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A Sexualidade do Idoso e sua Subjetividade

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Academic year: 2020

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'2,'262(68$ 68%-(7,9,'$'( Ana Velasco Remigio Coelho** Vannúzia Leal Andrade Peres***

Resumo: com base na psicologia histórico-cultural da sub-jetividade, pesquisou-se a sexualidade do idoso. Quatro alunos da UNATI foram entrevistados e completaram frases, o que permitiu construir um indicador de que a sexualidade do idoso é envolvida com sua produção subjetiva das relações conjugais históricas e atuais e com suas necessidades singulares de segurança afetiva, auto-estima, intimidade e prazer com o cônjuge.

Palavras-chave: idoso. Sexualidade. Subjetividade. Desenvol-vimento Humano. Auto-estima.

O

século XXI está sendo marcado por grandes transformações, uma delas é o notávelcrescimento do fenômeno do envelhecimento, com alterações e impactos de suma importância para a vida social, cultural, política, econômica e religiosa de qualquer país.

Conforme Neri (1995), a velhice é jovem porque tanto científica como socialmente falando é o período etário menos desenvolvido, ou sobre o qual dispomos de menos conhecimentos. Além disso, na evolução humana é recente o advento de populações compostas por um grande número de pessoas idosas.

No Brasil, o crescimento demográfico da população acima de sessenta anos, designada de Terceira Idade, é uma realidade. Para Oliveira (1999) a terceira idade apresenta hoje um crescimento demográfico significativo no Brasil o que exige a atenção de diferentes segmentos, como saúde,

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transporte, habilitação e educação permanente para o desenvolvimento intelectual e a integração social dos idosos.

Na perspectiva do desenvolvimento, todas esses segmentos estão presentes de alguma forma, chamando especial atenção a saúde e com ela a sexualidade, motivo pelo qual buscamos a partir da perspectiva histórico-cultural de Vygotsky (1896-1934)) e da Teoria da Subjetivi-dade de González Rey (2002, 2003, 2005), compreender a sexualiSubjetivi-dade do idoso, de forma que possamos superar a idéia de uma sexualidade de caráter puramente biológico e supostamente deficitária ou ausente nessa época da vida.

Diversos autores têm se aproximado dessa compreensão, trazendo possibilidades de se pensar a sexualidade do idoso de forma diferente da tradicional, amparada apenas no aspecto biológico. Algumas aborda-gens teóricas são mais compatíveis com o nosso estudo, principalmente aquelas que discutem a complexidade do fenômeno da sexualidade que, segundo Cavalcanti (1998), nessa época da vida é um tema de difícil entendimento por parte das sociedades devido aos preconceitos, mitos e tabus existentes.

ALGUMAS CONCEPÇÕES A RESPEITO DA SEXUALIDADE DO IDOSO

Podemos citar Kreutz e Muller (1999) com sua idéia de que a vida humana é regida por aspectos mais complexos do que o imperativo repro-dutivo. Para esses autores, a sexualidade do ser humano não se restringe ao enfoque puramente de procriação. Uma relação sexual entre duas pessoas envolve não somente deveres biológicos, mas, em contrapartida, toda a corporalidade, um vínculo emocional, uma infinidade de sentimentos, além de valores sociais e culturais do par. A capacidade de sentir prazer e emoções não tem limite de idade.

Na concepção de Bacelar (1999) a sexualidade e envelhecimento estão em íntima relação e se conhecem muitos preconceitos e falsas concepções sobre a atividade sexual do idoso. Durante muito tempo esse assunto foi proibido não apenas no convívio das pessoas como também na pesquisa científica. Somente na década de 40, o Relató-rio Kinsey permitiu a abertura para pesquisas sobre a sexualidade; a partir daí ruíram muitos tabus sobre o assunto. Anteriormente, se para o jovem havia repressão ao tratar de sexo, para o idoso, além de proibido, era imoral.

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010.  Para Capodieci (2000), entretanto, ainda hoje falsas crenças tor-nam difícil falar da sexualidade dos idosos e o estereótipo ainda difuso é que o prazer sexual esteja limitado somente ao período juvenil da vida.

A compreensão dessas idéias, como simples e parciais, pode ser fundamentada na perspectiva da complexidade de Morin (1996) que alerta estarmos freqüentemente analisando os fatos separadamente porque aprendemos a pensar separado. O autor supõe que esse seja um fenômeno histórico e cultural no qual nos encontramos, e explica que nosso pen-samento é disjuntivo e redutor, que buscamos a explicação de um todo através da constituição de suas partes, que queremos eliminar o problema da complexidade. Enfim, explica que temos uma forma de pensamento que se impõe em nossa mente desde a infância, que se desenvolve na escola, na universidade e se incrusta na especialização.

Mercadante (2005) acredita que o pensamento redutor, disjuntivo e parcial não analisa de forma ampla e profunda a velhice que se mostra como um fenômeno multifacetado e marcado por fatores socioculturais e históricos.

Ribeiro (2002) argumenta que nos últimos anos vêm ocorrendo uma revolução na concepção e na prática da sexualidade, o que tem se refletido de forma indiscutível na terceira idade. Ainda segundo o autor, alguns fa-tores tiveram influência direta no processo, sendo três os mais importantes. Primeiro: a vida sexual deixou de ter apenas a função de procriação para se tornar uma fonte de satisfação e realização de pessoas de todas as idades. Segundo: o aumento notável e progressivo de pessoas que chegaram a uma idade sempre mais avançada em condições psicofísicas satisfatórias e não dispostas a renunciar à vida sexual. Terceiro: o aparecimento da Aids nos obrigou a repensar nossa sexualidade, reforçando a necessidade de todos informarem-se e falarem mais abertamente sobre o sexo.

