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Applicações therapeuticas do sôro physiologico

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Academic year: 2021

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(1)

/PPLICAÇÕES ÏHERAPEUTICAS

DO

Soro Physiologic©

DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA Á E S C O L A M E D I C O - C I R U R G I C A DO PORTO POR

GflSIlHlRO Itopes d'fllmeida VflSGOflCEIiLOS

JULHO

MDCCCXCVII I M P R E N S A C O M M E R C I A L 29—Rua da Conceição—37 P O K T O

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(3)

CONSELHEIRO-DIRECTOR

DR. WENCESLAU DE SOUZA PEREIRA DE LIMA

SECRETARIO

RICARDO D'ALMEIDA JORGE

CORPO DOCENTE

PROFESSORES PROPRIETÁRIOS

1." Cadeira—Anatomia descriptiva e geral

2." Cadeira—Physiologia . . . 3." Cadeira—Historia natural dos

medicamentos e materia me dica

4.» Cadeira—Pathologia externa e therapeutica externa . . 5.» Cadeira—Medicina operatória 6." Cadeira—Partos, doenças das

mulheres de parto e dos re cem-nascidos

V.a Cadeira—Pathologia interna therapeutica interna. . . 8." Cadeira-Clinica medica . . 9." Cadeira—Clinica cirúrgica . 10.a Cadeira—Anatomia pathologi 11.* Cadeira—Medicina legal, hygie

ne privada e publica e toxico logia

12.° Cadeira—Pathologia geral se meiologia e historia medica Pharmacia

João Pereira Dias Lehre. Antonio Placido da Costa. Illídio Ayres Pereira do Valle. Antonio Joaquim de Moraes Caldas. Eduardo Pereira Pimenta. Dr. Agostinho Antonio do Souto. Antonio d'Oliveira Monteiro. Antonio d'Azevedo Maia. Cândido Augusto Correia de Pinho. Augusto Henrique d'Almeida Brandão. Ricardo d'Almeida Jorge.

Maximiano A. d'Oliveira Lemos. Nuno Freire Dias Salgueiro.

PROFESSORES JUBILADOS

I José d'Andrade Gramacho. j Dr. José Carlos Lopes. Secção cirúrgica Pedro Augusto Dias.

PROFESSORES SUBSTITUTOS

Secção medica j João Lopes da Silva Martins Junior. * t Alberto Pereira Pinto d Aguiar. Secção cirúrgica Roberto Belamimo do Rosário Frias.

* " / Clemente Joaquim dos Santos Pinto. Secção medica.

Secção cirúrgica

DEMONSTRADOR DE ANATOMIA Carlos Alberto de Lima.

(4)

A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(Regulamento âa Estola de 23 d'abril de 1840, art. 155).

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(6)

A M E U S I R M Ã O S

(7)

E EM ESPECIAL AOS SNKS.

A MINHAS PRIMAS

(8)

AOS MEUS CONDISCÍPULOS

J O A Q U I M D A S I L V A R A M A L H O

E

L U I Z A B R A N C H E S

E SUAS

(9)

D. Margarida Candida da Fonseca e Mello D. Maria do Carmo e Souza

P.e J o s é C o u l o

E SUA EX.m* FAMÍLIA

(10)

Le nom, lequel nous aimons le plus, on doit le taire afin que des étrangers ne viennent pas profaner son culte.

(11)

DR. JOSÉ CARLOS LOPES

digníssimo lente jubilado da Escola Medico-Cirurgica

Saudades d'uni discí-pulo do seu ultimo curso.

(12)

AO EX.""» SNR.

DR JOAQUIM ARANTES PEREIRA

AO EX.»1» SNR. I

VISCONDE DE Ï O N D E L L A

E SUA EX.™* FAMÍLIA AO EX.">° SNR.

FREDERICO CORREIA

E SUA EX.™» ESPOSA

(13)

S SUA KSPOSA A E X .m a SNR."

(14)

AO ILLUSTRE CORPO DOCIITI

DA

ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

0 ^táClUM/fo atato.

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A M E M O R I A

DA EX."" SNR."

D. Mipina A. Correia Oliveira

A M E M O R I A

1)0 MEU CONDISCÍPULO

Manoel Correia fl'Almeifla

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Torquato Brochado Antonio Henriques Pedro Guimarães Junior Abel Vieira Rodrigo d'Andrade Luiz Simões Jacyntho Leite Alberto Freitas A. Cunha Pinto Loureiro Lias Francisco Leitão

AOS MEUS CONTEMPORÂNEOS

E EM ESPECIAL A

Eleuterio da C. Santa Pita Agostinho Simões d'O. Gomes Eduardo Figueira

Alberto Baptista José Pompeu

Antonio d'Almeida Trinta Aurélio Augusto Podrigues Seara Augusto José Cezar Massa

AOS MEUS AMIGOS PARTICULARES

P.e Manoel Joaquim Gomes

Onofre Paes de Figueiredo José da Silva Bamalho José Marques Figueiredo

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H i s t o r i a

Desde remotíssimas éras data a ideia d'intro-duzir sangue nas veias, do que são testemunha certas passagens d'Ovidio, Erophilo e outros au-ctores antigos ; depois d'estes encontra-se a refe-rencia, feita 'por Sismonde, do facto que se deu com o Papa Innocencio VIII: «encontrando-se o papa em somnolencia profunda, havia muito tem-po, e exgotando-se todos os meios, então conhe-cidos, para o chamar á vida, um medico judeu propoz a transfusão, feita com sangue d'uma pes-soa nova; três creanças foram sacrificadas em fa-vor do decrépito pontífice que, afinal de contas, não conseguiram reanimar, pois morreu em 1492.»

Este caso offerece um duplo interesse sob o ponto de vista scientifico :

1.°) Mostra-nos que já no século XV a trans-fusão com sangue humano foi operada no ho-mem ; 2.°) mostra-nos que já n'essa occasião se

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suspeitava que a entrada d'ar nas veias podia ser causa da morte, pois que a essa causa attribui-ram a morte do pontiflce.

Estes factos, porém, apparecem isolados, sem pormenores, e só em 1667 é que nós encontra-mos a primeira operação bem conduzida, (Emme-retz, 15 de Junho).

Antes d'esté facto, e apezar da grande desco-berta d'Harvey e das bellas experiências que se lhe seguiram, a transfusão tinha cahido em com-pleto desuso, chegando mesmo a ser prohibida nos paizes catholicos pela curia romana, e em Paris pelo Senado, que ameaçou de prisão todo aquelle que empregasse tal meio therapeutico.

Durante um século ficaram em completo es-quecimento as operações de transfusão sanguí-nea, atéque em 1788, depois das experiências de Michel Rosa sobre animaes, demonstrando a pos-sibilidade de os reanimar por meio d'injecçao in-travenosas de sangue, em seguida a grandes he-morragias, foram de novo introduzidas na thera-peutica. N'esta occasião apparecem novos traba-lhos e novas experiências sobre o assumpto; tal é o caso de James Blundell que consegue salvar uma mulher, prestes a morrer pelo facto d'uma hemorragia uterina, recorrendo ás injecções in-travenosas de sangue.

Em vista d'esté facto, e conhecedor das expe-riências de Graefe e Bóer, Blundell entrega-se a experiências de laboratório; injecta sangue arte-rial d'um cão nas veias d'outro e sangue

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huma-no nas veias d'uni cão, estuda as condições de coagulação do sangue fora dos vasos e tira das suas experiências conclusões pouco exactas, tal como a da possibilidade de reanimar um animal, transfundindo-lhe sangue d'outro animal d'espe-cie différente.

Apezar d'isto, conseguiu por vezes satisfa-ctorios resultados, applicando á clinica as con-clusões das suas experiências.

Em 1828 Dieffenbach aconselha a transfusão de sangue, mediata ou immediata, mas quer que o sangue a transfundir seja previamente desfibri-nado, afim d'evitar a formação de coágulos. Este modo de ver era baseado em numerosas expe-riências feitas pelo próprio Dieffenbach e por Bis-choff.

Os resultados clinicos, obtidos com o em-prego d'esté meio therapeutico, nem sempre eram coroados de bom êxito, e bastou, que um pequeno numero de casos mal succedidos fossem conhe-cidos, para que Prévost e Dumas se insurgissem contra taes intervenções, combatendo acremente os seus propngnadores, a ponto de fazerem nascer um novo periodo de completo esquecimento, que se prolongou até 1860. No auge da cólera, diziam os inimigos da transfusão, que tal processo the-rapeutico era impróprio do seu século, que já não era o bárbaro e ignorante século dos Egy-pcios.

