. A relevância que se dá aos bons alicerces exprime-se na Palavra do Evangelho (Lc 6,47-49; Mt 7,24-27) da forma mais singela e significativa, mas é um processo que é condicionado por muitos factores, decorrentes do próprio conhecimento do solo, passando pelas concepções e pelos processos construtivos e finalizando nos efeitos evolutivos que a história acarreta e que pode conduzir à sua degradação. Segundo Milititsky et al. (2005), ontem, como hoje, o custo de uma fundação é variável e depende das cargas e condições do subsolo: em casos correntes pode situar-se entre 3 a 6% do custo da obra. Em casos especiais, em função do tipo de estrutura a ser suportada, das solicitações correspondentes e condições adversas de subsolo, pode-se chegar a percentagens superiores, em alguns casos atingindo 10 a 15 % do custo global (excluindo os casos excepcionais de pontes e viadutos sobre baixas aluvionares de grande possança, em que a percentagem pode ser superior a 50%). Nos casos correntes, para uma percentagem média de custo de 4%, por hipótese, Milititsky et al. (2005) afirmam que “a ocorrência de patologias nas estruturas e a necessidade de reforço da fundação implicam, além de custos que podem chegar a valores muitas vezes superiores ao custo inicial, estigmatização da obra, abalo de imagem dos profissionais envolvidos na construção, longos, caros e desgastantes litígios para identificação das causas e responsabilidades, necessidade de evacuação de prédios, interdição de estruturas, entre outros. São conhecidos casos em que problemas em fundações provocaram a falência das empresas envolvidas”.

A conservação do Património edificado implica medidas de prevenção e salvaguarda, com o objectivo de garantir a estabilidade e funcionalidade dos monumentos, sendo o reforço de fundações apenas um dos itens prováveis destas intervenções, que se torna imprescindível nos casos em que as fundações existentes se mostrem inadequadas para o suporte das cargas actuantes ou, ainda, quando ocorre um aumento do carregamento ou uma mudança arquitectónica-estrutural (por ex. a construção de caves), não podendo ser a nova condição absorvida sem correr riscos ou reduções significativas nos coeficientes de segurança. Estas intervenções nas fundações, como nas superestruturas, são executadas com tecnologias modernas e usando materiais de comportamento mecânico diferente dos materiais originais e, por isso, devem ser usadas com algum critério.

Das patologias mais reportadas, salientam-se os casos mediáticos da Torre de Pisa, da Catedral da cidade do México ou da Igreja do Carmo em Olinda (Figura 1a, b e c), que, sendo estudados exaustivamente e relatados em publicações técnicas, constituem modelos de referência, mas que são todos consequência do mesmo fenómeno de assentamento diferido no tempo de solos brandos, com horizontes de espessuras distintas na planta das estruturas. O mesmo fenómeno é reportado por Johnston & Burland (2004) na Torre de St Chad’s, Séc.XV, na Cidade de Wybunbury, em Inglaterra (Figura 1d).

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a) b)

c) d)

Figura 1: Problemas de fundações em solos moles: a) “The Leaning Tower of Pisa”; b) Igreja do Carmo em Olinda; c) Catedral do México; d) "Leaning Tower of South Cheshire" (Burland et al., 1997; Ovando-Shelby, 1997; Gusmão Filho, 1998; Johns & Burland, 2004)

As patologias são decorrentes das incertezas e riscos inerentes aos maciços, à construção e vida útil das fundações, como também dos tipos de edificações patrimoniais. É interessante salientar que algumas condições geotécnicas, à macro-escala, se podem agrupar tipologicamente, em confronto com igualmente distintas características dos monumentos, como se propõe na Figura 2. Na busca de soluções, após ocorrência do problema, a etapa mais complexa refere-se à identificação das causas e mecanismos responsáveis pelo mau desempenho da estrutura, pelo que esta organização se torna muito útil para a abordagem das soluções de remediação.

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Figura 2: Sistemas típicos de condições de fundação de monumentos: cada linha indica vários tipos de monumentos (empreendimentos rupestres; ruínas históricas; castelos e palácios; igrejas e catedrais; torres; cidades históricas); cada coluna indica distintas condições geotécnicas (Cecconi et al., 1997)

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2. MANIFESTAÇÕES DE MAU DESEMPENHO DAS FUNDAÇÕES 2.1 Origens e mecanismos resultantes de movimentos das fundações

A manifestação reconhecível de ocorrência de movimento das fundações é o aparecimento de fissuras nos elementos suportados. Sempre que a resistência dos componentes da edificação ou ligação entre elementos for ultrapassada pelas tensões geradas pela movimentação desenvolvem-se fissuras. Para a suplantar estas patologias tem que se caracterizar as suas origens. Para tal deve-se fazer uma boa monitorização dos sinais, como o tempo do seu aparecimento, a localização e a evolução das fissuras e fendas bem como desalinhamentos. Um comportamento inadequado de uma estrutura resulta normalmente de uma deficiente transferência de carga da estrutura ao maciço (solo ou rocha) ou a um mau desempenho deste na zona onde a fundação cedeu. Existem, de facto, situações nas quais o solo apresenta deformações ou variações volumétricas não provocadas pelo carregamento das fundações. Disso são exemplo alguns solos problemáticos (orgânicos, expansivos, colapsíveis, cársicos), zonas minadas ou outras cavidades e singularidades que provocam variação de volume ou deformação não causada pelas cargas transferidas pelas fundações. Estas situações são especiais, quer pelo comportamento não usual do solo, quer por outros efeitos. Na Figura 3, reproduzida de FEUP-Gabest (1999), são apresentados padrões típicos de deslocamentos e correspondentes fissuras. Na Figura 4 são esquematizados movimentos mais complexos, cujos padrões incorporam aqueles mais simples. Só após a identificação das causas que provocaram o mau comportamento, devem ser promovidas as medidas necessárias à sua recuperação.

Figura 3: Fissuras e fendas típicas de assentamentos de fundações (FEUP-Gabest, 1999) Como exemplo de particularidades de danos e da conjugação de vários factores, são os casos de construções resistentes e homogéneas em que a fissuração se faz em alinhamentos múltiplos (Figura 4a) ou o de construções relativamente homogéneas em que as fissuras formam um arco parabólico bastante claro (Figura 4b) porém em construções anisotrópicas ou aligeiradas por ocos, as fendas arrancam das esquinas mais fracas, contornando vários arcos possíveis, sem estabelecerem total continuidade até que as deformações se tornam muito grandes. Outros danos estão associados a movimentos “generalizados”, como são os “convexos” (Figura 4c) ou os côncavos (Figura 4d). Na Figura 5 apresenta-se o caso paradigmático da cedência de uma estrutura altamente heterogénea que é a da emblemática Catedral de S. Pedro e S. Paulo construída pelo Czar Nicolau em St. Petersburgo.

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a) c)

b) d)

Figura 4: Fissuras e fendas típicas causadas por assentamentos de fundações

Figura 5: Ilustração de assentamento diferencial da torre em relação ao corpo principal da Catedral de S. Pedro e S. Paulo, St. Petersburgo - Rússia

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2.2 Sobre as limitações de tecnologias de fundações

A Figura 6 ilustra algumas técnicas de execução de fundações especiais na história, também como forma de melhor compreender como os nossos antepassados procuraram contornar os problemas com que se debateram para fundar algum dos mais emblemáticos testemunhos arquitectónicos da humanidade, como a cidade de Veneza ou a Baixa da Lisboa Pombalina.

Figura 6: Equipamentos de execução de fundações “profundas” (bate estacas” e outros) e esquemas de orientação para fundações antigas (Jappelli, R. & Marconi, N., 1997; Ladjarevic, M. & Goloscheider, M., 1997)

Destas ilustrações fica claro que, embora de excepcional engenho, o “produto final” destes trabalhos de execução de fundações especiais, não pode ser comparável às de hoje, nem garantir as reservas de segurança para qualquer condição estrutural.

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2.3 Sinais indiciadores

Quando há mau desempenho de fundação, surgem diversas manifestações (Gusmão, 1996): • danos nas próprias fundações, pela deterioração dos materiais que as compõem, com a

consequente perda de resistência;

• danos nas peças de betão armado (mais recente) fruto de deformações excessivas: perda de recobrimento da armadura, oxidação das barras de aço, esmagamentos, fissuras, etc; • oxidações e/ou corrosões nas estacas metálicas e apodrecimento das estacas de madeira,

principalmente na região do topo (zonas onde a oscilação dos níveis de água é mais frequente), com perda de material; e,

• assentamentos e desaprumos na obra como um todo (Figuras 1, 3 e 4).