Assim, para Risman (1999) escrever sobre a sexualidade é um desafio. Segundo o autor, o nosso conhecimento a respeito do corpo foi, por muitos anos, coberto de preconceitos, o conhecimento da psique teve que se adaptar a determinadas transformações sociais e culturais, e da sexualidade, com tantas regras, tornou-se um processo mecânico, vinculado à genitalidade e à procriação, perdendo, assim, seu maior valor: a dimensão natural, de sua manifestação.

Covey (1989) discute sobre os inúmeros mitos, atitudes sociais e estereótipos negativos que são atribuídos aos idosos, lembrando que os mais intensos são aqueles ligados à sexualidade, o que dificulta qualquer manifestação desta área em suas vidas.

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Vieira (1996) lembra que o estereótipo de que o idoso não tem interesse por sexo é uma invenção da cultura em que se vive e da ansie-dade que cerca o assunto.

Atualmente os profissionais desta área estão trabalhando para a quebra ou redução dos preconceitos e dos estereótipos que são atribuí-dos aos iatribuí-dosos. Mas é importante tomar cuidado, pois nesses combates podem surgir os contra mitos, que são imagens superotimistas do idoso, igualmente não realistas. Neste caso, o importante não é a criação dos contra mitos e, sim, demonstrar e permitir que o idoso manifeste sua sexualidade sem culpa, sem considerar que esta atitude ou sentimento seja percebido como anormal (LIBMAN, 1989).

Na opinião de Baggio (1990) a vida sexual não se extingue com a idade avançada. Ela apenas muda de características, se inicia com o nascimento e extingue-se praticamente com a morte. A sexualidade não é unívoca, simples, mas é constituída por uma pluralidade de tendências e de atividades. Baggio (1990) ainda esclarece que o de-clínio sexual do ser humano é gradativo e absolutamente não se deve extinguir, mesmo na nona década da vida, se o indivíduo mantiver prática sexual constante, boa saúde física, conseguir manter um par-ceiro (a) interessante e interessado (a) e, sobretudo se tiver superado as armadilhas dos preconceitos sociais e pessoais acerca da sexualida-de na idasexualida-de avançada. Assim, conseqüentemente, terá o sexualida-desfrute da sexualidade. Pois, o desejo por intimidade, afeição e amor não acaba em nenhuma idade.

A sexualidade para Capodieci (2000) faz parte da dialética da existência de cada indivíduo em qualquer idade; ela representa um dos aspectos do viver juntos e será sempre uma manifestação rica e vital do seu desenvolvimento.

Buscando compreender como se configuram os processos da sub-jetividade social que interagem no desenvolvimento da sexualidade do sujeito, Ribeiro (2002) vem explicar que a sexualidade é a maneira como uma pessoa expressa seu sexo. É como a mulher vivencia e expressa o ser mulher e o homem o ser homem. A sexualidade é expressa através dos gestos, da postura, da fala, do andar, da voz, das roupas, dos enfeites, do perfume, enfim, de cada detalhe do indivíduo.

Entendemos que o modo como cada idoso constitui subjetivamente sua sexualidade não é um processo iniciado no envelhecer, mas é parte do seu desenvolvimento desde o seu nascimento.

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010.  sexual é um componente da sexualidade e ao contrário do que muita gente pensa não é apenas a relação de órgãos genitais, mas, sim, a troca de sons, cheiros, olhares, toques, secreções e carícias (RIBEIRO, 2002). O sexo e a sexualidade são experiências prazerosas, gratificantes e reconfortantes que realçam os anos vindouros. Também são de uma enorme complexidade psicológica. Durante toda a vida carregamos o peso das nossas experiências sexuais infantis e que foram moldados por nós mesmos, nossos pais, nossa família, nossos professores, e nossa sociedade de maneira positiva ou, às vezes, negativa (BUTLER; LEWIS, 1985).

Para muitas pessoas de mais idade, na visão de Butler e Lewis, (1985), a sexualidade oferece a oportunidade não apenas de expressar paixão, mas afeto, estima e lealdade. A sexualidade fornece provas afir-mativas de que se pode contar com o corpo e seu funcionamento, permite que as pessoas se afirmem positivamente, traz consigo a possibilidade de emoção e romance, expressa a alegria de estar vivo, oferece um constante desafio ao crescimento e mudanças para novas direções.

Na visão deRisman (1999), quando o indivíduo enfrenta o fato de envelhecer de forma realista, não tem por que falar de diminuição de prazer nas relações sexuais. Por dispor de mais tempo e mais in-timidades do que quando era jovem e por não esperar do outro uma grande atuação, está mais preparado para que a realização e a ternura aflorem em todas as formas de contato íntimo do corpo. Além disto, a sexualidade não se reduz aos atos genitais, como também inclui todas as demonstrações de afeto.

O sexo na terceira idade, além da satisfação física, reafirma a iden-tidade de cada parceiro demonstrando que cada pessoa pode ser valiosa para a outra. Junto ao sexo, também estão valores muito importantes na terceira idade: a intimidade, a sensação de aconchego, o afeto, o carinho, o amor (RISMAN, 1999).

