• Nenhum resultado encontrado

Análise psicossocial do fracasso escolar na Educação de Jovens e Adultos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Análise psicossocial do fracasso escolar na Educação de Jovens e Adultos"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

A Educação de Jovens e Adultos – EJA é uma forma peculiar da educação básica, em suas etapas fun-damental e médio, que objetiva atender às necessidades de um público cujas especificidades não são atendidas pelo ensino regular comum, tendo em vista às diver-sas circunstâncias que provocaram rompimento no percurso da escolarização desses alunos. Desta forma, o grupo de estudantes que compõe a EJA é bastante diversificado e singular, sendo uma modalidade embasada nos princípios propostos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação básica. Gomes (2016) pontua que:

A Educação de Jovens e Adultos tem como intenção primordial a reparação de uma dívida social; assim, ela torna-se um momento de nova significação de vida para os indivíduos que irão refletir acerca dos seus conhecimentos, e ampliá-los de forma a atender as suas necessidades pessoais. Mediante a inserção na EJA, alunos jovens e adul-tos têm a oportunidade de enfrentar o fracasso escolar – compreendido como a consequência da não apropria-ção do aprendizado escolar, culminando, muitas vezes,

Análise psicossocial do fracasso escolar na Educação de Jovens e Adultos

Psychosocial analysis of school failure in youth and adult education

Área de Pesquisa: Desenvolvimento Humano e Processos Socioeducativos

Fauston Negreiros I

Caroline Fernanda Da Costa Silva II

Yamila Larisse Gomes de Sousa III

Layane Bastos dos Santos IV Resumo

Este estudo objetiva identificar fatores determinantes para o fracasso escolar vivenciado pelos estudantes inseridos na Educação de Jovens e Adultos – EJA. Participaram 233 estudantes do 3º e 4ª ciclos, na maioria homens (57,1%) com idade média de 18 anos (variando de 15 a 54 anos) da região da planície litorânea do estado do Piauí. Utilizou-se questionário sociodemográfico e roteiro de entrevista, e a análise foi realizada com o software Iramuteq®, empregando-se o método de Classificação Hierárquica Descendente. Os resultados evidenciam fatores econômicos, políticos, a precarização da estrutura educacional pública brasileira, a ausência de suporte familiar e de um projeto político-pedagógico que considere a diversidade de realidades dos alunos, dentre outros, como responsáveis pelo fracasso escolar.

Palavras chave: Fracasso Escolar, EJA, Análise Psicossocial. Abstract

This study aims to identify determining factors for school failure experienced by students enrolled in Youth and Adult Education (EJA). 233 students participated in the 3rd and 4th cycle, mostly men (57.1%), with a mean age of 18 years (ranging from 15 to 54 years) from the coastal plain of the state of Piauí. A sociodemographic questionnaire and interview script were used, and the analysis was performed with Iramuteq® software, using the Descending Hierarchical Classification method. The results show economic and political factors, the precariousness of the Brazilian public educational structure, the absence of family support and a political-pedagogical project that considers the diversity of realities among students, among others, as responsible for school failure.

Keywords: School Failure, EJA, Psychosocial analysis.

I Universidade Federal do Piauí. Psicólogo, Mestre e Doutor em Educação. Professor do Departamento de Psicologia e Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Piauí/UFPI. Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Desenvolvimento Humano, Psicologia da Educação e Queixa Escolar/PSIQUED.

II Universidade Federal do Piauí. Graduanda de Psicologia pela Universidade Federal do Piauí/UFPI. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Desenvolvimento Humano, Psicologia da Educação e Queixa Escolar/PSIQUED.

III Universidade Federal do Piauí. Graduanda de Psicologia pela Universidade Federal do Piauí/UFPI. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Desenvolvimento Humano, Psicologia da Educação e Queixa Escolar/PSIQUED.

IV Universidade Estadual do Piauí. Psicóloga, Professora e Pesquisadora. Mestre em Psicologia. Bacharel e Licenciada em Psicologia. Tecnóloga em Publicidade e Propaganda. Atualmente, Trabalha como Psicóloga com vinculo efetivo no Instituto Federal do Tocantins - IFTO, mas em exercício provisório no Instituto Federal do Piauí - IFPI. Atua como professora na Universidade Estadual do Maranhão e como professora colaboradora do Instituto Nordeste de Educação Superior e Pós-Graduação-INESPO.

(2)

em reprovação ou no abandono dos estudos (evasão escolar) – produzido no ensino regular. Patto (1999), ao realizar uma análise sobre os determinantes histó-rico-culturais dos fenômenos educativos, conclui que a escola é corresponsável pelo fracasso escolar, rompendo com as perspectivas individualizantes que dominavam na época. A autora apresenta ainda três causas para o fracasso escolar em estudantes das camadas populares: as suas condições de vida; a inadequação da escola pública em lidar com esse aluno real; e, por parte dos docentes, a falta de sensibilidade e de conhecimento da realidade social dos estudantes, fruto do abismo cultural existente entre professor e aluno. No entanto, a culpabilização individual ainda é persistente nas práticas educativas atuais, tornando invisível, sobretudo, o ônus do pro-fessor no processo de ensino e aprendizagem, no qual a responsabilidade é mútua.

Não obstante, vale destacar que estudos recentes apontam que as dificuldades dos professores no enfren-tamento das problemáticas educacionais – inerentes às próprias condições de trabalho, poucos recursos estru-turais em sala de aula, turmas superlotadas, excesso de carga horária, baixa remuneração salarial, processos de adoecimento nos espaços institucionais, dentre outros fatores, que fazem com que não seja possível, em algu-mas situações, cotidianamente, acompanhar cada aluno de forma singular. (Marcato & Molari, 2016; Negreiros, Silva & Lima, 2016).

É oportuno enfatizar que o fracasso escolar possui raízes em diversos seguimentos intra e extraescolares, e todos os envolvidos no processo educacional respondem, direta ou indiretamente, pela manifestação de tal fenômeno.