2.4 Danos visíveis

2.4.1 Danos arquitectónicos e funcionais

Os danos arquitectónicos induzidos por problemas nas fundações comprometem a estética da edificação, sendo disso exemplo fendas em paredes e acabamentos, quebra de painéis de vidro ou mármore, etc.; neste caso, o reforço é opcional, pois não envolve riscos quanto à estabilidade da construção (Figura 7a). Já os danos funcionais são aqueles causados por fenómenos agressivos e estranhos à funcionalidade da edificação, tais como rotura de rede de esgotos e(ou) águas pluviais, desgaste excessivo de guias de elevadores, mau funcionamento de portas e janelas, etc.. A partir de certos limites, será necessário o reforço, uma vez que podem advir transtornos no uso da construção (Figura 7b).

a) b)

Figura 7: Exemplos de danos (a) arquitectónicos: templo romano; (b) funcionais: edifícios em Santos (Cothechia, 1997 e Milititsky et al., 2005)

2.4.2 Danos estruturais

Estes são os causados à estrutura propriamente dita, isto é, pilares, vigas e lajes, por diversos factores, sendo o reforço sempre necessário, pois a sua ausência implica instabilidade das estruturas e edifícios, podendo até mesmo levá-los ao colapso (Figura 8).

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Figura 8: Colapso da Ponte Hintze-Ribeiro em Entre-os-Rios (2001): sobreescavação

3. CASOS ESPECIAIS SÓ DETECTADOS PELA INVESTIGAÇÃO GEOTÉCNICA 3.1 Ocorrências particulares com implicações nas fundações

As dificuldades normalmente associadas ao planeamento de um programa racional de investigações podem ser acrescidas por ocorrências especiais, de difícil identificação. São exemplos destas ocorrências a influência de vegetação, presença de solos colapsíveis ou expansivos, materiais cársicos ou cavidades de mineração, que podem resultar em patologias importantes e custos significativos de reparação (Milititsky et al. 2005)

3.2 Influência da vegetação

O efeito da vegetação pode ocorrer por interferência física de raízes ou alteração do teor em água do solo. As raízes extraem água do solo modificando o seu teor, em contraponto às zonas onde as raízes não estão presentes. Estas variações provocam mudanças volumétricas; consequentemente qualquer fundação localizada na área afectada apresentará movimento e provavelmente patologia da edificação devido a assentamentos localizados (Figura 9).

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Este movimento das fundações pode ser cíclico, o que conduz a assentamentos sazonais progressivos, ou expansões progressivas quando a vegetação é posteriormente removida. Existem várias referências na literatura técnica sobre o comportamento de diferentes tipos de vegetação, mostrando a influência dos diferentes tipos de árvores, alturas típicas, distância em que o efeito das raízes foi verificado (Cutler & Richardson, 1981)

3.3 Colapsibilidade e expansibilidade

Um problema menos controlado, é a ocorrência de solos com comportamento especial, sensíveis eles próprios a variações no grau de saturação do terreno.

Nesta classificação estão os solos colapsíveis, definidos como “materiais que apresentam uma estrutura meta-estável, sujeita a grande variação (redução) volumétrica devido à saturação, com ou sem carregamento externo adicional”. Aqui se incluem alguns solos residuais, especialmente os originários de rochas graníticas e outras rochas ácidas. A ocorrência de acidentes de maiores proporções por colapso da estrutura do solo está normalmente associado a vazamentos de canalizações pluviais ou residuais, reservatórios, piscinas, ou coberturas de grandes áreas sem o devido condicionamento, situações nas quais a água é libertada para o terreno em grande quantidade, ocasionando variações na humidade e provocando o colapso. Em solos argilosos muito activos podem ocorrer grandes variações de volume decorrentes de mudanças do teor em água. Este tipo de comportamento provoca problemas especialmente em fundações superficiais. Existem três procedimentos básicos para reduzir ou evitar os efeitos de solos expansivos sobre fundações e estruturas (Peck et al., 1974): isolar a estrutura dos materiais expansivos, reforçar a estrutura para resistir aos esforços provocados pelas forças de expansão e eliminar os efeitos de expansibilidade. Técnicas de estabilização de solos através da adição de agentes cimentíceos alcalinos, tais como a cal (Milititsky et al., 2005), têm grande potencialidade para a neutralização da expansibilidade de solos.

3.4 Cavidades antrópicas (exploração mineira ou de água) e naturais (maciços cársicos)

Outro problema que tem implicação em construções patrimoniais situadas em regiões com históricas actividades de mineração (seja para extracção de sólidos ou simplesmente para abastecimento de água), e que tem grande incidência em alguns países, sendo em Portugal mais localizada (infelizmente a última muito disseminada nas nossas cidades), é o da existência, em pequena profundidade, de túneis, galerias (minas) e “cavernas” escavados e abandonados. Por isso, é determinante o conhecimento cadastral destas situações, pois é determinante na opção de recalce (a adopção de cota superior de apoio das fundações às cavidades não teria garantia de estabilidade pelo que a transmissão de carga para níveis mais baixos é imprescindível). É, assim, importante na etapa de projecto, realizar uma investigação detalhada das possíveis ocorrências na área, sendo a geofísica (ex: o georadar) muito ajustada para este fim.

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Um outro fenómeno com grande incidência em Portugal é o “carsismo”. As rochas calcárias ou dolomíticas, possuem duas características (Sowers, 1975): (1) solubilidade em água, produzindo grandes porosidades e cavidades (Figura 10a); e (2) ocorrência de camadas rochosas superficiais compostas de sedimentos não solúveis e solos residuais escondendo cavidades abaixo das mesmas, dando uma falsa impressão de segurança (Figura 10b).

a) b)

Figura 10: Carsismo: a) formação de cavidade pelo colapso de uma fina camada de rocha calcária não solubilizada; b) cavidade ocorrida em zona cársica (Milititsky et al. 2005)

O calcário é um material evolutivo, mudando muito com o ambiente, quando exposto aos agentes atmosféricos ou em ambiente hidrogeológico (dado o quimismo dos carbonatos). As mudanças nestes materiais ocorrem muito mais rapidamente que a maior parte das mudanças geológicas – ocorrendo durante um período de vida de um ser humano, durante a vida útil de uma estrutura ou mesmo durante o período de construção de uma obra (Milititsky et al., 2005). Esta característica pode incorrer em sérios problemas de subsidência, sendo necessária vigilância nas estruturas – em particular, as monumentais implantadas nas vastas zonas cársicas do território Português - e intervenção sistemática para a sua resolução. Tal passa muito pelo preenchimento das cavidades existentes com injecções, hoje multidiversas, não só para parar a dissolução com a introdução de compostos mais estáveis, mas também controlar os movimentos de água subterrânea e superficial, de que é exemplo a chuva proveniente das caleiras dos telhados e de novos sistemas pluviais e residuais não protegidos (Figura 11).

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4. INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS E INTERPRETAÇÃO DAS PATOLOGIAS 4.1 Reconhecimento e prospecção

Normalmente, não existe informação prévia suficiente do tipo geotécnico e estrutural, pelo que se torna necessário um reconhecimento detalhado da fundação e do terreno subjacente antes de propor qualquer medida correctora.

É usual fazer-se este reconhecimento por poços ao nível das fundações, tendo o cuidado de não escavar um poço a mais de 3-4 m da base das mesmas, para não debilitar ou "descalçar" os elementos estruturais importantes ou permitir movimentos de zonas fissuradas ou soltas, pelo que devem ser instalados todos os necessários apoios e escoras interiores, bem como proceder a um conveniente repreenchimento dos volumes escavados (OE, 2004).

Também deve prestar-se atenção ao aparecimento de estruturas arqueológicas, fundações antigas, etc., que condicionam os tipo e extensão de reconhecimentos a efectuar. Estes têm que ser feitos em ambos os lados das fundações antigas, já que estas costumam ser assimétricas, fruto de construção relativamente heterogénea.

As escavações devem complementar-se com sondagens e amostragem nos elementos da fundação, para conhecer a sua constituição e simultaneamente levar amostras para ensaios de resistência, alteração e alterabilidade, etc. Hoje os critérios de reconhecimento dos terrenos implicados pelas fundações e escavações para edifícios e outras estruturas vêm sendo incorporados em documentos normativos e especificações de engenharia (OE, 2004).

