A morte e a morte de Quincas Berro D'Água, de Jorge Amado
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Publicada pela primeira vez em 1959, na revista "Senhor", esta curta obra logo recebeu vestes de romance. A morte e a morte de Quincas Berro D'Água, de Jorge Amado, é, antes de tudo, uma crítica azeda aos comportamentos burgueses. A obra está inserida na segunda fase do Modernismo (o intitulado "Romance da Seca"). Os autores desta geração priorizaram a problemática ruralista do Nordeste,
evidenciando os contrastes e as explorações sociais sofridas pelos sertanejos.
É considerado por críticos literários importantes, como José Ramos Tinhorão e Paulo Emílio Salles Gomes, um romance atípico de Jorge Amado, longe de sua temática eminentemente baiana e/ou política. O livro é solidamente baseado no "Evangelho Segundo o Espiritismo", de Allan Kardec, e justamente por essa razão foi mais tarde desprezado por seu autor, que via nele o registro de uma fase de sua vida que ele preferia esquecer.
Outros elementos a serem notados no livro são as referências óbvias a um dos maiores clássicos da literatura brasileira, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e a extrema semelhança estrutural com A Comédia Humana, de Balzac.
Com A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água, Jorge Amado faz uma profissão de fé espírita, ao mesmo tempo em que lança profundas indagações sobre o sentido da vida. A dupla de críticos ingleses Terry Gillian e Michael Palin, autores de O
Cânon Ocidental, considera este romance uma verdadeira aula de metafísica,
embora aponte algumas falhas estruturais e de linguagem que o prejudica um pouco.
O livro é pontuado por participações de outros grandes personagens de Jorge Amado, como Vadinho (protagonista de Seara Vermelha) e Antônio Balduíno, que
1º ano
A morte e a morte de Quincas Berro D'ÁguaJoão J.
Fev/10
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fez sua primeira aparição como um dos Capitães de Areia e teria papel importante na obra-prima da maturidade de Amado, o livro que inaugura sua fase folclórica: O
País do Carnaval.
Os romances de Jorge Amado são divididos habitualmente em dois momentos. O primeiro momento é o Romance do Proletário, onde a temática de denúncia social é o centro do livro. O segundo momento, Romance de Costumes, é onde há uma valorização na mostragem dos costumes da sociedade baiana, onde as críticas são apontadas agora com um tom humorístico. Em alguns instantes chega a incorporar a tendência do Real Fantástico como em Dona Flor e seus Dois Maridos - a volta do marido morto de Dona Flor; ou ainda em A Morte e a Morte de Quincas Berro
D'Água - onde o protagonista "volta à vida" para escolher a sua morte. A obra
divisora destas duas fases é Gabriela, Cravo e Canela, de 1958.
Jorge Amado popularizou-se em criar tipos sociais, abusando da espacialidade e exotismo da Bahia, gerando um ambiente propício para que seus personagens possam agir livres, entregues ao universo que os circunda. É neste universo que A
morte e a morte de Quincas Berro D'água se desenvolve.
Os becos, as ruas, os espaços habitados pela gente pobre, humilde, feliz e excluída da velhaSão Salvador são dissecados aos olhos do leitor que necessita de uma certa malícia, ironia e humor para compactuar com o escritor que lida de forma
divertida, dolorida e irônica com a morte.
Os personagens amadianos são extraídos dos meios populares da Bahia. Em geral, não possuemmuita complexidade. No entanto, no transcorrer narrativo, vão ganhando maior importância e firmandosuas características. Como ressalta Paulo Tavares: "Muitas dessas criaturas anônimas, todavia, merecemdo romancista um tratamento especial que as fixa, situa. Adquirem contornos precisos, ganham individualidade, constituem-se em núcleos dramáticos entre misturando-se no emaranhado dos acontecimentos. "Mesmo havendo momentos de introspecção psicológica nas personagens, elas tendem mais a uma classificação como "planas", não chegando muito a surpreender o leitor.
FOCO NARRATIVO
O autor se põe na condição de observador que redige na terceira pessoa, como quem colhe os fatos e suas interpretações sem neles interferir.
