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Ana Maria Brito (Universidade do Porto) Mestrado de Estudos Africanos Linguística Africana Guião VI - A situação linguística em Moçambique

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Ana Maria Brito (Universidade do Porto) Mestrado de Estudos Africanos 2006-2007

Linguística Africana

Guião VI - A situação linguística em Moçambique

• Alguns dados sobre a situação do Português em Moçambique (Ferreira 1977, Gonçalves 1996b, Jorge, A. 1999):

1. Três fases da história do Português em Moçambique

1ª fase: 1498-1918 (“fase preparatória” segundo E. Ferreira (1977)) 1498: chegada de Vasco da Gama a Moçambique

1918: fim das campanhas militares de ocupação sistemática do território 2ª fase: 1918-1975 (“fase de implantação”)

1930: “Acto Colonial”: lei que regula a relação de Portugal com as colónias

Focos de desenvolvimento, criação do ensino indígena e acesso à instrução formal em Português; companhias de exploração agrícola; desenvolvimento dos centros urbanos; colonização massiva (1950: 50 mil colonos, 1960: 90 mil colonos)

(1910-1940: acções da primeira geração de homens de letras moçambicanos) 1962: “Luta Armada de Libertação Nacional”

Criação do ensino universitário; produção de manuais escolares. 3ª fase: 1975-...

Independência; movimento de colonos para Portugal

Português: língua oficial para a administração, a comunicação social e única língua de ensino, língua de prestígio; as novas gerações das classes favorecidas usam cada vez menos as línguas bantu; criadas as condições para a formação da variedade moçambicana do Português.

Censo de 1980: falantes de uma língua bantu como língua materna: 98,8% Falantes de português como língua materna: 1.2%

Falantes exclusivos de uma língua bantu: 75.6% Falantes de português e uma língua bantu: 23.2% Falantes de português: 24.4%

Censo de 1997, publicado em 1999: cerca de 13 milhões de habitantes recenseados Português língua materna (L1) para 3% de moçambicanos

Português língua segunda (L2) para cerca de 39% de pessoas que têm como língua materna (L1) uma língua pertencente ao grupo bantu

Dos 39% de falantes de Português:

72% em ambiente urbano, 25% em ambiente rural 50% são homens, 29% são mulheres

Por grupo etário:

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40-44: 37%; 45-49: 31%; 50-54: 27%; 55-59: 24%; 60-64: 22%; 65-69: 17%; 70-74: 16%; 75-79: 13%; 80 e mais: 11%

Ligeiro aumento do número de falantes de Português; o Português tem reforçado o seu papel de língua de prestígio e de língua de unidade nacional.

• As Línguas bantu em Moçambique

Localização: línguas faladas na África Austral desde os Montes Camarões até ao Quénia Setentrional, a norte; até à África do Sul, a sul. Em toda esta região, e com excepção de pequenas bolsas onde se fala línguas da família Koisan, usam-se cerca de 450 línguas bantas.

Línguas bantas: línguas aglutinantes (incorporantes), i. e. línguas que formam palavras altamente complexas, com diversos tipos de informações morfológicas, sintácticas e semânticas (que outras línguas estabelecem através de meios sintácticos).

As diferentes classes de nomes (humanos, não humanos, concretos, abstractos) são marcados por morfemas de classe, colocados no início de palavra.

Sintacticamente são línguas SVO e de sujeito nulo.

Em Moçambique: difícil de saber o número exacto de línguas bantas, uma vez que apresentam dialectos e variações no interior de cada uma.

1º Relatório sobre a estandardização da ortografia das línguas moçambicanas (1989): identificadas 20 línguas, mas hoje há autores que preferem falar de 8 a 13 e outros há que consideram prematuro fixar um número exacto.

Embora haja línguas bantas dominantes em certas províncias, nenhuma tem a possibilidade de ser escolhida como língua nacional.

• Moçambique: contacto de línguas; o Português como L2

Moçambique: comunidade linguística profundamente heterogénea, como qualquer outra comunidade mas com o factor adicional de ser uma sociedade pós-colonial multilingue; variações na comunidade e variações no indivíduo.

Grande parte da população tem uma língua bantu como língua materna (L1). Contacto entre línguas:

Empréstimos, normalmente no domínio do léxico: língua colonial → línguas nativas, línguas nativas → língua colonial. O empréstimo não interfere com a gramática das línguas.

Interferência de substrato: isto é, a influência de uma língua noutra no aspecto gramatical. Esta situação já se faz sentir no PM (nomeadamente na relação Changana → Português).

Do ponto de vista da aquisição:

Aquisição da L2: o aprendente já conhece uma primeira língua num estádio mais ou menos estável, conforme a idade em que a aquisição da L2 opera: os adultos, se forem confrontados com uma língua segunda, já estão na posse do conhecimento da L1, enquanto as crianças podem estar num estádio intermédio.