O desejo por intimidade, afeição e amor não acaba em nenhuma idade. Por isso, na sociedade, muitas vezes, conforme Capodieci (2000), se esquece que o mundo dos afetos não sofre um processo de deterioração com o avançar dos anos, cada um de nós deseja amar e ser amado, ser útil e independente, e sentir o significado profundo que representa a sua existência ao longo de todo o curso da vida.

Como diz Fraiman (1995) o corpo que não é tocado chora, grita, reclama. Alves (2002) completa que o amor na velhice é um espanto, pois nos revela que o coração não envelhece jamais. Pode até morrer, mas morre jovem.

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SUBJETIVIDADE E SEXUALIDADE DO IDOSO

Para González Rey (2003) a idéia sujeito-corpo perde seu sentido caso não seja compreendida dentro dos processos de subjetivação do corpo e das potencialidades subjetivadoras das dimensões do desejo situadas no corpo. O corpo, para o autor, é uma fonte universal de desejo; este se organiza também socialmente sobre a base das emoções experimentadas pelo sujeito em seus diferentes sistemas de relação. O corpo é um siste-ma histórico de relações do sujeito. Separar o prazer corporal de outras motivações de natureza social representaria a conservação da dicotomia cartesiana psique-corpo.

Mudanças podem ocorrer com a produção subjetiva do sujeito sobre sua sexualidade quando chega a velhice, produção essa que é afe-tada pela sua trajetória e pela trajetória da sociedade. Como um sistema complexo e plurideterminado, a subjetividade do sujeito é constituída no contínuo movimento das complexas redes de relações que caracterizam o desenvolvimento social (GONZÁLEZ REY, 2003).

Cavalcanti (1994) argumenta que a idade não é nunca, em si, causa do desaparecimento da capacidade sexual de um indivíduo. Para o autor, a apetência deveria ficar inalterada, ou poderia ficar mais requintada em função da experiência ou da maior maturidade na comunicação dos pares, porém a falta de esclarecimento específico concorre para uma série de conseqüências graves e desastrosas no desempenho sexual dessas pessoas.

Em síntese, a sexualidade é um fenômeno multidimensional onde existem interconexões múltiplas, os aspectos físicos, psicológicos e sociais são interdependentes, dessa maneira cada pessoa experimenta de modo diferente sua sexualidade na velhice.

Mas como isso não é compreendido ainda, quando o assun-to é a sexualidade do idoso, nos defrontamos, como lembra Lopes (1993), com mitos e chacotas ora impondo disfunções à pessoa, ora a desmoralizando.

Portanto, a velhice é uma fase extremamente crítica para o indiví-duo, particularmente na nossa cultura onde as perdas são mais valorizadas que os ganhos. Lopes (1993) ressalta que em uma sociedade onde há uma glorificação da juventude, que se espelha na busca do rejuvenescimento a todo custo, com exaltação do corpo atlético, são de se esperar, fatalmen-te, problemas ligados à esfera sexual. Sabe-se que à medida que a idade avança, os preconceitos em todos os setores da vida se fazem presentes, particularmente os sexuais.

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010.  Esses preconceitos constituem um dos piores e dos mais cruéis para o ser humano. Por exemplo, de que o idoso não tem mais interesse sexual, que não precisa de sexo e que fica até feio pensar e fazer. A idade não dessexualiza o indivíduo, mas sim, a sociedade, ou seja, a satisfação sexual depende da imagem que se faz do sexo e a influência que sofremos do meio; depende, também, de como cada pessoa encara o passar dos anos e as mudanças advindas com os mesmos (LOPES, 1993).

De acordo com a teoria da subjetividade, ao gerar emoções em determinadas vivências o ser humano desenvolve novas formas de se posicionar no mundo. Nos processos de envelhecer e da sexualidade, o sujeito experimenta momentos impares de construção da subjetividade, carregados de emoções e de atitudes singulares, com base nas suas ca-racterísticas e na sua história de vida.

Entretanto, a sexualidade na terceira idade é um assunto ainda muito encoberto (FRAIMAN, 1994). Para esta autora não é possível generalizar sobre quais são as expectativas de homens e mulheres quan-to a sexualidade na velhice. No contaquan-to com homens e mulheres pôde constatar experiências diferenciadas, boas e más, e encaminhamentos os mais variados possíveis. Ainda segundo a autora, teve idoso que venceu as limitações da educação e conseguiu estabelecer uma vida sexual ativa e satisfatória. No outro extremo há idoso para as quais sexo foi tão aver-sivo que, quando acabou, “acabou felizmente”! Há os que se habituaram a ficar sem ele e os que estão refazendo sua vida também nessa esfera.

Na tentativa de compreender a sexualidade dos idosos vimos a necessidade de considerar como eles estão subjetivando esse momento de suas vidas, como eles têm se organizado e produzido sentidos próprios da velhice dentro de suas diferentes histórias e da cultura na qual estão inseridos. Também vimos a necessidade de oferecer a eles, no trabalho de pesquisa, a oportunidade de gerar novos significados da velhice, lem-brando a importância que esses significados devem ter nos seus processos de desenvolvimento, como enfatiza ,em,o elesmomento em suas vidas. os vienensesLeontiev (1964). Segundo este autor, o que parece à primeira vista imutável no homem não passa de fato de uma etapa transitória no seio do seu desenvolvimento histórico.

