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Subtilezas orientais no satyricon de Petrónio

Autor(es):

Rodrigues, Nuno Simões

Publicado por:

Instituto Oriental da Universidade de Lisboa

URL

persistente:

URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24148

Accessed :

23-Jun-2021 10:56:26

digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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CADMO

R evista do Instituto O riental

U niversidad e de Lisboa

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SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATYRICON DE PETRÓNIO

Por NUNO SIMÕES RODRIGUES

Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Abstract

This paper’s aim is to study the presence of the East, specially the jewish culture, in Petronius’ Satyricon libri, a text of the 60’s of the first century A.D. In fact, there are some important passages, in the latin text, where the Jews and the jewish culture are explicitly portrayed. In some others, like in the passage about the slave Massa, told in the Cena Trimachionis, that picture is implicitly given. And there are some others, yet, where we can deduce a possible influence of a kind of judaism, later known as Christianism. Passages like the cock that sings during Trimalchio’s banquet, like if it was a bad sign, or the Ephesus matron and the stolen body from the cross suggest a possible influence of the Christian texts, specifically Mark’s Gospel, also written about that time.

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Com recurso a vários argumentos, histórico-económicos (e.g. a ascensão económico-social dos libertos, a importância da economia vinícola e do comércio marítimo nessa ascensão, a economia latifun- diária, o grande recurso à mão-de-obra escrava, a condição jurídica do escravo, a evidência da acção ser anterior ã lex Petronia de seruis), literários (e.g. 0 declínio da eloquência) e religiosos (e.g. a importân- cía do culto de Priapo), tem-se datado os Satyricon libri de Petrónio dos anos 60 d.C., incidindo alguns autores no principado de Cláudio e outros no de Nero<1), e aceitando-se, assim, a identificação do Petró- nio-autor com Petronius Arbiter elegantiae, a personalidade mencionada por Tácito nos Annales^.

De algum modo, Petrónio é considerado 0 autor do primeiro ro- manee social e de costumes, humoristíco-realista. Efectivamente, 0

Satyricon é um relato de aventuras de carácter fictício e de tema eró- tico-amoroso, através das quais se tece uma forte crítica social e poli- tica. O longo passo conhecido como Cena Trimalchionis é a melhor evidência dessa crítica, de algum modo estruturante do texto(3). Mas, ao mesmo tempo que existe um fio condutor de uma história que se desenvolve do princípio ao fim do romance, o Autor intercala-0 com pequenas historietas, conhecidas na Antiguidade como «histórias milé- sias», como a da matrona de Éfeso(4).

Além dessas historietas, Petrónio recorre a textos já tidos como referências no seu tempo, que utiliza como matéria-prima para re- constituir situações de crítica e, ao mesmo tempo, parodiar. Só reco- nhecendo 0 referente utilizado pelo Autor, 0 público dos Satyricon libri podia reagir como se pretendia e alcançar o objectivo que Apuleio, mais tarde, tão bem exprimiu no seu romance: lector, intende: laetaberis^. Assim, já se sugeriu que a própria relação homoerótica entre os protagonistas, Encólpio, Ascilto e Gíton, é uma paródia ao

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romance de amor grego, ainda que alguns autores discordem dessa conclusão, visto existirem muitas diferenças entre as duas situações<6). Mas parece estar fora de dúvida que a paródia a algumas das obras literárias cruciais da cultura clássica preside a esta concepção de texto: epopeias como a Odisseia e a Eneida estão presentes em vários pas- sos, não faltando mesmo 0 recurso à écfrase(7), e o conhecimento deficiente que as personagens demonstram ter da mitologia grega acen- tua 0 efeito do humor satírico®. Mas percebe-se igualmente a presença de obras de natureza filosófica, como 0 Banquete de Platão, decerto

0 modelo a partir do qual se estruturou a Cena Trimalchionis^9).

É precisamente 0 aspecto das influências de Petrónio, dos textos que sugeriram a sátira e a paródia, que de momento nos interessa salientar. Ao longo dos Satyrica fazem-se alusões e referências que sugerem não só 0 conhecimento de costumes orientais como eventual- mente de textos de raiz oriental, nomeadamente judaica. A plausibi- lidade dessa influência poderá explicar-se pelo contexto histórico-polí- tico da época, em que a questão judaica estava na ordem do dia e a presença de judeus em Roma, muito em particular na corte e nos círculos imperiais, era uma realidade muito forte<10). A referência ao cos- tume de ungir os pés dos convidados de um banquete e de os ador- nar com flores, tal como acontece durante 0 festim de Trimalquião, sendo mencionado no texto através da boca de Encólpio como inauditus mos^u), tem sido interpretada como um argumento favorável à datação neroniana do texto. Isso porque essa tradição era comum entre os Judeus, como entre os Gregos, mas, segundo Plínio-o-Velho, teria sido introduzida na corte neroniana por Otão, primeiro marido de Popeia Sabina, que veio a ser a segunda mulher de Nero(12). Aparen- temente, Popeia tinha tendências filo-judaicas, pelo que não deverá ter sido estranha à sua pessoa e ao seu círculo a introdução deste ritual festivo em Roma(13).

A forma como 0 inauditus mos é referido mostra que existe uma intenção de apresentá-lo como algo culturalmente censurável. Em pri- meiro lugar, 0 mesmo é contextualizado na Cena Trimalchionis, já por si uma paródia social do mais elevado nível. Insinua-se assim que 0

costume é algo de vulgar e ostensivo. Depois, as palavras de Encólpio, que introduzem a referência, complementam essa ideia: Pudet referre quae secuntur, ou «envergonho-me de contar 0 que se seguiu»(14). Isto é, parece-nos que está aqui implícita uma avaliação pejorativa da in- fluência dos costumes orientais, nomeadamente judaicos, na sociedade romana do século I d.C. Mas esse tipo de avaliação reaparece em outros passos dos Satyricon libri, nomeadamente aqueles em que se

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SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATYRICON DE PETRÓNIO

alude à circuncisão, principal característica relacionada com os Ju- deus, e à dieta destes.

Tais referências à circuncisão são perfeitamente compreensíveis, se se tiver em conta 0 conteúdo satírico dos livros atribuídos a Petrónio, onde vários aspectos da sociedade da época são postos a ridículo, fazendo, portanto, todo 0 sentido que se recorra a um dos motivos da cultura judaica que maior impacte causava entre os Roma- nos. Isso devia-se tanto às conotações sexuais que 0 fenómeno impli- cava, que se prestava às mais diversas brincadeiras, como ao facto de tratar-se de uma das marcas caracteristicamente judaicas, ainda que não fosse exclusiva dos Judeus. O que Petrónio parece saber acerca dos Judeus e da prática da circuncisão serviu, aliás, também como elemento de datação da novela em causa(15).

