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Área de Estudos Sociais História e Geografia

3 DESCRIÇÃO DOS TRÊS MODELOS EDUCATIVOS NA ALDEIA INDÍGENA NOVA VIDA.

3.2 Educação para o indígena

3.2.2 Área de Estudos Sociais História e Geografia

A disciplina História foi planejada com base nas datas comemorativas, sendo o calendário a linha mestra para o estudo da disciplina: O mês de Abril com o Dia do Índio e a Inconfidência Mineira, independente de período histórico, de cronologia.

Observou-se que as datas em foco tinham algo em comum, primeiro vinha o Dia do Índio, logo após Tiradentes, e depois o Descobrimento do Brasil. A linha de tempo não fora sequer elaborada pela sucessão dos fatos históricos, existira apenas pela disposição das datas no calendário anual, e trabalhou-se a História como sucessão de datas, conforme as ditas datas comemorativas nacionais. Estudou-se Tiradentes e a Inconfidência ou Conjuração Mineira, por exemplo, antes da Descoberta do Brasil, pois 21 de abril antecede, por lógica, ao dia 22 de abril. Sobre a Conjuração Baiana não se mencionou, tanto pelos professores desconhecerem o ocorrido, assim como por não ser data comemorativa oficial.

O que se tem neste caso é que os movimentos sociais ocorridos ao longo da história da sociedade brasileira, quando foram mencionados no plano, apenas o foram por obedecerem a datas comemorativas oficiais, e resumiam-se a uma lembrança de caráter saudoso ou festivo sem grande significado para a sociedade envolvente, nem para os alunos. O sentido sociocultural da própria sucessão de fatos históricos, e fenômenos sociais se apresentou vazio nesta ótica.

78 Utilizo a denominação Estudos Sociais, e suas divisões História e Geografia, pois ainda que tenha essa

diferenciação no plano, ela nem sempre é apresentada na prática. Os livros ainda trazem Estudos Sociais, ainda que subdivididos. Notou-se que há até o desconhecimento da palavra Geografia pelos alunos, muitas vezes confundida com Desenho.

Verificou-se que as quatro séries estavam estudando o mesmo assunto, ainda que apresentados de maneira diferente no plano:

TABELA 8- Plano de aula da Disciplina de História (III e IV Unidades) da Escola Indígena Paraguaçu- 1999

Séries Conteúdo

1ª série Os índios do Brasil e da Bahia. 2ª série Tiradentes;

Descoberta do Brasil

3ª série Inconfidência Mineira; Chegada dos Portugueses. 4ª série Tiradentes;

Descobrimento do Brasil. Fonte: Observações durante a pesquisa.

Deve-se observar que os conteúdos aplicados não saíram das datas comemorativas nacionais, civis e as religiosas sendo católicas. Embora as datas tenham também uma referência da pluralidade cultural que compõe a sociedade brasileira, cabe lembrar que tais datas79 não foram trabalhadas na sala, senão para lembrar que "era dia comemorativo".

Nas palavras de Bittencourt (1990, p.43) este tipo de ensino de História lhe tem mantido como a disciplina escolar legitimadora da tradição nacional, da cultura, das crenças, da arte, do território, e que vem compondo a memória histórica desejável. No que tange ao índio, à escola indígena sob a prática da educação para o indígena este processo se torna legitimador do que é externo, distanciando a história da realidade, e a sua realidade deles mesmos, dos seus protagonistas: os índios.

Num processo que homogeiniza, produz-se a memória histórica desejável eliminando as diferenças culturais e desta forma a diversidade da realidade sociocultural vivenciada pelos

79 1º de Maio- trabalhador; 13 de Maio- escravidão/ abolição; 14 de Junho- Corpus Christi; 24 de Junho- São

João; 02 de Julho- Independência da Bahia; 7 de Setembro- Independência do Brasil; 12 de Outubro- (feriado nacional de caráter religioso) Nossa Senhora Aparecida, que era conhecido pelo Descobrimento da América; 02 de Novembro- Finados(feriado nacional de caráter religioso); 15 de Novembro- Proclamação da República.

seus próprios agentes. Nadai (1990, p.25) afirma que esta lida com a História reforça e institui uma memória na qual a história serve de legitimadora e justificadora do projeto político de dominação burguesa, no interior do qual a escola secundária foi um dos espaços iniciais de formação da elite cultural e política que deveria conduzir os destinos nacionais, e nome do conjunto da nação.

