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LURIA, A. R. Fundamentos de Neuropsicologia

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O F E R T A

DO

E D I T O R

Fundamentos

de

(3)

O bra publicada com a colaboração da

U N IV ERSID A D E D E SÃ O PA U LO

Reito r: Pro f. Dr. W ald yr M uniz O liva

ED ITO RA D A U N IV ERSID A D E D E SÃ O PA U LO

Presid ente: Pro f. D r. M ário G uim arães Ferri Co m issão Ed ito rial:

(4)

A. R. Luria

(Universidade de Moscou)

Fundamentos

de

Neuropsicologia

IIH 1 I

N 7 1 7 8 1

T radução

Professor Juarez Aranha Ricardo

P r o fe s s o r L iv r e - D o c e n t e d o D e p ar t am e n t o d e F is io lo g ia e F ar m ac o lo g ia d o In s t it u t o d e C iên c ias B io m é d ic as d a U n iv ersidade d e S ão P au lo

(5)

COPYRIGHT © A . R. LURIA, 1981

P ro ib id a a reprodução, p a rc ia l ou to ta l, p o r q u alq u er processo, sem a a u to riz a ç ã o do A u to r e d a E d ito ra.

Para a composição deste livro foi usado o Times New Roman. Imprensa Metodista foi responsável pela sua composição.

A arte-final de capa é de AG Comunicação Visual Assessoria e Projetos Ltda.

T ra d u ç ã o : P ro fesso r Ju a re z A ra n h a R icard o

N om e d a ob ra n a edição em inglês: “ T he W orking Brain - A n In trodu ction t o N eu ­

ropsy cholog y "

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R J.

Luria, Aleksandr Romanovich, 1903-1978.

L988f Fundam entos de Neuropsicologia / A. R. Luria;

tradução de Juarez Aranha Ricardo. - R io de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; S io Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 198Í.

Tradução de: The Working Brain - An Introduction to Neuropsychology

Bibliografia

1. Neuropsicologia 1. T ítulo

CDD - 612.82

81-0450 C D U - 6 1 2 .8 2

ISBN: 85-216-0152-2

D ireitos reserv ad o s p o r:

L IV R O S T ÉC N IC O S E C IE N T ÍF IC O S E D IT O R A S .A . Av. V enezuela, 163 — 20220

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Prefácio d a ed ição brasileira

O Pro fesso r Juarez A ranha Ricard o p resto u um g rand e serv iço p ara o s neu ro fisio lo g istas e os esp ecialistas em neuro lo g ia e p siq u iatria do Brasil, fazend o a trad ução do T he W orkin g Brain — A n In trodu c tion to N eu ropsy cholog y , que em po rtuguês fo i exp resso co m o “Fu n dam en tos d e N eu ropsicolog ia" .

Em um co ntato pesso al que tiv em o s em M o sco u, interro g uei Luria a que esp ecialid ad e ele se sentia lig ad o , o u m elho r, co m o ele se d eno ­ m inaria co m o esp ecialista. “ N euro p sicó lo g o ”, fo i sua p ro nta resp o sta, “ co m o A ju riag u erra e C ritchley o são ” .

Este grand e neuro psicó lo go falecid o em 1978, ao s 75 ano s de um a vid a intensam ente d ed icad a à inv estig ação so bre o fu ncio nam ento d o sis­ tem a nerv o so central, fo i o terceiro elem ento d o trip é em q ue se fund a­ m entam a neuro fisio lo g ia e a neuro p sico lo g ia russas. C o ntinuad o r d a o b ra d e Pav lo v e A no khin, co m Lu ria estes seto res d o co nhecim ento ating i­ ram seu po nto m áxim o na Rú ssia. C o m o na co nhecid a im ag em a p ro ­ p ó sito de Freud , pode-se d izer que Luria passo u a enxerg ar m ais p o rque se situo u so bre o s o m bro s de d o is gig antes.

" Fu n dam en tos de N eu ropsicolog ia” talv ez seja a o b ra m ais im p o r­ tante d e Lu ria, p o is nela enco ntram o s exp o sto , d e fo rm a sintética e m uito d id ática, um m o d o d e encarar a ativ id ad e cereb ral, já sug erid o nas o bras d e A no khin so bre o s sistem as fu ncio nais e q ue Luria d esenv o lveu am ­ p lam ente: a no ção do cérebro funcio nand o co m o um to d o .

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V I I I / P R E F A C I O D A E D I Ç Ã O B R A S I L E I R A

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têm d em o nstrad o , co m o o fiz eram Ing v ar e seus co labo rad o res ( 1 9 7 8 ) , co m suas pesquisas so bre o flu xo sang üíneo reg io nal, que a v isão g lo balista enco ntra supo rte nos m ais so fisticad o s recurso s sem io ló g ico s atuais.

Q ual é o p ensam ento central de Luria enco ntrad o em “ Fu n dam en tos de N eu ropsic olog ia” ? D e um a fo rm a m uito clara exp õ e a no ção d as três unid ad es em funcio nam ento co nju g ad o , m o strand o q ue há necessid ad e d e uma ativ ação p erm anente d o to no cereb ral para que as o utras d uas u ni­ dades — recep to ra e efeto ra — po ssam funcio nar efetiv am ente. Real­ m ente a prim eira unid ad e c fund am ental pois c ela — atrav és da fo r­ m ação reticular ativ ad o ra co m suas m últip las co nexõ es ascend entes e d es­ cend entes com o có rtex cereb ral — que p ro p icia o estad o de v ig ília que permite à segund a unid ad e — recep to ra — m anter o co ntato co m o mundo exterio r pelo s d iv erso s canais senso riais.

A unid ad e recep to ra, pelas co nexõ es asso ciativ as terciárias, d á co nta do co m plexo pro cesso de id entificação e reco nhecim ento , intim am ente li­ gado ao não m eno s co m p lexo sistem a de m em o rização . Basta um a sim ples intro sp ecção para que no s to rnem o s co nscientes de co m o é ló g ica esta co ncep ção , quand o p ro curam o s entend er a função esp ecífica do ho m em que é a linguagem e, m ais cu ltu ralm ente, a leitura e a escrita.

O s fund am ento s do p ensam ento d e Luria nad a têm d e id ealistas e abstrato s. O d ram ático esfo rço d e Z az etski co m seu “ céreb ro d estro ­ çad o ” (1972) querend o entend er a fala e, m ais tard e, p ro curand o 1er e escrev er, nos d á um a pung ente d em o nstração p rática d e co m o atua o cérebro no m o m ento em que as co nexõ es no rm ais se d esfazem e o p ensa­ m ento ló g ico sai d os trilho s hab itu ais.

A d escrição do caso Z az etski é m o d elar. Escrita bem antes de "Fun­ dam en tos de N eu ropsic olog ia” , esta o b ra sing ular co m p leta bem , co m o caso clínico , o pensam ento teó rico q ue m ais tard e será d esenv o lv id o . Um jo ­ vem m ilitar so fre, d urante a g u erra, um grav e ferim ento no hem isfério esquerd o , atingind o estruturas v iz inhas d a encruz ilhad a p aríeto -têm po ro - o cip ital. Resulto u um co m p lexo q uad ro em que se so m aram d iv erso s e graves d istúrbio s da ativ id ad e nerv o sa sup erio r: afasia, agno sia v isual, apraxia e hem i-inatenção co rp o ral e esp acial. Este quad ro clínico , em sua evo lução p o r m ais de 20 ano s, fo i d escrito pelo p ró p rio p aciente e p elo pró prio Luria, que fo i seu assistente d urante to d o s esses ano s.

O caso é d escrito d esd e sua fase ag ud a, em que um cao s to tal su bsti­ tuiu a ativ id ad e d e um céreb ro , até então atuante e no rm al. A o s po uco s vão se refazend o as funçõ es ating id as e o s d iverso s p asso s d a recup eração chegam ao no sso co nhecim ento pelas o bserv açõ es feitas pelo s d o is.

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su-P REF Á CIO D A ED IÇ Ã O B R A SIL E IR A / IX

p o rte necessário p ara as estratég ias em p reg ad as no esfo rço d e recu p eração . A terceira unid ad e tam bém m antinha sua cap acid ad e d e p ro g ram ar, o q ue garantiu a cap acid ad e de restab elecim ento d as d iv ersas fu nçõ es. C o m a g rav e lesão d á segund a unid ad e a p ro g ram ação efeto ra estav a o b v iam ente co m p ro m etid a, não p o d end o ag ir co m o antes de ter so frid o a lesão . N ão o bstante essa d ificuld ad e, a terceira unid ad e era cap az d e aju d ar a p ro ­ g ram ação recep to ra, criand o fo rm as acessó rias e p aralelas p ara fac ilitar a recep ção . São m uito d id ático s o s exp ed ientes em pregad o s p o r Z az etski para reco nhecer letras, o b jeto s, fisio no m ias c m e s m o a rua e m q ue m o rav a.