Nesse sentido, é notória a disseminação de prá-ticas educacionais cada vez mais excludentes, tornando o processo ensino-aprendizagem gradativamente mais restritivo e segregador, engendrando comportamentos discriminatórios e violências simbólicas em alunos que não detêm um perfil aceitável para os padrões escolares estabelecidos. A partir disso, é possível inferir que esses processos de exclusão podem ter elegido a reprovação escolar como uma das queixas escolares mais predomi-nantes, sendo considerada a protagonista nos índices de evasão. As consequências da reprovação são de grande impacto para o futuro do discente, mal muitas vezes irreversível, visto que a falta de escolaridade impede sua inserção social. Contudo, é comum haver esco-las que negligenciam os fatores de âmbito intraescolar que predispõem à reprovação como expressão de fra-casso, tampouco buscam compreender as perspectivas sociais, pessoais, familiares e econômicas que atuam

como fatores de risco para a retenção do aluno no ano letivo (Oliva, Ponczek, Souza &,Tavares, 2014).

A EJA tem inquestionável importância social na vida de quem a procura para novas possibilidades de melhoria de vida. Segundo Gomes (2016), atribui-se à EJA estas três funções: “a reparadora, quando é ofe-recida uma escola de qualidade; função equalizadora, quando permite ao indivíduo sua entrada no sistema educacional; e função qualificadora, quando propicia novos conhecimentos”. Corroborando com esse pen-samento, Andrade (2004) retrata que:

Nessa perspectiva, uma questão importante, para a EJA, é pensar os seus sujeitos além da condição escolar. O trabalho, por exemplo, tem papel fundante na vida dessas pessoas, particularmente por sua condição social, e, muitas vezes, é só por meio dele que eles poderão retornar à escola ou nela perma-necer, como também valorizar as questões culturais, que podem ser potencializadas na abertura de espaços de diálogo, troca, apro-ximação, resultando interessantes aproxima-ções entre jovens e adultos.

Na atualidade, a EJA vem adquirindo, aos pou-cos, um novo significado, resultado dos movimentos que a interpretam como uma modalidade que não deve se reduzir à finalidade de apreensão de signos, ou como uma alternativa provisória. Hoje, o processo de ensino e aprendizagem é percebido a partir de uma análise crítica que suscita à valoração do contexto sociocultural do aluno, pois é a partir dessa perspectiva que se tornam possíveis atribuições no sentido do saber, e, consequen-temente, a permanência desse aluno na escola.

Produto de um sistema educacional excludente, a maioria dos alunos matriculados na modalidade EJA traz consigo histórico escolar com uma ou mais reprovações. Ademais, também é bastante expressiva a quantidade de alunos que necessitam de trabalho e encontram no período noturno a oportunidade de continuar indo à escola. Neri (2010), Lopes (2013) e Gomes (2016) afirmam que “os alunos matriculados na EJA são firmados nesta modalidade pelas expecta-tivas de melhores oportunidades de trabalho que só serão possíveis após a conclusão dos estudos”. Essas expectativas acabam sendo as únicas responsáveis por mantê-los na escola, pois as estruturas físicas das insti-tuições são precárias e o ensino é tracejado por modelos tradicionalistas que não atendem às necessidades dos sujeitos. A falta de motivação do público da EJA para

(3)

com a modalidade ainda é muito significativa. Vale (2007) descreve que:

A maioria dos alunos jovens vê a escola, nos dias atuais, como um “ofício” obrigatório e inevitável, pois a cultura das sociedades contemporâneas complexas é predomi-nantemente escolarizada. Na escola, tanto se adquire saberes de um currículo formal como se aprende a viver numa organização ou comunidade, de modo geral de forma oculta e clandestina, formando-se um modus

vivendi adaptado à vida nas sociedades

atu-ais. Contraditoriamente, esta “organização” apresenta aos jovens alunos um trabalho escolar disperso, fragmentado, inacabado, descontextualizado e repetitivo, por isso, para ter sucesso na escola é necessário tam-bém saber dar sentido a este ‘non-sens’. Embora possuintes de características em comum, como por exemplo a experiência com o fracasso, o público da EJA possui experiências e realidades hete-rogêneas, o que torna pré-requisito para lançar mão de novas estratégias que beneficiem o todo. Para que esse processo de formação continuada avance de maneira exi-tosa, faz-se necessário uma remodelagem no pensamento educativo, com melhorias profícuas na gestão, a fim de que novas práticas pedagógicas se imprimam nesta modalidade (Arroyo, 2008; Ferro &, Pinheiro, 2015).

A proposta de ressignificação da educação de jovens e adultos lança olhar para além do ensino, priori-zando as funções políticas e o “fazer cidadão”, com senso crítico e com a lucidez de um mundo de oportunidades. A EJA tornará possíveis seus propósitos quando reco-nhecer o impacto que detém de ferramenta reconstru-tora educacional e social; o professor deverá se colocar à disposição para “desvendar histórias e experiências” a partir da uma prática em sala balizada pelo contexto social e pelo universo de vivências que é singular ao aluno EJA. Behrens (2010, p. 62) considera que seu papel docente é de “[...] ultrapassar a mera reprodução para a produção do conhecimento, buscando opções didáticas metodológicas que caracterizem uma ação docente compatível com as exigências e necessidades do mundo contemporâneo”.

Pensando no fracasso escolar que os alunos da EJA viveram e no desafio que essa formação continu-ada representa para um projeto de educação democrá-tica no Brasil, surge este trabalho que objetiva conhecer as razões que resultaram na retenção desses alunos no

ensino regular, bem como as motivações que os condu-zem para estar atualmente posicionados no ensino como alunos da Educação de Jovens e Adultos. Para atingir esse escopo, o presente trabalho apresenta uma análise sobre o discurso dos próprios estudantes dessa modalidade de ensino, que foi auferido a partir do questionamento sobre as causas para a saída do ensino regular e as causas que provocaram retorno à escola ou que os mantêm na EJA.

MÉTODO

Participantes

Participaram da pesquisa 233 estudantes inseri-dos nos programas públicos (vespertino e matutino) da Educação de Jovens e Adultos/EJA, pertencentes ao 3º e 4º ciclo, do território da planície litorânea do Piauí, região norte do estado, polo educacional que abrange os municípios de Bom Princípio do Piauí, Buriti dos Lopes, Cajueiro da Praia, Caraúbas do Piauí, Caxingó, Cocal, Cocal dos Alves, Ilha Grande, Luís Correia, Murici dos Portelas e Parnaíba.