Observa-se que, tanto a História ensinada, quanto a relação História e realidade indígena não são trabalhadas no ambiente escolar promovendo diálogo e aprendizagem sobre a comunidade.

Tomando o livro de Estudos Sociais de Passos e Silva, Eu gosto de estudos sociais, verificamos que também na 1ª série, o 1º capítulo tem como conteúdo ‘a família’. O texto é mais "aberto" no tocante a composição atual do que se convenciona chamar socialmente de família, não se restringindo ao pátrio poder, ou à família obrigatoriamente composta de pai e mãe presentes; apresenta o que considero um avanço compreendendo a família como a ambiência doméstica dos que vivem juntos, dos que coabitam o mesmo lar, podendo ser composta tanto por pais separados quanto por mães chefes de família.

O texto é seguido de uma árvore genealógica, e de duas fichas de auto-identificação, sendo que a primeira só pode ser preenchida a contento se o aluno tiver nascido em hospital e se houver a prática de controle neonatal e mesmo pediátrico no seu ambiente familiar; a segunda contém os dados do registro da criança.

Em seguida, no mesmo capítulo, o livro nos traz uma linha de tempo para que alunos e alunas possam aprender melhor o significado da História e a importância do tempo para essa disciplina, e toma como exemplo o seguinte quadro dividido aqui por idade e ocorrências correspondentes:

QUADRO 4: Linha de tempo na vida de uma criança fictícia.

Período Ocorrências 0-1989 Nasceu.

1 ano-1990 Começou a andar

2 anos-1991 Entrou para o jardim de infância 3 anos-1992 Ganhou um triciclo

4 anos-1993 Iniciou a natação

5 anos-1994 Recebeu o diploma da pré-escola

6 anos-1995 Aprendeu a ler

7 anos-1996 Participou de uma festa junina

Fonte: Adaptado do livro citado: PASSOS, Célia SILVA, Zeneide Eu gosto de estudos

sociais. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1996. p. 9)

Inevitavelmente havemos de salientar que alguns pontos que constam nesse quadro retomam valores típicos de setores urbanos que Franco (1982) já mencionara, alertando para valores tido como burgueses- relativos à propriedade privada e ao consumo e maior poder aquisitivo. Os professores em nenhum momento das observações utilizaram estes dados nem para a leitura nem como um contraponto à sua realidade, enquanto os alunos elaboravam comentários sobre o quadro apresentado:

• Eh, a gente só começa a andar com um ano, professora? • O que é jardim de infância?...a gente não tem disso aqui não. • Eh, triciclo é rodeira, não é professora?...

• Piscina é isso?...a gente nada na represa, só que lá tem muçu. • Pré-escola, a gente não fez isso não, a gente nunca recebeu

esse papel não.

• Eh, olha só...depois que ganha o papel de passou de ano é que vai aprender a ler...(risos).

• Só tem festa em São João, é mentira, e só vai com 7 anos, eh, mentira...a gente vai na cidade tem festa sempre...

Tal lição permite que sejam desenvolvidas atividades de caráter social, e que sejam relacionadas inclusive às diferenças de realidade- a proposta no livro, e aquela vivenciada

pelos índios- porém na prática limitou-se a servir apenas para responder o que se pedia no livro.

Ainda no mesmo capítulo aparece uma família que não foge aos padrões dominantes no seu aparato doméstico, no seu lar, com excelentes cômodos, bons móveis, bom vestuário, limpos, saudáveis, onde todos figuram sorridentes e felizes, enquanto os alunos faziam comentários que demonstravam desconhecer elementos da realidade apresentada pelo livro, porém não foram aproveitados na dinâmica da aula.