Co m o se v ê, estam o s b astante d istanciad o s d a co ncep ção lo caliz acio - nista d o m o saico cereb ral, fund ad a em m eto d o lo g ia lim itad a p o rq u e se baseav a na co rrelação d e um céreb ro m o rto co m um d istú rb io fu ncio nal. So m ente p o d erem o s p ro g red ir no estab elecim ento d a co rrelação m ente-cé- reb ro , q ue há tanto s século s v em d esafiand o o s estud io so s, co nfo rm e exp useram , recentem ente, Po p p er e Eccles ( 1 9 7 7 ) , estud and o o céreb ro v iv o , em ação .

A cred itam o s q ue a d iv ulg ação em p o rtug uês d esta o b ra d e Lu ria vai co ntrib u ir d e m aneira d ecisiv a p ara o ap erfeiço am ento de no sso s esp e­ cialistas. Faltaria co m p letar esta d iv ulg ação p u blicand o o excelente tra­ b alho d e A nne-Lise C hristensen, Lu ria s N eu rop sy cholog ic al In v estig ation no q ual enco ntram o s um ro teiro sem io ló g ico im p rescind ív el p ara o neu ro ­ p sicó lo g o , realiz ad o so b a su p erv isão d e Lu ria, N o s d ias d e h o je não se po d e ad m itir um exam e neu ro p sico ló g ico q u e não reco rra a este sutil re­ curso p ara d esv end ar o s m istério s d a ativ id ad e nerv o sa su p erio r.

D eixam o s esta sugestão p ara o Pro fesso r Ju arez A ranha R ic ard o , que apreend eu d e m aneira tão p erfeita o p ensam ento d e Lu ria.

A n to n io B . L e fè v re

P r o fe s s o r T it u lar d e N e u ro lo g ia In fan t il d a F ac u ld ad e d e M e d ic in a d a U n iv ersidade d e S ão P au lo ( F E M U S P ) .

D iret o r d o D e p ar t am e n t o d e N e u r o p s iq u iat r ia d a FEM U SP .

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Prefácio d a ed ição inglesa

N o d eco rrer d o s últim o s v inte e cinco .ano s o no sso co nhecim ento acerca da função cereb ral aum ento u m ais d o q ue em q ualq uer o utro p e­ río d o da histó ria, co m exceção , talv ez, d o ú ltim o q u artel do século d eze­ no v e. O p resente crescim ento se b aseia, p rincip alm ente, em p ro g resso s na análise exp erim ental do co m p o rtam ento anim al, na eletro fisio lo g ia e na neuro q uím ica, enq uanto que o perío d o inicial busco u co rrelaçõ es entre o bserv açõ es clínicas e anato m ia cereb ral. A m inha p red ição é que os co rp o s de ev id ência resultantes lo go ficarão no iv o s e se casarão no q uad ro d e um a req uintad a ciência de neu ro p sico lo g ia hum ana.

A leksand r Ro m ano v ich Luria é sing ularm ente ad eq uad o p ara anun­ ciar esse no iv ad o . Ced o em sua carreira ele se to rno u um ap ó sto lo d a grand e herança d o século p reced ente ap enas p ara m o d elar as id éias então co rrentes d e aco rd o co m as im agens d o no v o . A o lo ng o dos últim o s cin ­ qüenta ano s ele refino u a o bserv ação clínica m ed iante a inv enção de testes de cab eceira q ue po d iam ser m inistrad o s a pacient'es p o rtad o res de lesõ es cereb rais e co rrelacio nad o s co m relató rio s cirú rg ico s e p ato ló g ico s. D e fo rm a co erente, ele aco m o d o u astutam ente as suas interp retaçõ es de tais co rrelaçõ es d entro d o rap id am ente crescente co rp o d e co nhecim ento s d as ciências neuro ló g icas e co m p o rtam entais.

“ Fu nd am ento s de N euro p sico lo g ia” resum e esses esfo rço s e, d essa m aneira, traça no v o s ho rizo ntes para nós. Este liv ro serve a d o is p ro ­ pó sito s p rincip ais. C o m o um “ Peng uin” * ele po d e ating ir aquele g rand e p úblico leito r fam into p o r co nhecer o céreb ro , m as que acha d ifícil a ap reensão dos fato s relativ o s ao céreb ro na fo rm a p ela qual eles são u sual­

* R eferên cia à edição in g lesa d este livro, edição essa a p a rtir d a q u al se fez

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XII { P REF A CIO D A E D IÇ Ã O IN GLESA

m ente ap resentad o s em p ublicaçõ es cien tíficas. Co m o o m ais recente p ro ­ nunciam ento d e Luria, ele pod e fo rnecer ao s cientistas q ue estud am o cérebro ü que eu acred ito ser o m ais claro enunciad o de que po d em o s

d ispo r de seus p o nto s de v ista, de sua p o stu ra teó rica e d e alguns dos resultad o s m ais im p o rtantes de suas p esquisas. Essa clarez a ag uça o s p o n­ tos e to rna p o ssível co nco rd arm o s e d isco rd arm o s sem am big üid ad e.

Um bo m exem p lo disso é a Lei da Esp ecificid ad e D ecrescente de Luria ap licad a às zo nas centrais que circund am as áreas d e p ro jeção sen- so riais. Tal lei, ou vale ou não v ale. A m inha exp eriência co m céreb ro s de prim atas não hum ano s me diz q ue, p ara o m acaco , a lei não v ale. O s m eus resultad o s, po rtanto , me fazem q uestio nar o fato de a lei real­ m ente se ap licar ao cérebro do ho m em . Se ela se ap licar, co nhecerem o s pelo m eno s uma d im ensão de d iv ersid ad e entre a o rg aniz ação d as cap a­ cid ad es hum anas e não hum anas; se ela não se ap licar, buscarem o s o utras o rg anizaçõ es cereb rais integrad o ras m eno s esp ecíficas d o p o nto d e vista senso rial. No m acaco , essas o rg aniz açõ es co m p reend em o s v ário s sistem as "m o to res” do céreb ro . A natureza altam ente g enerativ a do co m p o rta­ m ento do ho m em e, esp ecialm ente, o seu co m p o rtam ento ling ü ístico , su­ gerem que tam bém no caso do ho m em sistem as m o to res p o d em ser as raízes d e suas cap acid ad es p eculiares. A ssim , exp erim ento s e o bserv açõ es são ag o ra necessário s para testar a Lei d e Luria m ais um a v ez, po rque com tais testes cheg arem o s m ais p erto de um a co m p reensão d o q ue é que

terna o ho m em hum ano .

H á, é claro , cap ítulo s em " Fu n dam en tos de N eu ro p sic olog ia” que são meno s satisfató rio s que o utro s. N em Luria nem eu estam o s de m aneira alguma satisfeito s co m o s dados a resp eito d as zo nas m éd io -basais do có rtex e co m aqueles p ertinentes ao hem isfério d ireito . O bserv açõ es acerca do có rtex m éd io -basal são d e o btenção esp ecialm ente d ifícil em v ista do fato d e que lesõ es p ato ló g icas restritas d essas zo nas são raram ente id enti­ ficad as na clín ica. N ão o bstante isso , em bo ra d em asiad o rcccntcs para serem inclu íd as no m anuscrito , id éias im p o rtantes estão send o atualm ente pro d uzid as nessa área de inv estig ação , em p rim eiro lug ar p o r O liv er Z ang w ill, d epuis po r Brend a M ilner e por Eliz abeth W arring to n e Law ­ rence W eiskrantz . Elas o ferecem a pro m essa de se alcançar tanto enten­ d im ento corno aq uele p o ssibilitad o pelas id éias referentes à esp ecializ ação hem isfírica que fo ram instigad as por C o lin Cherry e D o nald Bro ad bent m ed iante a u tiliz ação d as.; técnicas de estim ulação d icó tica e d icó p tica e de transecção do co rp o calo so d esenv o lvid as po r Ro g er Sp erry .

(12)

P REF Á CIO D A ED IÇ Ã O IN G L ESA / X III

elabo rad o p o r um d os p io neiro s da referid a ciência. Co m o tal, ele serve a um a g eração no va m ed iante a clara ap resentação d e d ad o s e id éias, bem de aco rd o co m o que o seu auto r p retend e. C o m o tal, ele tam bém serv e ao s pares d e Luria co m o um d esafio p ro v o cativ o no sentid o de que o refutem co m bo ns argum ento s ou se calem . Po d em o s p ed ir m ais d o que isto a um am ig o ?