Os participantes foram escolhidos de forma não probabilística, intencional e acidental, formando maio-ria no 3º ciclo (55,1%). Há a prevalência de homens (57,1%), com a idade média de 18 anos (dp=6,2 variando de 15 a 54 anos); destes, 79,9% são soltei-ros, e os demais casados (8,1%); separados/divorciados (1,3%) e outros (14,9%). Declararam ter rendimento mensal inferior a 1 salário mínimo (54,3%), e 64,2% afirmaram nunca ter desistido dos estudos, portanto não preencheram a idade e série de desistência.

Instrumento

A construção dos dados foi realizada por meio de dois instrumentos, o questionário sociodemográfico e o roteiro de entrevista semiestruturada, que seguiram inspirações em estudos prévios acerca da temática rea-lizada por Patto (1999) e Collares & Moysés (2000).

No questionário sociodemográfico, foram solici-tadas informações como idade, sexo, estado civil, renda mensal, ciclo da EJA, idade e série de desistência, entre outros. E o roteiro de entrevista semiestruturada conteve algumas questões geradoras para subsidiar a investiga-ção: Por que você desistiu de estudar? Caso nunca tenha desistido, por que você está inserido na Educação de Jovens e Adultos? O que te motivou a voltar a estudar? Caso nunca tenha desistido, relate suas motivações para a permanência na EJA.

(4)

Procedimento de Coleta de Dados

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade, com o propósito de averiguar os parâmetros éticos de pesquisa, rece-bendo parecer de aprovação sob o número de registro CAAE 06422412.0.0000.5214 do Sistema de Ética em Pesquisa (SISNEP). Posteriormente, solicitou-se o

consentimento da Secretaria de Educação (SEDUC) da cidade. Com a autorização, deu-se a aplicação dos questionários em situação individual e coletiva. Os par-ticipantes foram inteirados dos objetivos da pesquisa pelo pesquisador e orientados e convidados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE .

Análise dos dados

Para a análise dos dados apreendidos na pes-quisa, utilizou-se o software Iramuteq® (Interface de

R pour lês Analyses Multidimensionnelles de Texteset de Questionnaires), versão 0.7 alpha 2, desenvolvido

inicial-mente em língua francesa por Pierre Ratinaud (2009). O aludido programa considera a palavra como unidade, por isso permite uma análise lexical quantitativa (cha-mada de análise lexical clássica), bem como a contextu-alização da palavra no corpus ou resposta e a associação das produções textuais com as variáveis descritoras de quem as produziu (análise de especificidades).

Após a formatação do corpus, realizou-se o método de Classificação Hierárquica Descendente (CHD), pro-posto por Reinert (1990), considerada adequada aos dados coletados, pois excedeu a retenção mínima (70%) dos segmentos de texto. A CHD, além de permitir a análise das raízes lexicais, contextualiza, por meio de classes caracterizadas, conforme um vocabulário espe-cífico e segmentos de textos (ST) que compartilham este vocabulário (Camargo, 2005).

Resultados

A análise dos resultados constitui-se pelo corpus de 231 Unidades de Contexto Inicial (UCI) ou respostas para o primeiro banco de dados, e o corpus de 233 UCI’s para o segundo banco; ambos foram processados no software Iramuteq®. As linhas de comando eram com-postas pelas variáveis descritivas de cada participante, seguindo o questionário sociodemográfico (idade, sexo, renda mensal, estado civil e ciclo da EJA). Portanto, serão apresentados os resultados dos dois corpus textuais analisados, considerando a seguinte análise realizada pelo software: Classificação Hierárquica Descendente.

Questões que levaram os estudantes a se inserir na Educação de Jovens e Adultos

Nesta seção serão apresentadas as justificativas que culminaram na saída do ensino regular para a inserção na modalidade EJA (corpus1), aferida a partir das respostas dos participantes. O corpus dividiu-se em 234 Unidades de Contexto Elementar (UCE), totalizando 2.718 ocor-rências e 540 palavras distintas. Com a redução destas às suas raízes lexicais, obteve-se o total de 320 palavras com possibilidade de análise, divididas em três classes, totali-zando 73,5% consideradas pela CHD. O Dendograma apresentado na Figura 1 diz respeito à distribuição das três categorias temáticas (classes), seguidas de suas variá-veis descritivas. Cada classe é descrita pelas palavras mais significativas (mais frequentes), levando em consideração o coeficiente obtido no teste de associação X².

O corpus1, em um primeiro momento, dividiu-se em dois subcorpus (1ª interação), resultando na sepa-ração da classe 1, que diz respeito ao “Desinteresse nas

atividades escolares” do restante do material. Em seguida,

o subcorpus maior foi dividido originando as classes 3 e 2”, a primeira corresponde à “Distorção idade-série” e a outra refere-se ao “Excesso de reprovações” frequente-mente ilustrada nos relatos dos alunos. A divisão não se estende, pois as três classes encontram-se estáveis.

A classe 1,“Desinteresse nas atividades

escola-res”, destaca-se como a mais representativa deste

Dendograma, pois constituiu-se com 65 UCE’s – 37,79% do total classificado. A seguir, as palavras

que-rer e muito, associadas a essa classe, serão discutidas. A

palavra querer aparece nos discursos comumente prece-dendo uma negação, indicando ausência de disposição e desejo de estudar entre os discentes, aspecto que pode ser observado nas seguintes UCE’s:

Reprovei cinco anos porque não queria estudar.

(participante 75, 16 anos, sexo masculino, estudante do III ciclo)

Eu era muito bagunceiro e só queria brincar, todo dia a diretora chamava minha mãe [...]