N'esta epocha (I860) appareceu a these de Ni-colas proclamando a utilidade da transfusão, o

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3 fi

que foi aceite por todos como grande successo the-rapeutico ; manifestam-se, porém, divergências no que respeita ao liquido a empregar querendo uns que se transfunda sangue humano, outros sangue de carneiro, uns sangue desflbrinado, outros não desflbrinado.

Brown-Sequard, depois de muitas experiên-cias, chega á conclusão de que devemos empre-gar sangue de animaes da mesma espécie, e, além d'isso, que esse sangue seja sempre desflbrinado. A idênticas conclusões chegam Landois (1865) e Ponfik (1874).

Um anno antes de Ponfik chegar ás suas con-clusões, que já citamos, teve Kartz de Krentznach a ideia de substituir a via intravenosa pela via hy-podermica; assim este autor introduzia o sangue, em naturesa ou desflbrinado, no tecido cellular sub-cutaneo, em vez de o injectar no systema vascular.

Com este trabalho, podemos dizel-o, nasceram as injecções hypodermicas, que nunca, até então, haviam sido empregadas.

Ao tempo que se davam estes factos, não des-cançavam, pelo seu lado, os physiologistas, e, nos laboratórios, trabalhava-se activamente na reso-lução do problema: «que sangue se deveria inje-ctar? deveria injectar-se sangue desflbrinado, ou em natureza? deveria preferir-se sangue d'ani-maes da mesma espécie, ou d'especie différen-te?»

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deveria empregar-se invariavelmente sangue d'a-niraaes da mesma espécie, preferindo-o não des-fl brin ado.

Não estava ainda tudo resolvido ; se as expe-riências physiologicas tinham conciliado todas as divergências, outra discussão se levantava, não menos difflcil de resolver, talvez: «não era sem-pre fácil, ou melhor, quasi nunca era fácil ob-ter a matéria prima, o sangue humano ; ora se era nocivo o sangue de qualquer animal d'especie différente, como fazer transfusões sem sangue . para transfundir?» Gahiriam outra vez por terra estas questões, para dormirem de novo um longo período?...

Era talvez o mais provável se alguém se não lembrasse de supprir a falta de sangue humano, empregando uma substancia que introduzida no organismo, quando não desempenhasse as mes-mas funcções que o sangue eliminado, não alte-rasse ao menos o sangue lá existente e o collo-casse em condições mechanicas de poder cir-cular.

D'aqui nasceu o soro artificial.

Soro physiologieo

Não era, porém, a difficuldade d'obter sangue humano, a única razão que induzia os clínicos a substituir este por outra substancia ; experiências

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d'Hayem provara claramente que não devemos empregar sangue desfibrinado, porque este vae actuar exactamente como actuaria o sangue d'a-nimaes d'especie différente: «logo apóz a injecção sobrevinham calefrios, seguidos, a breve trecho, de hemorrhagias diversas e hemoglobinuria)). Es-tes accidenEs-tes, diz Hayem, são devidos a uma al-teração globular, consistindo n'uma dissolucção d'hemoglobina no soro, destruição e fusão do stroma globular que, n'este estado, se torna pon-• to de partida d'embolias e d'infarctus.

Ora, sendo o sangue humano em natureza, de difficil transporte a distancia, e, por outro lado, não podendo nós empregar o sangue desfibrinado, é claro que ficaria extremamente reduzido o cam-po das applicações da transfusão ; mais um mo-tivo, a nosso vêr assaz forte para que os partidá-rios de tal methodo therapeutico procurassem com affinco uma substancia que lhes substituísse o sangue.

Mas qual deveria ser a substancia a empre-gar? que caminho conviria seguir na escolha de tal substancia?

A' segunda interrogação diremos que estava naturalmente indicado o caminho da experimen-tação physiologica ; quanto á primeira, o único meio consistiria em empregar substancias que se sabia entrarem na constituição do sangue. Assim foi, talvez, preconisado o leite por Hoddos, a agua distillada por Schmidt, soluções alcalinas por Hayem, etc...

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Hoddos preconisou o leite, talvez fundado em que este não é mais do que soro sanguíneo, mo-dificado pela elaboração que soffre na glândula mammaria; a maior parte das suas experiências deram maus resultados, morrendo os animaes em experiência por se terem formado embolias á custa dos corpúsculos gordorosos do leite.

Schmidt, empregando agua distillada sem addi-ção d'outra substancia, observou que os acciden-tes produzidos eram assaz graves para levarem a abster-se da applicação de tal substancia; estes accidentes, consistiam na dissolução da materia corante no plasma e na destruição, com perda de elasticidade, do stroma dos glóbulos rubros, que se fragmentava tornando-se ponto de partida d'obliteraçoes vasculares; Hayem (em 4882) fa-zendo experiências idênticas ás de Schmidt, che-ga a conclusões différentes ; assim diz Hayem :

«Podemos, n'uma única sessão, injectar n'uni cão uma quantidade d'agua distillada, que varie entre x/«o e x\\% do peso total do corpo do animal,

sem provocar outros accidentes que não sejam uma hemoglobinuria passageira, com ou sem he-maturia. Estes últimos accidentes podem evitar-se empregando doevitar-ses menores. Podemos duplicar a massa total do sangue com agua distillada, pro-vocando apenas ligeiras perturbações, e augmen-tais de metade sem provocar outro phenomeno pathologico que não sejam variações de tempera-tura. Para produzir a morte é preciso injectar, durante uma hora, uma quantidade d'agua

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distil-40

lada egual a 2 vezes e meia a massa total do san-gue.»

Mais tarde ainda, diz Hayem : «A. resistência dos animaes é muito maior para as soluções chlo-retadas ou chloro-sulfatadas, do que para a agua distillada; assim o demonstram experiências em que se empregaram estas soluções, e nas quaes não vimos sobrevir hemoglobinuria nem hematu-ria. Proseguindo nos seus trabalhos, Hayem che-ga ainda á conclusão de que estas soluções (sali-nas) são menos nocivas do que o próprio soro animal, porque este tem. o inconveniente de pro-duzir embolias.

De tudo quanto deixamos escripto pôde con-cluir-se que, soluções que colloquem o sangue, ainda existente no organismo, em condições me-chanicas de bem circular, sem alterarem os seus elementos, são quasi unicamente as soluções sa-linas que, como já vimos, levam vantagem ao soro animal.

Não quer isto dizer que as soluções salinas se-jam conservadoras, em absoluto, dos glóbulos do sangue; soluções dotadas de taes qualidades não sabemos que existam. Em todo o caso são as so-luções salinas convenientemente tituladas, parti-cularmente as soluções de chloreto de sódio, as que menos alteram os elementos figurados do sangue.

N'umas experiências de Mayet, publicadas na

Lyon Medical de 1891, diz este auctor : «Sendo

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ar-rastados a empregar, em injecções intravenosas, as substancias que melhor se adaptarem á com-posição da parte liquida do sangue.»

Ora, d'essas mesmas experiências, concluiu Mayet que é o chloreto de sódio a substancia que melhor satisfaz ; com effeito : «é indispensável que o chloreto de sódio se encontre unido aos albu-minóides do sangue, e particularmente á serina, para que estas substancias conservem as suas qualidades chimicas, úteis á vida; é o chloreto de sódio, em solução conveniente, o sal que me-nos deforma, de resto d'uni modo passageiro, os glóbulos sanguíneos ; tem o mesmo uma acção conservadora sobre os leucocytos e hematoblas-tas; nas mesmas condições de solução, o chlo-reto de sódio não favorece a dissociação da hemo-globina, não precipita a serina nem coagula a fi-brinogene.»

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Variedades de soluções que se tem empregado:

Solução de Latta:

, Chloreto de sódio 3 a 5 gram. J Sub-carbonato de soda 1,70 gram. I A&u a 3400 gram.

Solução de Mayet:

l Chloreto de sódio 7 gram. I Agua 1000 gram.

Esta solução havia sido já empregada por Kroneker e Sander, nas suas experiências feitas em 1879.

Hayem, depois de ter empregado varias formu-las, fixou-se na seguinte:

Formula d'Hayem :

/ Agua distillada 1000 gram. J Chloreto de sódio puro 5 gram. ( Sulfato de soda 10 a 25 gram.

N'esta formula Hayem, empregando o sulfato de soda, tinha em vista produzir um effeito cons-tipante ; elle mesmo, quando não seja preciso preencher tal indicação, rejeita a addição de tal substancia.

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Outras substancias tem sido propostas para ad-dicionar á agua salgada; a menos, porém, que não vizemos a modificar certos estados particulares do sangue, como por exemplo, o coma diabético, devemos rejeitar taes addições.

As substancias que tem sido addicionadas são as seguintes: «assucar, ammoniaco, bi-carbonato de soda e saes de cal ou de potassa.