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Prefácio do auto r

Po r m uitas d écad as o s p sicó lo g o s estud aram o cu rso d o s p ro cesso s m entais: de p ercep ção e m em ó ria, de fala e p ensam ento , da o rg aniz ação d e m o v im ento s e açõ es. C entenas de curso s d estinad o s a estud antes u ni­ v ersitário s fo ram preparad o s e m ilhares de liv ro s p u blicad o s d urante esse p erío d o d e intensa ativ id ad e no sentid o de ensinar e d escrev er o caráter d o s p ro cesso s g nó stico s, da fala e d o co m p o rtam ento ativ o d o ho m em . O estud o acurad o d esses fenô m eno s, no co ntexto d as ciências co m p o rta- m entais, fo rneceu info rm açõ es de v alo r inestim áv el e rev elo u im p o rtantes p istas p ara o esclarecim ento d a natureza d as leis cien tíficas q ue go v ernam esses p ro cesso s.

Entretanto , um asp ecto m uito im p o rtante d esse p ro blem a p erm aneceu sem exp licação : quais são os m ecanism o s cereb rais no s quais esses pro ­ cesso s se b aseiam ? São o s p ro cesso s g nó stico s e as açõ es m o tiv ad as do ho m em o resultad o do funcio nam ento de to d o o céreb ro co m o um a enti­ d ad e ú nica, ou é o “ céreb ro em funcio nam ento ” na v erd ad e um sistem a fu n c io n al co m plex o , que abrang e d iferentes nív eis e d iferentes co m p o ­ nentes, cad a um d os quais o ferece a sua co ntrib u ição p ró p ria p ara a estrutura final da ativ id ad e m ental? Q uais são o s m ecanism o s cereb rais reais q ue estão na base da p ercep ção e da m em ó ria, da fala e d o p ensa­ m ento , do m o v im ento e da ação ? O que aco ntece co m esses p ro cesso s q uand o partes ind iv id uais do céreb ro d eixam de fu ncio nar no rm alm ente o u são d estruíd as po r d o enças?

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X V I / PREF ÁCIO DO AU T O R

cad a ato m ental e, d essa m aneira, p o ssibilitariam que se p rincip iasse a longa mas reco m p ensad o ra tarefa d e reco nstru ir a ciência p sico ló g ica so bre novos e realístico s alicerces.

O pro pó sito d este liv ro é traz er essa tarefa à atenção do leito r. Ele tenta d escrever tão sucintam ente q uanto po ssív el o s resultad o s o btid o s pelo auto r e por seus co leg as d urante q uarenta ano s de p esquisa e p ro v er o estud ante e o p ro fissio nal de um relato dos fato s básico s da neuro p si­ co lo gia, este novo ram o da ciência.

O livro co m eça co m uma brev e análise das p rincip ais fo ntes dos fato s científico s utiliz ad o s pelo inv estig ad o r que estud a o céreb ro , a sua estrutura e a s u a o rg aniz ação fu ncio nal, e com um relato dos p rincíp io s

básico s da pesquisa, neu ro p sico ló g ica. A p arte p rincip al do livro d escrev e o que sabem o s ho je acerca dos sistem as ind iv id uais que co nstituem o cé­ rebro h u m a n G e acerca do papel d as zo nas ind iv id uais dos hem isfério s

cerebrais na tarefa de fo rnecer as co nd içõ es necessárias para que fo rm as superio res dc ativ id ad e m ental po ssam o co rrer. N a parte final do liv ro o auto r analisa a o rg aniz ação cereb ral da p ercep ção e da ação , d a atenção e da m em ó ria, da fala e dos p ro cesso s intelectuais e tenta inserir os fato s revelad o s por estud o s neuro p sico ló g ico s de sistem as cereb rais in­ d iv id uais, em seu lugar ap ro p riad o , no grand e arcabo uço d a ciência p sico ló gica.

É claro que nem to d as as p artes d a neuro p sico lo g ia receb em trata­ m ento igual neste liv ro e, algum as d elas, co m o po r exem p lo a q ue trata das partes m ed iais do có rtex e das funçõ es dos hem isfério s não d o m i­ nantes (po nto s a resp eito d os quais aind a não se co leto u m aterial su­ ficiente), podem ser tratad as apenas sup erficialm ente. N ão o bstante isso , o auto r espera que em sua fo rm a atual este liv ro seja ú til, em p articu lar, a p sicó lo go s, neuro lo g istas e p siq uiatras, p ro fissio nais esses p ára o s quais o estud o dos m ecanism o s cereb rais da ativ id ad e co m p lexa hum ana é assun­ to do m ais alto interesse.

O auto r tem o p razer de exp rim ir o s seus calo ro so s ag rad ecim ento s ao Pro fesso r Karl Pribram , que sugeriu pela prim eira vez que ele escrev esse este livro , ao D r. Basil H aigh que o trad uziu — d e fo rm a excelente, co m o sem p re — para o ing lês * e ao s ed ito res — “ Penguin Ed u catio n” — por inclu í-lo em sua lista de p u blicaçõ es.

A . R . L u r i a

* O a u to r sn roforo, aqui, ã edição in g le sa d este livro, a p a r tir d a q u al se

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N o ta do traduto r

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f n d i ce S u m á ri o

Prefácio da edição brasileira, VII Prefácio da edição inglesa, XI Prefácio do autor, XV Nota do tradutor, XVII

P R I M E I R A P A R T E

O R G A N I Z A Ç Ã O F U N C I O N A L E A T I V I D A D E M E N T A L , 1

C apítulo 1: Lesões cerebrais locais e localizaçSo de funções, 5 Soluções iniciais, 5

A crise, 10

Um novo exame dos conceitos básicos, 12

R eex am e d o c o n c eit o d e " fu n ç ão ” , 12

R ev isão d o c o n c eito d e “ localiz ação " , 15

R ev isão d o c o n c eit o d e " sin tom a” , 19

Análise sindrômica e a organização sistêmica de processos psicológicos, 23

C apítulo 2: As principais três unidades funcionais, 27 ,

A unidade para regular o tono, a vigília e os estados mentais, 28; A unidade para receber, analisar e armazenar inform ações, 49 A unidade para program ar, regular e verificar a atividade, 60 Interação entre as três principais unidades funcionais do cérebro, 78

S E G U N D A P A R T E

S I S T E M A S C E R E B R A I S L O C A I S E S U A A N Á L I S E F U N C I O N A L , 8 1

(19)

XX / INDICE s u m á r i o

■J-V l& ez-f

-Capítulo 4: As regiões tem porais e a organização da percepção auditiva, 105 Zonas primárias do córtex tem poral e as funções elementares de audição, 105 As zonas secundárias do córtex tem poral c funçõesacústlco-gnóstlcas, 108

Efeito sistêmico de distúrbios da audição de fala em lesões das zonas secundárias da região tem poral esquerda, 114

Variantes da “ síndrom e tem poral” , 118

C apítulo 5: As regiões parietais e a organização de sínteses simultâneas, 123 As zonas corticais terciárias e a organização de sínteses espaciais concretas, 123 As zonas corticais terciárias e a organização de sínteses simbólicas (quase-espaciais), 127 As zonas corticais terciárias e processos de memória para fala, 131

As zonas paríeto-ocipitais do hemisfério direito (não-dominantes) e suas funções, 135

Capítulo 6: Zonas sensitivas-motoras e pré-motoras e a organização do m ovim ento, 144 Zonas corticais pós-centrais e a organização aferente do m ovimento, 145

Zonas pré-m otoras do córtex e a organização eferente do m ovim ento, 150

Capítulo 7: Os lobos frontais e a regulação da atividade m ental, 161 Os lobos frontais e a regulação dos estados de atividade, 162 Os lobos f/ontais e a regulação de movimentos e ações, 170

Os lobos frontais e a regulação de ações mnemónicas e intelectuais, 183

Organização funcional dos lobos frontais e form as alternativas da síndrom e frontal, 192

T E R C E I R A P A R T E

A T I V I D A D E S M E N T A I S S I N T É T I C A S E S U A O R G A N I Z A Ç Ã O C E R E B R A L , 1 9 7

C apítulo 8: Percepção, 1 9 9 ' Estrutura psicológica, 199 Organização cerebral, 200

C apítulo 9: Moyimento e ação, 213 - l l b

Estrutura psicológica, 213 Organização cerebral, 218

C apítulo 10: A tenção, 223 Estrutura psicológica, 223

Indicadores fisiológicos de atenção, 231 Organização cerebral, 236

I C apítulo 11: Memória, 245 - y x / ^ C X .

Estrutura psicológica, 245

Formas primárias (não-específicas) de m em ória, 252 Formas m odalm ente específicas de memória, 260

C apítulo 12: Fala, 266

H i s tó r i c o , 2 6 6 '

(20)

IK)DICE SU M Á R IO / X X I

Fala impressiva (receptiva), 271 Fala expressiva, 275

Capítulo 13: Pensam ento, 284 Estrutura psicológica, 284

Pensamento prático ou construtivo, 291

Pensamento verbal-lógico (discursivo): a solução de problem as, 295

Q U A RTA PA R T E

CO N C LUSÃ O , 301

(21)

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(22)

Primeira Parte

O rg aniz ação Funcio nal e A tividade M ental

O interesse cien tífico no estud o d o céreb ro co m o o ó rg ão da ativ id ad e m ental intensifico u -se co nsid erav elm ente nas ú ltim as d écad as.

