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Takahashi destaca o acelerado crescimento da internet nos seus primeiros quatro anos nos EUA, atingindo cinquenta milhões de usuários, comparando com o tempo necessário para atingir o mesmo número de usuários nos casos do computador pessoal: 16 anos; televisão: 13 anos; e rádio: 38 anos. De acordo com o Livro Verde4, a internet, em oito anos, se disseminou por praticamente todo o mundo.

Mesmo ainda sendo, em muitos países, um serviço restrito a poucos, a velocidade da disseminação da Internet, em comparação com a de outros serviços, mostra que ela se tornou um padrão de fato, e que se está diante de um fenômeno singular, a ser considerado como fator estratégico fundamental para o desenvolvimento das nações (TAKAHASHI, 2000, p.4).

Alguns autores têm expectativa exagerada em relação à internet. Coelho (2011), por exemplo, em texto sobre a Web 2.0, afirma que a revolução acontece em qualquer parte onde exista um computador ou celular conectado à internet. Todo e qualquer indivíduo se tornou um potencial produtor de conteúdo/informação.

3 Apesar da diferença do texto impresso, a correção foi feita pelo próprio autor do texto, orientador desta dissertação, que identificou um pequeno erro na versão publicada do artigo.

4 Em maio de 1999, por convite do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), principiou a se reunir em Brasília um grupo de discussão sobre os possíveis contornos e diretrizes de um programa de ações rumo à Sociedade da Informação no Brasil. Tal programa traduziria em projetos concretos a iniciativa que fora aprovada pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, em dezembro de 1998, e que fora refletida em diversas ações propostas pelo MCT no Plano Plurianual para o período de 2000-2003. Aceitando a sugestão, o MCT compôs um Grupo de Implantação do chamado Programa Sociedade da Informação no Brasil, que iniciou atividades em agosto de 1999. Em 15 de dezembro, o Programa foi oficialmente lançado pela Presidência da República. A partir de janeiro de 2000, começou a trabalhar na proposta preliminar detalhada do Programa, mediante a criação de Grupos Temáticos de discussão, contratação de estudos, análise de experiências no exterior etc. O Livro Verde é o resultado desse processo, no qual estiveram envolvidas mais de 300 pessoas do Brasil e do exterior, das quais cerca de 150 se dividiram em 12 Grupos Temáticos contribuindo em suas áreas de especialização. A importância da citação do Livro Verde neste estudo, apesar de suas limitações, é justamente pelo fato de ser um documento encomendado pelo governo e que passou a fazer parte de suas diretrizes, um documento estatal afirmando a importância do desenvolvimento da cidadania, a necessidade da inclusão e do letramento digital e da competência em informação.

Pela primeira vez na história dos meios de comunicação, não existem obstáculos para a publicação de informação em escala global nem qualquer tipo de controle de conteúdo ou interferência por parte de indústrias de comunicação ou grandes corporações dos media, tal como aconteceu ao longo de muito tempo com a cultura de massas. (COELHO, 2011, p. 166)

De fato, existe sim um espaço potencialmente livre, mas que está, na sua maioria, subsumido ao capital, às grandes indústrias e corporações, sob interferência e quase total vigilância. Inclusive, sob grande influência do capital, repetindo o uso hegemônico do espaço, embora existam suspiros revolucionários e contra hegemônicos, não menos importantes que os insufladores de outrora.

O ponto defendido por Coelho (2011), com demasiado otimismo, é o da interferência imediata do usuário como ação revolucionária. Entretanto, esse usuário efetivamente deixa de ser mero expectador e passa a ter a possibilidade de ser também autor na troca de informação e impressões do mundo. Não há mais uma informação disponibilizada verticalmente a ser aceita ou não pelo expectador, que antes só possuía poder de discordar em conversas com outros expectadores, ou enviando cartas ou mensagens aos emissores, que podiam ou não ser respondidas ou publicadas, sendo ou não disponibilizadas a outros expectadores. Depois da Web 2.0, essa resposta é imediata, principalmente em ciberambientes sem controle de postagem e resposta, a partir dos quais essa interferência do usuário pode se propagar e desviar o rumo inicial da discussão, chamando para o debate outros usuários, sem qualquer controle do primeiro emissor. Cabe a esse emissor apenas responder aos seus interlocutores na tentativa de assumir novamente o protagonismo no debate.