No anno de 1896 travou-se uma discussão en-tre Malassez e Hayem a propósito do titulo da so-lução que mais conviria, que melhor merecesse o nome de «soro physiologico» ; Malassez affirmava, baseado em experiências proprias, que devia pre-ferir-se a solução a 10/iooo; mezes mais tarde,

po-rém, Hayem demonstrava que a affirmação de Ma-lassez provinha de que este se não rodeara das condições requeridas para uma boa experimenta-ção, e conclue que podíamos se.rvir-nos, quasi in-differentemente, de soluções de 5 a 10 por 1000.

Tomando a media entre as soluções de Hayem e a de Malassez, convencionou-se que fosse á so-lução a 7/iooo que se desse o nome de SORO

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II

Resultados do soro Infecções

Antes das descobertas de Dastre e Loye, as injecções de soro physiologico apenas haviam si-do empregadas no tratamento da algidez, si-do col-lapsus cholerico e das grandes hemorragias. As experiências engenhosas, dos dois sábios vieram ampliar, d'am modo notável, o campo das appli-cações therapeuticas d'esté grande agente, ao qual somos obrigados a conceder a honra de um grande numero de benéficos resultados obtidos no tratamento das infecções. Com effeito, só das conclusões a que chegaram podia nascer a ideia de fazer uso do soro no tratamento d'estes últi-mos estados mórbidos.

Dastre e Loye, injectando, nas veias de cães e coelhos, quantidades diversas de soro

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Conclusões

A.) As injecções são indolentes e innocentes, sempre que satisfaçam determinadas condições, que podemos dividir em extrínsecas e intrínsecas.

1.) Condições extrínsecas: a) A agua salgada deve entrar nas veias com uma pressão e tempe-ratura constantes—a tempetempe-ratura deve ser a do sangue.

b) A injecção deve ser feita com uma

velocida-de velocida-determinada, 0,«r7 por minuto e por kgr.

d'ani-mal—é a velocidade optima para o cão).

2.) Condições intrínsecas: a) Deve haver paral-lelismo entre a curva d'injecçao e a d'excrecçao, sempre que a quantidade de soro injectado exce-da o volume do sangue do animal, pois que até este limite a eliminação faz-se lentamente.

E' o que realmente se observa quando os ap-parelhos excretores funccionem normalmente.

Quando mesmo os rins estejam lesados, te-mos os apparelhos de supplencia (glândulas sali-vares, via rectal, mucosas, incluindo mesmo a mucosa respiratória e serosas).

Isto nos leva a crer que no organismo existe um apparelho regulador da hydratação, o qual per-mitte a introducção d'uma certa quantidade de agua, provocando a rejeição immediata de qual-quer quantidade em excesso.

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B) A pressão arterial é, até certo ponto, inde-pendente do estado de replecção do systema vas-cular; assim é que, augmentando de 1/s a massa

sanguínea, a pressão flea a mesma.

C) De todo o soro injectado, só uma parte (tal-vez a menor) engrossa a massa do sangue ; a ou-tra parte deposita-se provisoriamente nos tecidos, no fígado, nos lymphaticos, nas serosas, e só mais tarde, quando a injecção cessa, entra na circula-ção para ser eliminada pelos diversos emuncto-rios.

D) O liquido eliminado não traz comsigo qual-quer elemento essencial ao organismo ; contém apenas alguns elementos solúveis indifférentes ou talvez nocivos.

E) Podemos injectar na circulação doses eleva-das de soro (o quádruplo ou mais do volume do sangue) sem produzir dores ou outras perturba-ções.

De todas estas conclusões, amais importante, pois que foi ella que serviu de base scientiflca á applicação do soro ás infecções, é a que diz «que o liquido eliminado pelos rins não arrasta elemen-tos essenciaes á constituição do organismo, por-que apresenta a mesma composição do soro, corn-tudo apenas mais alguns elementos indifférentes, ou talvez nocivos ao organismo.

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(conclusão c), não temos nada a receiar das do-ses, mas sim da velocidade com que é feita a in-jecção; isto é, não ha doses toxicas, mas sim ve-locidades toxicas.

Obtidas estas conclusões por experiências fei-tas em indivíduos no estado physiologico, tenta-ram os mesmos sábios verificar se taes resultados lhes seriam dados pelas mesmas experiências fei-tas nos mesmos indivíduos, no estado pathologi-co. Para isto inocularam coelhos com culturas pu-ras e virulentas de micróbios pathogenicos, taes como B. anthracis, M. pyogenicos e B. diphterico, provocando as infecções respectivas.

Tomando parte dos animaes assim inoculados e deixando outros para padrões de comparação, observaram que os animaes submettidos ás injec-ções de soro, contrariamente á sua espectativa, foram mais precocemente atacados de symptomas geraes graves e morte do que os testemunhas.

Tal resultado era, como se vê, a destruição de todo o edifício architectado sobre as conclusões tiradas da experimentação em indivíduos physio-logicos.

Apezar de resultados tão negativos, a lavagem do sangue continuou a ser applicada no homem em estados infecciosos, por vezes com magníficos resultados. Sendo assim, parece que não podemos dar inteiro credito ás ultimas experiências de Das-tre e Loye, mas antes somos levados á conclusão de que taes experiências não foram feitas com verdadeiro rigor scientifico ; tal é, pelo menos, a

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4!)

opinião de Hayem sobre este assumpto, quando diz que Dastre e Loye collocaram-se era condições de exceder o limite de resistência dos animaes. «Cette inondation de l'organisme, portée à l'extrê-me limite de la tolérance, s'éloigne singulièrel'extrê-ment des méthodes thérapeutiques et cela autant qu'une hernorrhagie provoquée dans le but de de-terminer la resistence aux pertes du sang s'éloi-gne d'une saignée pratiquée à un malade».

Esta opinião foi, mais tarde, confirmada pelos próprios Dastre e Loye, attribuindo o mau êxito das suas tentativas á diminuição da resistência do animal, causada pela injecção.

Mas já antes das experiências de Dastre e Loye, se haviam feito experiências sobre animaes ; e, observações no homem, tinham demonstrado que as injecções salinas eram inoffensivas, que podiam ser supportadas em alta dose e renova-das frequentemente, sem accidentes perigosos.

Assim, em 4832 Latta, injectava nos seus cho-lericos mais de três litros d'uma só vez, e reno-vava esta injecção três a quatro vezes por dia, sem observar accidentes de perigo. Latta, porém, ser-via-se da sua solução que, como já dissemos não é verdadeiramente o que nós propuzemos chamar soro physiologico.

Com este resultado concordam ainda experiên-cias de Hayem e Schwartz.

No emtanto, o remoto conhecimento da resis-tência do organismo ás injecções em doses ma-cissas, não tinha levado ao emprego de tal meio

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therapeutico, senão para os casos d'hemorrhagias ou de collapso cholerico, mas nunca para os ca­ sos d'infecçoes. Desconheciam ao sôro outro pa­ pel que não fosse o papel mechanico d'augmen­ tar a massa sanguínea, sem a alterar; mas resta­ va uma outra funcção de não menor importância, revelada pela primeira vez nas experiências de Dastre e Loye sobre indivíduos physiologicos, e que diz respeito á eliminação de productos solú­ veis, indifférentes ou nocivos ao organismo, arras­ tados pelo sôro que se elimina sem trazer princí­ pios essenciaes ao organismo.

Isto nos obriga a confessar que de taes expe­ riências, nasceu verdadeiramente o emprego do sôro physiologico nas infecções.

Muito antes, porém, do apparecimento do sôro physiologico, já o methodo das injecções intrave­ nosas havia sido empregado nas septicemias e pyohemias, servindo o sangue de agente thera­ peutico, com bons resultados nas mãos de Kus­ ter; a ideia, no emtanto era devida a Luke.

Duret foi o primeiro que baseado nas expe­ riências de Dastre e Loye, se serviu do sôro phy­ siologico nas septicemias; desde então as obser­ vações têm­se multiplicado, não só nas septice­ mias e nas infecções mas ainda em todos os es­ tados mórbidos que se suppõe serem devidos ou entretidos pela accumulação de productos tóxi­ cos na economia.

■ • Isto mesmo se deduz das différentes commu­ nicações que passamos a transcrever:

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51

M. Pozzi relata á Sociedade de Cirurgia (ses-são de 19 de Dezembro de 1895) um caso de se-pticemia post-operatoria, curado com uma única injecção de 1:400 gram, de soro.

M. Michaux diz ter obtido resultados satisfa-ctorios em três casos de septicemia grave com 1:200 a 1:400 gram, de soro.

M. Peyrot cita dois casos de septicemia, nos

^ quaes recorreu com bom êxito ao soro

physio-logico.

M. Lejars refere um caso de péritonite cura-do por injecções de soro, repetidas vários dias successivos, na dose diária de 4:500 gram.