O céreb ro hum ano , o m ais requintad o d o s instru m ento s, cap az de refletir as co m p lexid ad es e o s em aranham ento s d o m und o ao no sso red o r — co m o é ele co nstruíd o e qual a natureza da sua o rg aniz ação fu ncio nal? Q u e estruturas o u sistem as do cérebro geram aq ueles co m p lexo s p laneja­ m ento s e nficessid ad es que d istinguem o ho m em d o s anim ais? Co m o são o rg anizad o s o s p ro cesso s nerv o so s que cap acitam as info rm açõ es d eri­ v ad as do m und o exterio r a serem receb id as, analisad as e arm azenad as, e co m o são co nstruíd o s o s sistem as que p ro g ram am , reg ulam e p o sterio r­ m ente v erificam as fo rm as co m p lexas d e ativ id ad e co nsciente que são d irig id as p ara a realiz ação de m etas, a execu ção d e d esíg nio s e a co n­ cretiz ação d e p lano s?

A s questõ es não se co lo cav am tão ag ud am ente há um a g eração atrás. N aqu ela ép o ca a ciência se co ntentav a p lenam ente ao efetu ar uma ana­ lo g ia entre o céreb ro e um a série de sistem as reativ o s, e ao canaliz ar to d as as suas energ ias no sentid o de rep resentar o céreb ro co m o um grupo d e esquem as elem entares q ue inco rp o rav am estím ulo s p ro v enientes do m und o exterio r e as resp o stas gerad as face a esses estím ulo s. Esta ana­ lo g ia d o céreb ro co m um a série d e d isp o sitiv o s q ue resp o nd iam p assiv a­ m ente, e cu jo funcio nam ento era inteiram ente d eterm inad o p ela exp eriên­ c ia preg ressa, era encarad a co m o ad equad a à exp licação científica da ativ id ad e cereb ral.

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2 / F U N D AM EN T O S DE N EU RO PSICO L O G IA

do futu ro , m as tam bém su b o rd inar a eles o seu co m p o rtam ento . A o m esmo tem p o , to rno u-se ev id ente q ue o reco nhecim ento d o papel d ecisiv o d esem penhad o p o r tais p lano s e d esíg nio s, esses esquem as p ara o futuro e o s pro g ram as pelo s quais eles são m aterializ ad o s, não po d em perm a­

necer fo ra d a esfera do co nhecim ento científico , e que o s m ecanism o s nos quais eles se baseiam p o d em e d evem ser m atéria d e análise d eter- m inística e de exp licação cien tífic a, co m o to do s o s o utro s fenô m eno s e asso ciaçõ es no m und o o b jetiv o .

lista tend ência a criar m ecanism o s pelo s quais o futuro exerce a sua influ ência so bre o co m p o rtam ento p resente co nd uziu ao enunciad o de algumas hip ó teses fisio ló g icas m uito im p o rtantes, e o s esquem as de A no khin de “ excitação antecip ató ria” ou a “ co rrelação entre a tarefa m o to ra e a sua realiz ação ” de Bernstein, bem co m o as id éias de T-O -T-E de Pribram , fo ram sinais d a guinad a rad ical d e interesse na ciência d a fisio lo g ia, que co m eço u a reco nhecer co m o seu p ro p ó sito fund am ental a criação de uma nova “ fisio lo g ia da ativ id ad e” .

A base teó rica da ciência d o céreb ro tam bém so freu um a alteração rad ical. Em bo ra po r m uitas d écad as a teo ria do céreb ro se tivesse b a­ seado eni co nceito s que assem elhav am a ativ id ad e cereb ral àquela de certo s m o d elo s m ecânico s bem co nhecid o s, e o seu p ro p ó sito p arecesse ser ex­ p licar o funcio nam ento do céreb ro p o r analo g ia co m um a red e telefô nica, os interesses da ciência ago ra tend eram a m o ver-se na d ireção o p o sta.

O cérebro hum ano v eio a ser encarad 'o co m o um sistem a funcio nal altam ente co m p lexo e co nstruíd o d e fo rm a p eculiar, trabalhand o co m base em p rincíp io s no v o s. Estes p rincíp io s não po d em nunca ser representad o s por análo g o s m ecânico s de um instru m ento tão req uintad o , e o co nheci­ m ento d eles d eve instar o inv estig ad o r a d esenv o lver esquem as m atem ático s novos que realm ente reflitam a ativ id ad e do cérebro .

Esta é a razão p ela qual o estud o dos p rincíp io s intrínseco s que go v ernam o funcio nam ento d o céreb ro — em bo ra seja d ifícil a co m ­ preensão d eles — to rno u-se a fo nte d e interp retaçõ es no v as, e a no va d is­ cip lina da b iô nica não p ro ib iu m eram ente o inv estig ad o r d e interp retar o funcio nam ento do cérebro à luz d e esquem as m ecânico s bem co nhecid o s, mas, ao co ntrário , co m peliu-o , a fim d e entend er o s p rincíp io s no vo s, quand o d o estud o d o céreb ro , a p ro cu rar fo ntes que iriam , elas pró prias, influ enciar o d esenv o lv im ento criativ o d a m atem ática e da tecno lo gia.

O estud o das leis que g o v ernam o funcio nam ento do cérebro co mo o ó rgão d a ativ id ad e m ental é um p ro blem a m uito d ifícil e co m plexo , que o bv iam ente não será so lu cio nad o p ela inv enção esp eculativ a de esque­

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O R G A N IZ A ÇÃ O F U N CIO N A L E A T IV ID A D E M EN T A L / 3

a p ro gresso s ulterio res neste cam p o . Eis aqui po r q ue as d úzias d e liv ro s que tratam de “ m o d elo s do céreb ro ” o u do “ céreb ro co m o um co m p u tad o r” d e fato não au xiliam , m as, em vez d isso , d ificu ltam , o av anço d o co nhe­ cim ento v erd ad eiram ente cien tífico d o cérebro co m o o ó rg ão d a m ente.

O v erd ad eiro pro gresso neste im p o rtante cam p o não p o d e, natu ral­ m ente, o co rrer co m excessiv a rap id ez, so b p ena d e ser o co nhecim ento real substituíd o po r esquem as p rem aturo s que, em b o ra p areçam tenta­ d o res ho je, serão am anhã d esp ro v id o s de base e esq u ecid o s. O pro g resso d eve ev id entem ente assentar-se em jato s reais, na o b tenção d e c o n hec i­ m en to real, nos resultad o s de o bserv açõ es escrup ulo sam ente realiz ad as em m uito s cam po s d ifíceis d a ciência: m o rfo lo g ia e fisio lo g ia, p sico lo g ia e clínica m éd ica. T al p ro gresso naturalm ente d em and ará tem p o , e a m eta últim a será atingid a p o r estág io s, cad a um d o s q uais ap o rtand o a sua co ntrib u ição p ró p ria à so lu ção d esse p ro blem a extrem am ente d ifícil;

Já d eco rreu, atualm ente, quase um q uarto d e sécu lo d esd e o ap are­ cim ento d o co nhecid o liv ro de G rey W alter, T he Liv in g Brain (Fu nd a­ m ento s de N euro p sico lo g ia), no q ual, p ela p rim eira v ez , se fez um a tentativ a de enco ntrar um a exp licação d os m ecanism o s íntim o s de fu n­ cio nam ento do céreb ro hum ano em term o s d os fato s d a eletro fisio lo g ia m o d erna, e se fo rm ularam hip ó teses (alg um as co nfirm ad as, algum as tão -so ­ m ente aind a co njecturas do auto r) acerca das fo rm as b ásicas de vid a d o céreb ro e d os p rincíp io s b ásico s q ue g o v ernam a sua fu nção .

Uns po uco s ano s ap ó s este aco ntecim ento , um segund o liv ro ap areceu , red ig id o p elo em inente anato m ista e fisio lo g ista H . M ag o un — T he W akin g Brain (O cérebro d esp erto ). Este liv ro reg istra a p rim eira tentativ a d e abo rd ar o céreb ro , co m base no s m ais recentes d ad o s anatô m ico s e neu- ro fisio ló g ico s, co m o um sistem a resp o nsáv el p elo estad o ativ o , d esp erto , a co nd ição m ais im p o rtante p ara to d as as fo rm as d e co m p o rtam ento d o ser v iv o . A im p o rtância d o liv ro d e M ag o un, que g eneraliza as co nquistas d e um grupo co nsid eráv el d e inv estig ad o res b rilhantes — M o ruzzi, Jasp er, Penfield , e o utro s — é eno rm e. Co m o seu ap arecim ento o cérebro d o ho m em e dos anim ais d eixo u de ser encarad o co m o um ap arelho res- po nsivo puram ente p assiv o , e assim se d eram o s p rim eiro s passo s para o seu reco nhecim ento co m o um sistem a ativ o , v ig ilante.