Entre as várias personagens que passam pela mesa de Trimal- quião, encontra-se Habinas, conviva retardatário, caracterizado pelas vestes brancas que usa e apresentado como um seuir idemque lapidarius, 0 melhor artista no seu ramo(16). Depois de uma série de comentários acerca da cerimónia fúnebre onde Habinas havia estado antes, e na sequência do serviço das sobremesas, um escravo do lapidário, de origem capadócia, levanta-se e começa a dizer versos de Vergilio. Encólpio, o narrador, critica negativamente a forma de cantar do servo, mas as personagens centrais não lhe poupam elogios. O mais entusiasta é 0 próprio amo, que afirma que as suas únicas objecções ao jovem se relacionam com 0 facto de ele roncar e ser circuncidado (recutitus), isto é, eventualmente, Habinas não gosta que Massa, assim se chama 0 escravo, seja judeu.

Apesar de Petrónio não afirmar directamente que 0 escravo de Habinas era judeu, 0 facto de ser circuncidado, a proveniência capa- dócia, onde havia uma importante comunidade judaica, e 0 nome que lhe é dado poderão contribuir para confirmar essa suspeita: Massa é

0 mesmo nome por que é conhecido 0 filho de Ismael ou 0 lugar (Massá) junto ao Sinai, onde os Hebreus censuraram Moisés por causa da falta de água. Mas há que recordar que, entre os Romanos, 0

nome também existia(17). Além disso, podemos ainda colocar a hipótese de 0 nome atribuído ao escravo poder fazer parte da sátira, como é comum a todo 0 Satyricon, e se estar perante um trocadilho entre a profissão do dono, lapidarius que se dedica mormente a monumenta fúnebres, e 0 nome, Massa/massa, «bloco de mármore» ou «parede com nichos para as urnas funerárias». Esta parece-nos uma hipótese de análise bastante verosímil, visto que não implica 0 conhecimento da língua hebraica. Não deixa, contudo, de ser pertinente a coincidên­

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cia do nome de sentido semítico com 0 facto de Massa ser circun- cidado<18). Aliás, uma sátira não exclui a outra: complementam-se na ambiguidade.

Sendo judeu, 0 cantor presdispõe-se também a ser alvo da troça dos que 0 ouvem cantar 0 primeiro verso do canto V da Eneida(19). Aparentemente, seria normal, para um servo nado e criado na casa de um romano ou de alguém que se queria assemelhar aos Roma- nos, que isso acontecesse. Mas 0 seruus Massa foi comprado e é provavelmente judeu. Talvez por isso cante com erros bárbaros no subir ou descer da voz, misturando versos de atelanas com os versos épi- cos. Estas são características que fazem com que Encólpio odeie, pela primeira vez, Vergilio. Na verdade, Massa nada estudara; apren- dera tudo por imitação. Cintila, a mulher de Habinas, salienta as «ma- nhas do desprezível escravo» (artificia serui nequam), chamando-lhe agaga e justificando por isso a necessidade de marcá-lo a ferros. Es- taremos perante uma chalaça aos Judeus, assim associados aos artificia e a uma actividade como a dos alcoviteiros? Mais que isso, há que notar que se alude à actividade homoerótica de Habinas com Massa, como se depreende do comentário daquele ao facto de o servo roncar, pois sugere que o amo dormia com 0 escravo<20). Recordemos que o homossexualismo pederástico era um comportamento aceite pelos Gregos, bem como entre as elites sociais romanas menos con- servadoras, como se percebe através de textos como os de Marcial. Aceitava-se mal, todavia, a chamada «homossexualidade passiva» ou as relações homossexuais, quaisquer que elas fossem, entre homens com indivíduos dos grupos sociais mais elevados. Se 0 parceiro do activo fosse jovem, liberto ou escravo, nada se opunha. Entre os Ju- deus, porém, a homossexualidade, qualquer que ela fosse, era conde- nada(21). Estar-se-á, portanto, perante uma nova crítica aos Judeus? Neste contexto, sugere-se outra hipótese: e se a alusão a que Habinas não gostava que Massa fosse recutitus implicasse também a sugestão de que Habinas, por ser homossexual passivo, não se agradava muito das dimensões do órgão genital do escravo com quem dormia? Na verdade, a ideia de que o pénis dos Judeus tinha dimensões desme- suradas, precisamente derivadas da circuncisão, era uma das histó- rias que circulava entre os Romanos(22). O contexto do Satyricon per- mite esta hipótese.

É ainda em torno da figura de Habinas que podemos tecer mais alguns comentários. O nome desta personagem é considerado um dos de origem e interpretação problemática e incerta, e isso num con- texto em que a onomástica é particularmente relevante para uma boa

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SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATYRICON DE PETRÓNIO

compreensão do texto em causa<23). Mas, foneticamente, a forma do nome Habinnas recorda a raiz semítica בא {ab), que pode significar «mestre de ofício ou profissão», e a palavra ןבא, (abn), «pedra» ou «rocha»(24). Ora, Habinas é identificado como lapidarius, isto é, «aquele que trabalha a pedra». Existirá alguma relação entre estes dois facto- res? O nome recorda ainda onomástica semítica como «Abinadab» ou «Abinoam» e nas inscrições judaicas de Roma aparecem forma próxi- mas de «Abas»(25). E. Flores relacionou o nome desta personagem com o hebraico הניב (binah), termo que significa «compreensão», a que se terá juntado 0 artigo definido (ה), «a compreensão»<26). Será o Habinas dos Satyricon libri um judeu? Se 0 for, é a ementa do ban- quete fúnebre em que Habinas e Cintila haviam estado, e onde signifi- cativamente se refere que teriam comido porco e sangue coalhado, precisamente dois alimentos proibidos pela Lei judaica, uma paródia às limitações dietéticas dos judeus(27)? Uma crítica aos judeus de Roma que não obedeceriam às normas do Levítico? Será a menção à auto-castração, pela parte de Habinas, um indicador da sua condição de judeu pela associação à circuncisão?(28) É decerto uma nota a um costume ritual de origem oriental, particularmente relacionado com o culto de Cibele, de origem frigia. Além disso, a cerimónia do nouemdiale, com que terminava 0 luto, em que Habinas e Cintila haviam participado fazia parte do tradicionalismo religioso romano. Será Habinas um judeu renegado que adoptou inclusive as práticas religiosas e sexuais dos Romanos, talvez até por exigência da condição social a que 0 levou a sua profissão(29)? E porque, então, não gostaria Habinas de um es- cravo circuncidado? Será a relação com Massa uma sátira aos judeus romanos que detinham servos originários do seu próprio povo? É pre- cisamente Habinas quem critica o facto de 0 cantor Massa ser circun- cidado(30). Tratar-se-á de uma crítica à sua própria condição judaica, indesejável para quem pretendia a inserção perfeita na sociedade ro- mana? Recorde-se que temos notícia de que se praticavam opera- ções para que os judeus disfarçassem e ocultassem a circuncisão, o que parece ser prova de uma atitude semelhante à que teria este Habinas, caso se trate de um judeu<31). Na verdade, o Autor do Satyricon também evoca essa situação num outro passo<32). Por fim, se Habinas for um judeu, e tendo em conta que os nomes petronianos têm uma grande carga simbólica, então Petrónio conhecia muito mais do ju- daísmo do que aparentemente se julga. Isso dever-se-ia à exposição dos judeus em Roma. Estamos, todavia, apenas perante uma hipótese sem grandes possibilidades de comprovação. Ainda assim, ela coa- duna-se com a já mencionada protecção dada pela imperatriz Popeia