4.2 Interpretação do reconhecimento à luz de particularidades da história da construção

Em geral, é possível aproximar por métodos teóricos ou semi-empíricos os assentamentos correspondentes a uma situação observada, assim como estimar a tensão de rotura e, portanto, avaliar o coeficiente de segurança em condições concretas.

Sendo a Mecânica dos Solos uma área científica relativamente recente (em meados do séc. XX Terzaghi e outros lançam as bases desta disciplina), é de esperar que as fundações de edifícios antigos nem sempre tenham sido construídas de forma adequada e a sua segurança em relação à rotura seja baixa em alguns casos. Muitos edifícios não chegaram aos nossos tempos por sucumbirem às suas próprias deficiências ou às acções em seu redor, por vezes ligeiras mas suficientes para alterar um equilíbrio tão instável. Surgem então uma série de problemas que estão relativamente tipificados (FEUP - Gabest, 1999):

- Elevadas tensões de contacto por insuficiente área de carregamento: o conceito de tensão admissível é relativamente recente e até ao início do século XX dominavam critérios quase exclusivamente geométricos, em função das dimensões dos pilares ou muros a fundar (regras de Vitrubio, Alberti, etc). A utilização de códigos (regras) locais de fundação levou a situações limite em finais do Século XIX com o aumento da altura dos edifícios.

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- Apoio em camadas de baixa capacidade de carga: historicamente, e até há não muito mais do que uma vintena de anos, em alguma prática de projecto de estruturas em Portugal, alguns simples poços de observação ou testes elementares como a fixação de barras ou estacas, geriam a opção pelo tipo e cota de apoio da fundações, materializando-se muitas vezes sobre camadas fracas ou, se não, debaixo das quais existiam níveis brandos ou compressíveis (Figura 12).

Figura 12: Ilustração da presença de camadas subjacentes muito compressíveis (FEUP - Gabest, 1999)

Não há dúvidas de que a histórica da Engenharia Civil e da Arquitectura Estrutural acumulou experiência construtiva que permitia fundar edifícios semelhantes de forma semelhante. Tal como é o caso das engenhosas fundações de Veneza ou Amesterdão em terrenos muito difíceis. Contudo, os problemas que se apresentavam nos edifícios importantes ou singulares eram extrapolados a partir das condições conhecidas. Por isso, também quando se mudaram as condições dos terrenos, por razões hidrogeológicas à escala regional, como é o caso de Veneza, os problemas surgiram e estão agora a ser analisados de forma claramente mais científica. Uma outra variante que frequentemente explica problemas de fundações, é quando se sucedem no mesmo lugar diversas culturas, edificando cada uma delas sobre os restos da anterior. Em alguns casos o aproveitamento das fundações pré-existentes é total, porém o mais frequente é uma sobreposição parcial e a coexistência de fundações de várias idades (é muito frequente a colocação dos novos “alicerces” sobre arcos de estruturas anteriores, com condições não devidamente estudadas e, muito menos, com o conhecimento analítico da sua capacidade de carga). A pior situação costuma dar-se quando se adopta como terreno de fundação os escombros de edificações anteriores, ligeiramente regularizados, mas com matrizes com ôcos e com os vazios de alvenaria preenchidos com materiais inconsistentes, advindo daí deformações e assentamentos excessivos para qualquer edifício importante. É o caso de Praga, onde existem desníveis de mais de 2m entre os acessos a edifícios separados por cinco séculos na sua construção. Outros casos, são as cidades reconstruídas após a Segunda Guerra Mundial.

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4.3 Interpretação a partir de assentamentos diferenciais e movimentos associados

As grandes diferenças de assentamentos em edifícios antigos produzem fendas em muros e divisórias ou, no caso de arcos ou abóbadas, sérios damos estruturais ou a ruína. As causas fundamentais são: (1) variações de espessura de um estrato compressível próximo do nível da fundação; (2) importantes diferenças de carga entre zonas do mesmo edifício; ou, (3) acções locais (associadas a escavações, saturações, etc.).

O primeiro caso é o mais frequente e é consequência do desconhecimento do terreno quando se constrói em fundos de vales (ex: depósitos de vertentes), leitos de rios, zonas de patamar, etc. Para se ilustrar esta diversidade de condições geológicas e geotécnicas apresenta-se um esquema elucidativo que se reproduz na Figura 13 (Crespellani e Garzonio, 1997).

Figura 13: Perfil de subsolo em Gubbio, Itália: 1: aterro solto; 2: aterro cimentado; 3: depósitos aluvionares; e, 4: coluvionares; 5: siltitos e margas (Crespellani & Garzonio, 1997) Como se depreende deste perfil geotécnico, dominado por depósitos “recentes” que constituem o maciço de fundação das construções (alguns de vertente, cujo estado é geralmente potencialmente instável), a situação em que se encontra esta povoação medieval impõe cuidados sobretudo para preservação da integridade da condição atingida. Assim, a sua manifestação conduzirá os responsáveis pelo urbanismo a evitar determinadas acções ruinosas, como sejam, escavações para caves e outras obras subterrâneas que criem desequilíbrios do estado de tensão, redes pluviais ou outras que potenciem erosões em zona mais baixas do perfil, que poderão significar movimentos irreversíveis. A monitorização destas zonas é determinante para a percepção da gravidade de situações de instabilização.

Legenda

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O segundo caso pode estar associado à concepção do próprio edifício, seja a existência de torres contíguas a edifícios baixos, campanários junto às naves da igreja (Figura 1d), etc. Na construção com silhares de pedra, estes efeitos podem ser muito mais importantes, como é o caso de muros de tijolo ou a moderna construção reticular.

O terceiro caso, entenda-se as escavações próximas de património construído é, infelizmente, causa de muitos problemas e é fruto da impercepção da sensibilidade destas estruturas, sendo abordado no parágrafo 5, e vem sendo objecto da preocupação da Especialização em Geotecnia da Ordem dos Engenheiros (OE, 2004).

Existem critérios diversos para estimar as deformações diferenciais, angulares, etc. Estes parâmetros limite dão lugar a diversos graus de patologias dos edifícios, se bem que é duvidosa a sua aplicação a edifícios monumentais ou de estrutura particular. Costumam nesta perspectiva, identificar-se danos concretos e movimentos mensuráveis com maior ou menor dificuldade, justificando-os através do comportamento do sistema estrutura-terreno, análise que é imprescindível para estudar os efeitos de determinadas acções sobre o terreno ou estrutura.

4.4 Interpretação de patologias a partir de sinais de degradação estrutural

Com o passar do tempo os agentes ambientais produzem efeitos nocivos nas fundações, que se manifestam dos mais variados modos, como sejam:

1. a meteorização e alteração dos elementos de pedra;

2. a desagregação de argamassas ou outros elementos de madeira (Figura 14); ou, 3. a corrosão de apoios metálicos, armaduras; etc.

4.

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Os primeiros fenómenos são normalmente de desenvolvimento muito lento, principalmente por efeito do recobrimento pelo terreno, que proporciona uma protecção frente aos agentes atmosféricos e uma difícil remoção dos produtos de alteração, pelo que só nos casos em que existe circulação apreciável de águas agressivas é que os efeitos são graves e rápidos.

A putrefacção das estacas de madeira costuma ser muito rápida (1 a 2 anos) quando, e só se, sujeitas a ciclos de exposição ao ar por descida do nível freático e consequente humedecimento, se bem que a dimensão dos danos dependa fundamentalmente da rigidez do edifício, da profundidade da estaca afectada e do terreno que a rodeia. O rebaixamento do nível freático pode dever-se, por exemplo, à construção de caves de edifícios abaixo do nível freático estacionário, cortando o fluxo subterrâneo ou procedendo a bombagens provisórias, para executar a seco escavações e contenções periféricas para caves profundas, ou permanentes, quando a bombagem se mantém ao longo da vida útil da estrutura, quando esta é projectada com impermeabilização mas sem admissão de impulsão hidrostática. As soluções para remediar os estragos são muito difíceis e caras e normalmente chegam tarde. Em alguns lugares e situações de edifícios mais sensíveis, como alguns históricos das cidades do México ou Estocolmo chegou-se a injectar ou infiltrar água por baixo dos edifícios para manter o nível freático alto (na sua posição histórica).

Os elementos metálicos das fundações são raros em edifícios monumentais na Europa. O processo de corrosão é lento (0,01 mm/ano) salvo quando hajam oscilações do nível freático ou existam no terreno correntes vagabundas, fenómenos electroquímicos, etc.