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4 ! F U N D A M E N T O S D E N E U R O P S I C O L O G I A

Entretanto , fato s que p o d eriam p erm itir uma ap ro xim ação ä so lução d esses p ro blem as e o lançam ento d os alicerces de um a ciência d o céreb ro co m o o ó rg ão d a ativ id ad e m ental co ncreta fo ram p aulatinam ente co le­ cio nad o s em v ário s cam p o s da ciência.

Um a abo rd ag em à análise d esses fato s to rno u-se p o ssív el m ed iante o pro gresso realiz ad o na psicolog ia científica m o d erna, um a d iscip lina cu jo p ro p ó sito é d escrev er a estrutura da ativ id ad e hum ana e exp lo rar em p ro ­ fund id ad e a estrutura funcio nal de p ercep ção e m em ó ria, d e ativ id ad e intelectual e fala, d e m o v im ento e ação , e a sua fo rm ação d urante a o nto g ênese. Um grand e núm ero de fato s fo i o btid o p ela n eu rolog ia c lí­ nica e pela n eu rociru rg ia m o d ernas. A v anço s nesses cam p o s p erm itiram o estud o p o rm eno riz ad o d as m aneiras pelas quais fo rm as altam ente co m ­ p lexas d e co m p o rtam ento são p erturbad as em caso s d e lesõ es lo cais do cérebro . Uma co ntrib u ição su bstancial para o sucesso na so lução d esses p ro blem as fo i d ad a p ela criação da n eu ropsicolog ia, um ram o no v o da ciência cu jo o b jetiv o esp ecífico e p ecu liar é a inv estig ação d o p ap el de sistem as cereb rais ind iv id uais em fo rm as co m p lexas d e ativ id ad e m ental.

Co m o resultad o d essas elabo raçõ es to rno u-se p o ssív el a p rep aração d o p resente liv ro , a que o auto r reso lv eu cham ar “ Fund am ento s d e N euro ­ p sico lo g ia” (The W o rking Brain). O seu p ro p ó sito é g eneraliz ar id éias m o d ernas co ncernentes à base cereb ral do funcio nam ento co m p lexo d a m ente hum ana e d iscutir o s sistem as d o céreb ro q ue p articip am na co ns­ trução d e p ercep ção e ação , de fala e intelig ência, de m o v im ento e ativ i­ dade co nsciente d irig id a a m etas.

Este liv ro se baseia em m aterial co lig id o p elo auto r d urante seu lo ng o p erío d o de trab alho co m o neuro p sicó lo g o , perío d o esse que se estend eu p o r m ais d e q uarenta ano s e que fo i inteiram ente d ed icad o ao estud o p sico ló g ico de p acientes co m lesõ es cerebrais lo cais. Isto exp lica o fato de que um a grand e parte d o livro se refere à análise d e alteraçõ es que surgem no co m p o rtam ento hum ano na p resença de lesõ es cereb rais lo cais. N as ú ltim as d écad as a neuro p sico lo g ia to rno u-se um im p o rtante cam p o d a m ed icina p rática, co m a co nseqüente intro d ução d e no v o s m éto d o s para fac ilitar o d iag nó stico tó p ico p reco ce e m ais exato d e lesõ es cere­ b rais lo cais. A o m esm o tem p o , entretanto , a neuro p sico lo g ia tam bém se to rnou um po d ero so instrum ento p ara a rev isão de no sso s co nceito s fund a­ m entais so bre a estrutura interna d e p ro cesso s p sico ló g ico s e um fato r fund am ental que leva à criação de uma teo ria da base cereb ral d a ativ i­ dade m ental hum ana.

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Capítulo

1

Lesõ es Cerebrais Lo cais e Lo caliz ação de Funçõ es

O estud o neuro p sico ló g ico de lesõ es cereb rais lo cais p o d e, co m to d a ju stiça, ser encarad o co m o a fo nte p rincip al de- co n ceito s m o d erno s so b re a o rg aniz ação fu ncio nal d o céreb ro co m o o ó rg ão da ativ id ad e m ental. N este cap ítu lo p ro ced em o s a um exam e esp ecial d o co nhecim ento que esse estud o fo rnece.

S o l u ç õ e s i n i c i a i s

A s tentativ as d e exam inar p ro cesso s m entais co m p lexo s co m o um a função d e áreas cereb rais lo cais co m eçaram em um p assad o bem d istante. M esm o na Id ad e M éd ia, filó so fo s e naturalistas co nsid eraram que “

fa-© e p ot ét u sf aíef ot l ít íu e

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6 / F U N D A M EN T O S DE N EU RO PSICO L O GIA

culd ad es” m entais p o d eriam estar lo caliz ad as no s “ três v entrículo s cere­ b rais” (Fig . I) , e no co m eço do século d ezeno v e o co nhecid o anato m ista G all, q ue fo i o p rim eiro a d escrev er a d iferença entre as substâncias cin­ zenta e b ranca do céreb ro , afirm o u co m co nfiança que “ faculd ad es” hu­ m anas estão sed iad as em áreas cereb rais p articu lares e estritam ente lo ­ caliz ad as. Se essas áreas fo rem esp ecialm ente bem d esenv o lv id as, isto levará à fo rm ação de p ro em inências nas p artes co rresp o nd entes do crânio , e a o b serv ação de tais p ro em inências p o d e, co nseq üentem ente, ser utilizad a para d eterm inar d iferenças ind iv id uais nas faculd ad es hum anas. O s m a­ pas “ freno ló g ico s” de G all (Fig . 2) eram , entretanto , tentativ as de pro ­ jetar so bre o céreb ro , sem m uita base factu al, a “ p sico lo g ia d as facu l­ d ad es” em voga naquele tem po , e, em função d isso , eles fo ram rap id am ente esquecid o s.

Tais tentativ as fo ram seguid as po r o utras que p ro curav am d isting uir zo nas fu ncio nais d o có rtex cereb ral co m b ase em o bserv açõ es po sitiv as de alteraçõ es d o co m p o rtam ento hum ano que o co rriam apó s lesõ es cerebrais lo cais.

A s o bserv açõ es clínicas so bre as seqüelas d e lesõ es cereb rais lo cais c o m eç aram ,h á m uito s ano s atrás; m esm o em um estág io inicial, d esco ­ briu-se que um a lesão d o • có rtex m o to r lev a a p aralisia d o s m em bro s o p o sto s, uma lesão da região p ó s-central d o có rtex acarreta perd a de sensibilid ad e no lado o p o sto do co rp o , e um a lesão d a reg ião o cip ital do céreb ro red und a em ceg ueira central.

A d ata d e nascim ento da inv estig ação cien tífica d o s d istúrbio s dos p ro cesso s m entais pode ser acertad am ente to m ad a co m o 1861, quand o o jo v em anato m ista francês Paul Bro ca tev e a o p o rtunid ad e de d escrev er o céreb ro de um p aciente que, po r m uito s ano s, tinha estad o internad o na Salp êtrière co m um d istúrbio acentuad o d e fala m o to ra (exp ressiv a), e m o stro u que o terço po sterio r d o g iro fro ntal inferio r estav a d estruíd o no céreb ro d esse p aciente. V ário s ano s m ais tard e, co m o resultad o de o b ser­ v açõ es ad icio nais, Bro ca pôde o b ter info rm ação m ais p recisa e m o strar q ue a fala m o to ra está asso ciad a a um á' reg ião lo caliz ad a do céreb ro , a sab er, o terço p o sterio r do giro fro ntal inferio r esquerd o . A ssim , Bro ca po stulo u que o terço posterior do g iro jron tal in ferior esqu erdo é o “ cen tro para as im ag en s m otoras das palav ras” e que um a lesão d essa região leva a um tip o característico de' perd a da fala exp ressiv a, que ele o rig inal­ m ente d eno m ino u “ afem ia” e p o sterio rm ente “ afasia” , q ue é o term o usad o aind a ho je.