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aos judeus, podendo a presença de Habinas no romance de Petrónio traduzir-se numa eventual crítica à importância social, na época, de judeus como a personagem em questão.

Há ainda um outro passo nos Satyricon libri que alude à circun- cisão. Depois de os heróis da novela embarcarem num navio, deseo- brem que a bordo seguem dois inimigos, de quem precisam de fugir. Encólpio sugere que se pintem de negro para que se pareçam com Etíopes, mas Gíton escarnece da sugestão de Encólpio, propondo em tom de troça e ironia que se assemelhem aos árabes, aos gauleses e aos judeus. Para que se pareçam com os judeus, Gíton afirma: «porque não nos circuncidamos para ficarmos parecidos com os judeus?»<33), como que afirmando que é preciso muito mais que a circuncisão para que se seja judeu. Este passo confirma a marca da circuncisão como evidência cultural judaica entre as culturas dominantes; mas denota igualmente a consciência, pela parte da sociedade romana, de que a identidade judaica correspondia a um conjunto de factores que iam muito além de uma marca física. Do mesmo modo, ninguém se tor- nava escravo etíope só porque se pintava de negro, ou árabe só por- que furava as orelhas, ou gaulês só porque pintava 0 rosto com cal. A presença desta alusão fortalece a ideia de que determinados as- pectos da cultura judaica eram bem conhecidos da sociedade romana do século I d.C.:

“Puta infectam medicamine faciem diutius durare posse; finge nec aquae asperginem imposituram aliquam corpori maculam, nec uestem atramento adhaesuram, quod frequenter etiam non arcessito ferrumine infigitur: age, numquid et labra possumus tumore taeterrimo implere? Numquid et crines calamistro conuertere? Numquid et frontes cicatricibus scindere? Numquid et crura in orbem pandere? Numquid et talos ad terram deducere? Numquid et barbam peregrina ratione figurare? Color arte compositus inquinat corpus, non mutat.”

«[Como se, só por si, a cor pudesse transformar as nossas feições e não fosse necessário que tudo se harmonizasse, para que a mentira pu- desse resultar.] Supõe que o nosso rosto, sujo de tinta, possa ficar algum tempo no mesmo estado; supõe que nenhuma gota de água venha cair sobre o nosso corpo, que a tinta não se cole às nossas roupas, o que sucede muitas vezes, mesmo sem que se lhe acrescente mordente; diz- me, podemos dar aos lábios essa horrível intumescência? Podemos trans- formar os cabelos frisando-os com um ferro? Podemos encher a fronte de cicatrizes? Podemos caminhar com as pernas em arco? Podemos andar arrastando os pés pelo chão? Podemos ostentar uma barba à maneira dos países longínquos? Uma cor fictícia suja 0 corpo, não 0 modifica.».<34)

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SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATYRICON DE PETRÓNIO

Uma terceira referência aos Judeus vem num dos fragmentos do romance:

ludaeus licet et porcinum numen adoret et caeli summas aduocet auriculas, ni tamen et ferro succiderit inguinis oram et nisi nodatum soluerit arte caput,

exemptus populo Graias migrabit ad urbes/ [leitura alternativa] exemptus populo sacra migrabit ab urbe

et non ieiuna sabbata lege tremet/ [leitura alternativa] premet.

«O judeu pode adorar a divindade porcina e invocar todos os ouvidos do céu,

contudo, se não cortar a extremidade do órgão com ferro e não desatar os nós habilmente feitos na cabeça,

[será] excluído do povo, emigrará para uma cidade grega/ [leitura al- ternativa] emigrará da cidade santa

e não tremerá/ [leitura alternativa] se inquietará com a lei do jejum sabatino.»'35*

A essência do passo em causa relaciona-se com a dieta judaica, nomeadamente com a abstenção de carne suína, que, aparentemente, para os Romanos surge como um tabu derivado do facto de os Ju- deus adorarem 0 porco como divindade. Este tipo de referência mos- tra que existia também conhecimento deformado da cultura judaica. Percebia-se que havia algo de proibido com 0 porco, mas ao certo não se sabia porque o era. Mas esta é também uma novidade nos textos antigos, visto que nunca antes encontrámos a referência a porcinum numen, isto é, a divinização do porco, que confirma a ideia que salientámos. Ficava tudo, portanto, mal conhecido e, provavelmente, com pouco interesse em se conhecer mais(36). O mesmo se diga acer- ca da impressão que havia de que os Judeus adoravam 0 Céu, consequência provável de não admitirem imagens da divindade e de reflectirem a sua potência no firmamento(37). A circuncisão é também aqui tratada, deixando-se a impressão de que havia sanções, pela parte dos próprios Judeus, para quem se abstivesse dessa prática: exemptus populo Graias migrabit ad urbes/exemptus populo sacra migrabit ab urbe. Os nós atados na cabeça (caput nodatum) deverão referir-se aos cabelos não cortados, por certo apanhados em nós, que os Judeus mantinham em observação do preceito bíblico: «Não arredondareis as extremidades do cabelo»(38). A julgar pelo poema, a norma era seguida, constituindo este passo a única referência conhe- cida nas nossas fontes ao aspecto físico dos judeus romanos. A ideia

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complementa-se com a alusão ao jejum dos Sábados. Este passo tes- temunha acima de tudo 0 rigorismo judaico, visto do lado de fora, indo ao ponto de criticar 0 judeu que não aceita o que não se circun- cida, servindo de contraponto a outras evidências que temos acerca dos prosélitos, por exemplo(39). A partir do texto, percebe-se igualmente o grau de judaísmo a que se podia aderir: poder-se-ia seguir vários dos preceitos judaicos, mas a menos que se aceitasse a circuncisão, não se era efectivamente judeu. Talvez se perceba aqui a diferença entre 0 que os textos antigos chamam um metuens, um simpatizante, e um prosélito, aquele que de facto se convertia, expressando a sua decisão com a circuncisão*401. Em suma, o carmen demonstra algum conhecimento acerca dos Judeus e do judaísmo, mas denota funda- mentalmente as ideias feitas e lugares-comuns que se encontram em vários autores greco-latinos.