Torna-se então muito conveniente a protecção de muros e elementos de fundação face à humidade por capilaridade ou infiltração já que as zonas mais danificadas são as situadas acima do nível freático e submetidas a ciclos alternativos de humedecimento e secagem.

5. INTERVENÇÕES PONTUAIS ANTRÓPICAS E ACIDENTES NATURAIS INDUTORES DE DANOS EM EDIFÍCIOS

Escavações e infraescavações causadas por inundações

Em edifícios próximos de ribeiras não é raro que se produza um arraste progressivo do terreno, às vezes mascarado por muros ou pavimentos e calçadas, que podem deixar sem suporte parte das fundações. Às vezes também pode ter lugar um processo de erosão interna por efeito de águas subterrâneas, fugas de tubos, etc., que provocam um arraste de partículas para a rede de saneamento, cavidades, etc. Este tipo de erosão vai criando ocos que ao chegarem a determinado tamanho, função do tipo de solo, colapsam bruscamente com graves efeitos para os elementos suportados. Salvo em casos excepcionais em que o edifício está fundado sobre rocha ou terrenos cimentados, a abertura de escavações para caves, canalizações, etc., produz nas suas proximidades assentamentos e movimentos horizontais que podem ser causa de danos. A zona de influência de uma escavação estende-se 2 a 3 vezes a profundidade da mesma sendo quase impossível evitar alguns movimentos, mesmo com métodos de execução muito cuidadosos (escoramentos muito rígidos ancoragens activas, etc. – Figura 15). O objectivo não pode ser evitar qualquer deslocamento, mas sim movimentos indutores de danos (Cost, 2003).

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a)

Figura 15: Escavações para execução de estruturas na vizinhança de edifícios patrimoniais:

a) Palácio Sotto-Mayor em Lisboa; b) Estação do Aliados do Metro do Porto b)

Segundo as condições do terreno e o tipo de sustentamento os edifícios adjacentes vão-se deformando de modo convexo ou côncavo (ver Figuras 3 e 4). O primeiro caso (Figura 16a) é o mais perigoso, sendo críticas as distorções angulares superiores as 1/1.000. No segundo caso (Figura 165b) a zona mais deformada encontra-se a 0,2-0,3 H do bordo da escavação, incorrendo em danos para alongamentos ao nível das fundações da ordem dos 1/500 ou 2 mm/m (Milititsky et al., 2004). Após alguns trabalhos de síntese da prática europeia foi recentemente publicado o relatório final da Comissão responsável (COST, 2003).

a) b)

Figura 16: Movimentos associados a escavações e danos associados em edifícios adjacentes (de Militisky et al., 2005)

As grandes cheias produzem arrastamentos hidrodinâmicos que podem conduzir a choques sobre elementos estruturais e fenómenos de degradação, para além disso, ainda dão lugar a colapso em solos arenosos, redução de capacidade de carga do terreno, assentamentos diferenciais, deslizamentos, rotura de redes de saneamento, etc. Lembram-se os devastadores efeitos para o património cultural da enchente de 1966 em Florença, ou as de 1962 em Hamburgo, assim como as do país Basco em 1983 e de Praga em 2003 (ver Figura 8).

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Vibrações

As vibrações produzem assentamentos em solos granulares soltos e podem chegar a desmontar muros de alvenaria, arcos de abóbadas, e construções de blocos pouco cimentados. A sua origem pode dever-se à circulação de tráfego pesado, explosões em escavações em maciços rochosos ou pedreiras próximas, bombardeamentos, maquinaria pesada, etc.

As normas existentes são dificilmente aplicáveis a edifícios histórico-artísticos, devido à grande diversidade estrutural dos mesmos. O critério da norma DIN 4150, por exemplo, estabelece uma velocidade limite de V = 4 mm/s, sendo semelhante ao estabelecido pelas normas ISO 2631-77, com V = 3 – 5 mm/s como limite para a aparição de fendas visíveis (0,02 mm), queda de rebocos, etc. As citadas limitações não devem generalizar-se a qualquer tipo de edifício sem uma análise detalhada das condições locais. A título de exemplo, refira-se a execução em 1973 de um parque de estacionamento de 12 m de profundidade na Praça do Palácio dos Papas em Avinhão (França), onde foi necessário desmontar 50.000 m3 de rocha de calcário. A velocidade máxima de vibração nos edifícios circundantes limitou-se a 10 mm/s quando estes estavam em mau estado ou fundados sobre terrenos superficiais frouxos, permitindo chegar aos 20 mm/s nos edifícios fundados sobre rocha. A carga máxima a uma distância de 10 m fixou-se em 0,65 e 1,6 Kg respectivamente. As queixas de alguns proprietários obrigaram, contudo, a limitar a carga a 0,4 Kg para reduzir a velocidade de vibração para 7,5 mm/s quando os edifícios estavam a menos de 10 m. No entanto, em alguns casos pode ser preferível reforçar edifícios em mau estado a trabalhar com limitações menos estritas no que diz respeito a vibrações. A circulação de veículos pesados na proximidade de edifícios produz uma compactação localizada do terreno com os inevitáveis assentamentos, e ainda a alteração das argamassas, desprendimento de rebocos e azulejos, etc. Alguns estudos realizados indicam que com intensidades de veículos pesados (> 5 t) da ordem dos 1500 veículos por dia a vida de um edifício normal pode reduzir-se cerca de 15 %, chegando a 50 % com intensidades superiores a 7500 veículos por dia. Os efeitos são ainda piores se não existirem passeios ou forem muito pequenos, se a velocidade for superior a 20 Km/h ou se formarem covas geradoras de impactos, em particular em estruturas de alvenaria, etc. Assinala-se por último os efeitos nocivos da cravação de estacas, a qual Assinala-se deve proibir de forma absoluta na envolvente de edifícios históricos, sobretudo se o terreno é de natureza arenosa.

Sismos

Os efeitos sísmicos têm sido uma das causas tradicionais de ruína de edifícios históricos. São disso exemplos, a destruição do Farol de Alexandria no séc. XII ou, mais recentemente, os sismos devastadores para os edifícios monumentais de Lisboa (1755), Calábria (1783), Andaluzia (1884), Messina (1908), Guatemala (1976), Friul (1979) e Bam (2003) – cidade iraniana património mundial. Em Espanha sabe-se de destruições importantes em 1428, 1431, 1494 e 1504 que destruiu as muralhas de Carmona.

O sismo de Lisboa (Figura 17) provocou fendas nas catedrais de Ávila e Palma de Maiorca. Nos edifícios de alvenaria que conseguiram sobreviver aos terramotos os efeitos mais identificados são a desorganização dos arcos de abóbadas, o desprendimento das cornijas, as fendas verticais em uniões ortogonais de muros, esquinas de janelas, etc., abaulamento de paramentos, abertura de fendas no contacto entre construções diferentes, efeito de aríete das vigas de madeira, etc.

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Figura 17: Gravuras ilustrando as consequências dos sismos de Lisboa (1755) e Bam (2003) O tipo de fundação é um factor importante no comportamento sísmico. Em geral, as grandes sapatas corridas e a lajes são mais seguras que as sapatas isoladas. As estacas podem actuar como elementos transmissores de vibrações do substrato, porém, aumentam consideravelmente a segurança em caso de terrenos arenosos soltos com nível freático elevado, nos quais existe o alto risco de liquefacção. Os edifícios monumentais costumam ser maciços e bastante rígidos pelo que a sua frequência própria seria normalmente inferior às vibrações de maior energia de um sismo, ao contrário das torres ou edifícios esbeltos, com elevado risco de ressonância. Os antigos já eram conscientes do poder amortecedor de terrenos brandos em que Plínio cita o Templo de Diana, fundado por Tesifone sobre um pântano para maior segurança frente aos terramotos, recheando a fundação com lã e carvão. Actualmente as principais actuações encaminham-se no sentido do reforço das fundações com estes sistemas de amortecimento nas fundações (prática corrente no Japão), para maior segurança sísmica, nomeadamente à liquefacção, se bem que é usual ser mais importante o reforço e colocação de vigamentos de contraventamento (estes também com amortecedores – cada vez mais usados no Japão). Em alguns casos torna-se útil criar juntas entre partes de edifícios que podem vibrar de forma distinta e actuar como aríetes uns sobre os outros.