M. Delbet cita dois casos d'infecçao, nos quaes as injecções intravenosas deram bom resultado. M. Michaux, em sessão de 8 de Janeiro de 1896, na Sociedade de Cirurgia, refere 15 casos de septicemia peritoneal post-operatoria, nos quaes empregou e viu empregar o soro physiologico, com o resultado final de 5 curas.

M. Tuffier, em sessão de 16 de Maio de 1896, na Sociedade de Cirurgia, refere diversas obser-vações de septicemia peritoneal extremamente graves, felizmente modificadas pelas injecções de soro ; cita também dois casos de tétano, curados por este meio.

M. Barbier tem empregado com bom êxito as injecções de soro, quer por via hypodermica quer venosa, nos casos d'entérites infecciosas com hypothermia e enfraquecimento progressivo.

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in-jecções serem inactivas perante as lesões intes-tinaes, o estado geral melhorava sensivelmente, o que, sob o ponto de vista do prognostico, era muito importante.

M. Gibert empregou o soro em casos de dy-senteria rebeldes a todos os meios therapeuti-cos, e notou que elles cediam ante as injecções prolongadas e repetidas do soro.

Este resultado vinha concordar com o seu modo de encarar a causa da morte nos dysente-ricos ; Gibert attribuia a morte, o maior numero de vezes, ao abaixamento de pressão sanguínea; ora sendo o augmertto de pressão sanguínea um dos effeitos do soro, era racional pensar no seu emprego para taes casos.

M. Bavet refere um caso de pyelonephrite infecciosa tratado pelas injecções de soro, onde observou o seguinte : a) phenomenos geraes me-lhorados; b) augmento na quantidade das uri-nas ; c) diminuição considerável da albumina.

Eu mesmo tenho observado por diversas ve-zes os admiráveis resultados do soro empregado nas infecções; entre todos os que hei visto um, mais do que todos os outros, me surprehendeu : «Tratava-se d'uma mulher que havia soffrido uma hysterectomia vaginal total; ao terceiro dia da operação sobreveio-lhe uma péritonite septice-mica ; o seu estado era agonisante ; os olhos en-covados, face grippal, dentes fuliginosos, dyspnêa viva, dores intensas, pulso intermittente, ás vezes bigeminado, anciedade extrema, tudo emfim nos

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53

indicava um desenlace fatal; recorreu-se então ao soro physiologico que se chegou a injectar na dose diária de 150 grammas; e, não só os sympto-mas locaes se attenuavam consideravelmente, lo-go apóz a injecção, mas o estado geral melhorava a olhos vistos, a ponto de no fim de três dias, com grande surpreza nossa, irmos encontrar a doente completamente livre de perigo.»

A cura, com effeito, não se fez esperar. Em presença de factos d'esta natureza, (e muitos outros se conhecem, mesmo em casos de febre typhoide e de pneumonia) não admira que se criem partidários convictos das injecções de soro.

A verdade, porém, é que nem sempre os re-sultados são tão animadores; antes muitas vezes são absolutamente nullos, illusorios, e, conse-quentemente, a causa de que, a par dos sectá-rios convictos d'esta therapeutica, appareçam verdadeiros sépticos, inimigos fígadaes do soro physiologico.

Assim, vou referir um caso, por mim observa-do no hospital geral de Santo Antonio, que, como acima digo, está muito longe de ser próprio para crear adeptos do soro: «Tratava-se d'um homem robusto, que havia sido operado pelo facto d'um accidente de caminho de ferro, foi-lhe amputada uma perna direita e alguns dedos do pé esquerdo da outra ; antes porém da operação, em vista do seu estado geral estar um pouco deprimido, re-correu-se ao soro physiologico que, na verdade,

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o reanimou bastante. Terminada a operação o homem encontrava-se em estado regular ; mas dois dias depois as superíiceis d'amputaçao co-meçaram a suppurar em abundância, ao mesmo tempo que no pé esquerdo appareciam signaes evidentes de gangrena. N'esta occasião o seu fá-cies era característico de septicemico; o seu estado geral grave; havia indiferentismo, torpor, somno-lencia; a lingua coberta de saburra negra tinha o aspecto da lingua dos typhosos.»

Perdidas as esperanças de o salvar reccorreu-se entretanto ao soro physiologico, como único barco de salvação; mas, apezar do seu estado melhorar consideravelmente, logo apóz a primeira injecção intravenosa, aponto de nos dar esperan-ças; taes melhoras foram a ultima reviviscencia da luz que vae apagar-se, pois que 4 horas depois o seu estado de indifferentismo e prostração vol-tava e mantinha-se tenazmente, apezar de novas e repetidas injecções de soro serem feitas.

O barquinho salvador submergia-se—a morte sobreveio a breve trecho.

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I l l

Como actua o soro?

Infecções

Varias theorias têm sido emittidas a fim de explicar o modo d'acçao do soro nas infecções, mas todas peccam por serem exclusivistas. Assim n'uma primeira theoria, a qual poderemos dar o nome de Theoria hydraulica diz-se :

«A' elevação de tensão arterial e á diurese que d'abi resulta se deve o effeito benéfico das injecções de soro nas infecções; isto é o soro actua provocando pela diurese, a eliminação dos productos tóxicos accumulados na economia.»

Esta tbeoria é a que conta maior numero de partidários ; não obstante, porém, parecer muito lógica é todavia certo que casos se encontram inexplicáveis por meio d'ella: taes são, por exem-plo, aquelles em que o effeito benéfico precede

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a diurese, e outros em que, apezar da polyuria, os effeitos tóxicos não desapparecem. Ha mais ainda : com que direito attribuiremos nós a diu-rese exclusivamente ao augmente de pressão? Experiências de Roger e Heidenhain feitas sobre, coelhos, com auxilio de matérias corantes, leva-ram-o á conclusão de que a diurese não é devi-da unicamente á acção mèchanica do soro (au-« gmento de pressão) mas ainda a que o soro ex-cita os elementos glandulares, augmentando-lhe a sua actividade.

«Uma outra hypothèse pretende que os effei-tos benéficos do soro são devidos a que este aug-menta a resistência vital do organismo collocan-do-o em mais vantajosas condições de defeza con-tra a infecção.» Esta theoria tem o inconveniente de nada explicar, pois que, attribuir ao soro uma funeção sem nos explicar por que processo e á custa de que elementos ou propriedades ella se réalisa é dizer alguma coisa para não estar cala-do, mas nunca dar uma explicação scientifica.

Uma nova hypothèse diz-nos o seguinte: «O soro actua estimulando os órgãos hemato-poieticos.» ïal hypothèse nunca foi verificada, pelo menos que me conste.

Theoria d'Hay em : — Iíayem compara a acção

do soro physiologico, á de todos os outros soros empregados nas diversas doenças infecciosas; as-sim diz elle: «taes soros possuem propriedades geraes, mais ou menos pronunciadas, mas todas

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análogas, chamadas, por abuso de linguagem, propriedades toxicas. A acção denominada toxica exerce-se em primeiro logar, e talvez com uma certa eleição, sobre o sangue, e. por meio d'esté, sobre, todos os elementos anatómicos. Podemos pois perguntar se os diversos processos therapeu-ticos por meio dos quaes conseguimos suscitar modificações, mais ou menos profundas, do san-gue não têm propriedades até certo ponto análo-gas ás do soro.

De todos estes processos, o das injecções sa-linas intravenosas é, com certeza o mais activo.

Como já dissemos, parece-nos qae nenhuma d'estas hypotheses satisfaz; talvez que, se reu-nirmos n'uma só theoria o que em cada umad'el-las ha de mais rasoavel, consigamos approximar-nos um pouco mais da verdade. Não temos, é claro, a pretenção de satisfazer, mas simplesmente a de adiantar um pequenino passo no caminho das hypotheses que se propõem explicar o modo d'acçao do soro physiologico nas infecções.

Assim, que duvida haverá em admittir que o soro tem uma acção complexa: actuando não só pela diurese, que provoca, augmentando a pressão sanguínea e excitando a actividade dos elementos glandulares, restabelecendo, ipso facto, perturba-ções circulatórias que muitas vezes são a causa próxima da morte nas infecções; mas ainda: fa-vorecendo as trocas nutritivas (augmentando d'es-té modo a resistência vital), e modificando os

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pro-duetos tóxicos em ordem a tornal-os solúveis e, por conseguinte, mais facilmente elimináveis?

Sei bem que esta theoria não conseguirá satis-fazer; nem a tanto aspiramos, (já o havíamos dito). Porém, se é certo que nenhuma das hypotheses, que deixo expostas, explica cabalmente o modo como actua o soro nas infecções; é também cer-to que não podemos pôr em duvida os effeicer-tos therapeuticos, por vezes snrprebendentes, do soro em taes estados mórbidos.

Actuará o soro do mesmo modo em todas as infecções ?