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LESÕ ES C ER EBR A IS LO CAIS E L O CA L IZ A ÇÃ O DE F U N ÇÕ ES / 7

q u a l i d a d e s m e n t a i s su p e r i o r e s c o n f i a n ç a

c a r é t e r i n q u i sl t i v o

f a c u l d a d e s m e n t a i s i d e a l i st a s p e r f e c c i o n i sm o , r e f i n a m e n t o

c a r á t e r i m i t a t i v o a ) g e st o s b ) m í m i c a

a g r e ssi v i d a d e

v i v a c i d a d e m e n t a l

c a u sa l i d a d e

m e d i d a d o t e m p o

c o r o g e m c o m t M t i v i d a d e

i n s t i n t o s m a t r i m o n i a i s e e se x u a i s

s e n t i m e n t o s p a t e r n a i s

a m o r à s c r i a n ç a s a m o r a o s a n i m a i s

Fig. 2. Mapa frenológico de Gall.

estab elecer um a base científica p ara a sua “ freno lo g ia” (um a d o utrina da lo caliz ação d e faculd ad es co m p lexas em áreas lo cais d o céreb ro ), rep o u­

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8 / F U N D AM EN T O S DE N EU RO PSICO L O G IA

mo strou pela prim eira vez a d iferença rad ical existente entre as funçõ es dos hem isfério s cereb rais esqu erd o e d ireito , id entificand o o hem isfério esquerd o (em pesso as d estras) co m o o hem isfério d o m inante v inculad o às funçõ es sup erio res de fala.

Um a sim ples d écad a fo i su ficiente para rev elar a p ro d utiv id ad e da d esco berta de Bro ca: em 1873 o p siquiatra alem ão C arl W ern icke d es­ crev eu caso s no s quais um a lesão de o utra p arte do céreb ro , ag o ra o terço p o sterio r do g iro tem p o ral sup erio r esquerd o , acarreto u um quad ro igualm ente claro , mas d esta vez d e natureza o p o sta, ou seja, perd a da cap acid ad e de c o m p reen der a fala aud ív el, enquanto que a fala exp ressiv a (m o to ra) p erm anecia relativ am ente não afetad a. Pro sseg uind o ao lo ng o da via- aberta po r Bro ca, W ernicke exp rim iu a o p inião segund o a qual o terço posterior do g iro tem poral su perior esqu erdo é o “ cen tro para as im agen s sen soriais das palav ras” o u, d e aco rd o co m sua exp ressão na o casião , o centro p ara a co m p reensão d a fala ( W ortbeg riff) .

A d esco berta do fato de que fo rm as co m p lexas de ativ id ad e m ental po dem ser encarad as co m o fu nçõ es de áreas cereb rais lo cais, o u, em o utras p alav ras, de que tais fo rm as p o d em ser localiz adas em reg iões circu n scritas do c ó rtex c erebral, da m esm a fo rm a qu e fu n ç õ es elem en tares (m o v im ento , sensação ), suscito u um entusiasm o sem p reced entes na ciência neu ro ló g ica, e o s neuro lo gistas co m eçaram , v ig o ro sam ente, a acum ular fato s p ara m o s­ trar que o utro s pro cesso s m entais co m p lexo s tam bém são o resultad o , não do funcio nam ento do céreb ro co m o um to d o , m as sim de áreas lo cais in­ d ivid uais d e seu có rtex.

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LESÕES C E R E BR A IS LO CAIS E L O C A L IZ A Ç Ã O DE F U N ÇÕ ES / 9

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10 / F U N D A M EN T O S DE N EU RO PSICO L O GIA

Essas tentativ as d o s “ lo caliz acio nistas estreito s” , que o bserv av am co ­ m o lesõ es lo cais do có rtex cereb ral co nd uziam a p erd a d o reco nhecim ento d e núm ero s, a d istúrbio da co m p reensão d e p alav ras e frases, a incap aci­ d ad e p ara reco nhecer o b jeto s e a p erturbaçõ es d as m o tiv açõ es o u alteraçõ es na p erso nalid ad e, resultaram em um a no v a série d e m ap as hip o tético s da “ lo caliz ação de fu nçõ es” no có rtex cereb ral, não b asead o s, d e m aneira alg um a, em q u alq u er análise p sico ló g ica p o rm eno riz ad a d o s sinto m as o b serv ad o s. O s m ais claram ente d efinid o s entre esses m ap as fo ram suge­ rid o s pelo p siquiatra alem ão Kleist ( 1 934), q ue analiso u um a série m uito g rand e de caso s de ferim ento s do céreb ro resultantes d e tiro s d urante a Prim eira G u erra M u nd ial, e que, co m o resultad o d essa análise, lo calizo u em p artes p articu lares do có rtex funçõ es co m o “ o esquem a co rp o ral” , “ a co m p reensão de frases” , “ açõ es co nstru tiv as” , “ hum o res” e até m esm o “ o ego p esso al e so cial” (Fig . 3), elabo rand o assim m ap as q u e d iferiam apenas m uito tenuem ente, em p rincíp io , dos m ap as freno ló g ico s de G all.

Essas tentativ as d e lo caliz ar funçõ es m entais co m p lexas d iretam ente em áreas circu nscritas d o céreb ro fo ram tão p ersistentes q ue m esm o em 1936 o fam o so neuro lo g ista am ericano N ielsen d escrev eu áreas lo caliz ad as q ue, em sua o p inião , eram “ centro s p ara a p ercep ção d e o b jeto s anim ad o s” , tend o d ifereheiad o tais “ centro s” d e o utras áreas nas q uais, em su a o p i­ nião , estav a lo caliz ad a a p ercep ção de “ o b jeto s inanim ad o s” .

A c rise

Seria errô neo , entretanto , supo r que a tentativ a d e lo caliz ar p ro cesso s p sico ló g ico s co m p lexo s d iretam ente em lesõ es circu nscritas d o céreb ro , o u, co m o tal p ro ced im ento é geralm ente d eno m inad o , o “ lo caliz acio nism o estreito ” , p erm aneceu send o a linha g eral de d esenv o lv im ento d o p ensa­ m ento neuro ló g ico , o u q ue ela não tenha enco ntrad o um a o p o sição na­ tural p o r p arte d e neuro lo g istas resp eitad o s. M esm o na au ro ra d o seu d esenv o lv im ento , no s “ esp lênd id o s ano s 70 ” , Bro ca e seus seg uid o res d e­ pararam co m um po d ero so o p o nente na p esso a d o fam o so neuro lo g ista inglês H ug hlings Jackso n, q ue av ento u a hip ó tese de q ue a o rg aniz ação cereb ral d o s p ro cesso s m entais co m p lexo s d ev e ser ab o rd ad a d o po nto d e v ista d o n ív el d a co nstru ção de tais p ro cesso s, em vez d e o ser do po nto d e v ista de sua localiz aç ão em áreas p articu lares d o céreb ro .

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ex-LESO ES CEREBRA IS LO CAIS e L O C A L IZ A Ç Ã O DE F U N ÇÕ ES / 11

p rim iram d úv id as v álid as so bre a ap licab ilid ad e d esse p rinõ íp io d e “ lo caliz ação estreita” ao s m ecanism o s cereb rais d e fo rm as co m p lexas d e ativ id ad e m ental.

Esses auto res cham aram a atenção , m uito acertad am ente, p ara o ca­ ráter co m p lexo d a ativ id ad e m ental hum ana. Eles tentaram id entificar os asp ecto s esp ecífico s d a referid a ativ id ad e no caráter sem ântico do co m ­ p o rtam ento (M o nako w ) ou no “ arranjo ab strato ” e no “ co m p o rtam ento categ ó rico ” (G o ld stein), e fo ram fo rçad o s a exp rim ir as suas d úv id as a resp eito da p o ssibilid ad e de estarem essas “ fu nçõ es” , à sem elhança d e fu n ­ çõ es elem entares d o s tecid o s cereb rais, rep resentad as em áreas circu ns­ critas do céreb ro . Po stularam , p o rtanto , que fenô m eno s co m p lexo s d e “ sem ântica” o u “ co m p o rtam ento categ ó rico ” são o resultad o d a ativ id ad e d e to d o o céreb ro , em vez de serem o p ro d uto d o funcio nam ento d e áreas lo cais d o có rtex cereb ral. D úv id as acerca da p o ssib ilid ad e de lo caliz ação estreita de p ro cesso s m entais co m p lexo s lev aram esses auto res ou a d i­ v o rciar p ro cesso s m entais de estruturas cereb rais e a reco nhecer a sua “ natureza esp iritu al” esp ecial, que fo i a p o sição ad o tad a no fim de suas v id as po r inv estig ad o res em inentes co m o M o nako w e M o urg ue ( 1928) e Sherring to n ( 1 9 3 4 ; 1942), ou a tentar m o strar que o “ co m p o rtam ento categ ó rico ” é o nív el m ais alto de ativ id ad e cereb ral, d epend ente m ais d a m assa d e céreb ro env o lv id a no p ro cesso que d a p articip ação de zo nas esp ecíficas d o có rtex cereb ral (G o ld stein, 1944, 1948). A s d úvid as le­ g ítim as co ncernentes à v alid ad e da abo rd agem m ecanicista dos “ lo caliz acio - nistas estreito s” lev aram , assim , ou à reto m ad a de trad içõ es realísticas de aceitação d e um a natu rez a “ esp iritu al” d os p ro cesso s m entais, ou à rev i­ v escência d e o utras id éias do cérebro co m o um a entid ad e não d iferenciad a, e d o p ap el d ecisiv o d e sua m assa no d esem penho da ativ id ad e m ental, id éias essas q ue tinham ap arecid o reiterad am ente ao lo ng o d a histó ria do estud o d o céreb ro co m o o ó rgão da m ente (Flo u rens, 1824; G o ltz , 1876-

1884; Lashley , 1929).