Seguindo aquela que parece ser a metodologia fundamental de Petrónio, na composição do Satyricon, há passos que sugerem a utili- zação dos Evangelhos, nomeadamente do Evangelho de Marcos, talvez com a intenção de parodiá-los é à religiosidade oriental que começava então a revelar-se também em Roma. A determinada altura, durante a Cena, Trimalquião decide ungir os seus convidados com nardo. O acto recorda o da mulher de Betânia, do texto bíblico(41). Na verdade, já o passo anteriormente mencionado, aquele em que se menciona o inauditus mos de perfumar os pés dos convidados, se assemelhava ao que encontramos no Evangelho de João, no qual Jesus, durante a ceia pascal, decide lavar os pés dos seus discípulos*42*. Este Evange- lho, porém, foi publicado entre 90 e 100 d.C., sendo por isso mais tardio que 0 Satyricon de Petrónio. Demonstra-se assim a impossibili- dade de Petrónio estar a satirizá-lo. Mas 0 acto de Jesus correspon- dia a uma prática conhecida entre os Judeus, enquadrando-se nos rituais da Páscoa judaica, sendo a acção de lavar os pés, em vez das mãos, atribuída aos escravos não-judeus. Talvez seja essa a prática subjacente ao passo petroniano. Por outro lado, o próprio cenário do banquete, ainda que decalcado do tema platónico, poderá encontrar eco no tema da Última Ceia(43).

Voltemos, porém, à unção com nardo. A hipótese da presença do texto bíblico no de Petrónio foi levantada no princípio do século XX, quando se pensava que 0 Evangelho em causa era posterior ao S a tyrico ri^. Em 1972, contudo, J. 0 ’Callaghan demonstrou, a partir de um fragmento papiráceo (7Q5) que continha um passo desse Evangelho (6,52-53), descoberto numa das grutas de Qumran, e atra- vés de uma base arqueológica e de uma outra paleográfica, que 0

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SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATVRICON DE PETRÓNIO

texto foi composto c. 50 d. C., confirmando a tradição, que remontava ao século II, que afirmava que a sua redacção tivera lugar no tempo de Cláudio, na mesma época da primeira visita de Pedro a Roma(45). Este dado permite concluir que 0 Autor do Satyricon poderia conhecer

0 Evangelho de Marcos e são vários os argumentos que apontam na direcção dessa hipótese. Um deles é a já referida cena da unção com nardo: na novela latina, Trimalquião convida os seus convidados a estarem presentes no seu banquete fúnebre, depois de os ter ungido; no texto bíblico, Jesus é surpreendido durante uma refeição por uma mulher que despeja um frasco de nardo puro sobre a sua cabeça. Também depois de morto, 0 corpo de Jesus é ungido pelas mulheres com unguentos. As semelhanças entre os dois textos, onde 0 tema da morte predomina, são evidentes(46). A possibilidade da relação acen- tua־se quando percebemos que, no romance latino, um astrólogo pre- diz a Trimalquião que viverá ainda mais trinta anos(47). O passo parece apontar para 0 contexto de Marcos e da paixão de Jesus, funcionan- do como uma paródia ao mesmo, como se percebe pelo contraste entre a iminente morte do Nazareno e o tempo que falta ainda para que Trimalquião morra.

Uma segunda alusão reforça esta hipótese. Trata-se da referência de Jesus ao canto do galo, que deveria marcar a renegação de Simão Pedro em relação ao Mestre(48). É precisamente o canto de um galo que perturba Trimalquião durante o banquete:

Haec dicente eo gallus gallinaceus cantauit. Qua uoce confusus Trimalchio uinum sub mensa iussit effundi lucernamque etiam mero spargi.

«Dizendo isto, um galo cantou. Perturbado com o presságio, Trimal- quião fez verter vinho por debaixo da mesa e espargir a lucerna com vi- nho puro»(49).

Parece tratar-se de uma nova referência ao Evangelho e à tradi- ção acerca da Paixão de Jesus de Nazaré que começava a difundir- -se por Roma. A função da ave como index ou denunciador no texto de Petrónio coincide com a função que tem enquanto acusador de Pedro no evangelho. A conjugação dos elementos «galo», «ceia» e «vinho»; das referências aos judeus; de personagens de nome Massa e Habinas e da coincidência temporal da alegada composição do texto com a presença e morte de Simão Pedro em Roma torna a hipótese bastante atraente(50). Com muitas reservas, todavia. Há ainda que não esquecer que, entre os Romanos, o canto do galo era um sinal de mau augúrio e a presença desse presságio no Evangelho deverá atri­

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buir-se talvez a uma influência greco-romana e não judaica, pelo que

0 passo poderá não passar de uma simples coincidência temática, sem qualquer relação com as tradições judeo-cristãs que então emer- giam na Urbe(51). Mas, a estas duas notas, podemos ainda acrescentar outras duas, já notadas por I. Ramelli, igualmente pertinentes: o roubo do cadáver do crucificado pelos seus familiares, narrado no episódio da matrona de Éfeso, que ecoa a narrativa em torno do corpo de Jesus (mesmo a atitude da matrona em relação ao soldado é a antí- tese total da das mulheres que choram Jesus, nomeadamente Maria de Magdala, e os soldados que guardam 0 seu corpo, acentuando assim uma eventual sátira)(52); e a promessa de Eumolpo deixar os seus bens a quem devorar 0 seu cadáver, que poderá relacionar-se com o consumo simbólico do corpo de Cristo(53). A paródia às religio- sidades orientais parece-nos totalmente verosímil·54*.

Refiramos ainda a problemática em torno do nome de Trimal- quião. Tal como outros antropónimos do romance petroniano, também este parece ter a intenção de conotar a personagem que identifica com um sentido definido. Provavelmente, o nome é uma invenção de Petrónio. A análise filológica mostra que se trata de um antropónimo composto pelos elementos tri + malchio. Na verdade, 0 nome Malchio era de origem síria e bastante frequente entre escravos e libertos, como atestam a epigrafia e alguns textos(55). A forma Malchio(n) parece ser a transliteração latina do grego Μαλχίων, que, por sua vez, parece ser já um diminutivo, como indica 0 sufixo -ιων, de Μάλχος/Malchus. Esta forma grega e correspondente transcrição latina, contudo, têm sido interpretadas como derivadas de um vocábulo de origem semítica, de que o hebraico ךלמ (mlkh), «rei», é exemplo. Essa é a raiz de nomes como «Melquisedec», «Malaquias», «Melchior», «Mélec», «Maluc» ou «Moloc»(56). Quanto ao prefixo tri-Ιτpi-, «três», foi já referido que ele confere ao nome do liberto endinheirado uma conotação pró- xima de Triphallus, um dos epítetos de Priapo, divindade omnipresente no Satyricon. Mas a intencionalidade de Petrónio ao reforçar 0

antropónimo Malchio com o prefixo tri- deve relacionar-se com os tex- tos plautinos, onde os vocábulos aumentados com aquele elemento linguístico abundam(57). Retomando a questão da origem semítica do nome Malchio(n), alguns dos filólogos que se ocuparam do tema não hesitaram em 1er Trimalchio como «grande reizinho», porque literal- mente significaria «três vezes reizinho». Segundo S. Priuli, o antropó- nimo teria sido vulgar em indivíduos orientais e tinha tido grande divul- gação no Alto Império para designar escravos do Oriente, onde havia bastantes régulos e príncipes, de quem muitos se reclamavam

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des-SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATYRICON DE PETRÓNIO

cendentes e porque muitos se teriam efectivamente chamado assim. Por essa via, ter-se-ia tornado vulgar chamar «reizinho» aos escravos que se compravam e que tinham essa proveniência, adquirindo assim o nome uma conotação pejorativa. Com 0 enriquecimento e emancipa- ção de alguns deles, especialmente durante 0 século I d.C., o nome Malchio(n) ter-se-ia conotado com esses libertos endinheirados e social- mente emergentes, que até praticavam um certo gosto pelo exótico, a que não escapavam os nomes próprios. Diz Priuli: «Non mi sembra dunque azzardato credere che il nome Malchio, verosímilmente già a partire dal I secolo d.C., allorché préoccupant¡ divennero il potere e 1’invadenza dei nuoví ricchi, quasi tutti liberti dai nomi esotici, fosse sentito a Roma quasi sinonimo do “ex schiavo orientale arricchito” in senso derisorio e dispregiativo”»(58). Neste sentido, Trimalchio era três vezes o ex-escravo oriental enriquecido, o que resulta numa parodia. Teria Petrónio consciência do sentido do elemento semítico do nome da sua personagem? Talvez não. No tempo do Autor, provavelmente, já o significado e a origem de Malchio se teria perdido. Para Petrónio, talvez malchio significasse apenas «ex-escravo oriental enriquecido» e o seu Trimalchio é por isso «o maior dos malchiones»{59). Um verso de Marcial, onde o nome aparece igualmente, poderá ajudar-nos a refor- çar esta hipótese(60). Nesse poema, o contexto é igualmente o de urna cena, onde os excessos dos convivas são salientados. A referência a um Malquião poderá vir na mesma linha da intenção de Petrónio, talvez até influenciada por ele, baptizando-se um vulgar novo-rico com 0

mais vulgar dos nomes entre os emancipados novos-ricos de Roma. Resta-nos, todavia, salientar que, apesar da origem semítica do nome Malchio, nada nos permite afirmar que Petrónio tinha consciência desse facto ou que houvesse sequer intenção de fazer de Trimalquião um semita, em particular um judeu(61). Só a junção do vocábulo aos nomes de Habinas e Massa nos fazem considerar que, talvez, o Autor até tivesse consciência da totalidade dos duplos sentidos das palavras<62).

Alguns outros passos poderão, eventualmente, aludir a aspectos das culturas orientais então conhecidas em Roma. Logo no início do texto conhecido, 0 discurso de Encólpio frisa:

Haec uulnera pro libertate publica excepi; hunc oculum pro uobis impendi,

«Recebi estes ferimentos pela liberdade comum: sacrifiquei este olho por vós»(63),

sugerindo o altruísmo cristão. Os dois sírios que entram dentro da sala onde os heróis se entregaram aos prazeres de Priapo são apre­

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sentados como ladrões, na tradição da imagem do fenício homérico(64). A presença de um actor de nome Syrus indica que se possa tratar de um indivíduo de origem oriental*65*. Fortunata, a mulher de Trimalquião, é dita ter sido ambubaia, palavra de provável origem semítica(66). A referência ao pequeno burro (asellus) feita por Quartila poderia ecoar algum tipo de alusão à cultura judaica em meio romano(67). O ambiente astrológico evoca necessariamente a cultura caldaica(68). A raspagem da cabeça possibilita uma ligação com costumes de vários povos orien- tais, nomeadamente os Judeus(69). E até mesmo sobre a figura de Trifena se poderiam tecer algumas considerações que a relacionariam com o Oriente(70).

Em suma, 0 Oriente marca uma presença determinante em toda a economia do Satyricon. A primeira evidência disso está na onomás- tica petroniana. Fazendo parte desse grande caldeirão que é 0 multicul- turalismo oriental, a referência judaica parece-nos ser particularmente forte. Tendo os Satyricon libri 0 objectivo fundamental de satirizar, de criticar os tempos que então se viviam, numa sociedade romana a sofrer mutações constantes, devidas a um mundo que se abria, volun- tária e involuntariamente, aos olhares e consciências de Roma, mundo esse que era constituído por territórios que se conquistavam, assimi- lando-se deles tudo 0 que tinham para oferecer e que vinha com os povos dominados e imigrados. Petrónio representa, nesse sentido, a facção de uma romanidade que tem a consciência da ameaça do gra- dual desaparecimento pela tranformação de uma cultura matricial, consequência inevitável da natureza multicultural do programa político de Roma. O confronto com 0 Oriente é, nesse sentido, paradigmático e 0 texto de Petrónio é disso testemunha. Radicada no judaísmo, apa- rentemente, uma importante vertente dessa cultura oriental estava a fazer sentir de um modo particularmente forte a sua presença na Roma que mudava: o cristianismo. De facto, pensamos que há dados suficientes para nos deixarem crer que o Satyricon poderá ser evidên- cia de que essa força cultural oriental estava já a germinar entre os Romanos e talvez Petrónio faça questão de manifestar a sua desapro- vação e crítica pejorativa a essa presença através da sátira. A com- provar-se esta hipótese, isso significaria que, nos anos 60 d. C., 0

cristianismo começava já a fazer-se notar nos círculos próximos do poder em Roma, 0 que, por outro lado, poderá ajudar-nos a explicar as reacções desse mesmo poder em 64-65 d. C., quando, aparente- mente, se organizou uma importante repressão dos seus adeptos por parte do aparelho administrativo imperial.

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SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATYRICON DE PETRÓNIO

Notas

(1) Sobre esta questão, ver M. VON ALBRECHT, Historia de la Literatura Romana desde

Andronico hasta Boecio, vol. II, Barcelona, 1999, 1108-1109; ver ainda as questões sinteti-

zadas em D.F. LEÃO, As ironias da Fortuna. Sátira e Moralidade no Satyricon de Petrónio, Coimbra, 1998, 19-24, e K. F. C. ROSE, The date and the author of the Satyricon, Leiden, 1971, 28, de onde se destacam as relações da novela com o incêndio de 64, concluindo- se que teria sido escrita entre 64-65, e onde se evocam os conhecimentos ainda imperte¡־ tos dos costumes judaicos para sugerir a datação neroniana da novela. Os mesmos acei- tam a autoria de Tito Petrónio Nigro. Seguimos estes Autores e desconsideramos a hipóte- se de R. MARTIN, «Quelques remarques concernant la date du Satiricon», REL 53, 1975, 182-224, segundo a qual o romance deveria ser datado do período flávio.

<2> TAC., Ann. XVI,18.

<3> PETR. XXVII-LXXVIII. Cf. P. VEYNE, «Vie de Trimalcion», Annales. ESC 2, 1961, 213-247. (4) PETR. CXI-CXII. Sobre este episodio, ver W. DE MEDEIROS, «O Bom Cantor e as suas falácias- A historia da matrona de Éfeso» in As Línguas Clássicas. Investigação e Ensino, Coimbra, 1993, 289-304.

(5) APUL., Met. I, 6, 6: «Leitor, presta atenção: vais divertir-te.» Citado por D. F. LEÃO, As

ironias da Fortuna, 133.

(6) Nomeadamente, M. VON ALBRECHT, Historia de la Literatura Romana II, 1113.

<7> E.g. PETR. XXIX; LXXXIX (écfrase); XCVII; CV; CXXXII. O próprio tema da procura do caminho de regresso a casa sugere uma paródia à demanda de Ulisses.

<8> PETR. XLVIII, 4-8; Lll, 1-2; LIX, 3-7.

(9) Essa relação é particularmente evidente no passo em que aparecem comensais tardios não convidados, PL., Smp. 212D-213A. M. VON ALBRECHT, Historia de la Literatura Ro-

mana II, 1114, considera mesmo 0 banquete de Petrónio um «anti-simpósio», pelo carác- ter parodiante que compõe personagens ignorantes, que são a antítese das presentes no banquete platónico. Sobre a natureza paródica do Satyricon, ver P. S. FERREIRA, Os

elementos paródicos no Satyricon de Petrónio e o seu significado, Lisboa, 2000, em parti-

cular as pp. 31-116, onde se analisa a paródia ao romance, à epopeia, à tragédia, à epistolografia, aos moralia e à poesia lírica.

(10) Sobre esta questão, N. S. RODRIGUES, ludaei in Vrbe. Os Judeus em Roma de

P om peio aos Flávios, Diss. D outoram ento em H istó ria da A ntig u id a d e C lássica,

policopiada, apresentada à Fac. Letras-Univ. Lisboa, Lisboa, 2004, passim. <11> PETR. LXX, 8.

(12) PLIN., Nat. XIII, 22. Não cremos que exista alguma incompatibilidade entre a afirmação de Plínio-o-Velho e a introdução do costume por Otão. É até provável que isso tivesse acontecido, dado 0 historial da sua mulher Popeia. Marco Sálvio Otão foi «exilado» na Lusitânia em 58 d.C.

(13) Sobre Popeia Sabina e o seu filo-judaísmo, ver N. S. RODRIGUES, ludaei in Vrbe. Os

Judeus em Roma de Pompeio aos Flávios, 573-590, e bibliografia aí citada.

<14> PETR. LXX, 8.

(15) D. F. LEÃO, As ironias da Fortuna, 21. <16> PETR. LXV-LXXVIII.

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(17) Por exemplo, Baebius Massa foi um senador por adlectio no tempo de Vespasiano e um dos maiores delatores do tempo de Domiciano, of. MART. XII, 28, 2. Outros exemplos de indivíduos com 0 mesmo nome em Liv. XXXI, 50; XL, 35; PLIN., Ep. Ill, 4.

(18) p e tR . LXIX, 5. Os estudos de S. PRIULI, Ascyltus. Note di onomastica petroniana, Bruxelles, 1975, 24, n. 38, chegaram à conclusão de que se trata de um nome de origem semítica, da raiz de Massa, frequentemente atestado em inscrições do Norte de África. Ainda assim, há autores que o relacionam com 0 latino massa. Cf. Gn 25,14; Ex 17,7; Dt 6,16; 1Cr 1,30. «Massa» (הסמ ) significa «tentação». Apenas através da característica da circuncisão poderia haver uma larga margem de erro na identificação deste escravo como judeu, visto que aquele costume era comum entre outros povos orientais, cf. HDT. II, 104, 3, e M. GRMEK; D. GOURÉVITCH, Les maladies dans l ’art antique, Paris, 1998, 336. O nome atribuído reforça, por isso, a identificação da origem étnica da personagem.

<19> PETR. LXVIII, 4; cf. VERG., A V, 1. <20> PETR. LXVIII.

<21> Cf. Lv 20,13.

<22> E.g. MART. VII, 30, 5; 35, 3-4.

<23> S. PRIULI, Ascyltus, 62, e, a propósito da importância da onomástica no romance de Petrónio, passim.

(24) M. HADAS, «Oriental Elements in Petronius», AJPh 50, 1929, 378-385, considera o nome próximo dos de sábios do Talmud, como Abina e Abin.

(25) N. S. RODRIGUES, ludaei in Vrbe. Os Judeus em Roma de Pompeio aos Flávios, inscrições nQ 177/212 (Abbas)] 327/371 (Άβατος). Será possível que a forma Habinas deri- ve de um diminutivo de Habas, como se se tratasse do filho se alguém com esse nome ou de um liberto. No caso de um liberto emancipado, a posse de um escravo judeu, como Massa, conferiria um grau de sátira ainda maior ao texto.

(26) E. FLORES, «Un ebreo cappadoce nella Cena Trimalchionis» in Lette ratura latina e

società- quattro ricerche, Napoli, 1973, 77-104.

<27> PETR. LXVI. <28> PETR. LVII, 3.

(29) Colocamos esta hipótese apesar de estarmos cientes de que a cena em causa preten- de transmitir uma espécie de mundo às avessas, uma paródia aos emergentes sociais do tempo de Petrónio, de que Trimalquião é a «bandeira». A ser judeu, e recordamos que esta proposta não passa de uma hipótese, também Habinas é reflexo de um mundo às avessas: o dos judeus da diáspora que adoptavam os costumes dos locais de acolhimento. (3°) PETR. LXIX, 5.

<31> CELS. VII, 25, 1, e cf. M. GRMEK; D. GOURÉVITCH, Les maladies dans l ’art antique, 326-327. M. HADAS, «Oriental Elements in Petronius», 378-385, propõe que talvez Habinas esteja mais integrado na sociedade romana e advenham daí as suas observa- ções em relação ao jovem escravo, demonstrando com elas estar «mais civilizado» que os que praticavam a circuncisão. Já E. FLORES, «Un ebreo cappadoce nella Cena

Trimalchionis», 77-104, sugere que se trata de uma auto-ironia da parte de Habinas, que

considera a essência humorística do episódio. Este mesmo Autor pensa que as palavras do lapidário reflectem uma atitude diferente em relação aos escravos, que se coaduna mais com a mentalidade judaica que com a mentalidade romana. Pensamos que esse é um falso problema, visto que não há quaisquer bases para afirmarmos que os judeus

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SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATYRICON DE PETRÓNIO

tratariam os seus escravos melhor que os romanos. Além disso, deduz־se que se trata de uma relação de natureza sexual, que é uma característica mais helénica que judaica; ainda que isso não impeça que Habinas seja efectivamente a caricatura de um judeu. Aliás, poderá residir aí a crítica. Com B. BOYCE, The Language of the Freedmen in

Petronius’ Cena Trimalchionis, London, 1991, 89, também não cremos que as observações

de Habinas sejam expressão de anti-semitismo. <32> PETR., frag. XXXVII Díaz y Díaz.

(33) PETR. CII, 13-14: ״Quidni?” inquit Giton “etiam circumcide nos, ut ludaei u ideam ur, et

pertunde aures, ut imitemur Arabes, et increta facies, ut suos Gallia ciues putet: tamquam hic solus color figuram possit peruertere et non multa una oporteat consentiant <ut> omni ratione mendacium constet”

(34) PETR. CII, 15-16. O passo atribui a Gíton uma reflexão curiosa que confirma esta ideia. os) p e tR ., frag. XXXVII Díaz y Díaz; na edição da Loeb, o fragmento é dado como não havendo certeza se é de Petrónio; mas também que, sendo dele, pertenceria ao

Satyricon. A interpretação deste passo feita por L. HERRMANN, Chrestos. Témoignages païens et juifs sur le christianisme du premier siècle, Bruxelles, 1970, 85, que relaciona a

cidade grega mencionada com Putéolos e os acontecimentos aí ocorridos, referidos por TAC., Ann. XIII, 48, com a pregação de Paulo de Tarso, parece-nos demasiado engenhosa. (36) O mesmo transparece em PLU., Quaest. conu. IV, 5; JUV. XIV, 98-100.

<37> Cf. JUV. XIV, 97-100; MACR. II, 4; HECAT. apud D.S. XL, 3; STRAB. XVI, 2. Note-se que o Céu, nos últimos séculos antes de Cristo, é equivalente a Deus, como Gloria, Nome, Alto. Evitava-se falar em Deus e não apenas em Javé.

<38> Lv 19,27; cf. 21,5. <39> Cf. Act 15.

<4°) proposta de P. SCHÄFER, Judeophobia. Attitudes toward the Jews in the Ancient

World, Cambridge, 1997, 80.

<41> PETR. LXXVII, 7-LXXVIII; Me 14,3-9. Em Lc 14,36-49, o episodio da pecadora anónima é bastante parecido com o relatado em Marcos; deve, porém, ser outro. Ainda assim, a nota que em Lucas se lê acerca dos cabelos da mulher recorda a alusão aos cabelos dos jovens escravos em PETR. LXX, 8: pueri capillati attulerunt unguentum in argentea pelue

pedesque recumbentium unxerunt.

<42> Jo 13,3-12.

(43) Mc 14,15-25. Também o Tema da «Última Ceia» é um topos.

(44) I. RAMELLI, «Petronio e i cristiani: allusion¡ al Vangelo di Marco nel Satyricon?»,

Aevum 70, 1996, 76.

(45) I. RAMELLI, «Petronio e i cristiani: allusion¡ al Vangelo di Marco nel Satyricon?», 76. Sobre esta questão, J. C. NEVES, Evangelhos Sinópticos, Lisboa, 2003, 298-302, salienta a presença de latinismos neste Evangelho, bem como de outros termos propriamente ro- manos, como a designação da mulher de Mc 7,26, como «sirofenícia», ainda que o Autor em causa afirme que isso não é suficiente como prova de Roma como local da escrita. Mas a maioria dos hermeneutas aceita a proposta como válida. De qualquer modo, o

Evangelho de Marcos teria sido 0 primeiro a ser composto. Cf. EUS., HE VI, 14, 5-7. (46) Cf. W. M. CLARKE, «Jewish Table manners in the Cena Trimalchionis», CJ 87, 1991-1992, 257-263; M. GRONDONA, La religione e la superstizione nella Cena Trimalchionis, Bruxelles, 1980, 9-75. Note-se que o unguento não vem mencionado nem em Mateus nem em Lucas.

(20)

<47> PETR. LXXVII, 2.

<48> Mt 26,34.74-75; Mc 14,30.71-72. <49> PETR. LXXIV, 1.

<50> Cf. TAC., Ann. XVI, 18-19.

(51) M. HADAS, «Oriental Elements in Petronius», 378-385, enfatizou já as possíveis influ- ências semíticas no romance em causa, como a origem dos nomes de Trimalquião e Bargates; foi, todavia, criticado pela maioria dos filólogos por ter exagerado e especulado. Sobre a contestação das suas teses, ver B. BOYCE, The Language of the Freedmen in

Petronius’ Cena Trimalchionis, 88.

(52) PETR. CXI-CXII. Cf. I. RAMELLI, «Petronio e i cristiani: allusion¡ al Vangelo di Marco nel

Satyricon?», 79-80. Consideramos demasiado especulativas as relações que esta Autora faz

com a possibilidade de se tratar de uma crítica à factio em que se inseria Séneca.

(53) p e t r . CXLI, 2; tema registado em Jo 6,48-52, mas já presente em Mc 14,22-25.

(54) L. HERRMANN, Chrestos, 86, aceita a leitura de PETR. LVIII, 7, a frase que um liberto de Trimalquião diz a Gíton, como Sathana tibi irata sit curabo, et e i qui te primus Herode

fecit. Isso faria do liberto em causa um conhecedor, se não um membro, do judaísmo,

pelas referências a Satanás e a Herodes. Mas os editores actuais de Petrónio discordam desta leitura, propondo: Athana tibi irata sit curabo, et qui te primus deurode fecit, neutrali- zando-se assim eventuais conotações com a cultura judaica. Estranhamente, uma tradução portuguesa menos boa lê Athana como «Atena»(?). Já aceitamos como mais verosímil a nota relativa a PETR. LIII, onde se regista a leitura em voz alta, feita por um escravo de Trimalquião, como se estivesse a 1er os Vrbis acta. Uma das notícias dá conta que

Mithridates seruus in crucem actus est, quia Gai nostri genio male dixerat. O escravo que

foi crucificado por maldizer o génio de Trimalquião é entendido por Herrmann como uma parodia aos temas dos Actos dos Apóstolos, onde se relatavam os feitos daqueles que, ao se recusarem a adorar 0 génio do princeps eram crucificados: os cristãos. Ver ainda B. ROCHETTE, «Trimalchion ou Γ Antijudaïsme de Pétrone», REJ 157/3-4, 1998, 359-369, onde se faz uma análise do vocabulário onde pode residir a sátira anti-judaica.

(55) Seguimos o estudo e notas de S. PRIULI, Ascyltus, 35-47; cf. D. NOY, Foreigners at

Rome. Citizens and Strangers, London, 2000, 238; Jo 18,10, cita o nome do servo do

sumo sacerdote ferido por Pedro, Μ άλχος, aquando da prisão de Jesus.

(56) Um dos exemplos dados por S. PRIULI, Ascyltus, 36, n. 72, é 0 do filósofo siríaco Porfirio, que, antes de adoptar o nome grego Πορφύριος, tinha o nome semítico Μ άλχος.

(57) S. PRIULI, Ascyltus, 36. Refira-se que Priuli rejeita, convincentemente, outras propostas para a origem do nome, como a relação com o grego μ α λακός.

<58> S. PRIULI, Ascyltus, 39-40. <59> S. PRIULI, Ascyltus, 41.

(60) MART. Ill, 82, 32-33: Hos Malchiones patim ur improbi fastus/ nec uindicare, Rufe,

possumus: fellat. «Do devasso Malquião suportamos estas insolências,/ e nem podemos,

Rufo, tirar uma desforra: o tipo é dos chupistas.» trad. PS. Ferreira in Marcial, Epigramas I, Lisboa, 2000, 160-161.

(61) O comportamento de Trimalquião na cena, particularmente em relação ao escravo de Habinas, Massa, deixa supor que Trimalquião não seria judeu (houve já filólogos, ainda que sem grandes entusiastas a segui-los, que viram na figura de Trimalquião a caricatura

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SUBTILEZAS ORIENTAIS NO SATYRICON DE PETRÓNIO

de um judeu, cf. referências em PETR., ed. M. Rat, 574, n. 1121). Ainda que a sua proveniência asiática, PETR. XLIV, 4; LXXV, 10, não invalidasse a sua origem judaica. (62) Recordamos que os três nomes aparecem em outros contextos, em Roma, e são dados como semíticos: Abinnaeus, CIL VI, 9102; Malchio, CIL VI, 1939, 3999, 4963, 9170, 9933, 14277, 20972, 21867, 22082, 23690, 25177, 26177, 26167, 29624, 31183, 35669, 36019, 36127, 37761, 38965; Massa, CIL VI, 22272.

<63> PETR. I, 1. <64> PETR. XXII, 3.

(60) p e tR . Lll, 9. Aliás, nos Satyricon libri predominam os nomes de origem oriental, parti- cularmente grega, como já demonstrou S. PRIULI, Ascyltus, passim.

(6e) p e t r . LXXIV, 13. A palavra ambubaia, «rapariga síria, tocadora de flauta, dançarina» é de origem aramaica (de 2uH ,’abbub, «flauta», cf. OLD, s.u. ambubaia; a raiz do termo é

בובנא, ’anbub). Mas 0 facto de a palavra ter uma raíz semítica (os primeiros instrumentos desse tipo e suas tocadoras teriam provindo da Síria, por certo), não faz da personagem em causa uma figura com a mesma origem, e muito menos judaica. Note-se como 0

termo é igualmente usado por HÖR., S. II, ii, 1, referindo-se a jovens flautistas, e por SUET., Nero XXVII, 2, onde 0 tom pejorativo se mantém, ao se contar que Nero costuma- va inconvenientemente jantar em locais públicos, sendo servido por ambubaiae, aqui asso- ciadas a scorta. A imagem negativa vem da origem oriental, associada a luxúria, dessas «profissionais da música».

(67) p e t r . XXIV, 7. Sobre a relação que os Romanos faziam entre o judaísmo e 0 burro, N. S. RODRIGUES, ludaei in Vrbe. Os Judeus em Roma de Pompeio aos Flávios, 203-205.

<68> Pe t r. XXXV; XXXIX. <69> PETR. CVII, 8.

(7°) Talvez não seja por acaso que a Trifena do Satyricon seja relacionada com Júnia Silana, dama da aristocracia romana no tempo de Cláudio e Nero, e que em Rm 16,7.12, Paulo de Tarso se refira a duas cristãs de Roma, chamadas precisamente Júnia e Trifena. Cf. N. S. RODRIGUES, ludaei in Vrbe. Os Judeus em Roma de Pompeio aos Flávios, 625-627.

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