6. A IMPORTÂNCIA DA INSTRUMENTAÇÃO

É importante, no entendimento do autor, chamar a atenção para a importância deste elemento tão útil quanto eficaz.

A instrumentação é usada para caracterizar as condições iniciais dos maciços como o estado de tensão de repouso bem como parâmetros associados, como pressões, fluxos e mesmo condições naturais de estabilidade (de encostas ou taludes, por ex.).

Os instrumentos de observação são particularmente importantes para verificar as hipóteses de cálculo, pelo que a análise dos dados de uma boa campanha de instrumentação (observação) do comportamento da estrutura com implicações nos terrenos, seja antes de qualquer intervenção para estabilização em fase de reforço e logo desde o início da intervenção, pode conduzir à modificação ou adaptação dos termos e soluções adoptadas para fases subsequentes.

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Os dispositivos de observação são muito importantes para monitorar os efeitos das obras geotécnicas como também o são para as estruturas a elas associadas. Efeitos dos movimentos das massas envolvidas por obras de escavação a céu aberto ou subterrâneas em fundações de edifícios (e nos mesmos), bem como a definição aferida do ritmo seguro de construção de aterros que não ponha em questão a estabilidade da fundação dos mesmo ou de infraestuturas e edificações anexas, são exemplos claros do projecto assistido por observação (Figura 18).

Figura 18: Monitorização automática de edifícios da zona histórica Estações do Metro do Porto A insegurança das obras geotécnicas, pode ser indicada pela monitorização e análise criteriosa de uma boa campanha de instrumentação, porque frequentemente, o desenvolvimento de fenómenos de instabilidade pode ser rápido e catastrófico, uma boa e extensiva malha de instrumentos de observação deve ter associados dispositivos de aquisição e análise de dados que permitam ao engenheiro especialista em geotecnia obter uma visão precisa e expedita do comportamento da obra. O plano de acção para implementar medidas de correcção deve estar previamente esquematizado em função de comportamentos específicos de observação.

Um bom projecto de observação (que deve ser parte integrante do projecto de execução das obras geotécnicas enquadradas no restauro) pode também vir a ser um meio indispensável para aferir das reais responsabilidades de eventual ocorrência de roturas, tanto para projectistas como para empreiteiros.

O desempenho da estrutura geotécnica e, muito particularmente, de um comportamento estrutural pode ser avaliado pela instrumentação. São exemplos disso as medições piezométricas e de deformação, as medições de células de carga em ancoragens e pregagens ou as medições inclinométricas para uma escavação realizada pelo homem (ver Figura 18).

7. ALGUNS CASOS DE OBRA EM PORTUGAL 7.1 Ampliação subterrânea do Teatro Circo de Braga

Pinto et al. (2004) descreveu um caso muito interessante da obra de recuperação e ampliação subterrânea do Teatro Circo, o qual dispõe de uma estrutura centenária constituída principalmente por alvenaria de pedra e por ferro fundido. Citando os autores, os trabalhos de recuperação e ampliação subterrânea do Teatro Circo implicaram a execução de uma escavação

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com cerca de 11m de altura máxima, para a construção do novo auditório e das respectivas infraestruturas de apoio. Estes trabalhos executados pela empresa Tecnasol-FGE, exigiram a preservação, acima da área de escavação, correspondente à zona central do edifício centenário, da plateia, de parte dos três níveis de balcões e da entrada principal (Figura 19).

Figura 19: Vista do início dos trabalhos de escavação na mesma zona (Pinto et al., 2004a) Atendendo à necessidade de preservar a integridade do edifício, a intervenção foi efectuada de modo a que o seu impacto na estabilidade e aparência do mesmo fosse minimizado.

As soluções construtivas adoptadas foram compatíveis com o uso de equipamentos ajustados aos espaços e acessos disponíveis, procedendo-se à execução dos trabalhos limitando as vibrações e os ruídos, assim como as exigências de ventilação (Figura 20).

Figura 20: Corte longitudinal tipo e vista dos trabalhos de furacão sob o pé direito reduzido no Teatro Circo de Braga (Pinto et al., 2004a).

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O edifício do Teatro Circo encontra-se fundado numa zona caracterizada pela ocorrência superficial de uma camada de solo vegetal, com cerca de 2m de possança, recobrindo o solo residual granítico, típico saprolítico com índice de vazios elevado, mas preenchido pontualmente com blocos de dimensão variável. Sob este último situa-se a”rocha-mãe”, o maciço rochoso, a profundidades variáveis entre os 4 e os 15m. Atendendo aos condicionamentos existentes, a contenção periférica foi construída através de uma estrutura em betão armado, provisoriamente ancorada e escorada (Figura 21).

Figura 21: Soluções de contenção para o teatro Circo tipo A (Pinto et al., 2004a) Nas zonas onde a realização prévia de escavações permitia executar o recalcamento das paredes de forma simétrica, o recalçamento dos pilares e das paredes localizados no interior, ou adjacentes à zona de escavação, foi efectuado através do recurso a microestacas em aço de alta resistência, com tensão de cedência superior a 560 MPa, solidarizadas no seu coroamento por maciços ou vigas de betão armado. Estes últimos elementos tinham como principal função a transmissão das cargas das fundações originais do edifício para as microestacas (Figuras 22 e 23).

Figura 22: Vistas do recalcamento dos pilares e das paredes onde apoiam os balcões no Teatro Circo de Braga (Pinto et al., 2004a)

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Figura 23: Fases do recalcamento dos pilares localizados na entrada principal do Teatro Circo de Braga (Pinto et al., 2004a)

No decorrer das operações associadas às transferências de carga existiu sempre a preocupação de dispor de macacos planos que pudessem garantir a estabilização dos assentamentos ocorridos nas fases anteriores e não para a sua recuperação.

A obra descrita por Pinto et al. (2004a) demonstra a gama e a versatilidade das soluções actualmente disponíveis para a realização deste tipo de trabalhos de reforço e consolidação de cariz eminentemente geotécnico, sublinhando-se, em especial, a forma como as mesmas foram ajustadas às particularidades de um cenário estrutural e geotécnico complexo.

7.2 Soluções geotécnicas em edifícios Património de Aveiro

7.2.1 Introdução

Nesta comunicação de Pinto et al. (2004b) são descritos os principais critérios de concepção e de execução que orientaram as soluções geotécnicas adoptadas para a recuperação, remodelação e ampliação de edifícios, localizados na zona central da cidade de Aveiro e seu património, nomeadamente, a antiga Capitania do porto de Aveiro e o Teatro Aveirense. Atendendo às condições geológicas e geotécnicas, assim como às exigências das novas soluções arquitectónicas e ao tipo de estruturas intervencionadas, foram adoptadas soluções de fundações, contenção, recalcamento e tampão de fundo recorrendo à realização de colunas de jet grounding.

Os edifícios intervencionados localizam-se junto ao canal central da cidade de Aveiro (Figura 24), sendo as condições geológicas e geotécnicas caracterizadas pela ocorrência do nível freático próximo da superfície, em formações lodosas e arenosas (cerca de 29m), sobrejacentes às Argilas de Aveiro. As exigências das novas soluções arquitectónicas, a constituição e a idade das respectivas estruturas, obrigavam a soluções geotécnicas compatíveis com a minimização do impacto na estabilidade dos próprios edifícios intervencionados, assim

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como das infra-estruturas e estruturas vizinhas. Assim, optou-se por soluções construtivas que determinassem o recurso a equipamentos ajustados aos espaços e aos acessos disponíveis, recorrendo-se a equipamentos de furacão em pé direito e em espaço reduzido e que garantissem a realização de soluções compatíveis com as resistência, deformabilidade e baixa permeabilidade dos terrenos a escavar.

7.2.2 Edifício da antiga Capitania do Porto de Aveiro

Como é descrito por Pinto et al. (2004b), o edifício da antiga Capitania do porto de Aveiro constitui um exemplo emblemático da Arte Nova da cidade de Aveiro, pela sua localização privilegiada e pela sua qualidade arquitectónica. O edifício foi construída em 1913, sobre as arcadas de um moinho de marés, a partir de um projecto da autoria do arquitecto Silva Rocha. Em 1995, tendo por base relatos que descreviam várias intervenções motivadas por persistentes problemas de fundações, decidiu-se viabilizar obras de recuperação, remodelação e, principalmente, de consolidação das respectivas fundações. O edifício original dispõe de estrutura em alvenaria de pedra, com uma área em planta de cerca de 30x15m2 e dois pisos elevados. Ainda citando Pinto et al. (2004b), do ponto de vista estrutural, a intervenção de recuperação e de remodelação teve como objectivo a construção de uma nova estrutura em betão armado, preservando a fachada principal, que confronta para o canal e para a Praça Luís Cipriano, e aproveitando uma laje de fundação em betão armado, fundada em microestacas, onde apoiavam as estruturas de contraventamento das fachadas. Estas últimas foram montadas aquando da demolição do interior do edifício e foram preservadas durante os trabalhos relativos ao tratamento e à execução das fundações da nova estrutura.