Não. As experiências têm demonstrado que é principalmente nas infecções peritoneaes traumá-ticas ou post-operatorias, que as injecções de soro dão mais seguros resultados; já as septicemias puerperaes são mais rebeldes, mas, ainda n'estas, não deixam as injecções de soro physiologico, de beneficiar, como de resto beneficiam todo e qual-quer estado infeccioso.

Para podermos apreciar os effeitos benéficos do soro, não basta uma injecção única, embora abundante ; é preciso fazer, como aconselha M. Lejars, injecções abundantes e muitas vezes re-petidas. D'esté modo os effeitos serão mais frisan-tes e mais promptos sobre todos os apparelhos da economia; assim se observarão modificações circulatórias, respiratórias, thermogenicas, secre-torias ; finalmente ao quadro depressivo, ao aspe-cto geral desanimador, succédera um quadro de

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reacção franca, um aspecto geral animador, que se traduz pela regularidade do pulso e auginento de pressão sanguínea, pela regularidade dos mo-vimentos respiratórios, pelo abaixamento de tem-peratura, pela desapparição do indifferentismo, volta da consciência, emfim um verdadeiro resur-gir, embora este resurgir seja muitas vezes illu-sorio, como já dissemos ao referirmo-nos aos se-ctários e inimigos do soro pbysiologico.

E porque citei Lejars, não posso deixar de re-ferir-me ao seu modo de encarar este assumpto; assim, diz elle: «as injecções de soro artificial em doses massiças são innoffensivas; e, mesmo em casos desesperados, quando nos é manifestamen-te impossível obmanifestamen-ter a cura, não devemos pôr de parte o soro, pois que com elle conseguimos, pelo menos, retardar a morte e suavisar notavelmente a agonia.

Cholera

Não queremos entrar aqui n'uma descripção clinica do cholera, mas simplesmente apresentar, d'entre as perturbações da economia por elle pro-duzidas, aquellas que podiam fazer surgir a ideia das applicações medicamentosas por via intra-ve-nosa nos casos d'infecçao cholerica, e entre as quaes, occupa hoje a vanguarda, o soro physiolo-gico.

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ïaes perturbações reduzem-se a dois grupos mais importantes, sob o nosso ponto de vista:

a) Perturbações circulatórias—que começam a

manifestar-se logo desde o principio da infecção, mas que attingem o seu máximo de intensidade quando as perturbações, gastro-intestinaes o al-cançam também ; isto é, á medida que as dejecções se vão tornando mais abundantes, as perturba-ções circulatórias tornam-se mais accentuadas. Estas perturbações traduzem-se pelo seguinte : retardaçào da circulação, estagnação capillar, d'on-de resultam grand'on-des difficuldad'on-des d'hématose e consequente coloração azul dos tegumentos. Esta estase propaga-se pouco a pouco aos grandes va-sos, arrasta comsigo um enfraquecimento progres-sivo do pulso radial, que chega a tornar-se imper-ceptível ; e, em certos casos d'algidez, o pulso só pôde perceber-se nos grandes troncos como as carótidas, as femoraes, e t c . . .

A marcha do sangue, encontra-se tão difficul-tada nos vasos de medio e pequeno calibre, que podemos, por vezes, fazer a phlebotomia e a ar-teriotomia sem hemorrhagia ; isto mesmo está em harmonia com a ausência do pulso a que nos ha-vemos referido.

Em geral estes symptomas são acompanhados de perturbações respiratórias e intestinaes,,de in-tensidade proporcional á d'aquellas; mas occa-siões ha em que as perturbações circulatórias predominam. Em relação proporcional com estas,

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notam-se perturbações de caloriíícação e hema-tqse.

b) Perturbações

gastro-intestinaes:—traduzem-se por caimbras d'estomago muito dolorosas, vó-mitos aquosos, incessantemente repetidos ; por dejecções primeiro fecaloides, mais tarde biliosas e serosas, que em breve perdem o cheiro fecaloi-de e são constituídas por um liquido aquoso, in-color, contendo em suspensão detrictos epithe-liaes e diversos micróbios.

Ora da somma d'estes dois dados, perturba-ções circulatórias e digestivas, resalta evidente-mente a impossibilidade d'applicar medicamentos, quer por via estomacal e rectal, quer por via by^ podermica; e, estas conclusões que apresenta-mos á priori, tiram-se, á posteriori, das experiên-cias de Dechaussoy, que demonstraram: que no pe-ríodo d'algidez os doentes perdem á faculdade de absorver medicamentos pela mucosa digestiva e vesical, bem como pela via hypodermica.

Caqui foi realmente que nasceu, no cérebro illustrado d'Herman, a ideia d'applicar medica-mentos em injecções intra-venosas, ideia que foi posta em pratica a primeira vez por Joeniken de Moscow, durante a grande epidemia cholerica de 1830.

Serviu-se este sábio de agua levemente acidu-tada com acido acético, na sua primeira experiên-cia, que foi coroada de bom êxito.

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Seguiram-lhe as pisadas, Magendie na França e Latta na Escossia.

Este methodo therapeutico foi mais tarde jus-tificado por Hayem, durante a epidemia de 1884, do modo seguinte : <fA lesão intestinal é o ponto de partida d'um processo complexo no qual a al-teração do sangue e dos elementos anatómicos representa um papel muito importante ; a vida en-contra-se ameaçada d'uma maneira immediata pela suspensão de todas as grandes funcções; e, mais tarde, sêl-o-ha mais seriamente ainda, quando o sangue, viciado por diversos modos, se encon-tre em contacto com os elementos anatómicos já modificados pelo facto da deshydratação geral.

Desde que o sangue, engrossado, é retardado no seu curso, a alteração que o ameaça acentua-se rapidamente; outro tanto acontece com as mo-dificações que têm por sede os elementos anató-micos.

Importa pois, sob o ponto de vista therapeu-tico, que tal estado desappareça o mais breve possível; as injecções intra-venosas preenchem a indicação therapeutica. Elias elevam a tensão san-guinea permittindo assim ao sangue retomar o seu curso e hematosar-se ; ellas restituem aos te-cidos a agua que perderam, despertando assim funcções importantes; elias regularisam a distri-buição do calórico, e finalmente, modificando a circulação abdominal, podem ter uma influen-cia favorável sobre a marcha das lesões

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naes, ponto de partida de todo o processo mór-bido.»

As soluções salinas variaram com os diversos auctores, prevalecendo sobre todas a solução que Hayem empregou na epidemia de 1884, e que ape-nas diffère do soro physiologico em ter mais sul-fato de soda; este sal era empregado por Hayem a titulo de constipante do sangue, propriedade esta cujo conhecimento se deve a Rabuteau.

Os resultados obtidos nos casos de infecção cholerica tem sido surprehendentes, como se de-preliende das estatísticas.

Em seguida á applicação do soro, todos os symptomas se modificam, e de tal modo, que po-demos dizer que assistimos a uma verdadeira res-surreição. Não é raro observar-se, durante a in-jecção ou logo apóz ella, um calefrio indicando-nos o inicio da reacção ; em breve desapparece o col-lapso, a córnea perde o aspecto vitreo e humede-ce-se, o pulso reapparece, a respiração torna-se regular ao mesmo tempo que a temperatura.

E' no choiera e, como veremos, nas hemor-rhagias que as injecções de soro têm dado me-lhores resultados; sem embargo, d'estes estados mórbidos muitos casos apparecem que resistem a todos os meios de tratamento. Devemos tomar em linha de conta que muitas vezes o desenlace fa-tal provém de que a intervenção foi tardia, ou de que as injecções foram em dose insufficiente, ou das duas faltas ao mesmo tempo.

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empre-gar soro em abundância e fazer o máximo possí-vel porque a intervenção tenha logar antes do apparecimento do collapso; d'outro modo será um erro attribuir á inefficacia do soro um certo numero de casos fataes.

Na epidemia de 4884 Haye m obteve 25 % de curas; apenas nos alcoólicos, nos deprimidos pela miséria, e nos que se encontravam em estado d'algidez profunda, Haye m deixou d'obter resul-tados felizes.

Latta conta ter salvo 2,5 dos casos que tra-tou.

Lewins 5/15; e Anverson 3/15.

Na epidemia de 1892 o resultado foi ainda mais animador.

Hemorragias

Foram as experiências de Schwartz que, pondo em relevo a acção das soluções salinas sobre a circulação, constituíram o ponto de partida da applicação do soro nas hemorragias. Já antes de Schwartz haviam sido feitas varias experiências sobre a mesma questão; taes foram as de Lafont, Kroneker, Sander e outros, mas a ideia de fa-zer applicações de soro nas hemorragias nasceu das que primeiro citamos, e que passo a expor:

Schwartz operava sobre coelhos, servindo-se de soluções de chloreto de sódio a 6/1000, acl-dicionados de algumas gottas de soda cáustica.

