MATERIAIS E ESTRUTURAS INTELIGENTES E SUA
IMPORTÂNCIA NA MANUTENÇÃO INDUSTRIAL
José N. Marat-Mendes
Departamento de Ciência dos Materiais (CENIMAT), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica, Portugal
jnm@fct.unl.pt
e IMMAS – Instituto de Materiais, Manutenção, Ambiente e Segurança
Rosa M. M. Marat-Mendes
Escola Superior de Tecnologia de Setúbal
Campus do Instituto Politécnico de Setúbal, Estefanilha, 2910-761 Setúbal, Portugal e IMMAS – Instituto de Materiais, Manutenção, Ambiente e Segurança
RESUMO
Materiais e estruturas inteligentes, que sentem e respondem a variações ambientais de um modo automático e quase biológico, são sistemas ideais na monitorização contínua de condição. Este trabalho apresenta algumas ideias para a compreensão dos materiais inteligentes e sistemas de materiais que possuem capacidades multifuncionais, assim como o desenvolvimento de novas tecnologias que utilizam os materiais para projecto de estruturas inteligentes e sistemas para optimizar os serviços, a performance e a segurança. Mostra-se como os materiais inteligentes podem ser integrados nas estruturas para desenvolver a capacidade de inspecção e diagnóstico do estado de condição, de monitorizar as estruturas em serviço e mesmo de introduzir correcções para evitar possíveis danos.
MATERIAIS E ESTRUTURAS INTELIGENTES
Materiais inteligentes é o nome dado a uma classe de materiais que apresentam a capacidade de transformar a força mecânica e o movimento noutra forma de energia e vice-versa.
Exemplos de tais materiais incluem os polímeros condutores, fluídos electroreológicos que se tornam altamente viscosos quando submetidos a um campo eléctrico, materiais magnetoestructivos que variam de dimensões quando expostos a campos magnéticos e cerâmicos e polímeros piezoeléctricos que alteram as suas dimensões em resposta a campos eléctricos ou geram uma corrente eléctrica em resposta a uma tensão mecânica aplicada. Há também biomateriais poliméricos que se contraem e expandem em resposta ao calor ou produtos químicos e ligas de memória de forma e polímeros que voltam ao estado original não deformado a uma certa temperatura.
Sensores de fibra óptica estão entre os preferidos nas aplicações em estruturas inteligentes, devido à sua imunidade à interferência electromagnética, à pequena dimensão e peso. [1,2]
Figura 1 – Fibras ópticas embebidas num material compósito para detecção de defeitos.
Uma estrutura inteligente é uma estrutura que contém materiais inteligentes quer embutidos, quer em camada superficial e desempenha algum tipo de função controle, sensora e/ou actuadora. Vários outros nomes têm sido atribuídos a tais sistemas, incluindo estruturas activas, adaptativas, multifuncionais ou estrutónicas.
Uma importante característica dos materiais inteligentes é que eles fornecem uma maneira discreta, integrada e distribuída de juntar funções actuadoras e sensoras a uma estrutura ou máquina. Esta característica constitui uma perfeita associação para a sua monitorização da condição estrutural em sistemas onde o espaço e a massa são um problema. Os sistemas integrados permitem um aumento significativo do número de sensores e fontes de excitação e retiram a maior parte das massas associadas com os dispositivos convencionais que alteravam a rigidez local da estrutura.
a) b)
Figura 2 – a) Fotografia do acidente do Aloha Boeing 737 a 28 de Abril de 1998. b) Painel exterior do Boeing 737 mostrando as múltiplas falhas.
Material Piezoeléctrico
i
F
F
+ + + + + + + +- - -
F
F
~ Material Piezoeléctrico MATERIAIS PIEZOELÉCTRICOSOs materiais piezoeléctricos formam conjuntamente com as fibras ópticas os sensores mais adequados à monitorização contínua da condição dos equipamentos e estruturas. Uma característica única dos materiais piezoeléctricos é que permite que eles sejam utilizados quer como actuadores quer como sensores. Na verdade, o desenvolvimento dos materiais piezoeléctricos na síntese dos materiais inteligentes envolve a exploração de uma filosofia biomimética uma vez que a anatomia do corpo humano se assemelha aos materiais piezoeléctricos. Por exemplo, a pele e os ossos têm propriedades piezoeléctricas.