(participante 219, 16 anos, sexo masculino, estudante do III ciclo)

A palavra muito aparece nas falas dos estudantes para dar ênfase às questões que resultaram na saída do ensino regular; pôde-se observar nos discursos anterio-res, e adiante se ressaltam mais alguns, que expressam motivos distintos:

(5)

Palavras f Estudar 34 35,79 Muito 22 35,68 Querer 12 21,24 Só 17 20,42 Classe 1 Desinteresse nas atividades escolares 65 UCEs = 37,79% Variáveis descritivas: Rendimento mensal se 1 a 2 salários mínimos Palavras f Idade 20 30,53 Eja 37 27,49 Ano 57 19,07 Estar 33 17,87 Repetir 11 16,98 Classe 3 Distorção idade-série 48 UCEs = 27,91% Variáveis descritivas: Módulo IV Palavras Reprovar Desistir f 90 77 30,34 16,53 Classe 2 Excesso de reprovação 59 UCEs = 34,3% Variáveis descritivas: Módulo III

Figura 1 – Classificação Hierárquica Descendente do corpus1 Era muito difícil e eu faltava muito devido

à distância (participante 81, 18 anos, sexo

masculino, estudante do IV ciclo)

[...] eu estava trabalhando muito e não tinha tempo para estudar pela manhã [...]

(partici-pante 41, 17 anos, sexo masculino, estudante do IV ciclo)

A classe 2, caracterizada por conteúdos semânti-cos que apontam o “Excesso de reprovações” como fator determinante para os estudantes pesquisados estarem inseridos na EJA, representou 34,3% das UCE’s. Nessa classe, a reprovação soma-se à negação da desistência do ensino regular graças a uma curva de tempo que teria se distendido demasiadamente, como se pode observar nos trechos que seguem:

Não desisti, eu reprovei quatro vezes por causa do meu problema cognitivo. (participante

213,18 anos, sexo feminino, estudante do III ciclo)

Não desisti, passei alguns meses sem estudar por causa de uma cirurgia e reprovei. (participante

192, 15 anos, sexo masculino, estudante do IV ciclo)

Conforme o número de UCE’s que estrutura a classe 3 “Distorção idade-série” (48 UCE’s – 27,91%) salienta-se que a mesma é tida como a classe com menor poder representativo. Nela, destacam-se as palavras

idade, EJA, ano, esta e, repetir como as mais presentes

nas respostas dos estudantes:

Não desisti, estou no EJA porque reprovei e pela minha idade não podia ficar no ensino regular.

(participante 135, 16 anos, sexo masculino, estudante no III ciclo)

Estou no EJA porque reprovei várias vezes e por causa da minha idade. (participante 144, 17

anos, sexo feminino, estudante do IV ciclo) Esses conteúdos lexicais reforçam as condições para a inserção na EJA percebidos na classe 3, que foi designada em consequência de conteúdos que expres-sam o “Excesso de reprovação”. A idade é evidenciada nos discursos devido à significativa repetência, isto é, à trajetória incerta desses estudantes, feita de idas e vindas à escola, que contribuiu para uma defasagem idade/ série. Por esse motivo acabaram remanejados para a educação de jovens e adultos.

(6)

Motivações para o retorno à escola e/ ou permanência na EJA

O corpus2 versa sobre o que motiva os participan-tes da pesquisa a dar continuidade aos estudos após o fracasso escolar. O Iramuteq® apresentou a divisão desse

corpus em 237 unidades de contexto elementar (UCE),

com o total de 2.967 ocorrências e 532 palavras, formas e vocábulos distintos. Assim, após a redução das palavras às suas raízes lexicais, verificou-se que das 532 palavras, 315 eram analisáveis, e foram divididas em quatro clas-ses de segmentos de texto. No dendograma a seguir, será apresentada a frequência média de cada palavra e suas respectivas associações com a classe (qui-quadrado).

Classe 1

Conclusão de uma etapa para dar início à outra

65 UCEs = 37,79% Variáveis descritivas: Idade entre 37 e 47 anos

Palavras Terminar Estudo Faculdade f 33 47 13 98,42 57,93 20,5 Classe 3 Reconhecer-se como “alguém” 35 UCEs = 21,6% Variáveis descritivas: Idades entre 14 e 25 anos

Palavras f Vida 45 18,72 Desistir 5 19,19 Classe 2 Classe 4 Perspectiva de futuro e apoio à familia 52 UCEs = 32,1% Variáveis descritivas: Idade entre 14 e 25 anos

Palavras Futuro Melhor Familia f 43 35 12 53,53 52,78 21,1 Ascensão financeira e aquisição de conhecimentos 27 UCEs = 16,67% Variáveis descritivas: Sexo feminino Palavras Emprego Arrumar Bom Mais Aprender f 23 2 29 19 11 83,92 25,8 25,41 20,05 18,75 Figura 2 – Classificação Hierárquica Descendente do corpus2

Observa-se a divisão do corpus2 (1ª iteração) em dois subcorpus, separando a classe 1, que recebe o título

“Conclusão de uma etapa para dar início a outra”, do

res-tante do material. Em um segundo momento, o

subcor-pus maior foi dividido, originando a classe 4: “Ascensão financeira e aquisição de conhecimentos” (2ª iteração).

Por último, há uma partição originando as classes 3, formada por conteúdos que expressam o desejo dos alunos de “reconhecer-se como alguém”, e 2 que explicita

“perspectiva de futuro e apoio à família”.

A classe 1 foi composta por 48 UCE’s, represen-tando 29,63% do total. Nessa classe percebe-se uma predominância de conteúdos concernentes à necessi-dade de “conclusão de uma etapa para dar início à outra”, uma vez que as palavras que mais tiveram associação com a classe foram: terminar, estudos e faculdade, conte-údos lexicais que demonstram o desejo entre os alunos de ingressarem em uma faculdade e a ideia de que para tal é preciso finalizar o que antecede a ela, fato que pode ser verificado nas UCE’s mais típicas dessa classe:

Eu quero terminar os meus estudos e fazer faculdade para ter um emprego digno [...] sem os estudos ninguém pode nada. (participante

03, 26 anos, sexo feminino, estudante do IV ciclo).

Eu luto para trabalhar e ganhar um salário digno e não consigo sem meus estudos, mas eu vou dar a volta por cima porque eu quero ter-minar e mostrar que eu tenho a capacidade de vencer, quero chegar numa faculdade [...]

(participante 13, 38 anos, sexo feminino, estudante do III ciclo).