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N'uma primeira serie d'experiencias Schwartz injectava uma quantidade de soro equivalente á metade da massa sanguínea, sem ter feito sangria previa; a injecção durava três a quatro minutos. O resultado foi o seguinte: não havia pertur-bações geraes consecutivas á injecção que indi-cassem estado de soffrimento; quando muito no-tava-se apparição d'uma leve dyspnea, de curta duração; o exame das urinas nada revelava de anormal; o exame do sangue nada apresentava que podesse lembrar uma coagulação ou uma solução; mas a reação geral, a elevação thermica e o augmento do numero de pulsações conser-vavam-se durante uma hora.

N'uma segunda serie, Schwartz extrahia, por sangria previa, 1/3 ou 1/2 da massa total do san-gue, injectando em seguida uma quantidade de soro egual á do sangue extrahido. O resultado foi notar que os phenomenos depressivos devidos á sangria desappareciam rapidamente, sendo subs-tituídos por symptomas de reacção geral que se traduziam pela regularisação da circulação e da respiração e, como consequência, por uma ele-vação thermica.

N'uma terceira serie, observou que, apóz uma hemorragia grave, mesmo quando o pulso das grandes artérias tenha desapparecido, podemos, com o auxilio de injecções intravenosas de soro, reanimar o animal.

N'uma quarta serie Schwartz chega á conclu-são de que o coelho pôde viver com 1/3 do seu

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sàngué, coiïi tanto que se lhe tenha injectado soro em quantidade proporcional ao sangue que falta. A questão toda, por conseguinte, está em avaliar, com a maior approximação, qual a quan-tidade de sangue perdido, o que, as mais das ve-zes, se torna impossível ao clinico; em todo o caso a symptomatologia, dando-nos indicações, valiosas sobre a gravidade da hemorrhagia, diz-nos até certo ponto, embora d'uni modo indirecto, qual a quantidade de sangue que se perdeu. As-sim, pois, sempre que nos encontremos em face d'um individuo que acabou de soffrer uma hemor-rhagia, deve ser o nosso primeiro cuidado o inves-tigar os symptomas que elle apresenta. Ora, so-bre este ponto, nada melhor do que o que diz Hayem poderia eu dizer; resumirei pois em algu-mas palavras o que me parece mais importante da memoria do illustre sábio sobre este assumpto.

Symptomatologia das hemorrhagias graves. —

Variável com o periodo em que observamos o doente, podemos descrevel-a do modo seguinte :

«Depois d'um curto periodo d'excitaçao sobrevem um estado semi-syncopal; isto é, o individuo per-manece inerte, indifférente, com os olhos semi-cerrados e os maxillares contracturados ; n'este periodo nota-se : um abaixamento de pressão san-guínea e um enfraquecimento das pulsações do coração, a perda do reflexo cutâneo facial com in-tegridade do reflexo da córnea. N'um periodo mais avançado veriflca-se a perda do reflexo lingual, e

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com este signal mánifestam-se as primeiras con-vulsões geraes ; o reflexo ocular desapparece e as pupillas dilatam-se enormemente.

Por vezes, o reflexo da córnea é completamen-te abolido, quando sobrevem o primeiro movi-mento respiratório automático. A respiração é, nas grandes hemorrbagias, a primeira funcção que* cessa, muito embora, de todos os centros ence-phalicos, sejam os centros respiratórios os últi-mos a morrer.

As perturbações cardíacas manifestam-se'por alterações, na frequência das pulsações, consti-tuídas por alternativas de tachycardia e brady-cardia, pela ordem seguinte: primeiro, em virtu-de do abaixamento virtu-de pressão sanguínea, nota-se uma acceleração das contracções cardíacas, ten-dentes a regularisar a pressão ; em segundo lo-gar, restabelecida a pressão, sobrevem uma pha-se de brachycardia; mas, pha-se a hemorrhagia conti-nua, a pressão baixa de novo, trazendo como con-sequência uma nova acceleração seguida d'uma nova phase de retardação mais pronunciada do que a primeira; estes phenomenos repetem-se al-ternadamente até ao momento em que uma re-tardação excessivamente pronunciada annuncia a agonia cardíaca, precursora da paragem do cora-ção. Esta paragem coincide com a desapparição do reflexo ocular. Na morte por hemorrhagia, a anemia progressiva produz a paralysia dos cen-tros encephalo-bulbares ; a maior parte d'estes

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centros são excitados antes de serem paralysa-dos, como succède na morte por asphyxia.

Desde o momento que haja suppressão da respiração, abolição do reflexo ocular, paralysia vaso-motora e paragem do coração, se é verdade que o soro de nada vale, outro tanto acontece á

transfusão sanguinea.

A successão d'estes phenomenos é por vezes tão rápida que se nos torna impossível determi-nar se a paralysia do coração é d'origem peripheri-ca ou central ; isto é, se foi o coração que deter-minou a morte dos centros, ou se foi a paralysia dos centros encephalicos e vaso-motores a causa da paragem definitiva do coração. As experiên-cias têm demonstrado que o coração pôde conti-nuar a trabalhar regularmente ainda quando as suas connexões com os outros centros nervosos sejam supprimidas, contanto que a elle continue a affluir sangue oxygenado; por conseguinte, durante um certo tempo, o coração pode dispensar a ac-ção dos centros superiores para o desempenho regular da sua funcção.

Na morte por hemorragia a paragem definitiva do coração é devida á anemia dos ganglios intra-cardiacs, e a falta de bom êxito da transfusão é o resultado do esgotamento paralytico completo d'estes ganglios. O tempo necessário para que os centros intra-cardiacos percam a propriedade de se reanimarem pela chegada do sangue oxygena-do, é extremamente curto ; este importante facto

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foi nitidamente estabelecido por experiências nas quaes a transfusão, sendo operada um minuto depois da paragem do coração, não deu resulta-dos. Podemos portanto affirmar que, emquanto os centros intra-cardiacos conservarem a proprie-dade de se reanimarem pela chegada do sangue oxygenado, a transfusão dá resultado.

Além dos symptomas já referidos, temos ainda outros ; a pallidez mais ou menos intensa dos te-gumentos, o abaixamento da temperatura e o res-friamento das extremidades são outros tantos sym-ptomas que indicam muito.

Sob o ponto de vista d'intensidade uma he-morragia única, mas intensa, pôde causar a mor-te ; o mesmo resultado pôde provir de hemorra-gias pequenas, mas múltiplas e muitas vezes re-petidas. Factos d'hemorragias immediatamente mortaes são muito raros; as mesmas hemorragias consideráveis não matam de repente, mas dão origem a um estado d'anemia que pôde tornar-se mortal pelo facto d'uma nova hemorragia, quando já de per si não é bastante para produzir a morte.

Se as hemorragias variam na sua intensidade, não variam menos na sua etiologia, tantas vezes sujeita a simples hypotheses; todavia é habitual dividir as hemorragias quanto á sua causa em:

Hemorragias por lesão traumatica ou ulcera-ção vascular;

Hemorragias por augmento de tensão arterial ou venosa ;

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Hemorragias dyscrasicas, ou por alteração do sangue).

Em quanto á sede as hemorragias podem ter logar em qualquer ponto da economia onde haja vasos; mas, quando tem por sede certas regiões ou órgãos, tomam nomes especiaes independen-temente da causa: tâes são os nomes de epista-xis, hemoptyse, hematmese, metrorragia, etc.

Qualquer que seja, porém, a sede da hemor-ragia, as injecções intravenosas de soro physiolo-gico estão indicadas ; quanto ao resultado a espe-rar será mais ou menos satisfatório, segundo a causa productora da hemorragia.

Até que ponto poderemos nós confiar no re-sultado curativo do soro applicado ás hemorragias graves?... certamente que, em presença d'uma hemorragia com convulsões tetânicas, do soro nada ha a esperar; mas, segundo Hayem, a trans-fusão do sangue humano ainda pôde salvar o doente, porque o sangue, diz o mesmo auctor, é o estimulante physiologico do coração; podere-mos, por meio do soro, augmentar a tensão arte-rial, mas o effeito será de curta duração. Ora se isto é verdade, não é menos certo que Roussel obteve bons resultados do emprego do soro, mes-mo em casos desesperados. Entretanto deve ser nos casos d'hemorragias graves, que não põem a vida do doente em perigo immediate, que os re-sultados mais satisfarão.

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sumpto em questão : «Uma hemorragia pôde ser mortal apezar de no apparelho circulatório haver uma quantidade d'hematias sufficiente para a con-servação da vida; porém, é tão diminuta a massa de sangue, desceu tanto a tensão vascular que o coração, contrahindo-se em vão, torna-se impoten-te para manimpoten-ter em giro o sangue restanimpoten-te.