Enq u anto a v isão m ecanicista da lo caliz ação d ireta d e p ro cesso s m en­ tais em áreas circu nscritas d o céreb ro levo u a um b eco sem saíd a a in­ v estig ação d a b ase cereb ral d a ativ id ad e m ental, as id éias “ integ rais” (o u, co m o elas são às v ezes cham ad as, “ no éticas” ) d o s p ro cesso s m entais clara­ m ente não p ud eram pro ver a base necessária p ara a p esquisa científica u lterio r; elas o u p reserv aram id éias o bso letas d e sep aração d a vid a “ esp i­ ritu al” d o ho m em e d a im p o ssibilid ad e, em p rincíp io , d e d esco brir a sua b ase m aterial, o u rev iv eram id éias ig ualm ente o b so letas do cérebro co m o um a m assa nerv o sa p rim itiv a, não d iferenciad a.

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prin-12 / F U N D AM EN T O S DE N EU RO PSICO L O G IA

cíp io s científico s de inv estig ação que já se tinham m o strad o co m pro vad a- m ente úteis no estud o das fo rm as elem entares de pro cesso s fisio ló g ico s m as que fo ssem ad equad o s ao exam e d a ativ id ad e co nsciente hum ana, co m sua o rigem so cial-histó rica e sua estrutura co m p lexa, hierárq u ica.

Esta tarefa d em and o u a rev isão rad ical da co m p reensão b ásica do term o “ funçõ es” , p o r um lad o , e d o s p rincíp io s fund am entais que p resi­ dem à sua “ lo caliz ação ” , p o r o utro .

U m no v o exam e d o s c o n c e ito s b ásic o s

Para que se abo rd e a q uestão da lo caliz ação cereb ral d a ativ id ad e m ental hum ana, o p rim eiro passo d eve ser um reexam e d o s co nceito s b á­ sico s, sem o que seria im p o ssív el reso lv er co rretam ente esse p ro blem a. Reexam inarem o s, em p rim eiro lug ar, o co nceito d e “ fu nção ” , apó s o que o ferecerem o s uma no va v isão d o co nceito d e “ lo caliz ação ” ; p o r fim , rea­ v aliarem o s o que é d eno m inad o o “ sinto m a” ou a “ perd a de fu nção ” em lesõ es cereb rais lo cais.

R eex am e do c o n c eito de "ju n ç ão ”

O s inv estig ad o res que exam inaram o p ro blem a da “ lo caliz ação ” co r­ tical de funçõ es elem entares m ed iante estim ulação ou exclu são d e áreas cerebrais lo cais d eram ao term o “ fu n ção ” o sig nificad o d e fu n ç ão d e um tec ido particu lar. Tal interp retação é inquestio nav elm ente ló g ica. É p er­ feitam ente natural co nsid erar que a secreção de bile é um a fu nção do fígad o , e que a secreção de insu lina é um a função do p âncreas. É ig ual­ m ente ló g ico encarar a p ercep ção de luz co m o um a função , dos elem ento s fo to ssensíveis da retina e dos neurô nio s altam ente esp ecializ ad o s do có rtex visual a eles co nectad o s, e a g ênese d e im pulso s m o to res co m o um a fun­ ção d as células p iram id ais g ig antes de Betz. Essa d efinição , entretanto , não é ad equad a a to d o s os uso s do term o “ fu nção ” .

Q uand o falam o s da "fu n ç ão de d igestão ” , ou da “ fu nção de respi­ ração ” , é ó bv io que isto não po d e ser entend id o co m o um a fu nção de um tecid o p articular. O ato d e d ig estão requer o transp o rte de co m id a ao estô m ag o , o p ro cessam ento d o s alim ento s so b a influ ência do suco g ástrico , a p articip ação d as secreçõ es d o fíg ad o e do p âncreas nesse p ro ­ cessam ento , o ato de co ntração d as pared es do estô m ago e d o intestino , a pro p ulsão do m aterial a ser assim ilad o ao lo ng o do trato d ig estiv o e, finalm ente, a abso rção dos co m p o nentes p ro cessad o s dos alim ento s pelas paredes do intestino d elgad o .

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LESÕ ES C ER EBR A IS LO CAIS E L O C A L IZ A Ç Ã O DE F U N ÇÕ ES / 13

tanto , para que esse p ro p ó sito últim o seja alcançad o , é necessário um ap arelho m uscular co m p lexo , que eng lo ba o d iafrag m a e o s m úsculo s interco stais, capaz de exp and ir e d e co ntrair o tó rax e q ue é co ntro lad o p o r um co m p lexo sistem a de estruturas nerv o sas no tro nco cereb ral e em centro s superio res.

É ó bv io que o co nju nto d esse p ro cesso é lev ad o a cab o não co m o um a “ fu nção ” sim ples, mas co m o um sistem a fu n c io n al c o m p leto , que inco rp o ra m uito s co m p o nentes p ertencentes a d iferentes nív eis d o s ap a­ relho s secreto r, m o to r c nerv o so . Um sistem a fu ncio nal (term o intro d u ­ zid o e d esenvo lvid o po r A no khin, 1935; 1940; 1949; 1963; 1968a; 1972) assim co ncebid o se d istingue não ap enas p ela co m p lexid ad e de sua estru ­ tura, mas tam bém pela m o bilidade de su as partes constituin tes. A tarefa o rig inal (restauração da ho m eo stase p erturbad a) e o resultad o final (o transp o rte de nutrientes para as p ared es d o intestino o u d e o xig ênio ao s alv éo lo s p ulm o nares, seguid o p ela entrad a d essas su bstâncias na co rrente sang üínea) perm anecem o bv iam ente inalterad o s em q u alq u er caso (o u, co m o se d iz às vezes, perm anecem inv ariáv eis). Entretanto , a m aneira pela qual essa tarefa é d esem penhad a po d e v ariar co nsid erav elm ente. Po r exem p lo , se o grupo p rincip al de m úsculo s em ação d urante a resp iração (o d ia­ frag m a) pára de ag ir, os m úsculo s interco stais são recru tad o s; se, entre­ tanto , por qualquer raz ão , estes últim o s estão p reju d icad o s, o s m úsculo s da laringe são m o bilizad o s e o anim al, ou ser hum ano , passa a d eg lutir ar, que alcança, assim , os alv éo lo s p ulm o nares p o r um a v ia co m p leta­ m ente d iversa. A presen ç a de uma tarefa con stan te (in v ariáv el), desem ­ pen hada por m ecan ism os div ersos ( v ariáv eis) , qu e lev am o proc esso a um resu ltado con stan te ( in v ariáv el), é um d o s asp ecto s básico s que caracte­ rizam a o p eração de qualquer “ sistem a fu n cio n al” . O segund o asp ecto característico é a co m p o sição c o m p lex a do " sistem a fu n cion al" , que sem pre inclui uma série d e im pulso s aferentes (aju stad o res) e eferentes

(efetuad o res).

Este co nceito de uma ‘ ‘fu n ç ão ” co m o um sistem a fu n cion al inteiro é um a segunda d efinição , que d ifere nitid am ente da d efinição de uma fu nção co m o a função de um tecid o p articu lar. Enq u anto o s p ro cesso s au to nô ­ m ico s e so m ático s m ais co m p lexo s estão o rg anizad o s co m o “ sistem as fu n­ cio nais” d este tipo , este co nceito po d e ser ap licad o co m aind a m aio r p ro ­ p ried ad e às “ funçõ es” co m p lexas do co m p o rtam ento .