A classe 3, que recebe a denominação de

“reconhe-cer-se como alguém”, formou-se por 35 das UCE’s, sendo

21,6% do total. Portanto, as palavras que mais se des-tacaram nessa classe foram: vida e desistir. Observando os trechos a seguir, conclui-se que a palavra desistir é

(7)

constantemente antecedida por uma negação; isto é, os alunos enfatizam que não vão desistir, pois o significado da escola para eles encontra uma interpretação baseada em que não se pode ter sucesso sem antes completar a escolaridade, razão pela qual a palavra vida também se destaca na mesma classe, uma vez que na escola é que se conseguem condições para a dignificação social, tornando-se “alguém” na vida, o que os farão sobrepujar o fracasso escolar produzido.

Estudo para ser alguém na vida [...] para isso tenho que estudar muito, por isso não desisto nunca. Vou bem longe com os meus estudos.

(participante 232, 16 anos, sexo feminino, estudante do III ciclo).

Estudo para ser uma pessoa com sucesso na vida, ganhar muito dinheiro para ajudar meus pais e parentes. (participante 173, 17 anos,

sexo masculino, estudante do IV ciclo). Observa-se que a classe 2 obteve 52 UCE’s (32,1%), e foi considerada a mais representativa desse dendograma. As palavras de maior associação à classe em questão indicam “perspectiva de futuro e apoio à

famí-lia” nas respostas dos estudantes pesquisados, sendo elas: futuro, melhor e família, Conteúdo que fica explícito

nos seguintes discursos:

Eu quero dar um futuro melhor para minha mãe e para cada membro da família. Eu quero ser da marinha, por isso eu preciso estu-dar muito. (participante 188, 16 anos, sexo

masculino, estudante do III ciclo).

Quero aprender mais e me formar na UFPI para não passar pelo que meus pais passaram. Quero dar uma vida melhor para a minha família. (participante 04, 28 anos, sexo

mas-culino, estudante do IV ciclo)

Percebe-se o desejo particular desse integrante de poder oferecer à família mais do que ela pôde lhe ofere-cer; e aqui vale ressaltar que os estudantes pesquisados são de famílias com renda familiar que é, em 54, 3% dos casos, menor do que 1 salário mínimo.

De acordo com o número de UCE’s, que estrutura a classe 4 (27 UCE’s = 16,67% do total), acentua-se que ela é considerada a classe com menos representatividade.

Nessa categoria temática a “ascensão financeira”, por meio da obtenção de um bom emprego e a “aquisição de

conhecimentos”, torna-se prioridade para os estudantes

se firmarem na EJA. Para tanto, as palavras que mais se associaram com a classe foram: emprego, arrumar,

bom, mais e aprender. Os conteúdos semânticos a seguir

demonstram as unidades de contexto elementar (UCE) que mais caracterizam a classe 4:

Arrumar um bom emprego sem que eu possa trabalhar no sol, e também para que eu possa fazer cursos de várias coisas. (sujeito 224, 15

anos, sexo masculino, estudante do III ciclo)

Porque eu quero aprender mais coisas; se eu não estudo, no futuro não arranjarei um bom emprego. (participante 85, idade indefinida,

sexo masculino, estudante do IV ciclo).

DISCUSSÃO

Sobre a produção do fracasso antes da EJA.

As classes de palavras que emergiram dos resul-tados do primeiro corpus demonstram que os alunos incluídos na educação de jovens e adultos, em sua maio-ria, nunca abandonaram o ensino regular, situando a excessiva repetência escolar como a circunstância mais significativa para a inserção deles na EJA. Constatou-se que o perfil dos estudantes que contribuíram para essa conclusão apresenta uma média de idade de 18 anos, fato que reafirma o que alguns autores, como Brunel (2004) e Carvalho (2009), apontam: a educação de jovens e adultos vem sofrendo uma mudança no seu alunado com relação à faixa etária, desde as últimas décadas há um aumento significativo de jovens na EJA.

A classe 1, “Desinteresse nas atividades escolares”, do primeiro corpus, apresenta uma possível justificativa para o atraso que gerou essa ruptura escolar. A própria denominação da classe expõe de antemão essa justifica-tiva, ou seja, evidenciou-se neste estudo a ausência de desejo e interesse pelos estudos entre os discentes pes-quisados. Patto (1999) relata que os sentidos atribuídos frente à tarefa escolar e à escola são muito relevantes para compreender o “desinteresse dos alunos”. A autora ainda acrescenta que as explicações para tal ausência de interesse não pode ser atribuída tão somente à instância do individual, mas à esfera social, sobretudo nas relações

(8)

de classe que resultam num sistema escolar que pouco oferece a uma população menos favorecida, e assim se torna menos provável, consequentemente, a atribuição de sentido às atividades de origem escolar.

Nesse ínterim, é importante ressaltar que muitos docentes não se percebem como parte produtora do fracasso. Patto (1999), ainda, em sua obra “A Produção do Fracasso Escolar”, conclui que isso é decorrente de informações pseudocientíficas, que atribuem ao aluno pobre a culpa pelo fracasso da escola. Anos mais tarde, nos estudos recentes de Alves-Mazzotti e Wilson (2016), o fracasso ainda é tido pelos professores como uma consequência natural das diversas “faltas” de um mau aluno (falta de interesse, falta de conhecimento, falta de capacidade, etc.), e, no contexto em que ele está inserido (falta de apoio familiar e de uma sociedade igualitária), se negando a atravessar sua práxis.

Não raro encontrar, em discursos que apresentam esses fatores, um evidente desinteresse pela escola:

“Não tinha muito interesse em meus estudos e também tinha necessidade de trabalhar para me manter junto com a minha família”

(par-ticipante 11, 21 anos, sexo masculino, estu-dante do IV ciclo).

Em discursos assim, percebe-se que a relação com a escola e os saberes – muitas vezes conflituosa – se com-binava com a exigência de que se cumprisse um papel de provedor, exigência que emerge fruto das desigualdades sociais flagrantes existentes no país. Dessa maneira, o compromisso com os estudos se põe em xeque diante do retorno imediato que o trabalho oferece: a subsistência da família. Carvalho, Loges & Senkevics (2016) rela-tam o efeito incontestável desse cenário, no qual cada vez mais meninos são lançados ao mercado de trabalho ainda em idade escolar. Esse afastamento da escola pela necessidade precoce de emprego tende a influenciar na manutenção do ciclo intergeracional de pobreza e na dificuldade de aprendizagem, tendo em vista que o tra-balho provoca afastamento e retorno pela constatação de que, com a baixa escolaridade, terão dificuldades em conseguir melhores posições profissionais.