Tendo por base os principais condicionamentos existentes, associados à intensidade e ao tipo de cargas a transmitir ao terreno, a solução adoptada para o tratamento e para as fundações da nova estrutura consistiu na execução de colunas de jet grouting tipo 1 (jacto simples), com diâmetro de 1m, com entrega mínima de 1m nas formações Cretácicas - arenitos argilosos (Figura 25). Todos os trabalhos geotécnicos foram executados pela Tecnasol-FGE.

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Figura 25: Solução adoptada: planta e corte tipo (Pinto et al., 2004b)

Segundo Pinto et al. (2004b), a solução adoptada para o tratamento dos terrenos e para as fundações da nova estrutura constitui uma variante à solução tradicional de microestacas, seladas nas Argilas de Aveiro, com vantagens económicas e de prazo.

7.2.3 Edifício do Teatro Aveirense

Ainda citando Pinto et al. (2004b), o edifício do Teatro Aveirense, construído em 1881 e com estrutura em alvenaria de pedra, foi alvo de trabalhos de recuperação e de remodelação, os quais previam a execução de um piso enterrado na zona nobre, correspondente ao palco, plateia e balcão, que confronta para a Rua Belém do Pará, adjacente à Praça da República. Na zona onde foi realizada a escavação, com uma área de cerca de 550m2 , localizam-se o sub-palco, as circulações, incluindo o monta-cargas, o fosso da orquestra, a sala do piano, o grupo hidropneumático e a oficina, estes últimos situados sob a plateia e sob o balcão (Figura 26).

Figura 26: Teatro Aveirense: solução original e nova solução (Pinto et al., 2004b)

A geologia é caracterizada pela presença superficial de aterros, formações aluvionares lodosas e depósitos de praias antigas. Sob estas formações, a uma profundidade máxima de 5m, em relação ao piso térreo, aparecem argilas rijas de Aveiro. O nível freático é alto (cerca de 2m).

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A intervenção realizada (Pinto et al., 2004b) consistiu numa escavação na área descrita, com cerca de 3m de altura média, envolvendo a necessidade de operações de recalçamento das paredes a preservar, localizadas na zona da boca do palco, e a realização de fundações dos novos pilares, no interior e na periferia da escavação, e construção de cortina para contenção periférica, para limitar a afluência de água ao recinto da escavação, durante e após os trabalhos de escavação (Figura 27). No caso da execução do novo piso enterrado, adoptaram-se soluções construtivas adequadas à minimização da afluência de água ao interior da cave, durante e após a execução da obra, e compatíveis com a preservação da estabilidade da estrutura a manter. Estas soluções incluíram: colunas de jet grouting Ø800mm, espaçadas de 0,60m, ou Ø500mm, espaçadas de 0,40 m, com entrega mínima de 1m nas Argilas de Aveiro e microestacas para realizar mecanismos de “costura” constituídos por barras pré-esforçadas por aperto. A escavação foi realizada, de forma faseada executando-se uma parede de betão para aumentar o confinamento dos terrenos de fundação das paredes existentes e embeber os tubos das microestacas (Pinto et al., 2004b). A empreitada de Geotecnia foi entregue à Tecnasol-FGE.

Figura 27: Soluções para a cortina e o recalcamento das paredes interiores do Teatro Aveirense e vistas da intervenção na escavação e construção da estrutura (Pinto et al., 2004b)

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7.3 Mosteiro de Santa Clara-a-Velha de Coimbra. Cortina de contenção hidráulica

Apresenta-se este caso de obra, mais como um exemplo de intervenção geotécnica singular, do que um caso de reforço directo de fundações, mas que ilustra bem uma forma passiva de se salvaguardar elementos patrimoniais valiosos com a implementação de técnicas inovadoras da Engenharia Geotécnica.

Segundo descreveram Fortunato et al. (2004), o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha de Coimbra (Figura 28) foi afectado, logo desde o fim da sua construção, que se iniciou em 1314, por sucessivos períodos de inundações em consequência do rápido processo de assoreamento do rio Mondego. Em 1331, um ano após a conclusão da igreja do mosteiro, ocorreu uma cheia de grandes proporções, tendo a água penetrado na igreja e coberto o túmulo que D. Isabel havia mandado fazer para si. No século XV as inundações das áreas monásticas eram já muito frequentes e no final do século XVI houve necessidade de subir a cota do pavimento uma vez que as águas se encontravam permanentemente dentro dos edifícios. Mesmo após a construção de um pavimento intermédio no prolongamento da capela funerária, entre 1612 e 1615, as condições de salubridade foram-se deteriorando devido à presença da água, tendo o mosteiro sido abandonado definitivamente pelas religiosas em 1677, ou seja, cerca de 350 anos após a sua conclusão (Côrte Real, 2001).

Figura 28: Vista geral do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha de Coimbra (Fortunato et al., 2004) No século XVIII apenas a igreja estava intacta. Todas as outras dependências ou tinham ruído ou estavam cobertas por sedimentos. Em 1995 iniciou-se a intervenção arqueológica. Os elevados custos inerentes à manutenção a seco da área envolvente do mosteiro, a inevitável degradação de um sistema de bombagem ao longo do tempo e o interesse em prolongar as escavações arqueológicas para os lados Poente e Sul, conduziram a uma solução definitiva. Para o efeito, foi lançado um concurso de concepção-construção de uma cortina periférica de contenção hidráulica, a qual viria a ser executada pela empresa Teixeira Duarte, SA.

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O projecto contemplou uma cortina composta por uma parede moldada em betão armado ancorada a dois níveis, nos alinhamentos Norte e Poente, para permitir a escavação no interior do recinto e uma parede moldada auto-endurecedora de bentonite-cimento nos alinhamentos Sul e Nascente e em parte dos alinhamentos Norte e Poente. As paredes, executadas até profundidades variáveis entre 16,0 e 24,8m, foram prolongadas inferiormente por um tratamento do maciço rochoso com injecções de calda de cimento em furos com comprimentos variáveis entre 10 a 15 m (Rosa e al., 2002), Figura 29.

Figura 29: Corte geológico - igreja do Mosteiro de Santa-Clara-a-Velha (Fortunato et al., 2004)

7.4 Projecto de beneficiação da ponte sobre o Rio Mondego, em Penacova

No livro sobre a vida e obra do Eng. Edgar Cardoso (Lousada Soares, 2003) descreve-se com detalhe alguns dos geniais trabalhos de restauração ou beneficiação de estruturas, das quais se irá reproduzir o da ponte sobre o Rio Mondego, em Penacova (Figura 30).

Citando as palavras do Professor (Lousada Soares, 2003), “a exploração desenfreada e não controlada das areias dos rios em conjugação com a falta de inspecções periódicas às pontes, em particular as mais antigas, torna as fundações dessas obras de arte particularmente vulneráveis à acção dos caudais que ocorrem durante as cheias”.

Assim se verificou no acidente da velha Ponte de Penacova, sobre o rio Mondego, no dia 5 de Maio de 1979, bem como entre outro caso recente (2001) e que terminou de forma dramática: a catastrófica ruína da velha Ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios.

Na descrição do acidente da Ponte sobre o Rio Mondego, as infra-escavações sob a sapata do pilar central fizeram com que este assentasse, tendo o seu coroamento sofrido um deslocamento significativo deixando de dar apoio à superestrutura metálica contínua, que ficou apenas apoiada nos encontros e nos outros dois pilares (Figura 30b). Ou seja, a meio da ponte passou a existir um vão com comprimento de dois dos originais, provocando instabilidade na superestrutura. Esta sofreu deformações e rotura de algumas peças das vigas principais.