MÉTODO

Para compreender a sexualidade do idoso lançamos mão do estudo da subjetividade na perspectiva histórico-cultural (GONZÁLEZ REY,

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2003) constituída no decorrer de seu desenvolvimento ou processo de transformações qualitativas, das contribuições da teoria da complexida-de complexida-de Edgar Morin (1996) e da idéia complexida-de Guatarri (1992, p. 200) sobre a interdependência de aspectos individuais e sociais componentes do processo de subjetivação: “a psique, em sua essência, é a resultante de componentes múltiplos e heterogêneos”.

Assim, buscamos compreender a singularidade da sexualidade do idoso e, para isso, incluímos a compreensão das histórias e desenvolvi-mento social como processos contínuos de transformação qualitativa, com constante reconhecimento e valorização das diferentes experiências. Em síntese, ao estudarmos a sexualidade dos idosos buscamos entender seu caráter histórico, complexo e contraditório.

ParaVygotsky (2002) a singularidade só pode ser compreendida no contexto relacional, processual e histórico do fenômeno, isto é, só pode ser compreendida como processo, na sua origem e na sua historicidade, com o sujeito atuando ativamente na sua constituição. Em conformidade com os princípios do materialismo dialético este autor propõe que todos os fenômenos sejam estudados como processos em movimento e em mu-dança. Para ele, a abordagem do processo psicológico humano deveria incluir a explicação da história do processo ao longo do desenvolvimento do homem e da sociedade. Na sua visão, o indivíduo se constitui e é constituinte da sociedade e da cultura em que está inserido, de acordo com sua história, demonstrando a sua singularidade em suas expressões e em suas atitudes perante os acontecimentos da vida.

Vygotsky (2002) compreende que o mecanismo de mudança individual ao longo do desenvolvimento tem sua raiz na sociedade e na cultura e que, por isso, o fenômeno humano deve ser compreendido em sua processualidade, nos potenciais que o indivíduo possui, o que não é algo novo no sentido de existir, mas está vinculado a conteúdos anteriores. Assim, compreende que o processo qualitativo de mudanças tem um conteúdo carregado de historicidade eminentemente social, que a estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvol-vimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social.

Vygotsky quer dizer que estudar um problema sob o ponto de vista do desenvolvimento é revelar a sua gênese e suas bases dinâmico-causais. Como diz: “somente uma análise “dinâmico-causal” pode levar à compreensão do processo”. Assim, chama a atenção para o fato de que a mera descrição não revela as relações dinâmico-causais reais subjacentes

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010.  ao fenômeno. Segundo ele, é preciso fazer uma análise genotípica, através da qual um fenômeno é explicado com base na sua origem.

Leontiev (1964) acrescenta ainda: ”Devemos considerar a cons-ciência (o psiquismo) no seu devir e no seu desenvolvimento, na sua dependência essencial do modo de vida que é determinado pelas relações sociais existentes e pelo lugar que o indivíduo considerado ocupa nestas relações” (p. 95).

Para González Rey (2002, p. 28) isso significa considerar o fenô-meno em sua dimensão singular, onde “o social surge na rota única dos indivíduos constituídos em uma sociedade e uma cultura particular”. Dessa forma acredita que a subjetividade é parte constitutiva do ser humano e das diversas formas de organização social, não sendo um produto da cultura, mas sim constitutiva da cultura.

González Rey (2003) propõe que a subjetividade que permite os processos únicos de desenvolvimento, sejam apreendidas por meio das concepções e expressões dos sujeitos. A partir dessa perspectiva, percebemos que a sexualidade do idoso pode ser compreendida como processo dinâmico, marcada por contradições, imersa em uma história e em uma cultura nas quais são gerados sentidos e significados. Assim, assumimos o desafio metodológico de estudar a subjetividade em uma perspectiva histórico-cultural e de enfrentar os preconceitos e os mitos que isso representa quando o tema em questão é a sexualidade do idoso ou os sentidos subjetivos que cada idoso gera em relação a ela.

Com o método qualitativo trabalhamos com os princípios metodo-lógicos da epistemologia qualitativa proposta por González Rey (2002). São eles: o conhecimento é uma produção construtiva-interpretativa; o processo de produção do conhecimento tem um caráter interativo; a produção do conhecimento a partir da análise da singularidade tem um caráter legítimo.

A pesquisa qualitativa tem, assim, três princípios importantes: seu caráter interpretativo que é gerado pela necessidade de dar sentido a expressões do sujeito estudado, de forma que as idéias do pesquisador são essenciais à construção do modelo teórico processual norteador do curso da pesquisa; a qualidade das relações pesquisador-pesquisado é uma condição para o desenvolvimento da pesquisa e a singularidade não é identificada com o conceito de individualidade, mas se constitui como realidade diferenciada na história da constituição subjetiva do individuo. Assim, a singularidade identifica o sujeito como forma única e diferenciada de constituição subjetiva (GONZÁLEZ REY, 2002).

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Com essa epistemologia, González Rey (2002) propõe transformar o conhecimento em um exercício da relação entre o pesquisador e o su-jeito participante. Sua proposta metodológica enfatiza a pesquisa como processo dialógico que implica tanto o pesquisador, como as pessoas que são objeto da pesquisa, em sua condição de sujeito do processo. Trata-se de processo irregular e contínuo, dentro do qual são abertos, de forma constante, novos problemas e desafios pelo pesquisador que, ao invés de seguir uma linha rígida que organize os diferentes momentos do processo, se orienta por suas próprias idéias, intuições e opções dentro da complexa trama da pesquisa.