O foco narrativo é a verdadeira morte de Quincas: na pocilga em que morou durante sua vida boêmia. Deste fato, retrospectivamente, se desenrola a existência passada do protagonista, desenvolvida em duas etapas distintas: junto da família, como pessoa "normal" e junto dos vagabundos, como um marginal voluntário e assumido. Do mesmo fato, prospectivamente, se acompanha o velório e o passeio do morto, até cair no mar.
Não tem-se neste livro o Jorge Amado esquerdista politizado que assinou produções nas décadas de 1930 e 1940. Desta feita, se mostra o contador de histórias pitorescas da Bahia.
LINGUAGEM E ESTILO
É um autor sem rodeios, que consegue ser incisivo quando o momento exige, mas que também é poético, suave, sempre mantendo a sobriedade. Suas descrições nunca ficam nelas mesmas, ele vai além, interagindo o espaço descrito com as personagens, ou às vezes, divagando sobre isso. Assim, valoriza-se a plasticidade da imagem em detrimento a sua objetividade.
Sua linguagem é bem simples, evitando os exageros dos puristas da Língua e registrando a naturalidade dos discursos praticados no cotidiano por diferentes camadas sociais. Este senso de observação do que se passa nas ruas da Bahia fez com que o autor inserisse um vocabulário mais regionalizado (abrangendo desde gírias a expressões da cultura baiana).
Joaquim Soares da Cunha ou Quincas Berro D'Água - (protagonista)
Sua família - Otacília, mulher; Vanda, filha; Leonardo Barreto, genro; Eduardo e Marocas, irmãos.
Seus amigos - Curió, Negro Pastinha; Cabo Martim; Pé-de-vento. Sua amante - Quitária do Olho Arregalado
ENREDO
A novela, dividida em 12 capítulos, retrata a morte do rei dos malandros Quincas Berro D'Água e toda a magia do ambiente baiano que circunda as histórias
fantásticas dos cantadores de feira, do povo humilde que se utiliza da oralidade, da notícia que ainda se leva de boca em boca.
No primeiro capítulo, o narrador nos antecipa os mistérios e as lacunas que permaneceram semexplicação na morte de Quincas Berro D'Água. Também ficamos sabendo que Quincas já teria outra morte, o que aconteceu quando abandonou a família para viver de malandragem. A filha e o genro anteciparam para a próxima geração que o avô Joaquim, homem respeitável, já havia falecido. Então, Joaquim, ao se transformar em Quincas, teria a sua primeira morte, ao se desligar da família. Se a morte não foi física, pelo menos foi moral. Quincas era uma vergonha para a família. Ficamos sabendo também que de fato o personagem seria um recordista de morte, somando ao todo pelo menos três. E o narrador nos adverte: "Não sei se esse mistério da morte (ou das sucessivas mortes) de Quincas
Berro D'Água pode ser completamente decifrado. Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é tentar, mesmo o impossível."
No capitulo II vemos o perfil de Joaquim Soares da Cunha, segundo a família: de boa família, exemplar funcionário da Mesa de Rendas Estadual, ouvido com respeito, todo burguês, jamais visto em botequim. Este é o Quincas que existia, quando resolveram decretá-lo morto para a sociedade. Quando a filha Vanda ou o genro Leonardo sabiam alguma notícia de Quincas através de vizinhos ou terceiros era como se um morto se levantasse do túmulo. Neste capítulo, também a família fica sabendo através de um santeiro que Quincas estava espichado, morto em uma
pocilga miserável. A família suspirou com alívio, poderia falar do Joaquim exemplar: bom pai, bom esposo. Fora encontrado por uma nega vendedora de mingau. Encontrou-o com o dedão do pé direito fora da meia rasgada e de sapato roto no chão. O santeiro espanta-se ao ver onde a família de Quincas morava e pergunta o motivo dele se encontrar naquela miséria: se foi traição da mulher. O genro retruca que a sogra, a Dona Otacília, era uma santa. Porém, na fotografia de Otacília, o santeiro vê um osso duro de roer. A família começa a tomar as
providências para o velório.