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O processo permite desenvolver uma gramática mental, que é diferente da gramática adquirida pelos falantes que têm essa mesma língua como L1, isto é, não coincide com a gramática da língua alvo; essa gramática passa por um processo de desenvolvimento que pode ser marcado por mudanças mais ou menos bruscas, por vezes mudanças paramétricas.

• Alguns aspectos sintácticos que distinguem PM (oral) do PE (Gonçalves 1996a, 1998, Gonçalves & Sitoe 1999)

Quanto à expressão do sujeito e da concordância verbal:

- SU pronominal expresso e concordância verbal (construções sem sujeito nulo): (1) Eu saí da escola

(2) Eu sempre vivi com os meus pais.

- Sem pronome SU expresso e concordância verbal (típicas construções de sujeito nulo): (3) Desde sempre gostei de jogar futebol

(4) ...quando desloco-me.

- Enfraquecimento da flexão verbal com reforço de formas de 3ª pessoa do sing. do modo indicativo: (5) Eu tirou 2500 meticais.

(6) Os casamentos não dura.

Ausência de Infinitivo Flexionado em contextos em que no PE seria esperada tal forma: (7) até chegar a idade de eles casar.

Mas simultaneamente:

Uso de Infinitivo Flexionado em construções que no PE seriam de Infinitivo não Flexionado: (8) Há uns chapas para levarem as pessoas para irem trabalharem … estudarem.

(9) Deviam as moças fazerem o planeamento.

(10) As pessoas lá parecem ter um horário para poderem se separarem da cidade.

(11) O que é o que os pais deviam fazer? [deviam] falarem com os filhos…tentarem educar a eles.

No Sintagma Nominal, tendência para supressão do artigo antes de nome mesmo em posições argumentais (Influência das línguas bantu, que não têm artigos? Ou sinal de uma tendência presente em várias línguas do mundo; ver, por exemplo, os crioulos?)

(12) Casa de meu irmão está abandonada.

(13) Chega altura, temos que ajudar aquela pessoa. (14) Antigamente, dinheiro de lobolo era enxada. (15) Recebi telefonema.

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Tendência para transitivização dos verbos e tendência para construções de duplo objecto (de novo a questão: influência das línguas bantu? Ou uma tendência geral para a CDO e falta de preposições também visível no Crioulo de Cabo Verde e outros crioulos?):

(17) Os bandos batiam sempre as pessoas (= nas pessoas) (18) Entregou o emissário as cartas (= ao emissário)

(19) A pessoa ficou sem nascer ninguém (= sem dar à luz ninguém)

(20) A Maria demonstrou as outras mulheres o papel do Destacamento Feminino. (= às outras mulheres) Passivas “estranhas”:

(21) Os jovens são dados responsabilidades de família. (22) ... Estes homens terem sido nascidos em Moçambique. (23) ... Os alunos serem batidos!

Em aparente contradição com a transitivização dos verbos, nota-se no PM a inserção da preposição a junto de argumentos + humanos com a função sintáctica de OI:

(24) A filha do Imperador amou ao João. (25) A natureza não pode dominar ao homem.

Gonçalves (1996a, p. 315): este uso “é consequência da associação estabelecida pelos falantes moçambicanos entre este tipo de argumentos e os argumentos OI do PE (…)” “A confirmar este hipótese de unificação dos complementos OI e OD + hum no PM está o uso sistemático do pronome clítico “lhe” (…) em contextos em que deveria ser usada a forma acusativa (…)”:

(26) O António tinha um padre que lhe educava.

Forma e posição dos clíticos

Além da tendência de unificação das formas de OI e OD +humano no PM através da forme “lhe”, nota-se uma certa instabilidade na colocação dos pronomes clíticos, nomeadamente:

-tendência de supressão dos clíticos reflexos argumentais: (27) A tal namorada foi queixar ao pai (=queixar-se ao pai) (28) Muitas vezes eu atrasava às aulas (=atrasava-me para as aulas)

Segundo Gonçalves, a supressão deste tipo de clíticos decorre do facto de eles não estarem claramente associados a um papel sintáctico ou semântico (p. 318)

Ainda segunda a mesma autora, em aparente contradição com este fenómeno, ocorrem clíticos reflexivos não argumentais:

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(30) O Fernando preferiu-se da tal moça.

Hipótese: estas frases assinalam “a afectação das entidades que os SNs com a função de SU (“o rapaz” (…) “o Fernando” (…) designam pelas acções descritas pelos verbos “simpatizar” e “preferir”. (Gonçalves 1996a, p. 318)

-Alteração da posição normal dos clíticos em frases com auxiliar e tendência para ênclise em orações complexas:

(31) O professor não tinha nos dado a aula. (32) Ele vai me ter que demonstrar.