A morte não é devida á diminuição da massa globular, mas sim á impossibilidade mechanica da circulação. Ajuntando á massa globular, que ten-ta immobilisar-se, uma certen-ta quantidade de liqui-do que não altere as hematias restantes, a circu-lação restabelece-se, o coração readquire o seu poder funccional, a pressão sanguínea augmenta, e, consequentemente, a vida não se extingue. Tal transformação tem apenas uma acção hydraulica, pois não fornece qualquer elemento novo.»

D'onde, é lógico concluir que, nos casos d'he-morragia grave, a morte é devida, maior numero de vezes, ás perturbações profundas que se pas-sam nas condições mechanicas da circulação, e que devem attribuir-se á falta d'uma massa liqui-da sufficiente que sirva de ponto d'appoio á con-tracção cardíaca, do que á diminuição do numero de glóbulos rubros.

Na maior parte dos casos, a quantidade de sangue e d'hematias é sufficiente para satisfazer as exigências da hematose. Schwartz demonstrou-nos, nas suas experiências sobre coelhos, como actuam, em taes casos, as injecções intravenosas.

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Vejamos como ellas actuam no homem, e que re-sultados se observam.

No homem, as injecções intravenosas de soro physiologico actuam de dois modos :

1.°)—Restituindo ao organismo uma massa li-quida egual á massa de sangue perdido, a injecção intravenosa vae augmentar a pressão sanguínea, activar a circulação, excitar os centros cerebraes e intra-cardiacos na medida necessária para a ma-nutenção da vida.

2.°)—Augmentando a coagulabilidade do san-gue estagnante, como o affirma Hayem, o soro vae actuar como um hemostatico.

Mas o principal papel das injecções intraveno-sas de soro é elevar a pressão sanguínea. Se a hemorragia não é muito abundante, observa-se logo depois da injecção, e ás vezes mesmo du-rante ella, que a intensidade do pulso, ha pouco ainda quasi nulla, augmenta progressivamente de um modo sensível. Simultaneamente verificamos que as pulsações cardíacas se regularisam, que a respiração se faz melhor, que as extremidas, pou-co antes quasi frias, se reaquecem, que á pelle volta a cor, que o rosto se reanima ao mesmo tempo que os olhos recuperam o brilho perdido. Se a hemorragia é de media intensidade, uma só injecção pôde produzir este resultado, e este pôde persistir; mas se a perda sanguínea foi gran-de, se o individuo já de si estava fraco, e se a he-morragia teve por causa um traumatismo

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to, o prognostico deve ser muito reservado. E, apezar de tudo, ainda n'estes casos os resultados são admiráveis; assim, logo apóz a primeira injec-ção, o doente parece reviver, as melhoras presis-tem durante horas, mas para em breve nos de-senganarem. Effectivamente, passadas essas pou-cas horas, o pulso que se havia mantido tenso cahe, o doente empalidece, a syncope é immi-nente.

Devemos recorrer de novo ás injecções intra-venosas, tantas vezes, quantas sejam reclamadas pelo estado do doente; e, n'esta luta entre a vida e a morte, muitas vezes o triumpho é completo.

E' ainda ás injecções de soro que devemos re-correr todas as vezes que, em presença d'uma hemorragia grave, não possamos fazer a transfu-sar sanguínea. Gomo effeito, o resultado das in-jecções n'estas circumstancias traduzem-se por uma reacção favorável, muito embora, na maior parte dos casos, tal reacção seja pouco duradou-ra; assim, o doente que se encontra frio, pallido, com o olhar embaciado, o pulso imperceptível, indifférente a tudo, parece reviver, logo que se lhe applique a injecção: esta ressurreição é, toda-via, fugaz,, e a breve trecho cede o passo a um novo estado de prostração e indifferentismo com-pleto que persiste, resistindo tenazmente a novas injecções, até á morte. Portanto, se n'estes casos graves o soro não consegue salvar, consegue pelo menos retardar a morte.

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Acção hemosiatica do- soro:—A Hayem cabe a

honra de ter descoberto esta importante proprie-dade do soro physiologico; impressionado pelos resultados obtidos com a transfusão sanguínea n'ura caso d'epistaxis, rebelde a todos os meios de tratamento, Hayem, procurando explicar a ac-ção hemostatica da transfusão, chega á conclu-são seguinte: «O bom resultado obtido não foi de-vido a que o sangue augmentou em riqueza glo-bular, mas antes ao facto de ter soffrido uma mo-dificação brusca na sua coagulabilidade e conse-quentemente á formação de coágulos obturado-res.

Emprehendeu então, Hayem, experiências com o soro physiologico, com o mesmo fim hemosta-tico, que o levaram a concluir pela superioridade da acção hemostatica do soro sobre a do sangue. Embora esta propriedade do soro pareça estar em contradicção com uma outra propriedade que já citamos e que se refere ao augmento de pres-são sanguínea, somos entretanto obrigados a ad-mittil-a pelas numerosas observações que se con-tam, bem averiguadas. Como explicar então a acção hemostatica do soro sem repudiarmos o seu poder de augmentar a pressão sanguínea que é um dos effeitos immédiates, o mais frisante tal-vez? De duas, uma: ou não explicamos e aceita-mos sem discussão; ou servir-nos-heaceita-mos da tbeo-ria de Hayem sobre a acção hemostatica do san-gue na transfusão tanto mais que nós sabemos

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que o chloreto de sódio em excesso precipita a fibrinogene das suas soluções.

Além de Hayem, também M. Deibet fez expe-riências sobre este assumpto, sendo levado a con^ clusões idênticas. O conhecimento d'esta nova propriedade veio ampliar enormemente o campo das applicações therapeuticas do soro. Será lógi-co relógi-correr a elle em todos os casos d'hemorra-gia que, pela séde d'esta, sejam inaccessiveis aos nossos meios d'intervençao directa; e assim é que elle tem sido applicado com bom êxito em casos de hematmeses, hemoptises e metrorragias.

Taes foram os casos de M. Richardière e de M. Maygrier, que curaram: o primeiro uma he-moptise rebelde a todo o tratamento ; o segundo uma metrorragia. Depois d'estas têm sido publi-cadas observações idênticas, e em tão grande numero que julgo desnecessário referir, que provam bem o grande alcance da descoberta de Hayem.

Applicações diversas do soro physiologico

Poucos são os estados mórbidos que, reco-nhecendo por causa a accumulação de productos tóxicos na economia, não tenham sido submetti-dos ao tratamento pelo soro physiologico. Assim Thommazoli, professor de Dermatologia na

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culdade de medicina de Palermo, submettendo vinte indivíduos, attacados de doenças cutâneas diversas, ao tratamento pelas injecções de soro artificial, que, como sabemos, tem uma acção extimulante sobre todas as secreções e excre-ções além d'augmentar a resistência vital, obte-ve effeitos therapeuticos diobte-versos segundo os doentes. Nos doentes attacados de Mycosis, Pem-phigus végétante, Lupus, Prurido diathesico e n'alguns attacados de Eczema, os resultados, obtidos pela applicação do sôro, foram nullos. Pelo contrario, o sôro teve acção curativa em dois casos d'Eczéma chronico diffuso e symetri-co, n'um caso de Prurido ano-genital que datava de 30 annos, e n'um caso de Lichen pruriginoso. Estes factos, e mais alguns outros que eu po-deria citar, provam claramente que se as injec-ções de sôro são impotentes contra certas der-matoses, não deixam de dar resultados satisfa-ctorios em outras; se por outro lado recordar-mos que taes injecções são innocentes, nada contra-indica o seu emprego em toda e qualquer dermatose.

Melhor seria, é claro, distinguir entre todas as dermatoses quaes as que são passivas do tra-tamento pelo sôro; mas, o facto de não possuir-mos ainda taes conhecimentos, só pôde muitas vezes levar-nos a decepções, fazer-nos lamentar o tempo e trabalho perdidos inutilmente, pôde também, como aconteceu a Thommazoli, dar-nos, entre esses pezares, o prazer de, urna ou

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outra vez, vermos os nossos exforços coroados do melhor êxito.

O coma diabético é outra affecção que tem si-do submettida ao tratamento pelo soro physiolo-gico. Milton Fagge foi o primeiro que empregou este tratamento, mas não se servia do soro phy-siologico ordinário; a sua formula continha, além do chloreto de sódio, phosphato de cal.

Outro que fez uso do soro physiologico addi-cionado de bi-carbonato de soda, foi Stadelman ; baseava-se este auctor na hypothèse de que o coma diabético é devido á intoxicação pelo acido oxy-butyrico, e, em tal hypothèse era racional em-pregar uma solução que fosse neutralisât- o acido. Este auctor só obteve bons resultados nos casos em que, antes da apparição do coma, elle havia ministrado grandes doses de bi-carbonato de soda pela via digestiva.