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a) Perspectiva original b) Pilar acidentado Figura 30: Ponte sobre o Rio Mondego, em Penacova (Lousada Soares, 2003)

Chamado de emergência logo após o acidente, o Professor Edgar Cardoso propôs uma intervenção imediata para tentar evitar o colapso do tabuleiro. Experimentou utilizar o pilar inclinado como suporte de uma reacção de 20tf para constituir um apoio provisório à superestrutura. Como o pilar se comportou bem, foram aplicadas forças progressivamente maiores, até 200 tf, actuando na viga central da superestrutura, já que a de jusante estava inoperante. A flecha recuperou parcialmente, tendo a rapidez desta intervenção salvado a ponte da ruína total.

A solução concebida – cuja descrição se transcreve e ilustrada em Lousada Soares (2003), para resolver a situação consistiu em transformar a ponte de viga contínua sobre quatro vãos numa ponte de tirantes, com três tramos. Para tal foram dimensionados dois quadros resistentes, aplicados na superestrutura a um terço e a dois terços da distância entre os pilares 1 e 3. Cada quadro tem uma viga aplicada transversalmente por baixo da antiga estrutura. Torres metálicas de dois montantes contraventados foram desenhadas para serem instaladas sobre os pilares 1 e 3. Dois cabos, um do lado montante, outro do lado jusante, arrancam de amarrações num encontro, sobrem até às selas da torre imediata, descem e passam sob o primeiro dos quadros, depois sob o segundo, sobem até às selas da outra torre e acabam nas amarrações do segundo encontro (Figura 31).

Seguindo a descrição de Lousada Soares (2003) a primeira fase dos trabalhos começou pela consolidação provisória dos pilares 1 e 3, com injecção de cavernas encontradas no solo de fundação até ao bed-rock. Depois abriram-se túneis transversais nos encontros para apoio das ancoragens. Sobre os pilares 1 e 3 ergueram-se as torres metálicas e na superestrutura montaram-se os sistemas de ataque dos cabos. O coroamento daqueles dois pilares sofreu um reforço em betão armado, antes de se proceder ao tensionamento e regulação dos cabos para a função desta primeira fase.

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Figura 31: Esquema de reabilitação da Ponte sobre o Rio Mondego, em Penacova (Lousada Soares, 2003)

A ponte, agora suspensa, passou a ter dois vãos de 33,35 m e um central de 80,00 m, sendo o tramo central suspenso pelos cabos instalados. Os quadros resistentes, onde se processa a inflexão dos cabos estão fixos nos terços desse vão. O encontro da margem direita e os dois pilares viram as suas fundações consolidadas e reforçadas, sendo utilizados conjuntos de estacas metálicas cravadas até ao bed-rock, e ligados às infra-estruturas da ponte. Procedeu-se à remodelação e (ou) reconstrução dos acessos e do pavimento da ponte, substituição das juntas de dilatação e das guardas de segurança. A estrutura metálica foi pintada, os cabos regulados para a plena carga, e protegidos desde as amarrações até à saída da superestrutura. Demoliu-se o pilar acidentado e procedeu-se, por fim, à correcção do leito do rio, a montante e a jusante da ponte, para obter uma correcta vazão das águas.

7.5 Casos paradigmáticos de acompanhamento por monitorização de edifícios, para gestão de danos recorrentes

Arantes de Oliveira (2005), num artigo para Revista “Engenharia e Vida”, apresenta alguns exemplos muito interessantes de cooperação entre o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) na reabilitação

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do Património Construído. Aí releva alguns aspectos geotécnicos muito interessantes, nomeadamente no que se refere a reforços de sistemas de fundação, dando o exemplo da Igreja de Santa Engrácia e de outros, cuja importância e complexidade dos problemas de carácter geotécnico salienta: o assentamento da Ala Ocidental da Praça do Comércio, em Lisboa, a Muralha Fernandina do Porto, e as encostas e muralhas de Santarém. Todos estes foram objecto de uma colaboração institucional ao longo de muitos anos. No que segue, transcreve-se parte desse documento, que ao autor parece interessante para transmitir o ponto de vista sobre a marcante questão do conhecimento das condições de fundação e o acompanhamento integrado das estruturas, com base em monitorização de deslocamentos e de outras grandezas.

O assentamento da Ala Ocidental da Praça do Comércio

Este problema do assentamento da Ala Ocidental da Praça do Comércio, é antigo (Figura 32). Foi objecto de observações e estudos do LNEC efectuadas desde 1957 até 1966. Trabalhos históricos de Vieira da Silva sobre “A Ribeira de Lisboa”, expressavam que, “enquanto a Ala

Oriental da Praça do Comércio foi construída sobre terrenos já anteriormente edificados, e 20 anos depois do terramoto se encontrava concluída, a Ala Ocidental, especialmente o respectivo torreão, trouxe sérias dificuldades”. Os assentamentos verificados foram atribuídos

ao facto de os edifícios terem sido fundados sobre terrenos conquistados ao Tejo já depois de 1755, sendo que o torreão da Ala Ocidental tinha assentado mais de meio metro e continuava ainda a afundar-se, porque, aquando da construção, o terreno ainda não estava consolidado.

Figura 32: Assentamento exibido pela Ala Ocidental do Terreiro do Paço em Lisboa (Arantes de Oliveira, 2005)

Segundo Arantes e Oliveira (2005), o estudo do LNEC teve por objectivo esclarecer se os assentamentos dos terrenos eram devidos exclusivamente ao seu adensamento por efeito das cargas, ou se essas cargas provocavam refluimento lateral do terreno (sinal de eventual desenvolvimento de um mecanismo de rotura). Concluiu-se ser provável deverem-se os assentamentos à consolidação dos terrenos de fundação e, portanto, ser de prever que o edifício continuasse a assentar ainda por dezenas de anos, provocando danos mais ou menos sensíveis nas paredes e pavimentos Quaisquer obras para contrariar a continuação do processo teriam de ser de grande vulto e, portanto, muito onerosas. Considerou-se assim vantajoso continuar a observação dos assentamentos com a periodicidade de um ou dois anos, a menos que viesse a haver razões para alarme... Posteriormente, a DGEMN solicitou ao LNEC um parecer sobre

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anomalias que estavam sendo observadas no Ministério da Agricultura, instalado na Ala Ocidental da Praça do Comércio. O LNEC descreveu as referidas anomalias e apontou como causa provável o assentamento diferencial das fundações do edifício, tendo recomendado a retoma dos trabalhos experimentais de nivelamento geométrico de precisão, afim de serem determinados os deslocamentos… Este é um caso modelar da necessidade de, mais do que tentar alguma intervenção “faraónica” e inconsequente no reforço das fundações, se seguir uma monitorização cuidadosa dos sinais na super-estrutura na expectativa da estabilização.

A Muralha Fernandina do Porto

"No dia 5 de Março de 1959, o paramento nascente da parte sul da Muralha Fernandina do Porto ruiu. Tal deveu-se ao desprendimento de blocos de granito de grande dimensão sobre os quais se apoiava, carreando as cantarias da Muralha, e tendo esmagado algumas casas habitadas causando a perda de oito vidas e ferimentos em várias pessoas."

Na descrição de Arantes e Oliveira (2005), a reconstrução da Muralha envolveu vários tipos de trabalhos: i) o recalcamento da parte que ruiu; ii) o saneamento, consolidação e protecção da escarpa; iii) a reconstrução da Muralha propriamente dita. Logo a seguir ao acidente, a DGEMN encomendou ao LNEC o estudo geológico da escarpa dos Guindais, estudo que, apresentado em Fevereiro de 1960, constituiu uma base muito sólida para as intervenções que se seguiram, e contribuiu largamente para o seu êxito. A fim de se avaliar a segurança da Muralha e escarpa após a conclusão das obras, estabeleceu-se um programa de observações completado por visitas periódicas ao local. A observação e a apreciação do comportamento da intervenção foi descrito em relatórios do LNEC. Concluiu-se que o comportamento da Muralha Fernandina e da escarpa que lhe servia de base se revelava bom, recomendando-se proceder à observação através de campanhas periódicas de nivelamento, medição de fendas e visitas de inspecção. Estes trabalhos mantiveram-se até 1990, não se detectando motivos de preocupação. Esta situação tem alguma correspondência com fenómenos locais de instabilização em maior escala e são descritas por Matos et al. (2002). Durante as prolongadas e por vezes intensas chuvadas, ocorridas entre o Outono de 2000 e a Primavera de 2001, o país foi afectado por inúmeros problemas de estabilidade de taludes e encostas. Um dos problemas de maior significado ocorreu na zona das Fontaínhas no Porto, onde se detectaram, em Janeiro de 2001, sintomas de deslocamentos muito importantes num muro de suporte situado no topo da escarpa. Procedeu-se a um acompanhamento topográfico da situação, tendo-se concluído que a dimensão absoluta e relativa dos vectores dos deslocamentos, bem como a sua orientação, indicavam a existência de escorregamento global de toda a escarpa onde assentava o muro e não qualquer fenómeno local relacionado com o muro. Com o objectivo de se proceder à estabilização da escarpa foi efectuado um estudo geológico e geotécnico do maciço, com particular incidência e atenção sobre a caracterização o mais detalhada possível do sistema de diaclasamento. A detecção de bandas de enfraquecimento no interior do maciço, com orientação desfavorável e concordante com as observações dos deslocamentos, conduziu a um sistema de estabilização global apropriado. Efectuaram-se recolhas bibliográficas da zona, tendo-se obtido documentos e relatos de iguais factos ocorridos desde o início do século XX. A fracturação resultante da descompressão do maciço rochoso, é um aspecto dominante e controlador da estabilidade da escarpa. As características do sistema de fracturação presente,