Nessa ótica, optamos por trabalhar com o estudo de casos e par-ticiparam da pesquisa quatro alunos da UNATI - Universidade Aberta à Terceira Idade da PUC Goiás: três mulheres com idades de 77, 74 e de 66 anos e um homem de 67. O critério de escolha foi a disponibilidade, sem restrição ao sexo, raça, nacionalidade, religião, grau de instrução, estado civil, mas com idade igual ou superior a sessenta anos, em con-formidade com a Lei n. 10.741 de 1º de outubro de 2003 do Estatuto do Idoso Brasileiro.

A “dinâmica conversacional” e a “complementação de frases”, am-bos propostos por González Rey (2005), foram utilizados como forma de construir informações privilegiando-se as expressões abertas dos sujeitos sobre seus corpos, seus afetos e suas emoções produzidos ao longo de suas vidas. Esses instrumentos foram os indutores para a expressão de suas subjetividades, especialmente a complementação de frases. Para o autor, as conversações geram uma co-responsabilidade, isto é, os participantes se sentem sujeitos do processo, o que facilita a expressão de suas necessi-dades e interesses. Na conversação o pesquisador e o pesquisado refletem, questionam, se posicionam, enfim, mantêm-se totalmente ativos.

Segundo Bock e Gonçalves (2005) quando falamos de nossas emoções, afetos, pensamentos, projetos, valores e julgamentos, estamos falando de um mundo singular, de um mundo de registros a partir de vivências, do mundo psicológico de cada sujeito. Portanto estamos fa-lando de subjetividade.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Trazemos aqui uma exposição da análise e interpretação das informações construídas com três dos quatro sujeitos participantes da pesquisa. Esses sujeitos constituem-se em três casos concretos, singulares:

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010.  suas histórias e expressões acerca de suas concepções quanto à sexualidade, vivências afetivas, relacionamento conjugal e seus desejos mais íntimos. Assim, os resultados do estudo, como preconiza a epistemologia qualitativa a partir de sua articulação com a teoria da complexidade, é um tecido complexo das informações construídas e interpretadas pelas autoras a partir das expressões de Zica, 77 anos, viúva; Jô 74 anos, casada três vezes e Lucas de 67 anos, casado.

Primeiro sujeito: Zica, mulher, 77 anos, viúva há seis anos. Suas maiores dificuldades foram as perdas de entes queridos, as inúmeras e significativas perdas afetivas. Primeiro a mãe quando tinha 16 anos e, depois, dois filhos pequenos. A significação que lhes foi atri-buída nos leva a considerá-las como elementos de suma importância na sua constituição subjetiva e na constituição de suas relações atuais com marido e filhos. Talvez um ponto central para a compreensão do sentido e desenvolvimento de sua sexualidade, de sua relação com seu corpo, de sua dificuldade de expressar suas emoções e afetos. Na sua expressão, a perda da mãe:

“Muito difícil. Eu fiquei muito preocupada [...] muitas mudanças [...] me separar dos irmãos, todos pequenos [...] papai era muito nervoso [...] quando resolveu autorizar meu casamento falou: não vai nenhum nenê te acompanhar. Eu tinha um irmão de 40 dias, precisava que eu cuidasse”. Sobre as perdas dos filhos:

“meu marido ficou desequilibrado, desorientado, com a perda do menino ele ficou louco [...] desorientado demais [...] eu dava muito conselho” Zica tornou-se cuidadora da família:

“não me sinto mal porque foi por mim mesma, não fui obrigada [...] eu vi que tinha que ser daquela maneira e deu certo [...] foi por uma causa justa [...] se eu não me anulasse as vezes não estaríamos juntos”. As expressões de resignação, tolerância e anulação de si mesma são aspectos interligados, não são sentidos subjetivos isolados, integrando-se em uma mesma unidade de integrando-sentido, talvez por falta de opção ou em função da própria cultura da época, com a mulher sendo símbolo de entrega e de serviços, vivendo somente para a família.

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Nesse percurso, as relações conjugais e familiares também foram significadas como difíceis, das quais gerou emoções como mágoa e abandono e que lhe trouxeram sofrimento, dor e sentimento de solidão.

Peres (2005), ao discutir sobre a subjetividade na família chama a atenção para a sua importância no desenvolvimento da afetividade e sua expressão nas relações. Do seu ponto de vista, a família burguesa ou proletária, monoparental, reconstituída ou nuclear é, ainda, o lugar da intimidade, da constituição de vínculos ou do desenvolvimento da afetividade.

Zica, na relação íntima com a família, parece ter constituído vínculos afetivos e uma importante configuração subjetiva de sua perso-nalidade, ser orientadora, conselheira, guardiã e cuidadora, sendo ainda hoje o suporte moral de seus filhos. Isso parece ter lhe proporcionado um desenvolver-se como sujeito produtor de experiências singulares, porém muito racional na expressão de seus afetos. Tem consciência da sua di-ficuldade de expressar a afetividade na relação com seus familiares e de que necessita tranquilidade, liberdade e estabilidade emocional no meio familiar, defendendo seus próprios espaços conforme suas experiências, vivências e ideais.