No capítulo III, a filha Vanda chega à pocilga, e recorda do quanto tentara trazê-lo de volta em vão. O defunto "era um morto pouco apresentável, cadáver de
vagabundo falecido ao azar, sem decência na morte, sem respeito, rindo-se
cinicamente, rindo-se dela (...) Cadáver para necrotério, para ir no rabecão da polícia servir depois aos alunos da Faculdade de Medicina (...) Era o cadáver de Quincas Berro D'Água, cachaceiro, debochado e jogador, sem família, sem lar, sem flores e sem rezas. Não era Joaquim Soares da Cunha, correto funcionário da Mesa de rendas Estadual(...)", aposentado, bom esposo. Vanda indaga-se como pode um homem,
aos cinqüenta anos, abandonar tudo e começar nesta idade "a vagabundear pelas
ruas, beber nos botequins baratos, freqüentar o meretrício, viver sujo e barbado, morar em infame pocilga, dormir em um catre miserável?" Por mais que tentasse
não conseguiria compreender. Loucura de hospício não era. Assim, nem Quincas havia dado o último suspiro, a família já o iria transformar em Joaquim Soares da Cunha.
No capítulo IV, a família vê-se às voltas com a vergonha e como evitá-la. Para isso, qual seria amelhor forma de se livrar do defunto? Neste capítulo também tem a chegada do médico para o óbito. E o médico conclui: "- Ele está rindo, hein! Cara de
debochado. Vanda fechou os olhos, apertou as mãos, o rosto vermelho de vergonha."
No capítulo V, a família entrega o corpo para uma funerária, tentando gastar o mínimo possível: compram tudo novo, menos a cueca, pois é desnecessária. Em um almoço de família, comendo uma peixada, Vanda, Leonardo, o irmão de Quincas, Eduardo, e a gordíssima tia Marocas, encontravam uma solução para se livrar do
incômodo da forma mais barata, rápida e discreta possível. Decidiram velá-lo na pocilga mesmo e diriam que ele morreu no interior. Convidariam para a missa de sétimo dia.
O capítulo VI está às voltas com as soluções práticas da família para resolver o problema. Iriam velar o defunto só os quatro familiares, revezando-se em turnos. E lá estava Quincas na esquife, severo e nobre. "Duas velas enormes (...) lançavam
uma chama débil, pois a luz da Bahia entrava pela janela (...) Tanta luz do sol, tanta alegre claridade, pareceram a Vanda uma desconsideração para com a morte, faziam as velas inúteis, tiravam-lhe o brilho augusto. Vanda, velando o pai, começa a restaurar o homem bom da infância." Neste capítulo também somos informados
como Quincas abandonou tudo: "A verdade é que Joaquim só começara a contar em
suas vidas quando, naquele dia absurdo, depois de ter tachado Leonardo de 'bestalhão', fitou a ela e a Otacília e soltou-lhes na cara, inesperadamente: -
Jararacas! E, com a maior tranqüilidade desse mundo, como se estivesse a realizar o menor e mais banal dos atos, foi-se embora e não voltou." Contava Quincas com
cinqüenta anos, perambulou pela felicidade durante dez anos. No silêncio fúnebre, Vanda ouvia o pai dizer jararaca, ela empalideceu. A tia chega. O defunto alegra-se com a brisa do mar que entra e apaga as velas, sorrindo e ajeitando-se melhor no caixão.
O capítulo VII está todo às voltas com a tristeza causada em todos os miseráveis da cidade. Passamos a conhecer o Quincas Berro D'Água e o quanto era querido. Os amigos estavam inconformados por ter morrido em terra, um homem que se dizia velho marinheiro, mesmo sem nunca tê-lo sido. Era herança que herdara de família, dizia. Seu corpo, por sua vontade, pertencia ao mar. Também neste capítulo somos informados do apelido Berro D'Água, agregado a Quincas. O espanhol o enganou e ofereceu-lhe água, em lugar de cachaça. Ao perceber o engodo, Quincas deu um berro fenomenal "- Äguuuuua!", chamando a atenção de meio mundo, sendo ouvido até no elevador Lacerda. A partir de então,
transformou-se em Quincas Berro D'Água. Todos sofriam a morte de Quincas. O povo estava de luto. Começa a aparecer as bondades do velho e bom malandro Quincas Berro D'Água.
No capítulo VIII, conhecemos os quatro melhores amigos de Quincas: Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé-de-vento. Também estes personagens são
caracterizados.