Isto po de ser ilustrad o co m a função d o m o v im ento (ou lo co m o ção ), c u ja estrutura p o rm eno rizad a fo i analisad a p elo fisio lo g ista so v iético Bern s­ tein (1935; 1947; 1957; 1966; 1967). O s..m o v im ento s^ d ejjm a p esso a-q u e tencio na alterar su a-p o sição no esp aço , o u execu tar um a c erta'^ ç âo , não po d em jam ais efetuar-se sim p lesm ente p o r m eio de im p ulso s eferentes, m o ­

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14 I F U N D A M E N T O S D E N E U R O P S I C O L O G I A

tem, co m o reg ra, um núm ero m uito grand e de graus de lib erd ad e, que esse núm ero é m ultip licad o em função de grupos de articu laçõ es p artici­ parem no m o v im ento , e que cad a estád io do m o v im ento altera o to no inicial dos m úsculo s, o m o v im ento é em p rincíp io não co ntro láv el m era­ m ente po r im p ulso s eferentes. Para que um m o v im ento se realiz e d eve hav er uma co rreção co nstante do m o v im ento iniciad o ; im p ulso s aferentes fo rnecem info rm açõ es so bre a p o sição no espaço d o m em bro que se está m o vendo e so bre a m o d ificação no to no dos m úsculo s, a fim de que po ssa

scr i n t r o d u z i d a q u alq u er co rreção que se faça necessária no curso do

m o v im ento . So m ente um a estrutura assim co m p lexa do p ro cesso de lo co ­ m oção pode satisfaz er a co nd ição fund am ental d a p reserv ação d a tarefa inv ariáv el, g arantind o a sua execu ção p o r m eio s v ariáv eis e a co nseq ü ente o btenção de um resultad o inv ariáv el p o r esses m eio s d inam icam ente v a­ riáveis. O fato de q ue to d o m o v im ento tem o caráter d e um sistem a fu n ­ cio nal co m p lexo e de que o s elem ento s que realiz am tal m o v im ento p o d em ser cam biáv eis entre si é claro po r po d er ser o m esm o resultad o alcan­ çad o po r m éto d o s to talm ente d iferentes.

N os fam o so s exp erim ento s d e H unter um cam und o ngo alcançav a a sua m eta em um lab irinto co rrend o em uma certa d ireção , m as quand o um elem ento 'd o lab irinto era su bstituíd o po r um recip iente co m ág ua, o anim al passava a ating ir a m eta p o r m eio de m o v im ento s natató rio s. Em algum as d as o bserv açõ es d e Lashley , um rato , treinad o p ara seg uir um certo p ad rão de m o v im ento , m o d ificav a rad icalm ente a estru tura de seus m o v im ento s apó s rem o ção d o cereb elo ou após d iv isão da sua m ed ula espinal po r m eio d e d uas hem isecçõ es o p o stas, de tal fo rm a q ue nenhum a fibra pudesse ating ir a p eriferia; nesses caso s, em bo ra incap az d e rep ro ­ d uzir o s m o v im ento s ap rend id o s po r m eio d o treinam ento , o rato era capaz de ating ir a sua m eta m ed iante a utilização de to d o s o s m eio s ao seu d isp o r, de m o d o q ue a tarefa m o to ra o rig inal era co m p letad a pelo alcance do resultad o requerid o .

A mesm a natureza intercam b iáv el d os m o v im ento s necessário s p ara a co nsecução d e um o b jetiv o req u erid o po d e tam bém ser claram ente v ista se qualquer ato lo co m o to r hum ano fo r cuid ad o sam ente analisad o : o alcance de um alvo (que é lev ad o a cab o po r um co nju nto d iferente de m o v im ento s na d epend ência d e d iferenças na p o sição inicial do co rp o ), a m anip u lação de o b jeto s (q ue p o d e ser d esem penhad a p o r d iferentes p ad rõ es d e im ­ pulso s m o to res) o u o p ro cesso d e escrev er, que p o d e ser efetu ad o co m láp is ou caneta, co m a m ão d ireita o u co m a esquerd a, o u m esm o co m o pé, sem po r isso perd er-se o sig nificad o do que se escrev e ou m esm o a calig rafia característica da pesso a em questão (Bernstein, 1947).

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LESÕ ES C ER E BR A IS LO CAIS E L O C A L IZ A Ç Ã O DE F U N ÇÕ ES / 15

fo rm as m ais co m p lexas d e ativ id ad e m ental. N atu ralm ente, nenhum dos f pro cesso s m entais tais, co m o p ercep ção e m em o riz ação , g nûsias e p raxias, fala e p ensam ento ,, escrita, leitu ra e aritm ética, po d e ser encarad o co m o rep resentand o um a “ facu ld ad e” iso lad a o u m esm o ind iv isív el, q ue' seria a “ função ” d ireta d e um grup o celu lar lim itad o o u seria “ lo caliz ad a” em um a área p articu lar d o céreb ro .

O fato de terem sid o to d as elas fo rm ad as no curso d e um lo ng o d esen­ vo lv im ento histó rico , d e serem so ciais em sua o rig em e co m p lexas e h ie­ rárq u icas em sua estru tura, e d e serem to d as elas basead as em um sistem a co m p lexo de m éto d o s e m eio s, co m o m o stro u o trab alho do em inente p sicó lo g o so v iético V y g o tsky ( 1 9 5 6 ; 1960) e d e seus d iscíp ulo s (Leo ntev , 1959; Z ap o ro zhets, 1960; G alp erin, 1959; Elkq n in , 1960), im p lica em q ue as fo rm as fund ám entais d a ativ id ad e co nsciente d ev em ser co nsid e­ rad as co m o sistem as fu ncio nais co m p lexo s; co nseq ü entem ente, a abo rd a­ gem básica do p ro blem a da sua “ lo caliz ação ” no có rtex cereb ral d eve ser rad icalm ente alterad a.

R ev isão do c o n c eito de " lo c aliz aç ão ”

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16 / F U N D A M EN T O S DE N EU RO PSICO LO GIA

uma série de au xílio s externo s, tais co m o a ling uag em e o sistem a de co ntagem d ig ital, fo rm ad o s no pro cesso da histó ria so cial, são m ed iad as por cies e não pod em em geral ser co ncebid as sem a p articip ação dos referid o s auxílio s (V y g o tsky , 1956; 1960); elas estão sem p re co nectad as com o reflexo do m und o exterio r em plena ativ id ad e, e o seu co nceito perde to do o seu sig nificad o se co nsid erad o à p arte d este fato . Eis aq ui po r que as funçõ es m entais, co m o sistem as fu ncio nais co m p lexo s, não podem ser lo caliz ad as em zo nas estreitas do có rtex o u em ag rup am ento s celu lares iso lad o s, m as devem ser org an iz adas em sistem as d e z on as fu n ­ cion an do em c o n c erto, desem pen han do cada uma dessas z on as o seu p a­ pel em um sistem a fu n cion al c om plex o, po d end o cad a um d esses terri­ tó rio s estar lo caliz ad o em áreas do cérebro co m p letam ente d iferentes e freqüentem ente bastante d istantes uma da o utra.

D o is fato s, que d istinguem claram ente esta fo rm a d e funcio nam ento do céreb ro hum ano das fo rm as m ais elem entares de o p eração do céreb ro anim a), são , talv ez, as características mais essenciais d este co nceito “ sis­ têm ico ” da lo caliz ação de pro cesso s m entais no có rtex. Enq uanto as fo r­ mas sup erio res da ativid ad e co nsciente são sem p re basead as em certo s m ecanism o s externo s (bo ns exem plo s são o nó que d am o s no no sso lenço para no s lem brarm o s de algum a co isa essencial, um a co m b inação d e letras que escrev em o s para não esquecerm o s de um a id éia, o u um a tabuad a de m ultip licação que usam o s para o p eraçõ es aritm éticas) — to rna-se p erfeita­ m ente claro que esses ap o io s externo s o u artifício s histo ricam ente gerad o s são elem en tos essen c iais n o estabelecim en to d e c o n ex õ es fu n cion ais en tre partes in div idu ais do c érebro, e que p o r m eio de sua aju d a áreas do cérebro que eram p rev iam ente ind epend entes to rnam -se o s c o m po n en tes de um sistem a fu n cion al único. Isto pod e ser exp resso m ais v iv am ente d izend o -se que m edidas historicam en te g eradas para a org an iz ação do c o m ­ portam en to hu m an o determ in am n ov os v ínculos na at iv idade do c érebro hu m an o, é é a p resença desses v ínculo s funcio nais, o u, co m o alguns os cham am , “ no vo s ó rgão s funcio nais” (Leo ntiev , 1959), q ue é uma das carac­ terísticas m ais im p o rtantes que d iferenciam a o rg anização funcio nal do cé­ rebro hum ano em co nfro nto co m o cérebro anim al. É este p rincíp io de co nstru ção de sistem as funcio nais do cérebro hum ano q ue V yg o tsky (1960) d eno m ino u p rincíp io da “ o rg anização extraco rtical d as funçõ es m entais co m ­ p lexas” , q uerend o d iz er co m este term o algo inusitad o que to d o s os tip o s de ativ id ad e hum ana co nsciente são sempre fo rm ad o s co m o ap o io de aju d as ou instrum ento s au xiliares externo s.

Imagem

Fig.  2.  Mapa frenológico de Gall.
Fig.  3.  Mapa de  localizações de  Kleist  (a) superfície  lateral; (b) superfície medial.
Fig. 4.  Esquema da formação reticular ativadora.
Fig.  7.  Papel  ativador  da  estimulação  da  formação  reticular  sobre  a esfera  m otora  (reflexo  patnlnrt:  (n)  mill'll  rin  ontimulnçno  dn  formnçito  rotlculnr;  (b)  durnnto  a  estimulação  ; (c)  após  a estimulação da form ação reticular (
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