Fora da família Zica produziu um outro espaço emocional, não permitiu a naturalização da subjetividade social do envelhecer, gerou novos sentidos das possibilidades de atuação do idoso com a criação de poemas que são socializados. Zica busca reconstituir-se nas diferentes áreas de sua vida e diz não sentir falta das atividades sexuais; não vê necessidade de reconstruir sua vida afetiva íntima. Observamos, entretanto, que para ela é natural o idoso continuar a ter desejo sexual, demonstração de afeto e companheirismo.

“Para muitos faz falta [...] já não faz para mim, por exemplo [...] eu não vou criar mais filhos [...] eu não tenho desejo nenhum” embora ache que “pode ser normal” a pessoa de mais idade desejar ter um companheiro(a). Zica tem consciência que a idade não impede a demonstração e a vivência de afetos, também tem opinião positiva sobre a sexualidade dos idosos e vê com naturalidade a pratica de atividades sexuais nessa idade. Sua idéia de sexo é estereotipada, vinculado somente à procriação, o que é compatível com sua história afetiva, permeada de repressão, medo, vergonha e o sexo ligado à procriação, de importância secundária o prazer sexual.

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010.  Para Jô, o sentido subjetivo da vida está vinculado à possibilidade de expressar-se afetivamente, à sua intensa força e capacidade para se desenvolver, cultivar e manter seus próprios espaços sociais. Para ela, Jô seu corpo “é biológico”, submetido à alteração decorrente do tempo, mas está impregnado de sensação de prazer, afetos e emoções. Ela fala de sua sexualidade deixando emergir seus sentimentos de liberdade e de não ter “medo” de relacionar-se afetivamente. Manifesta sua sexualidade sem culpa, sem considerar que esta atitude ou sentimento seja anormal na sua idade. Na sua opinião, viver plenamente a sexualidade é sentir prazer sexual, o que está associado a boa saúde física e psicológica.

Jô deixa explícito o valor dos afetos íntimos em sua vida. São as emoções resultantes desse sentido subjetivo dominante em sua existência que lhe deram segurança nas vivências saudáveis afetivas que manteve nos seus três relacionamentos conjugais:

Eu tive dois maridos, mas eles morreram, estou vivendo com o terceiro [...] eu gosto de todos [...] mas o primeiro não sai da minha mente [...] foi aquela alegria [...] daquelas coisas tão difíceis [...] ainda sinto aquela mesma emoção, aquilo foi amor concretizado dentro de mim e só sai quando eu morrer.

Jô expressa ser uma pessoa feliz, saudável, cheia de vida e com ideais a serem atingidos. Não resgatou a ideologia capitalista do envelhecimento como processo de perdas, declínio, de um ser assexuado. Ao superar suas perdas afetivas, sem se colocar no papel de vítima, Jô demonstra sua ca-pacidade de organização psicológica diante da realidade, qualidade esta que lhe permite construir e defender o espaço subjetivo singular de sua afetividade mediante as infinitas pressões sofridas na família:

Eu tenho uma lembrança [...] quem falava era o pai, a minha mãe ouvia junto com a família e fazia o que o pai mandava [...] Só que eles não brigavam [...]. Ele não perguntou nada, nadinha, só ficou observando o rapaz e foi explicando pra mim assim: a partir de hoje você passa a ser noiva dele, fui dá o sim hoje, já sei quem ele é [...] a partir de hoje você tem uma grande responsabilidade, foi o que você quis, ainda na idade que você ta.

Ao contrário da mãe, Jô vai se posicionando na família, assumindo suas opções, demonstrando seu caráter ativo, pois independente do sistema

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familiar rígido, das pressões do pai, da estreita valoração do casamento e da sexualidade na época de seus pais, em que a mulher devia ser submissa, desenvolve seu próprio jeito de lidar com a situação e de posicionar-se me-diante a realidade. Isso pode explicar ter ultrapassado os conceitos sociais estereotipados existentes na sociedade sobre a sexualidade dos longevos, demonstrando outro sentido de sexualidade e de sexo para si na velhice:

“sexo é vida” [...]

Conforme Kreutz e Muller (1999) a capacidade de sentir prazer e emo-ções não tem limite de idade. Bruno e Bruno (1998) complementam ser importante que a sociedade entenda que a idade pode reduzir a força, mas nunca bloquear o desejo e o prazer sexual.

O sentido de “viver junto” para Jô “é ter carinho, afeto, compa-nheirismo, aconchego, prazer, emoção, romance, auto-estima e saúde”. Em outras palavras, para Jô, o viver junto é uma manifestação rica e vital do desenvolvimento da afetividade e da vida sexual, daí, talvez, as felizes histórias de seus casamentos.

“[...] eu tenho amor pelos meus maridos, aquele amor, aquele zelo, aquela coisa bonita em mim [...] os três foi por amor, não fosse por amor não acontecia”.

Terceiro sujeito: Lucas, 67 anos, casado.

Lucas perdeu a sua mãe aos dez anos de idade, quando produziu nas relações com os pais substitutos emoções que não lhe permitiram sentir-se seguro quanto ao afeto e expressar suas reais necessidades, dia-logar sobre elas, superá-las.

[...] Eu era filho único, então eu tinha todo carinho da minha mãe [...]. Quem é criado pelos outros não é muito bom [...] você sempre é acusado de tudo [...] naquela época eu era muito pequeno [...] eu senti como se tivesse desamparado, não tinha carinho de mãe nem de pai [...] então o meu sentimento era aquele de rejeição.