Ainda n'este mesmo estado mórbido, M. Lepi-ne, que em 1896 affirm ou nunca ter obtido resul-tados, fez recentemente uma communicação na qual diz tel-os obtido magníficos, empregando in-jecções de soro durante o coma, e bi-carbonato de soda, por via digestiva, antes do coma se ma-nifestar. Lepine diz mais: «quando fazia injecções antes do apparecimento do coma, obtinha ainda melhores resultados como foi o evitar que elle se produzisse.

Nos envenenamentos tem sido empregado egualmente o sôro; a hypothèse que serviu de ponto de partida á sua applicação foi a seguinte :

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«A maior parte dos venenos são dissolvidos no sangue antes de penetrarem nos tecidos onde vão provocar desordens capazes de causar a morte ; sendo assim era natural pensar nas grandes lava-gens do sangue, com o fim de diminuir a quanti-dade de veneno n'elie existente, e evitar ou atte-nuar a sua diffusão nos tecidos.»

Esta hypothèse foi confirmada por algumas ex-periências feitas sobre animaes, aos quaes se administrou strychnina, e nos quaes o: soro dera

resultados sempre que foi applicado antes de se manifestarem os accidentes nervosos.

M. Delbet confirmou mais tarde estas expe-riências, obtendo por este meio uma cura n'um caso d'intoxicaçao strychnica.

Outro tanto diremos a respeito de alguns ca-sos d'intoxicaçao pelo oxydo de carbone, curados pelo mesmo agente therapeutico.

Mais recentemente ainda, M. Bavet, tendo re-corrido ás injecções de soro n'um caso de pye-lite, mais tarde transformada em pyelo-nephrite, obteve melhoras consideráveis, traduzidas por au-gmento na quantidade da urina, diminuição na quantidade de albumina, attenuação grande dos symptomas geraes.

Podia citar muitos outros estados mórbidos nos quaes se têm empregado, com mais ou menos vantagem, o soro physiologico; não o faço porém, limitando-me a citar o choque traumático por ser este um estado mórbido no qual, mais talvez que em nenhum outro, o soro se tem revelado

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d'uma extraordinária efficacia; d'um effeito admi-rável.

Qoa^a-iiidicaçõjes das injecções intravenosas

Em rigor, d'um modo geral, não ha contra-in-dicações ás applicações do soro, no que respeita, pprèni á vja d'applicaçao deve haver algumas re-sjppvàs.

Consideravam-se como contra-indicações das injecções, intravenosas de soro, não só as lesões reqáes,, mas ainda, as lesões cadjacas; ora, pelo que se refere ás primeiras, não nos parece rasoa-vel admittil-às como contra-indicações, porque: 1.°) O sôrp tem d^dp resultados vantajosos em casos de íesçíes r.enaes graves, como são a pyelite sup-purada e a pyeío-nephrite; 2.°) — estando demons-trado q^e a eliminação do soro se pôde fazer pe-las vias gastro-intestínal, salivar e pulmonar, não devemos temer que o sôro se accumule no orga-nismo, infiltrando os diversos tecidos, pois que estas vias d/eliminação supprem a via renal.

Quanto ás lesões cardio-vasculares já não demos dizer outro tanto ; em todo o caso não po-demos admittil-as como çontra-indicação absoluta. Assim, ha casos em que realmente devemos evi-tal-as, como são cortas doenças que reclamam a applicação do sôro, mas em que o doente é

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por-tador d'uma lesão cardíaca tão avançada que o coração já manifesta signaes de insufficiencia; é claro que fazer em tal doente um injecção intra-venosa é augmentar as difficuldades com que já lutava o coração, é sobrecarregal-o, é finalmente provocar mais rapidamente a asystolia ou a syn-cope.

A'parte os casos que se apresentam nas con-dições acima expostas, nenhum outro, de lesões cardio-vasculares, é contra-indicação absoluta do emprego das injecções intra-venosas; todavia, se uma vez por outra nos atromentarem receios, aliás muitas vezes justificáveis, teremos o recurso das injecções hypodermicas, que é, a final de contas, um dos mais valiosos da therapeutica mo-derna.

Passando ás doenças cardio-vasculares gene-ralisadas, offerece-se-nos, como contra-indicação formal d'applicaçao intravenosa do soro, o athe-roma generalisado que é, por assim dizer, uma distrophia cardio-vascular generalisada, a perda de elasticidade dos vasos pela desapparição das suas fibras musculares.

N'estas condições, o tonus vascular enorme-mente diminuído, a resistência vascular muito en-fraquecida, expoem-nos a exceder o limite d'esta tonicidade e provocar, isso facto, effusões san-guíneas visceraes que vêm ensombrar demasia-damente o prognostico da doença, já de si assaz grave.

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Podemos recorrer á via hypodermica, mas, ainda assim com extrema prudência.

Nas affecções hepáticas ha casos de emprego de soro com bons resultados, como são os casos d'ictericia infecciosa; em compensação ha casos de congestões agudas peri-tuberculosas provoca-das pela applicação intra-venosa do soro.

Em regra geral, e resumindo, podemos con-cluir: w) Sempre que se trate de affecções cuja lesão anatomo-pathologica seja superficial, deve-mos empregar o soro; 6) sempre que taes lesões se tenham tornado profundas, podemos erapre-gal-o, mas com extrema reserva.

8.° Doenças do apparelho digestivo, influencia da idade e da prenhez, não estão ainda formula-das regras que indiquem ou regeitem a applica-ção do soro, devendo nós, por conseguinte, usar da maxima prudência em casos taes.

Teehniea das injecções

Injecções hypodermicas : — Emprega-se um

ap-parelho composto dos seguintes elementos : «Um vaso de vidro graduado (um frasco de Potain, por ex:) obturado por uma rolha de cautchu que é atravessada por dois tubos, exteriormente curvos em angulo recto; um d'estes tubos excede o ni-vel livre do liquido, quando se volta o frasco, e serve para manter a pressão constante dentro do

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frasco, dando entrada ao ar, ao passo que o liqui-do vae descenliqui-do ; o outro tubo apenas excede o collo do frasco, e serve para dar escoamento ao liquido. Este ultimo tubo está em communicação com um tubo de cautchu, á extremidade do qual se adapta um tubo rectilíneo de vidro, ligado a seu turno a um segundo tubo de cautchu tendo na extremidade livre uma agulha ou cânula numero dois do apparelho de Potain. Este tubo de vidro intercalado entre os dois tubos de cau-tchu serve para dois fins: 1.°) para verificar a limpidez do liquido, 2.°) para nos certificarmos de que o ar está completamente expulso.

Todas as partes do apparelho devem ser rigo-rosamente desinfectadas, quer na estufa, quer por ebullieão ; a solução deve ser aquecida a

banho-maria a uma temperatura de 40°.

Feito isto, toma-se a solução, que se deita no frasco sem o encher por completo ; obtura-se o frasco e volta-se, de modo que o ar, n'elle existen-te, passe para o fundo do vaso—agora parte supe-rior do apparelho. O nivel livre do liquido não de-ve exceder, como já dissemos, a extremidade do tubo longo que, estabelecendo communicação en-tre o ar exterior e o espaço situado acima do ni-vel livre do liquido, faz com que este fique á pres-são athmospherica.

Desde este momento, deixa se escoar algum liquido até que elle saia quente, o que tem ao mesmo tempo a vantagem de lavar o tubo ; obti-do este resultaobti-do introduz-se a agulha no teciobti-do

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cellular da região escolhida, que já deve estar convenientemente lavada e desinfectada, e deixa­ se correr o liquido.

Devemos evitar que a agulha fique no tecido cellulo­adiposo sub­cutaneo, porque este, deixan­ do­se distender difficilmente, torna a injecção muito demorada dando simultaneamente origem a um accidente, bossa liquida, de que em breve fallaremos.

Não devemos injectar mais de 800 gram, de soro no mesmo logar e de uma só vez ; egualmen­ te devemos reparar que a velocidade não exceda a 800 gram, por cada 15 minutos, sob pena de provocarmos accidentes que uma velocidade maior

arrasta sempre.

Região a escolher .■ — 'Não ha região de eleição

para praticar as injecções de soro, todavia as mais preferidas são: a nádega, o flanco, a região esca­

pular, e a região supra­mammaria.

Accidentes e modo de os evitar : — Os acciden­

tes que mais frequentemente se observam quan­ do a velocidade da injecção excede o limite que deixamos mencionado, são a dor e os descolla­ mentos, que podemos evitar retardando mais a marcha do liquido. Todas as vezes que se forme a bossa liquida deveremos applicar, sobre a região onde se fez a injecção, compressas seccas aque­ cidas á temperatura de 40°, que facilitam a absor­

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