Outro detalhe observado refere-se ao modelo de habitação apresentado no livro como casa

indígena – vide página seguinte neste texto-, e que foi questionado pelos índios, pois

tomando como premissa o livro utilizado, chegaram à conclusão de que, eles mesmos, embora sendo índios, não viviam em casas dos índios. Tais ocorrências não foram aproveitadas pelos professores nas suas aulas durante o período observado.

Os capítulos seguintes, que foram estudados em sala de aula, têm como conteúdo A casa, A

cultural que é o Brasil, porém não houve seu aproveitamento como diálogo junto aos alunos.

Os pontos trabalhados na disciplina Geografia consideraram as diferentes referências aos espaços ocupados de alguma forma pelos homens. Para a elaboração do plano de aula, a professora regente afirmou:

Tomei como ponto de partida a localização do homem no espaço geográfico, no ambiente, no território, na região, como está no livro, que é como se deve fazer, e aprendi assim, aí uso com eles, sabe?...

Eis o Plano:

TABELA 9- Plano de aula de Geografia (III e IV Unidades) da Escola Indígena Paraguaçu- 1999 Séries Conteúdos

1ª série Família ; Posição do sol.

2ª série Orientação- texto “O Bairro” 3ª série O Brasil; América do Sul. 4ª série O Brasil- povos do Brasil.

Fonte: Adaptado do plano de aula durante execução da pesquisa.

Embora o conteúdo destinado ao trabalho com a 1ª série tenha como tema: “ A família- sua formação ; posição do sol”, em nenhum momento foi estudada a posição do sol relacionada com a localização das suas moradias, ou simplesmente do local onde vivem. Os textos estudados foram: A família e A casa. Os demais temas indicados no plano não foram abordados em sala de aula.

O cotidiano, com base em “A família” mencionada no referido livro, é voltado para um consumidor urbano de classe média-alta, apresentando possibilidades de consumo que são bem mais facilmente acessíveis numa família estruturada conforme os padrões da família nuclear monogâmica e com elevado nível de renda.

O texto “A casa” apresenta uma variedade de tipos de casa, no padrão urbano de classe média, e ao mencionar sobre habitação indígena, incorre num erro já detectado noutros

autores que é o de considerar a palavra oca como sendo a única para designar habitações e a estrutura das casas indígenas, sugerindo que apenas esses modelos existissem e que as culturas indígenas fossem uma coisa só.

A concepção de casa, já sabemos, não é a mesma entre os diversos povos indígenas. A concepção “oca” é Tupi, e a gravura apresentada no livro é Krahó, portanto Jê. A casa pode ser o ambiente onde se vive, se trabalha, se descança; para uns povos é a casa grande, habitação coletiva, para outros não, podendo ser de estrutura mais ou menos duradoura conforme o papel social representado pela casa. Alguns povos também fazem uso de casas rituais- casa dos homens, casa das mulheres, casa de reza, casa das flautas; e para alguns povos o desenho da casa é a própria representação da estrutura do universo.

A concepção de casa dentre os Pataxó, portanto, também sofre variações desde a palavra casa nas suas respectivas línguas originais, como a concepção que tais grupos humanos atribuem à palavra casa, ao sentido de casa.

O que se tenta destacar face a essas observações é que ainda que o livro tenha incorrido nesse equívoco, o professor regente, se bem conhecesse a cultura local, ou se integrasse conhecimentos já existentes entre os alunos poderia corrigir a informação, aguçando o espírito crítico dos alunos e a identidade étnica dos mesmos, porém o trabalho seguia anulando as manifestações de conhecimento da realidade local.

Outro livro utilizado na escola, Viva vida : Estudos Sociais, de Azevedo (1996, p. 134- 135), chega a afirmar: “o curumim vive na maloca”-, ao mostrar a vida de uma criança “ianomâmi”, porém mantendo a ideologia de que os índios são todos iguais, e de alguma forma Tupi. Deve-se ater que, ao menos, a criança Yanomami não é curumim80, essa denominação é Tupi, e a maloca também acaba por derivar do Tupi.

O livro de Favret (1996), Os caminhos de Estudos Sociais, dentre os adotados, é o único que menciona a pluralidade dos povos indígenas, e apresenta elementos desta pluralidade