Inicio esta intervenção com uma citação de Vasco Gonçalves na sua última entrevista.
“As conquistas democráticas alcançadas...foram todas inscritas na Constituição da República de 1976. A Constituição é filha da Revolução. As Conquistas de Abril eram o caminho para o futuro de Portugal. Elas continuam hoje, a ser devidamente analisadas, ponderadas, adaptadas e ajustadas, um objectivo para esse futuro, face às novas realidades do nosso país e do mundo.”
Camaradas e amigos:
A Revolução de Abril concretizou profundas mudanças na sociedade portuguesa, na organização do Estado, no sistema e estruturas sócio-económicas, nas liberdades e nos direitos políticos e sociais dos trabalhadores e do povo português.
As nacionalizações e o controlo operário que se estabeleceu no período revolucionário liquidaram o capitalismo monopolista.
A reforma agrária liquidou a propriedade latifundiária nos campos do Alentejo e Ribatejo.
Foi instaurado um amplo sector de economia onde o Estado e os trabalhadores tomaram o poder de decisão.
Foi dada uma contribuição que na conjuntura foi decisiva para a conquista da independência pelos povos das colónias portuguesas. E é importante sublinhar que todas estas transformações revolucionárias foram alcançadas, no fundamental, pela acção e luta dos trabalhadores e do povo, numa aliança que foi a grande aliança da Revolução: Povo/MFA.
Durante cerca de dois anos, a dinâmica revolucionária prevaleceu e conseguiu não apenas dar uma contribuição decisiva para a defesa das liberdades e do regime democrático, como alcançar profundas transformações na sociedade.
A aliança Povo/MFA desenvolveu o processo e a dinâmica revolucionários, instaurando a democracia, derrotou sucessivas tentativas contra-revolucionárias, determinou as transformações e reformas democráticas fundamentais da sociedade e o curso e o
conteúdo da instauração e institucionalização do novo regime democrático.
As realizações e reformas foram sempre conquistadas pela luta dos trabalhadores e do povo em aliança com os militares revolucionários do MFA.
Daí que tais transformações sejam denominadas – Conquistas da Revolução.
As liberdades, A organização democrática do Estado, A nova estrutura económica, A Reforma Agrária, Os direitos sociais e culturais.
Estas e outras conquistas, como escreveu Álvaro Cunhal por ocasião do 25.º aniversário da Revolução de Abril – e passo a citar -“Caracterizaram, no seu conjunto, a democracia portuguesa resultante da Revolução – Uma democracia avançada – Rumo ao Socialismo.”
Quem queira conhecer o que foi a Revolução de Abril tem um instrumento que é testemunho da História, a Constituição da República aprovada e promulgada em 2 de Abril de 1976, que significou a institucionalização, em termos constitucionais, da Revolução de Abril. Constituição que acolheu as grandes transformações revolucionárias e que foi aprovada não apenas com os votos do PCP, mas também (embora depois como se viu com reserva mental) do PS e do PSD.
Com a mudança de correlação de forças militares e políticas, a ofensiva contra as Conquistas de Abril desenvolveu-se pela acção de sucessivos governos, ao longo dos últimos 38 anos. Surge então uma nova contradição que marca a vida política desde então. PS e PSD, que aprovaram a Constituição, empreenderam, uma vez no governo, uma política de destruição e liquidação das grandes conquistas democráticas.
Logo a partir da formação do 1.º governo do PS em 23 de Julho de 1976, governo minoritário apoiado pela direita, marca-se o lançamento da ofensiva sistemática contra as Conquistas de Abril. Com o governo PS sozinho começou a política de recuperação
capitalista, agrária e imperialista.
Sucessivos governos (do PS, do PS/CDS, de iniciativa presidencial, do PS/PSD, do PSD/CDS, PSD e até aos dias de hoje o governo PSD/CDS) prosseguiram a ofensiva contra-revolucionária tendo como objectivo estratégico a destruição das grandes Conquistas da Revolução e a restauração do capitalismo monopolista. O resultado dessa ofensiva contra as Conquistas de Abril foi a destruição do aparelho produtivo nacional, da agricultura, da indústria, das pescas. Conduziu ao agravamento continuo da situação social, à degradação da cultura, à perversão da democracia política, ao sacrifício da independência e soberania nacionais.
A política de direita, iniciada há 38 anos pelo governo do PS/Mário Soares, de liquidação das realizações e valores de Abril, é uma política antidemocrática e antinacional, que não serve ao povo nem ao país. Como resultado destes 38 anos de políticas de direita, o país foi conduzido a uma profunda crise económica e social.
O caminho para superar a crise e resolver os graves problemas do povo e do país, não é possível com o prosseguimento da restauração de elementos e valores do passado anterior ao 25 de Abril, mas na projecção das experiências e valores da Revolução de Abril, num projecto que seja capaz de assegurar o futuro democrático, independente e soberano de Portugal.
A Revolução de Abril não é repetível.
A situação em Portugal e no mundo hoje é radicalmente diferente daquela que conduziu à Revolução, às suas realizações e conquistas, mas os seus valores, experiências e realizações, o seu projecto inscrito ainda hoje, apesar das revisões e mutilações, na Constituição da República, mantêm-se presentes na sociedade e na consciência dos trabalhadores e do povo português.