Martins (2004, p.3) lembra que, ao ser mencionada, a palavra “internet”, em geral, é associada “à revolução das novas tecnologias de informação e comunicação”. Martins afirma, apoiada em Lemos (2002: p.84), que as TICs transformaram as mídias tradicionais, do modelo “um-todos” em um modelo “todos-“um-todos”, permitindo um sistema de comunicação personalizado, bidirecional e em tempo real.

Pode se ter a impressão que, desde a sua fundação, a internet é um potencial espaço democrático e livre, uma ágora digital, onde os cidadãos do mundo e os grupos antes isolados ganham voz e área de interação. Entretanto, ela surge durante a guerra fria, com uma arquitetura de redes composta por inúmeras redes de computador com diversas maneiras de conexão, a fim de proteger o sistema comunicacional da inteligência americana contra a União Soviética em uma possível guerra atômica e, como afirma Castells, (2003) ela não foi criada como um projeto que visava o lucro empresarial. Naquela época a ideia é de que nenhum indivíduo teria razões para querer um computador em casa.

A internet se desenvolveu a partir de uma arquitetura de informática aberta e de livre acesso. “O início dos protocolos centrais TCP/IP da Internet criados em 1973-1978, distribuem-se gratuitamente e à sua fonte de código tem acesso qualquer pesquisador ou técnico” (CASTELLS, 2003, p. 258). Nesta época a internet foi apropriada por cientistas e pesquisadores da Califórnia, que encontraram nela “um grande potencial para o desenvolvimento científico através da comunicação entre universidades e centros de pesquisa e do funcionamento cooperativo e descentralizado de projetos de estudo” (BEZZERA, 2014, p. 50), contudo Castells lembra que mesmo enquanto a internet estava dentro do Departamento de Estado dos EUA, havia cooperação internacional. (CASTELLS, 2003, p. 260).

Ainda nos anos 70 é criado o correio eletrônico, que foi “descoberto” quando os pesquisadores, ao trocarem mensagens entre si sobre as possíveis aplicações da internet, deram conta que tinham encontrado o que procuravam. Segundo Castells “os produtores da tecnologia da internet foram fundamentalmente seus usuários”, em uma relação de retração constante e feedback. Os inovadores criavam e os usuários modificavam constantemente as aplicações e desenvolviam mais tecnologia, o que contribuiu com o dinamismo e desenvolvimento da internet.

Entre os anos 1978 e 1980 grupos libertários internacionais se organizaram e desenvolveram-se de forma mais global a partir da USENET, rede alternativa de internet, “precisamente porque a Arpanet pertencia ao governo norte-americano” (CASTELLS, 2003, p. 260).

Conhecida no primeiro instante como ARPANET, transforma-se na cobiçada INTERNET em 1980, permitindo uma comunicação multidirecional, a interação entre os usuários e um feedback praticamente instantâneo. Desde então, este espaço vem interferido diretamente nas relações humanas, inclusive nas ações e participações de mobilização (MARTINS, 2004).

Cabe aqui reconhecer, neste espaço, a possibilidade da criação de uma ágora digital, com a apropriação dessas arenas de discussão e comunicação disponibilizadas na rede, como menciona Cândido (1999).

São exemplos marcantes dessa apropriação: primeiramente o Movimento Zapatista5, que

5 A expressão “zapatista” recorda os camponeses indígenas que combateram ao lado de um dos líderes da Revolução Mexicana, Emiliano Zapata, por demandas como terra, moradia, saúde, educação, independência e democracia. O Exército Zapatista de Libertação Nacional surgiu em Chiapas, estado pobre do México, na região da Selva Lacandona. Índios de várias etnias, expulsos de suas terras por latifundiários, migram para a selva ainda nos anos 50. Até 1974 estes índios ainda viviam em situação precária e marginal, tendo ajuda apenas da igreja católica. Em 1983, um grupo político militarizado urbano se junta aos índios de Chiapas. Surge o EZLN. Esse grupo permanece 10 anos escondidos na selva, preparando-se para a guerrilha. Em 1993 o grupo, já bem mais politizado, resolve invadir sete cidades. Após confrontos, uma trégua é proposta pelo governo e os Zapatistas constituem um governo autônomo. O EZLN foi um dos primeiros grupos a utilizar a internet para buscar o apoio da sociedade civil e estabelecer uma rede de solidariedade internacional. Sua primeira aparição pública acontece em 01 de janeiro de 1994 ainda de maneira indireta (por e-mail, listas de discussão e FTP), o site oficial só surge ao final de 1996, no endereço www.ezln.org. A partir daí ONGs e simpatizantes começam a replicar seus comunicados. Aí inicia o