O aluno que atribui o excesso de reprovações ao desinteresse particular pelos estudos toma para si um fracasso que não é só dele. Hoje, o sistema escolar, como aponta Souza (2008), é fruto de políticas que depaupe-raram a escola pública, dificultando o desempenho de seus papéis políticos e sociais, fato que leva essa autora a identificar o fracasso assim como Patto (1999) iden-tificou, quase duas décadas antes, ou seja, um produto

das dificuldades desse sistema gerador de obstáculos ao cumprimento de seus objetivos.

Sobre as motivações para o enfrentamento do fracasso na EJA.

Após percorrerem uma trajetória escolar atribu-lada pelo insucesso, o que motiva os alunos a retornarem e permanecerem na escola? Com base nas classes identi-ficadas no corpus2, é possível inferir que esse estudante compreende que vive em um presente que não é o ideal, e projeta para si um novo futuro, envolvendo amparo à família, desenvolvimento pessoal e profissional, ajus-tamento financeiro e mudança de lugar social. Nesta perspectiva, nota-se que os estudantes percebem pelo menos uma função que Gomes (2016) atribui à EJA: a de qualificadora para a produção de novos conheci-mentos, fato que colabora para a classe 4, “Ascenção

financeira e aquisição de conhecimentos”, emergir.

Para a Psicologia Histórico-Cultural, a educação é fundamental para que o homem se humanize; Lontiev (1978, p. 272) ressalta que para se apropriar dessa edu-cação “[...] o ser humano deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles.” Destarte, a conquista de aprendizagens faz com que o homem ingresse no mundo humano, o faz desenvolver potencialidades e construir relações; se autoconstruir e se reconhecer como “alguém”. E é a aspiração na escola por esse reconhecimento entre os alunos pesquisados que determina a classe 3,“reconhecer-se como alguém”, no

subcorpus 2, desejo que muitas vezes surge explícito em

expressões como “quero ser alguém na vida” (ver falas dos participantes 232, 160 e 30), e está impreterivelmente associado aos estudos para tornar-se esse “alguém”.

A classe 1,“Conclusão de uma etapa para dar início

a outra”, do corpus 2, demonstra que a maioria dos

alu-nos que deseja ascensão profissional a longo prazo tem expectativas educacionais melhores para o futuro: “quero

entrar na faculdade de direito” (participante 222, 26 anos,

sexo feminino, estudante do III ciclo); “quero terminar os

estudos e tentar fazer o Enem” (participante 06, 33 anos,

sexo masculino, estudante do IV ciclo). Isso nos mostra que os alunos podem estar conscientes de que a formação para o trabalho precisa estar coerente com as exigências do mercado atual, que exige competências que vão além da mera execução de tarefas. No entanto, Gouveia e Silva (2015) atentam para o fato de que os estudantes moti-vados apenas pela expectativa do ingresso na faculdade podem limitar-se a uma posição ingênua sobre o Ensino Superior, já que concluí-lo não garante um ascensão,

(9)

tendo em vista o número de indivíduos formados que não conseguem colocação no mercado de trabalho e con-tinuam em seus ofícios anteriores (Silva, 2016).

Desse modo, refletir sobre o futuro e desejar um futuro melhor, explícito na classe 2,“Perspectiva de futuro

e apoio à família”, do subcorpus 2, está estritamente

rela-cionado à aquisição de um bom emprego, ilustrado na classe 4,“Ascensão financeira e aquisição de

conhecimen-tos”. Esse futuro que os jovens esperam é, na verdade,

um mero abastar as necessidades – pensamento que encontra eco nas baixas condições sociais em que vivem –, e que atua como mecanismo motivador. A fala do participante 50 (16 anos, sexo feminino, estudante do IV ciclo), por exemplo, demonstra o significado do trabalho para além de uma possibilidade financeira, unindo razões que se direcionam ao ganho de autono-mia e reconhecimento pessoal, apoio à família e reali-zação profissional: “estudo porque quero ser alguém na

vida, ser reconhecida, ter um bom trabalho, ganhar bem, mostrar meus conhecimentos, ser orgulho da minha mãe e trabalhar para dar o que ela precisa.”

O “bom emprego” ou “emprego digno” que os alunos enfatizam também na classe 4 corresponde à apropriação de um trabalho que não tenha valor social reduzido, particularmente pela intensidade e o pouco retorno que esses ofícios oferecem:

“quero arrumar um bom emprego sem que possa trabalhar no sol [...] (participante 224, 15

anos, sexo masculino, estudante do III ciclo);

“[...] minha mãe sempre diz que tenho que estudar senão vou ficar igual a ela limpando as coisas das outras pessoas e eu não quero isso para mim” (participante 134, 16 anos, sexo

feminino, estudante do III ciclo).

A conquista desse emprego, consistente e bem remunerado, culminará na melhoria das condições de vida da família (classe 2, “Perspectiva de futuro e apoio

à família”), sendo uma das direções motivadoras para

a permanência na EJA. O seguinte excerto categoriza tal motivação:

“[...] A situação financeira da minha mãe, cada dia de aula penso em dar o melhor para ela, penso em cada dificuldade que ela passou para poder criar eu e meus irmãos”

(partici-pante 106, 16 anos, sexo feminino, estu-dante do III ciclo).

Pompermair e Moura (2012) constatam que esses estudantes são de famílias com baixa escolaridade, o que torna possível e bastante natural a baixa renda. Desse modo, infere-se que a baixa condição social, reflexo da baixa escolaridade, mobiliza esses estudantes para a reversão dessa situação familiar, o que só será possível com a permanência na escola.

Considerações finais

O contexto da realidade pesquisada possibilitou a identificação dos fatores determinantes às expressões de fracasso escolar que provocaram ruptura do ensino regular de estudantes que, hoje, encontram-se inseridos na Educação de Jovens e Adultos, bem como as motiva-ções que os mantêm nessa modalidade. Os dados obti-dos revelaram ausência de interesse pelos estuobti-dos como condição mais expressiva para a excessiva repetência. Fazendo menção às motivações para a persistência nos estudos, os alunos demonstram que mesmo inerentes ao estigma do fracasso não se mantêm em postura de comodismo no que concerne à sua realidade. Há um futuro desejado e esse futuro envolve trabalho, entrada no Ensino Superior, apoio à família e dignificação social.

A partir da literatura, é possível inferir que o desinteresse apontado neste estudo pode estar associado ao modelo escolar que não corresponde às aspirações desses alunos de baixa renda, pautado numa infraestru-tura institucional defasada e em práticas metodológicas que se encerram no comodismo, desprezando o con-texto sociocultural do sujeito. Há uma tendência uni-direcional, herança das perspectivas psicologizantes e de carência cultural, que atribui ao indivíduo a produção de seu próprio fracasso, eximindo à instituição escolar de tal responsabilidade. Os próprios alunos, incluindo os que vivem a experiência de uma reprovação, absor-vem esse equívoco e tomam para si a responsabilidade do insucesso escolar.

O desinteresse frente às atividades escolares não se encerra por si só como preditor de fracasso escolar, mas, sobretudo, permite tornar conspícuas as falhas desse pro-cesso de escolarização que possui raízes nos questionáveis mecanismos institucionais e políticos. A escola por si só não consegue dar conta dos condicionantes socioeconô-micos, políticos e culturais do fracasso; contudo, avaliar a dialética da relação entre ensino e aprendizagem e suas implicação torna cada vez mais possíveis as mudanças geradoras de sentido com relação ao saber.

A educação de jovens e adultos é um sistema edu-cacional responsável por receber alunos que vivenciaram o fracasso escolar, no entanto seu comprometimento

(10)

com seus propósitos de reparação, qualificação e equa-lização é posto em questão porque essa modalidade assume, contraditoriamente, a produção desse fenô-meno, tendo em vista que a forma como tem sido ope-racionalizada na realidade pesquisada não se revelou transformadora, engendrando um cenário com altas taxas de repetência, aprovação sem assimilação de conhecimento e evasão escolar.

Essa reflexão gera uma inquietude no sentido da necessidade de conhecer melhor o público dessa modalidade, para enfim poder provocar mudanças nesse âmbito educacional. Destarte, faz-se premente tencio-nar que essa pesquisa possa subsidiar novos estudos que investiguem, de forma longitudinal, a realidade desse público e dessa modalidade de ensino em seus diferentes contextos e atores sociais envolvidos. O reco-nhecimento das falhas dos processos de escolarização e também de suas potencialidades possibilita o fortaleci-mento de pontos positivos e a construção de estratégias mais adequadas de educação para esses alunos, sendo de grande valia ao desenvolvimento humano e à sociedade.

Pontua-se que algumas limitações emergiram na realização desta pesquisa; entre elas, ressalta-se a difi-culdade no acesso a um maior número de estudantes da localidade, o que não favoreceu a ampliação da amos-tra de participantes. Os obstáculos constitutivos desse caminho que impediu o maior acesso dizem respeito à localidade das escolas que, por vezes, é marginal ao perímetro urbano, o que fomenta uma reduzida frequ-ência escolar e uma acentuada evasão nessa modalidade, provocando, por fim, a extinção de turmas antes mesmo do encerramento do ano letivo.

Referências

Alves-Mazzotti, A. J.,& Wilson, T. C. (2016). Relação entre representações sociais de “fracasso escolar” de professores do ensino fundamental e sua prática docente.Revista Educação e Cultura Contemporânea,

1(1), 75-87.

Andrade, E. R. (2004). Os sujeitos educandos na EJA. TV escola, salto para o futuro. educação de jovens e adultos: continuar... e aprender por toda a vida. Boletim, 20.

Behrens, M. A. (2005). O paradigma emergente e a

prática pedagógica. Petrópolis, RJ: Vozes.

Brunel, C. (2004). Jovens cada vez mais jovens na

educação de jovens e adultos: Porto Alegre, RS:

Editora Mediação.

Camargo, B. V. (2005). ALCESTE: Um programa informático de análise quantitativa de dados textuais.

In A. S. P. Moreira, B. V. Camargo, J. C. Jesuíno, & S. M. Nóbrega (Eds.), Perspectivas teórico metodológicas

em representações sociais (pp. 511-539). João Pessoa,

PB: Editora da Universidade Federal da Paraíba. Camargo, B. V., & Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ:

um software gratuito para análise de dados textuais.

Temas em Psicologia, 21(2), 513-518.

Cardoso, M. A., & Cavalcante, E. D. S. L. (2016). Reflexões sobre a metodologia utilizada na educação de jovens e adultos: entre o real e o ideal. Revista

Lugares de Educação, 6(12), 158-181.

Carvalho, M. P. de, Loges, T. A., & Senkevics, A. S. (2016). Famílias de setores populares e escolarização: acompanhamento escolar e planos de futuro para filhos e filhas. Estudos Feministas, 24(1), 81-99. Carvalho, R. (2009). A juventude na Educação de

Jovens e Adultos: uma categoria provisória ou permanente. In Anais 9º Congresso Nacional de

Educação/3º Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia,

7804-7815. Paraná: PUCPR.

Collares, C. A. L., & Moysés, M. A. A. (2010). Preconceitos no cotidiano escolar: a medicalização do processo ensino-aprendizagem. Medicalização de

crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos, 193-214.

Cruz, E., & Gonçalves, M. R. (2015). Evasão na educação de jovens e adultos. LINKS CIENCE PLACE – Revista

Científica Interdisciplinar, 2(3), 16-21.

Cruz, N. C. da, & Viana, M. J. B. (2016). Apropriação de estratégias como forma de superar obstáculos: trajetórias ininterruptas de estudantes da EJA no ensino fundamental. Revista Nupex em

Educação, 1(1), 21-40.