Deste modo o nosso sistema sensorial na ponta dos dedos envolve a geração de um potencial eléctrico na superfície da pele que vai ser transmitido ao cérebro pelo sistema nervoso antes da avaliação, interpretação e subsequente acção.
Apesar da característica única dos materiais piezoeléctricos de gerarem carga em resposta a uma deformação mecânica (efeito directo) ou alternativamente se deformarem quando sujeitos a um campo eléctrico (efeito inverso), os materiais piezoeléctricos cerâmicos como o PZT são tipicamente utilizados como actuadores enquanto que os poliméricos como o PVDF são tipicamente utilizados como sensores tácteis, sensores de temperatura e sensores de deformação, etc. Este é também o caso dos piezoeléctricos de compósitos polímeros/cerâmica. [3-7]
a) b)
Figura 3 – Características dos materiais piezoeléctricos. a) Efeito directo. b) Efeito inverso.
Para um meio piezoeléctrico, a interacção entre as variáveis eléctricas e mecânicas pode ser descrita pelas relações lineares seguintes [3]:
E dX D X (1) dE X sE x (2)
A equação (1) descreve o efeito piezoeléctrico directo e a equação (2) descreve o efeito piezoeléctrico inverso. A tensão X e o campo eléctrico E foram escolhidos como
variáveis independentes, enquanto que a deformação x e o deslocamento eléctrico D são variáveis dependentes; sE é a matriz de flexibilidade a campo eléctrico constante ou também conhecida por matriz de deformabilidade, X a permitividade a tensão mecânica constante e d a constante piezoeléctrica, enquanto que os subscritos indicam a quantidade física que é mantida constante.
As constantes piezoeléctricas são tensores de terceira ordem (aijk), pois relacionam um
tensor de segunda ordem como a deformação xij ou a tensão Xij a um vector de campo
eléctrico externo EK ou a um vector deslocamento eléctrico DK.
As equações (1) e (2) podem ser postas numa forma alternativa usando quer X e D, X e E ou x e E como pares de variáveis independentes. As equações são então transformadas em: E e e c D X E t x x (3) D h h c E X X t D x (4) D X g g s E X t D x (5) em que c é a constante de rigidez elástica, e, h e g são os coeficientes piezoeléctricos tensoriais, e é definido como o inverso da matriz de permitividade, e o índice t indica a matriz transposta.
A definição destas constantes resulta directamente das equações acima, por exemplo:
X E E X D d x (6) X D D X E g x (7) x x E X D e E (8) x x D X E h D (9)
Devido à simetria das variáveis tensoriais (ex. xij = xji) o tensor deformação pode ser
Efeito inverso
Efeito directo
Tensões normais Tensões de corte
ij 11 22 33 23 = 32 13 = 31 12 = 21
Xixj x2 y2 z2 yz xz xy
Índice contraído 1 2 3 4 5 6
De modo que as constante piezoeléctricas são convertidas em tensores de segunda ordem com o primeiro índice a indicar a direcção do campo aplicado (de 1 a 3), enquanto que o segundo indica a direcção da deformação (de 1 a 6). Por exemplo as equações (1) e (2) podem ser rescritas numa forma completa, para cerâmicas ferroeléctricas com a estrutura da perovskite (simetria mm) polarizadas na direcção 3, ou seja, ao longo da espessura, como se segue:
3 2 1 15 15 33 31 31 6 5 4 3 2 1 E 66 E 44 E 44 E 33 E 13 E 13 E 13 E 11 E 12 E 13 E 12 E 11 6 5 4 3 2 1 E E E 0 0 0 0 0 d 0 d 0 d 0 0 d 0 0 d 0 0 X X X X X X s 0 0 0 0 0 0 s 0 0 0 0 0 0 s 0 0 0 0 0 0 s s s 0 0 0 s s s 0 0 0 s s s x x x x x x (10) 3 2 1 X 33 X 11 X 11 6 5 4 3 2 1 33 31 31 15 15 3 2 1 E E E 0 0 0 0 0 0 X X X X X X 0 0 0 d d d 0 0 d 0 0 0 0 d 0 0 0 0 D D D (11)
Estas duas ultimas equações podem ser agrupadas numa só equação matricial, como se segue: 3 2 1 6 5 4 3 2 1 X 33 33 31 31 X 11 15 X 11 15 E 66 15 E 44 15 E 44 33 E 33 E 13 E 13 31 E 13 E 11 E 12 31 E 13 E 12 E 11 3 2 1 6 5 4 3 2 1 E E E X X X X X X 0 0 0 0 0 d d d 0 0 0 0 d 0 0 0 0 0 0 d 0 0 0 0 0 0 0 s 0 0 0 0 0 0 0 d 0 s 0 0 0 0 0 d 0 0 0 s 0 0 0 d 0 0 0 0 0 s s s d 0 0 0 0 0 s s s d 0 0 0 0 0 s s s D D D x x x x x x (12)
Deste modo, tira-se que numa cerâmica ferroeléctrica há cinco constantes elásticas independentes, duas permitividades dieléctricas e três constantes piezoeléctricas. Note-se que não há acoplamento piezoeléctrico no plano de corte perpendicular à direcção de polarização (direcção 6).