O processo contra-revolucionário não está concluído e também o regime democrático não pode ser considerado extinto. Perdura e afirma-se o valor de uma legalidade democrática. É verdade que a dinâmica de poder e dos instrumentos do Estado – do legislativo ao judicial – está hoje determinada pelo grande capital, mas também não é menos verdade que essa acção inserida no processo
contra-revolucionário foi feita à margem da lei e contra a Constituição. No momento actual o país vive uma grave situação, indissociável da política de direita levada a cabo ao longo dos últimos 38 anos, por sucessivos governos do PS, PSD e CDS, que foram sistematicamente destruindo e combatendo as transformações e Conquistas da Revolução, promovendo a restituição dos grupos monopolistas e a submissão do país à União Europeia e ao imperialismo. Uma política de intensificação da exploração e destruição dos direitos laborais e sociais dos trabalhadores e do povo português, que destruiu o aparelho produtivo nacional, arruinou a economia e endividou o país, situação que tem sido agravada pela entrega do país à Troika estrangeira, primeiro pelo governo PS com o apoio do PSD e CDS e concretizada e aprofundada pelo governo do PSD/CDS (com o apoio do Presidente da República), políticas que conduziram o país à situação de desastre em que se encontra.
A luta hoje pela demissão do governo é condição urgente e necessária para travar este desastre antinacional, antidemocrático, antissocial e anti-cultural. Demitir o governo PSD/CDS é um imperativo nacional, mas não basta demitir este governo para interromper a política de direita. É necessário uma ruptura com a política dos últimos 38 anos, construir uma alternativa política que promova e afirme um Portugal democrático, justo e soberano, independente e desenvolvido, livre da política de direita e da integração capitalista da União Europeia e do imperialismo.
A Constituição da Republica mantém no seu texto princípios e disposições que dão força à defesa e exercício de direitos fundamentais, que possibilitam as opções de desenvolvimento económico e social, no interesse do país da soberania e independência nacionais.
Tal é possível com o papel decisivo da força e luta organizada dos trabalhadores e do povo, com a convergência e unidade dos democratas e patriotas, que no momento actual encontra na luta, pela ruptura com a política de direita, por uma alternativa que promova e afirme um Portugal democrático, justo, soberano,
independente e desenvolvido, base para comprometer e envolver um conjunto de classes, sectores e camadas antimonopolistas. Perante a ameaça que se nos apresenta da perpetuação da ofensiva (mesmo com outras cambiantes), a ruptura com a política de direita e a construção de uma alternativa é condição para travar o rumo de desastre a que querem amarrar o país.
Alternativa que tem de se basear numa política patriótica, porque a nova política de que Portugal precisa tem de romper com a crescente subordinação e recolocar no centro da orientação política a afirmação de um desenvolvimento económico soberano, a redução dos défices estruturais, a defesa intransigente dos interesses nacionais, articulada com a necessária cooperação no plano europeu e internacional. Basear-se numa política de esquerda, sem hesitações, que rompa com a política de direita e inscreva a necessidade da valorização do trabalho e dos trabalhadores, a efetivação dos direitos sociais e das funções sociais do Estado, que promova a igualdade e a justiça social e encete o caminho para o controle público dos sectores estratégicos nacionais – financeiros e económicos – e assuma a opção clara de defesa dos trabalhadores e das camadas e sectores não monopolistas, enquanto condição de afirmação de um Portugal desenvolvido e soberano, sustentado na Constituição da República e no que ela possibilita como base suscetível para a sua concretização.
Uma política de esquerda, que partindo dos valores de Abril, que são simultaneamente ideais e conquistas, participação e intervenção das massas, intervenção essa que se revelou e revelará como uma imensa força de transformação e avanço. Valores que são património e inspiração para a acção dos trabalhadores, do povo, dos democratas e patriotas, de todos os que aspirem a uma vida melhor numa sociedade mais justa, e a experiência histórica das realizações, conquistas, valores e lições da Revolução de Abril para que na situação actual se possa optar por um caminho de futuro, para a realização de uma política que
sirva o povo e o país.
E termino com mais duas passagens de Vasco Gonçalves na sua última entrevista.
“Penso que os caminhos de Abril continuam bem actuais para a construção duma sociedade de justiça social no nosso país.”.
“Nestas condições tão difíceis e tão exigentes para cada um de nós, a missão que se põe às forças democráticas e progressistas...é o trabalho empenhado, persistente, quotidiano, inteligente, pela consciencialização política e social do nosso povo para a efectiva participação na construção do seu próprio futuro.”.
Com organização, pela luta, pela afirmação dos valores e ideais de Abril, com confiança na força e vontade dos trabalhadores e do povo, com a unidade dos democratas e patriotas, temos a convicção de que é possível uma vida melhor num Portugal de progresso, livre e democrático, inseparável dos valores da Revolução de Abril.
Não vamos esperar. Vamos continuar a lutar! Pelos valores de Abril no Futuro de Portugal! Pela democracia, pelo futuro socialista de Portugal!
Prestando assim a nossa homenagem ao Companheiro Vasco, homenageando o seu exemplo de coragem e patriotismo, das suas referências e preocupações, o respeito pelos direitos e interesses dos trabalhadores, do povo e de Portugal.