Damiani, M. F. (2008). Sucesso escolar: desafiando expectativas. Atos de Pesquisa em Educação, 3(1), 138-152.

Dantas, C. M., & de Farias, Á. L. P. (2015). O fracasso escolar: Algumas considerações. Revista Brasileira de

Educação e Saúde, 5(1), 20-27.

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo, SP: Paz e Terra.

Freire, P. C. M., & Carneiro, M. E. F. (2016). Reflexões sobre a educação de jovens e adultos: contradições e possibilidades. Revista Brasileira da Educação

Profissional e Tecnológica, 1(10), 34 - 43.

Garcia, N. R., & Boruchovitch, E. (2015). As Atribuições de Causalidade no Ensino Fundamental: Relações com Variáveis Demográficas e Escolares.

(11)

Gomes, A. C. (2016). Os significados que os alunos da EJA têm em relação à instituição escolar. Interagir:

Pensando a Extensão, (20), 1-21.

Gomes, S. da R., & Centurion, D. (2016). O adolescer da EJA: a inserção dos adolescentes que fracassam no ensino regular/The adolescer da EJA: the insertion of adolescents who failed in regular education. Ensino em Re-Vista, 22(2).

Gouveia, D. D. S. M., & Silva, A. M. T. B. D. (2015). A formação educacional na EJA: dilemas e representações sociais. Ensaio Pesquisa em Educação

em Ciências, 17(3), 749-767.

Leontiev, A. (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte.

Lopes, A. P. N., & Burgardt, V. M. (2013). Idoso: um perfil de alunos na EJA e no mercado de trabalho.

Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento, 18(2), 311-330.

Marcato, V. L. X. S.,& Molari, M. (2016).Uma Visão Histórica, Psicológica e Pedagógica sobre o Fracasso Escolar. Revista de Ensino, Educação e Ciências

Humanas, v. 17, n. 3, p. 276-284.

Medeiros, V. D. F. C. D. (2016). A evasão escolar na

educação de jovens e adultos. Dissertação de Mestrado,

Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.

Naiff, L. A., & Naiff, D. G. M. (2009). Educação de jovens e adultos em uma análise psicossocial: representações e práticas sociais. Revista Psicologia

& Sociedade, 20(3): 402-407.

Negreiros, F., Silva, A. M. P. M., & Lima, M. B. P. (2017). Experiências educativas não exitosas: um estudo com discentes avaliando seu próprio processo de reprovação escolar. Revista Educação em Debate, v. 38, n. 66-71.

Neri, M. C. (2010). A Educação profissional e você no mercado de trabalho. Instituto Votorantim Rio de

Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: FGV/CPS.

Oliva, B., Ponczek, V., Souza, A., & Tavares, P. A. (2014). Requalificação e mercado de trabalho: impactos do EJA e da educação técnica e profissional. São Paulo

School of Economics Working Paper, 4, 8-36.

Patto, M. H. S. (1999). A produção do fracasso escolar:

histórias de submissão e rebeldia. São Paulo, SP: Casa

do Psicólogo.

Pompermair, F. S., & Moura, B. D. S. P. (2012). Destinos inconclusos: os jovens de uma escola de EJA no norte do estado do Espírito Santo.

Revista Eletrônica Debates em Educação Científica e Tecnológica, 2(01), 2236-2150.

Ratinaud, P. (2009). IRAMUTEQ: Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Texteset

de Questionnaires [Computer software]. Retrieved from. Disponível em: http://www.iramuteq.org. Reinert, M. (1990). ALCESTE, une méthodologie

d’analyse desdonnées textuelleset une application: Aurélia de G. de Nerval. Bulletin de Méthodologie Sociologique, (28), 24-54.

Silva, E. M. da Nóbrega, & Santos, J. O. Dos. (2016). Evasão escolar: Um problema, várias causas. Revista

Brasileira de Educação e Saúde, 5(4), 30-35.

Silva, R. P. D. (2011). Adolescentes na EJA. Dissertação de Mestrado não publicada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.

Tavares, P. A., Souza, A. P. D., & Ponczek, V. P. (2014).

Uma análise dos fatores associados à frequência ao ensino médio na educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil. 3(2), 8-35.

Vale, Z. M. C. (2007). Encontros e desencontros entre

os jovens e a escola: sentidos da experiência escolar na educação de jovens e adultos – EJA (Dissertação

de Mestrado). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais.

Endereço para correspondência:

Fauston Negreiros

Universidade Federal do Piaui, Campus Ministro Reis Velloso, Parnaíba

Av. São Sebastião, 2819

CEP: 64202-020 – São Benedito, Parnaíba - PI E-mail: faustonnegreiros@ufpi.edu.br

Recebido em 09/01/2017 Aceito em 02/04/2017

Imagem

Figura 1 – Classificação Hierárquica Descendente do corpus1Era muito difícil e eu faltava muito devido
Figura 2 – Classificação Hierárquica Descendente do corpus2 Observa-se a divisão do corpus2 (1ª iteração) em

Referências

Documentos relacionados

Objetiva-se com essa pesquisa investigar as causas da evasão escolar e diante disso elaborar uma análise de dados; promover ações em conjunto com os pares da

A autora, ao trazer um breve histórico das políticas públicas educacionais da Educação de Jovens e Adultos notou que o pouco que foi feito não permite que jovens e adultos possam

O objetivo deste trabalho foi analisar o desenvolvimento profissional dos concluintes do Curso de Hospedagem do Instituto Federal de Sergipe e, ainda, entender a

Para alcançar o que foi proposto no pré-projeto intitulado “O desempenho dos acadêmicos oriundos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Universidade do Estado do

En – Não foi fácil, porque a essa divulgação a gente teve que ir até a “Argos”, em Jundiaí, o curso foi lá, para fazer a divulgação de um em, porque senão as

Ainda em relação ao direito à educação escolar, é necessário não condicioná- la (sic) à necessidade de mercado, como função meramente voltada ao campo econômico.

A educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil é marcada pela descontinuidade e por tênues políticas públicas, insuficientes para dar conta da demanda potencial e

A modalidade de ensino da matemática na EJA deve proporcionar ao aluno aprender de forma mais específica o conteúdo com materiais didáticos. Este deve ser estimulado