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associadas à percolação da água ao longo das diaclases proporcionou ao longo do tempo o avanço do estado de alteração do maciço assim como a formação de blocos em situação instável, que poderiam deslizar na direcção da Avenida Gustavo Eiffel. Esta situação, foi impulsionada com o aumento da quantidade de água nos terrenos, que assumiu um carácter ainda mais gravoso nesse Inverno especialmente chuvoso.

Outra situação desfavorável detectada com base no zonamento geológico-geotécnico, foi a presença de uma possante zona dentro do maciço mais alterada e fracturada, que acompanha a topografia da encosta, mais ou menos a 45º, e que se apresenta mais espessa no topo do talude diminuindo a espessura para a base. A escala do problema, uma vez que se supõe que esta se estenda, se não por toda a escarpa, por uma grande parte dela; e o facto de esta situação estar "encoberta", não sendo muito evidente o grau de desenvolvimento desta faixa de material de características geotécnicas pobres, tornava muito complicado a implementação de uma forma de contenção que se pudesse considerar como definitiva. As características morfológicas da própria escarpa, nomeadamente a existência de vestígios de construções antigas, os muros de alvenaria e os aterros presentes podem ter ao longo dos anos encoberto sinais de instabilidade. A macro-geomorfologia e hidrogeologia da zona impõe um acompanhamento monitorizado destes movimentos, mesmo após as medidas de estabilização implementadas.

As encostas e muralhas de Santarém

Ainda citando Arantes de Oliveira (2005), este caso é mais um estudo de cariz geotécnico, que foi realizado durante muitos anos. Situadas no topo de uma colina com vertentes principais para o Tejo e para o caminho que de Santarém se dirige para o Alfange, as muralhas foram sendo ameaçadas por escorregamentos das encostas, tendo-se realizado trabalhos de estabilização importantes nas vertentes das Portas do Sol. Relatórios sobre a estabilização da encosta das Portas do Sol foram elaborados pelo LNEC em 1967 e 1968, decorrendo a partir de 1970, estudos de estabilidade da encosta. Numa das vertentes, a do Caminho do Alfange, verificaram-se deslizamentos frequentes, alguns dos quais interessando as próprias muralhas, tendo sido executados trabalhos de pequena envergadura para proteger a encosta e as muralhas. Em 1979, a DGEMN resolveu pôr ao LNEC o problema da conservação das muralhas, chamando a atenção para que o problema podia envolver toda a área da encosta. Deu-se especial atenção à geologia da colina, observando que esta é constituída por "terrenos brandos encimados por um complexo calcário e calco-margoso por vezes pulverulento". As muralhas estão assentes numa bancada calcária, nalguns locais no bordo vertical desta, constituindo como que um seu prolongamento. Como resultado dos sucessivos escorregamentos da encosta, as bancadas calcárias de suporte estavam a ficar descalças nalguns pontos, e em risco de ruir na medida em que se dessem desmoronamentos das partes que ficassem em consola. Este é um caso paradigmático de carsismo, acima descrito. Como ainda descreve Arantes de Oliveira (2005), o relatório do LNEC denunciava como sendo muito caras e de difícil execução as necessárias obras de consolidação, pondo com alternativa a deslocação das muralhas para o interior da plataforma, como fora feito na zona das Portas do Sol. Se o reforço das fundações das muralhas não fosse completado pelo tratamento das encostas, o problema voltaria a pôr-se, devido ao descalçamento do reforço. Quanto ao tratamento das encostas, o relatório começou por considerar a solução mais simples de uma simples regularização superficial, acompanhada da remoção dos terrenos em maior risco de escorregar, de modo a tornar os taludes o mais

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estáveis possível, e de uma drenagem superficial com revestimento vegetal adequado. Considerava-se, no entanto, que seria preferível uma solução do tipo da adoptada para as Portas do Sol, constituída por estruturas superficiais ancoradas por trás das possíveis superfícies de escorregamento. A solução poderia ter custos proibitivos. A drenagem das águas subterrâneas dos níveis aquíferos seria, em qualquer caso, indispensável. Em Fevereiro de 1979, deu-se um escorregamento noutra zona da encosta, precisamente na parte norte da encosta das Portas do Sol., tendo ruído alguns blocos dos muros de alvenaria e atingiram a via-férrea.

Em consequência deste acidente, foi a CP que pediu ao LNEC que retomasse estudos do tipo dos que antes executara para a DGEMN. A colaboração do LNEC passou a compreender a prestação de consultoria na fase de definição das obras de consolidação das encostas das Portas do Sol e das Quebradas, a realização de ensaios de ancoragens que se tornassem necessários, e a recuperação e revisão do sistema de observação anteriormente instalado, bem como a colaboração na instalação de novos dispositivos, na exploração do sistema, e na interpretação dos resultados. Em 1987, o LNEC apresentou à CP uma descrição dos sistemas de observação instalados nas encostas das Portas do Sol e das Quebradas, e os respectivos resultados. A análise dos resultados dos ensaios de caracterização mecânica de ancoragens foi objecto de um relatório a seguir apresentado. Este caso continua a ser acompanhado muito particularmente após a ruína parcial que se deu no mesmo período do Inverno rigoroso de 2000-2001.

Situações destas, com algum paralelismo casuístico e com impacto crescido dado estar-se perante património emblemático do período românico, são os casos descritos por Cotecchia (1997), relativos aos templos de Juno e da Concórdia, em Itália, (Figura 33).

O único caminho em certos casos é o bom reconhecimento da génese geológica e, assim mesmo, das condições geotécnicas que comandam movimentos em larga escala que podem não ser estabilizáveis com soluções de reforço de fundações ao alcance das disponibilidades financeiras, mas antes exigem uma boa monitorização, complementada eventualmente com um cuidadoso processo de controlo dos regimes hidrológicos (que passam também pela exploração de poços, ocupação urbana de superfície, drenagem, etc.).

7.6 Reconstrução do Baluarte do Cavaleiro da Muralha de Chaves

7.6.1 Breve resenha dos antecedentes

Em consequência da intensa e persistente pluviosidade no período invernoso de 2000-2001, foram observados graves danos num troço da Muralha do Baluarte do Cavaleiro, situado marginalmente à Rua 25 de Abril, em Chaves. Os factos mais relevantes relativamente à estabilidade da muralha, foram os seguintes: ocorrência, junto a um dos edifícios, de um acentuado assentamento no passeio, de cerca de 15 cm, e de escorrências de lamas vindas do interior; existência de um conjunto de fissuras horizontais na muralha; empenamento, para o exterior, do paramento da muralha; formação de brechas no terrapleno da muralha; infiltração de águas pluviais através das brechas; rotura de uma tubagem de abastecimento de água, com a consequente infiltração de um considerável caudal; e escorrências de água, ondulações e desaprumos na muralha visíveis a partir do interior dos edifícios.

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Figura 2: Sistemas típicos de condições de fundação de monumentos: cada linha indica vários  tipos de monumentos (empreendimentos rupestres; ruínas históricas; castelos e  palácios; igrejas e catedrais; torres; cidades históricas); cada coluna indica disti
Figura 5: Ilustração  de  assentamento  diferencial da torre em relação ao corpo principal da  Catedral de S
Figura 6: Equipamentos  de  execução de fundações “profundas” (bate estacas” e outros) e  esquemas de orientação para fundações antigas (Jappelli, R
Figura 8: Colapso da Ponte Hintze-Ribeiro em Entre-os-Rios (2001): sobreescavação
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Referências

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