surgiu em “meados de 1994 em Chiapas e se tornou o maior exemplo de uma ― social netwar6, servindo de exemplo para vários outros movimentos que foram surgindo” (OLIVEIRA, 2012, p. 24). Mesmo antes das ciberredes sociais, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) utiliza a internet como meio de difusão de informações e busca de apoio, quebrando as fronteiras mexicanas e inaugurando uma nova face da guerrilha contemporânea.

Outros movimentos seguiram utilizando a ágora digital, como os da Batalha de Seattle7 e da Primavera Árabe, entre outros. “A solução ativista para este problema foi utilizar a comunicação mediada pelo computador para criar redes de informação planetárias alternativas” (RHEINGHOLD, 1993, apud MALINI; ANTOUN, 2013, p. 34).

Essa prática informacional via internet, sem um controle muito acirrado, possibilitou uma nova prática social e uma nova estrutura organizacional, não descolada da que existe fora dos meios cibernéticos: as comunidades virtuais. Estava fundada a ágora digital, este espaço potencialmente livre, onde as informações circulam; este palco no qual as informações contra hegemônicas podem ser disponibilizadas e acessadas, mesmo quando forem, pelo menos aparentemente, contra os interesses dominantes, como no caso do Wikileaks e de documentos secretos que vazaram na internet.

Ainda nos anos 80, nos grupos de discussão, como apontam Malini e Antoun (2013, p. 32 a 41), já aconteciam denúncias e articulações contra o poder dominante. Os atores se mobilizavam através destes grupos e essas mobilizações só vinham à tona e eram percebidas quando eclodiam no “mundo real”, diferente de hoje: a partir dos anos 90, com a invenção da world wide web, as ciberredes sociais começam a se confundir com as lutas e mobilizações, o material disperso nos grupos de discussão “afluiu para as páginas web levado pela reunião das diferentes formas de defesa e resistência, constituindo os novos movimentos das guerras em rede” (MALINI; ANTOUN, 2013, embrião do ciberativismo. Como afirma a Segunda Declaração pela Humanidade, “Uma rede intercontinental de resistência, de comunicação alternativa contra o neoliberalismo e pela humanidade” (RIVELLO e PIMENTA, 2008).

6 Trata-se da “guerra” pela internet, decorrente de uma repercussão maior das mobilizações de um grupo nesta rede intercontinental de resistência à guerra em rede. Seria a luta de baixa intensidade travada de modo assimétrico por um Estado e grupos organizados em rede através do uso de táticas e estratégias que envolvem o intenso uso das novas tecnologias informacionais de comunicação, da CMC e da Internet. (ANTOUN, 2004; RONFELDT e ARQUILLA, 2001) No caso dos Zapatistas, no ambiente da internet travava-se uma guerra de informações entre o grupo mobilizado e o governo, que envolvia e mobilizava indivíduos e governos de outras localidades, países e continentes. A guerra virtual (social netwar) ganhava uma importância e um peso até então desconhecidos nos conflitos e revoltas.

7 O movimento que ficou conhecido como Batalha de Seattle aconteceu em 1999 durante o Encontro da Organização Mundial do Comércio, e caracterizava-se como uma luta global contra o neoliberalismo. Milhares de militantes, cerca de 50 mil pessoas de 144 países, bloquearam o acesso dos delegados ao encontro, fazendo com que a chamada Rodada do Milênio fosse cancelada. Os sujeitos advinham dos mais diversos movimentos, que inovaram na forma de organização dos protestos por utilizar o conceito de afluência e a lógica de rede como estrutura de ataque. Estratégias da netwar, que utilizam diversos grupos independentes interligados pela rede, sem uma liderança centralizada. Essa ação gerou confrontos com a polícia e muita repercussão, transformando-se inclusive em filme

p.55). O movimento Zapatista marca esse encontro entre ciberredes e a política dos movimentos sociais. Mais uma vez este espaço pode ser caracterizado como ágora.