APLICAÇÕES
As aplicações de tais materiais e estruturas inteligentes incluem já cascas de aviões que incorporam sensores de radar, skis com componentes piezoeléctricos electroactivos que amortecem as vibrações [2,8], janelas inteligentes que automaticamente escurecem bloqueando a luz do sol, mesmo vestuário protector feito com polímeros condutores e capazes de tocar um alarme quando expostos a materiais perigosos ou radiações.
O vasto grupo de materiais inteligentes cobre uma gama que vai desde “high-tech” (díodos de polímeros que emitem luz de várias cores para uso em sinais programáveis e grandes painéis planos) até ao mais mundano (betão com fibras embebidas que sentem as fissuras e libertam um produto químico auto-reparador).
Devido aos aspectos funcionais de muitos materiais inteligentes imitarem ou se assemelharem à biologia humana, alguns deles até parecem promissores como órgãos sensoriais sintéticos e músculos em aplicações de robótica e equipamento de próteses. Muitas indústrias, nomeadamente as relacionadas com a aeroespacial e a defesa, estão a aplicar os materiais inteligentes numa base experimental bastante alargada.
Uma aplicação em aeronáutica é a asa inteligente de geometria variável, que pode ser optimizada com base nos dados dos sensores para várias condições ambientais e de voo. Outras aplicações incluem não somente os monitores da condição estrutural que faz uso de sensores e processadores, mas também de actuadores embebidos na estrutura da asa para um rápido controle modificando as superfícies desta, suprimindo as frequências de vibração elevadas.
Massa 1 Massa 2 Material Piezoeléctrico Suporte parafuso
Caixa metalica Amplificador de
Corrente
Figura 6 – Taco de baseball inteligente. Figura 7 – Amortecedor de uma bicicleta inteligente.
Figura 8 – Controle de ruído. Figura 9 – Elementos embutidos para modificação da forma em aviões.
Figura 10 – Pontes inteligentes. Figura 11 – Transdutores de aceleração angular.
CONCLUSÕES
Em princípio os materiais e estruturas inteligentes poderão servir virtualmente para qualquer imaginável propósito do engenheiro.
Embora ainda na sua infância, a emergente área dos materiais inteligentes poderá ter impacto importante na maior parte das indústrias, infra-estrutura e equipamentos, nomeadamente através da Manutenção Preditiva, aumentando a segurança, a
REFERÊNCIAS
[1] “Smart Materials and Structures”, M.V.Gandhi and B.S. Thompson, Chapman & Hall, London, 1992.
[2] “Smart Materials and Smart Systems for the Future”, Georges Akhras, Canadian Military Journal, autumn 2000.
[3] “Ferroelectric Composites for Pyro-And Piezoelectric Applications”, C.J. Dias, PhD. Thesis, School of Electronic Engineering and Computer Systems, University of Wales, Bangor, UK, 1994.
[4] “Desenvolvimento de Materiais Compósitos Polímero/Cerâmica para Sensores Electroactivos”, R. Igreja, Tese de Mestrado, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa , 1997.
[5] “Measurement of Angular Acceleration using PVDF”, Rosa Marat-Mendes, C.J. Dias, J.N. Marat-Mendes, Ferroelectrics, 1999, Vol. 228, pp. 241-248.
[6] “Measurement of the Angular Acceleration using PVDF and a piezo-composite”, Rosa Marat-Mendes, C.J. Dias, J.N. Marat-Mendes, Sensores and Actuators A, 1999, Vol. 79, pp. 310-313.
[7] “Desenvolvimento de um transdutor piezoeléctrico para medição da aceleração angular”, Rosa Marat-Mendes, Tese de Mestrado, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa , 2000.