Talvez esses elementos sejam um ponto central para a compreensão de seus conflitos afetivos, de suas dificuldades relacionais no casamento e para a compreensão de seu posicionamento sobre o relacionamento e para sua produção subjetiva da afetividade diante das imposições objetivas da vida:

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010. 

Olha! Relacionamento afetivo! Sempre a gente culpa os outros, mas eu sempre procurei ser uma pessoa mais humilde, calmo [...] a coisa que eu mais gostaria de ter é uma harmonia total, MS não culpo só ela [...] mas essa parte íntima acabou [...] pelejo pra descobrir o que houve, mas está difícil [...] eu posso até me culpar [...] trabalhava muito, fazia muitos cursos, não parava em casa [...] eu estava correndo atrás da vida [...] mas ela não entendeu e eu não tinha uma solução.

Para Lucas, a manifestação do afeto nas relações conjugais não tem sido possível, talvez por não ter conseguido desenvolver satisfatoriamente relações afetivas ao longo de sua vida em família. Seus sentimentos de rejeição, medo, fracasso, frustração, parecem concretizar-se em constantes conflitos conjugais.

Talvez isso também possa explicar a gênese de seus sentidos sub-jetivos da sexualidade, permeados pela naturalização cultural da perda e declínio do desejo sexual do idoso. Butler e Lewis (1985) definem essa idéia de declínio como o mito que sustenta a redução da sexualidade com o avançar da idade, até chegar automaticamente a uma velhice assexuada. Há indicadores de que o sentido subjetivo do trabalho para Lucas como espaço de inclusão e envolvimento social e afetivo, possibilitou-lhe afirmar-se como sujeito autônomo, mas sobrepôs-se à significação afetiva do outro com o qual se relaciona:

Eu nunca procurei traí-la, mas seu sinto que não dei o carinho que de-veria ter dado, é o meu gênio, é o meu tipo [...] eu nasci para lutar com a vida, enfrentar o mundo, isso aí é comigo”.

Lucas fala de sua dificuldade de expressar o afeto, dizendo sentir-se “melhor só” embora, contraditoriamente, expresse sentimento de culpa por isso, o que pode ajudar a explicar também sua sexualidade insegura e “traumatizada” ou “trancada”:

Não sinto muita falta [...] com a idade eu acho que vai diminuindo o desejo sexual [...] eu acho que do jeito que o organismo vai [...] eu creio que vai diminuindo muito [...] acho que foi um problema de hérnia [...] prejudicou o desejo sexual a rapidez.

Com a explicação causal biológica para a questão justifica sua dificuldade de tentar uma maior interação com a cônjuge, sem se dar

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010. 

conta do sentido negativo que gera da sua sexualidade e de sua condição de ser amado, bem como do sofrimento que advém dessa condição ao não conseguir enfrentá-la: “A verdade é que eu não sinto satisfazer [...] a pessoa reclama [...]”.

Conforme Capodieci (2000) a tendência dos idosos a não reco-nhecerem o próprio sofrimento sexual os levam a concordar com o fato de não atribuírem valor à sua sexualidade na velhice.

Podemos dizer que há indicadores de que os sentidos subjetivos gerados por Lucas sobre a sua sexualidade têm implicações tanto com sua afetividade quanto com a idéia de diminuição do desejo sexual nos idosos, dessexualizando-se como se fosse natural, mas sentindo-se frus-trado por isso.

ALGUNS COMENTÁRIOS FINAIS

Ao longo do trabalho foi possível construir indicadores de como está psicologicamente configuradanos sujeitos a sexualidade, indicado-res que revelaram a diferença dos processos subjetivos de cada um. O testemunho a respeito de suas experiências de vida nos ajudaram a com-preender alguns elementos que predominam na constituição subjetiva da sexualidade de cada um.

Compreendemos que o sentido subjetivo da sexualidade do sujei-to é gerado ao longo de sua história, e é implicado com suas emoções e necessidades experimentadas em seu processo de desenvolvimento.Cada idoso, como ser único, singular, constituiu para si uma sexualidade que perpassou e perpassa por suas relações conjugais históricas e atuais, por seus sentidos da vida e por suas opções.

Como cada sujeito é um universo diferente, a maneira como cada um se relaciona e subjetiva sua sexualidade também é diferente, porém a afetividade, como elemento da vida sexual, de uma forma ou de outra está presente em todos os casos, ora como sentido subjetivo consciente como é o caso de Jô, ora como necessidade que não é assumida como é o caso de Lucas. Já Zica optou por buscar outras motivações para sua vida de forma que a sexualidade possa ficar circunscrita apenas à vida dos outros idosos, excluindo-se desse universo em que o carinho, o afeto e as atividades sexuais podem estar presentes de forma natural.

Compreendemos que a constituição da sexualidade do idoso não está descolada da dimensão afetiva experimentada nas suas histórias de vida, das representações que se têm dos idosos e de suas necessidades e

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010.  motivações sexuais. Entretanto, nem sempre a sexualidade é assumida diferentemente dessa representação e nem sempre sua dimensão afetiva é realizada pelo sujeito em função do seu desenvolvimento, o que em alguns casos pode causar sofrimento.

Para Fraiman (1995) o comportamento e o desejo sexual têm forte correlação com a vida sexual anterior à velhice. Quando há o sentimento de ser querido, necessário e importante, a capacidade de receber amor e afeição não tem limite de idade.

Podemos assim dizer que a vida afetiva e a sexualidade são processos dialéticos, complexos e contínuos como vimos nos três casos estudados.

Como diz Monteiro (2001), somos seres sem fronteiras, pertencemos a um mundo no qual todas as coisas são infinitamente interligadas. Ou ainda como diz Morin (1996), o fato de que todo está na parte não significa que a parte seja um reflexo puro e simples do todo. Cada parte conserva sua singularidade e sua individualidade, mas, de algum modo, contém o todo.

Uma das nossas preocupações neste momento da produção é poder elucidar para a sociedade contemporânea que o idoso não é assexuado, tem desejos e necessidades sexuais e afetivas e que devemos ajudá-lo a manifestar sua sexualidade sem culpa, sempre que o desejar, sem consi-derar que esta atitude e este sentimento sejam percebidos como anormais.

Ao pensar em afetividade e sexualidade associadas à longevidade, con-seqüentemente pensamos em melhoria da qualidade de vida que é o grande paradigma emergente no momento. Os sujeitos falaram de sua constituição afetiva e da sua sexualidade, e do sexo em si, sem demonstrar constrangimen-to, ou seja, vêem e lidam com a sexualidade com muita naturalidade. Mas a sociedade persiste em acreditar no mito de que todo idoso é assexuado. O mito é alimentado pela desinformação e pela má interpretação das inevitáveis mudanças fisiológicas que ocorrem nos indivíduos de mais idade.

Chamamos a atenção para a importância da informação sobre o envelhecimento e as mudanças biológicas, o que poderá ajudar a combater os preconceitos e, consequentemente, trazer muitas mudanças para as representações sobre as atividades sexuais das pessoas com mais idade. Reconhecemos que ainda existe muito a pesquisar, pois a sexualidade é complexa e a subjetividade é fator determinante para sua explicação. Muito se tem, ainda, a constatar e a reformular sobre nossos atuais conceitos de velhice e de sexualidade. Convém que os pesquisadores, mais do que os sujeitos idosos, quebrem seus próprios tabus e barreiras construídas ao longo do tempo, para compreendermos a complexidade que envolve a sexualidade do idoso na sociedade contemporânea.

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,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010. 

Arcuri (2005) lembra que lidar com a questão do envelhecer, tanto nosso quanto do outro, requer uma abertura especial. Temos que ter a compreensão do envelhecimento como uma totalidade que não é simples e nem tampouco abstrata.

Para Lopes (2005), a velhice, como categoria universal, não existe isoladamente. Existe, sim, um indivíduo com características singulares, um ser único em constante processo de transformação, constituído por um organismo biológico, inserido numa determinada cultura e momento histórico, os quais são, em nossa opinião, referências para constantes produções de sentidos e significados únicos.

Desejando contribuir com a elaboração de programas de educação sexual para os idosos, a fim de que vivenciem sua sexualidade de forma afetiva, sugerimos o a realização de estudos sobre o desenvolvimento da afetividade, o que é, sem dúvida, uma possibilidade de estudar o nosso futuro e abrir perspectivas para um novo modo de ser, entender e constituir-se como sujeito singular. Sabemos e temos consciência da importância do afeto na vivência da sexualidade para as nossas vidas e nossos relacionamentos, o que foi constatado nos sentidos subjetivos da sexualidade gerados pelos sujeitos.

Segundo Monteiro (2005) somos seres gregários, precisamos do alimento do afeto para sobreviver.

Percebemos ao longo do trabalho que a sexualidade é um fenômeno muldimensional, com interconexões múltiplas com a interdependência dos aspectos físicos, psicológicos e sociais. Dessa maneira, compreendemos que cada sujeito na sua singularidade e historicidade desenvolveu sua própria forma de vivenciar sua sexualidade. Compreendemos também que as expressões de “afeto”, “carinho”, “carícia”, “sensação de aconchego” e capacidade de amar e o desejo por intimidade não acabam em nenhu-ma idade e sua nenhu-manifestação é vital para o desenvolvimento do idoso, proporcionando-lhe auto-estima.

Ressaltamos a importância do indicador de que a sexualidade do idoso tem um caráter subjetivo implicado com suas experiências afetivas ao longo de sua vida em família, além da experiência conjugal propria-mente dita e, portanto, implicado com seu processo de desenvolvimento.

THE SEXUALITY ELDER AND HIS SUBJECTIVITY

Abstract: based on the historical-cultural psychology of subjectivity, was searched the sexuality of the elder. Four students from UNATI were

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inter-,8'-3+4:59*+);2:;8', Goiânia, v. 20, n. 5/6, p. 303-323, maio/jun. 2010.  viewed and they completed sentences, which has helped build an indicator that sexuality elder is involved with subjective production of historical and current conjugal relations and with their singular needs of affective security, self-esteem, intimacy and pleasure with the spouse.

Keywords: Elder. Sexuality. Subjectivity. Development, Self-Esteem.

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* Recebido em: 2010 Aprovado em: 06.2010.

* Artigo aceito em junho de 2010, decorre da dissertação de mestrado de Ana Remígio Coelho, realizada no Programa de Pós graduação em Psicologia da PUC Goiás, orientada pela Profª Vannúzia Leal Andrade Peres, doutora em psicologia pela UnB desde 2001.

** Pós-Graduada em Psicologia pela PUC Goiás. ***Doutora em psicologia pela Universidade de Brasília.

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