Múltiplos movimentos e mídias têm se apoderado deste espaço para a criação de uma “nova esfera pública”.

A internet mudou completamente o rumo das relações sociais em todo o mundo e tornou-se uma poderosa ferramenta de organização política da sociedade. A criação de sites de compartilhamento proporcionou a milhares de usuários não apenas um maior acesso à informação, mas também à produção de conteúdo de diversos tipos por parte de qualquer cidadão. Em decorrência disso, passou-se a utilizar as redes para criticar regimes autoritários, lutar pelos direitos humanos e por liberdade de expressão. (OLIVEIRA, 2012, p.65)

Afirmar que a internet mudou completamente o rumo das relações sociais é excessivo. E afirmar que a produção de conteúdo ou qualquer informação estariam disponíveis a qualquer cidadão vai de encontro com a realidade da exclusão. O uso deste espaço está diretamente vinculado à disponibilidade técnica, ao capital econômico, ao capital social, ao capital cultural, à vontade, à automobilização, à moda e tantas outras interferências culturais, sociais, políticas, técnicas e pessoais que permeiam a construção deste estudo.

A questão do uso da internet como ferramenta de debate, pelas diversas associações da sociedade civil, sejam estes diálogos de ordem política, social ou econômica, vem sendo abordada por diversos autores (MORAES, 2000; MEDEIROS, 2011). Porém, a prática da cidadania, a mobilização e a automobilização no ambiente digital requerem não só acesso à internet, mas um embasamento político-cultural mais sólido, adquirido, por exemplo, através do acesso à informação e à educação (CABRAL, 2003).

Cortez (2007) traça um paralelo entre a ágora grega, como espaço comunicacional, e o jornalismo e os meios de comunicação modernos. Para ele, contudo, a internet abriga de maneira ainda mais aproximada este espaço na modernidade, mesmo sem possuir a característica presencial da ágora da Grécia Antiga. Conforme Maia (2007) e outros autores (MALINI; ANTOUN, 2013; ANTOUN, 2004; SILVA et al., 2005), a internet extrapola as fronteiras geográficas, transcende o espaço físico, favorece o diálogo direto e cria um espaço de discussão para além das fronteiras culturais. Ela viabiliza uma comunicação que, até certo ponto, transpõe inclusive as barreiras linguísticas (páginas virtuais podem ser traduzidas remotamente), possibilitando assim o engajamento em discussões que ocorrem nas redes sociais, nos fóruns de debates, nos chats, nos espaços virtuais, e que estimulam a participação social, a politização, a conscientização e a cidadania (RHEINGOLD; DAHLBERG apud MAIA, 2007, p.48).

Forjando este espaço democrático mais flexível, o ambiente digital permitiu e potencializou alternativas para a mobilização e a organização da sociedade civil, através de uma nova ótica,

espaço e formato. Essa ágora digital ainda guarda em si abertura à discussão democrática e possui as características de um intenso espaço mediador cultural, de comunicação e de construção do discurso. Estas características a aproximam da função junto esfera pública que o jornalismo teria segundo Gomes, podendo ser estendida a ideia de informação/comunicação colocada por Capurro para a C.I.

Alguns autores (MORAES, 2000; MEDEIROS, 2011) abordam esta questão, partindo do ponto de vista das diferentes associações da sociedade civil e de seus usos da internet como ferramenta para expor e debater problemas da sociedade, sejam eles de ordem política, social ou econômica.

César Steffen (2008, p. 146), referenciando Pierre Lévy, destaca que a internet possui potencial para “aprofundar o conhecimento dos fatos e fatores, qualificando as opiniões, a formação política dos cidadãos e a relação desses com as estruturas de regulação e poder da sociedade”. Porém, sozinha, a internet não é capaz de fomentar a cidadania.