O capitulo XIX faz-se pelo enfrentamento dos amigos da malandragem, citados no capítulo anterior e a família de Quincas.
No capítulo X, continua o velório e os quatro amigos em voz baixa disputam o amor da amante de Quincas, a Quitéria do Olho Arregalado. Agora, era turno do irmão de Quincas, o Eduardo, que iria passar a noite, mas decide deixar o irmão com os amigos e ir descansar um pouco. Aí os amigos eram os verdadeiros donos do defunto. Organizaram um velório decente, com cachaça, salame. Tentaram rezar, começaram a beber e dar bebida ao defunto que sorria e devolvia um pouco da cachaça, lambuzando o paletó. Os amigos tiraram as roupas artificiais de Quincas e colocaram os velhos trapos e o defunto ficou deles. Levaram cada um uma peça para si, pois defunto não precisa dessas coisas. E saíram agora com o defunto vivo para a peixada no saveiro: Curió e Pé-de-vento saíram na frente. Quincas, satisfeito da vida, num passo de dança, ia entre Negro Pastinha e Cabo Martim de braço dado.
No capítulo XI, a cidade neste dia está de luto e quieta. Nem as prostitutas abriram para o ofício. Os amigos e Quincas saíram acordando todo mundo para a peixada, pois era aniversário do Quincas. Fizeram o que faziam todas as noites: farra, bebedeira, confusão... Até chegarem ao saveiro e saírem para apeixada no mar. Em alto mar, Quitéria do Olho Arregalado e Quincas não comiam. Quincas olhava o céu, ouvindo Maria Clara cantar. De repente, o anúncio de tempestade, mas não
respeitaram, retardaram a volta, aproveitando mais o momento. A tempestade chegou e ninguém sabe como Quincas pôs-se de pé e "no meio do ruído, do mar em
fúria, do saveiro em perigo, à luz dos raios, viram Quincas atirar-se e ouviram sua frase derradeira. Penetrava o saveiro nas águas calmas do quebra-mar, mas Quincas ficara na tempestade, envolto num lençol de ondas e espuma, por sua própria
No capítulo XII, sabemos que o caixão encontra-se na loja de Eduardo, esperando um defunto de segunda mão.
"Quanto à frase derradeira há versões variadas." Afinal, quem poderia ouvir direito
no meio de tamanho temporal?
"Segundo um trovador do Mercado, passou-se assim:
'No meio da confusão ouviu-se Quincas dizer: ' - Me enterro como entender
na hora que resolver. Podem guardar seu caixão Pra melhor ocasião.
Não vou deixar me prender Em cova rasa no chão.' E foi impossível saber
Fontes: Colégio Pró Campus | Jornal Escola
Jorge Amado e a morte de Quincas Berro D'água
Nesse ano a Companhia das Letras iniciou a republicação das obras completas de Jorge Amado (1912-2001), sendo que os últimos livros serão reeditados em 2012, ano da comemoração do seu centenário de nascimento.
Jorge Amado nos deixou vasta e rica obra. São seus livros como "Tieta do Agreste", "Terras do sem-fim", "Dona Flor e seus Dois Maridos", "Mar Morto", "Capitães de Areia" e "Tocaia Grande", apenas para citar alguns.
Advogado, porém sem nunca ter exercido a profissão, era "comunista de carteirinha'. Preso e exilado em diversas oportunidades, na década de 40 foi deputado federal pelo PCB, afastando-se da militância política por volta de 1955. Viveu na França e na Tchecoslováquia, ocasião em que estreitou seus laços comunistas com a Europa, em especial a União Soviética. Seu lar, no entanto, foi a famosa casa do Rio Vermelho, Salvador, Bahia, Brasil, comprada com a venda dos direitos de filmagem de "Gabriela, Cravo e Canela" aos estúdios da MGM. Era lá que recebia amigos e personalidades,
entre elas Sartre e Pablo Neruda, que se tornou compadre de Jorge Amado.