(33) Há pessoas que opõem-se contra a religião. Verbos locativos: em como preposição recorrente: (34) Ele já chegou em casa.

(35) Podes vir aqui na Baixa?

Três tendências nas orações relativas: - „estratégia resumptiva":

(36) Foi um amigo que conheci-o logo que cheguei.

(37) Tem um livro em preparação que espera vê-lo publicado.

(38) O Estado-Maior emitiu um comunicado que passamos a transcrevê-lo.

(39) É necessário que os novos partidos tenham projectos que o povo concorde com eles. -„estratégia cortadora":

(40) A pessoa que eu mandei o recado não estava lá. (41) Naquele dia que você saiu.

- a forma onde (e marginalmente cujo) como SU, como OBJ e como OBL: (42) Ele é apresentado às autoridades onde tomarão medidas.

Orações integrantes com para que / de que (=que) (43) Disse para que eu ficasse de pé.

(44) Combinou com o meu pai para que eu fosse à escola. (45) Disse para que eu olhasse.

(46) Viram de que afinal o coelho é mais esperto. (47) ... dizendo de que hoje quero-te ver.

(48) Começou a explicar de que a sua mãe foi matada.

Hipótese: a presença das preposições de e para é destinada a atribuir conteúdo semântico ao complementador que. A preposição de ocorre sempre associada ao modo indicativo enquanto a preposição para se associa ao modo conjuntivo (Issak 1998, p. 93).

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Léxico: do Português para as línguas bantu e das línguas bantu para o Português:

Exemplo: do Português para o Changana (perda de nasalidade, queda de sílabas pos-tónicas, integração de verbos em classes; integração dos nomes numa das 17 classes nominais do Changana) (Gonçalves & Sitoe 1999) pão > pawà armazém > rùmàzeya fósforo > fofó passear > kùpàsìyarà regar > kùrègàrà

mulato / mulatos > mùlatù / valàtu (classes 1 / 2, mu- / va-)

bandeira / bandeiras > obànderà / màbànderà ( classes 5,6, ri- / ma-) Do Changana para o Português

Lobolo: tributo pago pelo noivo aos pais da noiva

Tchova-xitaduma: transporte de tracção animal ou humana Dumba-nengue: mercado informal

Rego (2000) mostra que pelo menos 1172 palavras do Português foram incorporadas em Nyungwe (Tete): vocabulário da técnica, da alimentação, de utensílios, de relações de parentesco para as quais o Nyungwe não tinha palavras ou tinha meios bem mais complexos.

• Português em processo de mudança: uma nova variedade, o PM.

Oficialmente: é a norma padrão do PE que a norma do Português em Moçambique.

Factores externos e factores internos fazem com que a norma que se está a desenvolver apresente mudanças mais ou menos profundas e que os falantes evidenciem hesitações e oscilações nos seus enunciados. Como resultado: a produção linguística em Português está progressivamente a afastar-se da norma europeia do Português. A pouco a pouco vão-se notando alterações, e, relativamente a certas áreas linguísticas, nomeadamente na Fonologia, na Morfologia Flexional, no Léxico e na Sintaxe, já é possível notar sistematicidades e generalizações que apontam para mudanças paramétricas, para uma „variante em formação", que alguns autores chamam „Português de Moçambique (PM)" .

Bibliografia fundamental

1º Relatório sobre a estandardização da ortografia das línguas moçambicanas (1989). Faria, I. et alii (orgs.) 1996 Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, Caminho, Lisboa.

Ferreira, E. 1977 O Fim de uma era: o Colonialismo Português em África. Lisboa, Liv. Sá da Costa. Gonçalves, P. & Sitoe, B. 1999 “Mudança linguística em situação de contacto de línguas: O caso do changana e do português”, in Travessias, 1., Rio de Janeiro, pp. 73-86.

Gonçalves, P. 1996a “Aspectos da sintaxe do Português de Moçambique”, in Faria, I. et alii (1996) (orgs.) Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, Caminho, Lisboa, pp. 313-322.

Gonçalves, P. 1996b “Dados para a história da língua portuguesa em Moçambique” in Atas, I Congresso Internacional da Abralin, Salvador, Abralin-Finep-UFBA, pp. 187-192.

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Gonçalves, P. 1998 (org.) Mudanças do Português em Moçambique, Liv. Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.

II Recenseamento Geral da População e Habitação 1997. Resultados definitivos. Censo 97, Maputo, Agosto de 1999.

Jorge, A. 1999 “The Language situation in Mozambique” in Naplan, R. e Baldauf, R.B. (eds.) Language Planning in Malawi, Mozambique and the Philippines, Clendon, Multilingual Matters, Ltd.

Rego, S. V. 2000 Contributo para a constituição de um Corpus de Portuguesismos em Nyungwe, Diss. de Mestrado em Linguística apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Referências

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