Em 1998 torna-se doutor "honoris causa" da Universidade de Sorbonne Nouvelle e Universidade Moderna de Lisboa, sendo agraciado, ainda, com o prêmio Camões, maior honraria para escritores de língua portuguesa. Morre em 2001 após problemas de saúde que o acompanhavam desde a última metade da década de 90, impulsionados por um enfarte, perda da visão central e um edema pulmonar detectado em Paris. Com ele se foi a maior e mais real oportunidade do Brasil receber um prêmio Nobel de Literatura. Dificilmente a qualidade de sua obra, traduzida para o mundo todo, terá representante de tamanha importância.
Entre as personagens criadas por ele, merece destaque Quincas Berro D'água. A novela escrita por Jorge Amado é deliciosa e merece ser lida em um único fôlego.
O livro narra os acontecimentos que sucedem após ser encontrado o corpo de Quincas em uma pocilga, deitado sobre um catre, mal vestido, com o dedão do pé escapando por um buraco na meia furada e... sorrindo, um "sorriso cínico, imoral, de quem se
divertia". Vanda, filha, Leonardo, genro, Tio Eduardo e Tia Marocas, irmãos, ao mesmo
tempo que se apresentam enlutados davam graças pelo ocorrido. Finalmente morria a vergonha da família.
Para os parentes o falecido deveria permanecer para sempre como o irrepreensível cidadão Joaquim Soares da Cunha, não o famoso Quincas Berro D'água, o "Rei dos
vagabundos da Bahia", o "senador das gafieiras", o "patriarca da zona do baixo meretrício", personagem que se tornou após sair de casa chamando mulher e filha de
"jararacas".
Vanda não entendia como um respeitado funcionário da Mesa de Rendas Estadual podia abandonar, aos cinqüenta anos, a família, o lar, os hábitos de toda uma vida, "para
vagabundear pelas ruas, beber em botequins baratos freqüentar o meretrício, viver sujo e barbado, ...".
No entanto, a morte de Quincas foi sentida pelos seus pares. A notícia se propagou e nos bares, botequins e armazéns, "imperou a tristeza e a consumação era por conta da
perda irreparável". Afinal, "quem sabia melhor beber do que ele, jamais completamente alterado, tanto mais lúcido e brilhante quanto mais aguardente emborcava? Capaz como ninguém de adivinhar a marca, a procedência das pingas mais diversas, conhecendo-lhes todas as nuanças de cor, de gosto e de perfume". Todos
que lhe queriam bem, mulheres baratas, vagabundos, malandros, marinheiros desembarcados, derramaram lágrimas pela perda.
No velório não poderiam deixar de faltar os amigos, em especial os inseparáveis Curió, Cabo Martim, Pé-de-Vento e Negro Pastinha, este que o chamava de "paizinho". Já chegaram úmidos de cachaça e se colocaram a disposição para auxiliar a família no que fosse preciso. Aos poucos Vanda, Leonardo e Tia Marocas foram saindo, sendo que Tio Eduardo deixou ao encargo dos amigos de Quincas a responsabilidade de cuidarem do defunto. Nesse ponto o livro torna-se ainda mais delicioso e hilário. Os amigos dão bebida para o morto, trocam suas roupas (apoderando-se do terno novo, sapatos e camisa, comprados pela família para honrar o falecido), e levam o corpo para comer moqueca. Caminham com ele pelas ruas e lá pelas tantas, após empinarem muita
cachaça, passam a comemorar o "aniversário" do velho amigo Quincas Berro D'água. Até Quitéria Olho Grande, amante do "de cujus", fica surpresa ao vê-lo amparado pelos amigos. A peixada foi servida abordo de um Saveiro, embarcação típica do nordeste brasileiro, e durante forte temporal uma onda grande arremessou o corpo de Quincas ao mar. Nunca mais se viu. Ficou na tempestade "envolto num lençol de ondas e espuma,
por sua própria vontade".
O livro "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água" teve sua primeira publicação em 1961. Relançada pela Cia. das Letras em edição bem cuidada, acompanha posfácio, escrito por Affonso Romano de Sant'Anna, cronologia, reprodução das páginas iniciais do original de Jorge Amado, fotografias, ilustrações e capa do livro em edição libanesa, americana, chinesa, finlandesa, israelense, francesa, portuguesa, lituana e grega. Garantia de boa leitura!
A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água Autor: Jorge Amado
Companhia das Letras 112 páginas
Ano: 2008
Texto de: