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4 A CONSTRUÇÃO DA PESSOA PATAXÓ HÃHÃHÃI DA ALDEIA INDÍGENA DE NOVA VIDA.

4.1 Descrição da experiência através da escrita ,desenhos, imagens fotográficas, e da verbalização com crianças e adultos;

Em razão da presença das três práticas de educação na Aldeia Indígena de Nova Vida, faz-se oportuno que retomemos o problema condutor desta pesquisa:

Que perfil de pessoa Pataxó é construído a partir da ação de práticas educacionais

comunitárias e escolares indígenas e práticas educacionais para os indígenas praticados na

comunidade Pataxó da Aldeia Indígena Nova Vida enquanto etnia específica?

Segundo Bourdieu (1997, p.587) a transmissão da herança cultural depende, para todas as categorias sociais, dos veredictos das instituições de ensino- desde a partilha pela simples palavra do pai ou da mãe, estes, considerados os depositários da vontade e da autoridade de todo o grupo familiar; assim como a sua formação, atualmente, cabe também à Escola, cujos juízos e sanções podem confirmar os da família, mas também contrariá-los ou se opor a eles, e contribuem de maneira decisiva para a construção da identidade, da persona.

A construção da identidade se dá historicamente num processo de continuidade da linhagem, ou da casa, da família, do grupo familiar, e também através das trocas simbólicas que este grupo familiar Pataxó Hãhãhãi realiza com outrem, na sua própria dinâmica interativa humana.

A identidade, por sua vez, é herdada, transmitida e adquirida no convívio, seja “inconscientemente em e por sua maneira de ser e também, explicitamente, por ações educativas orientadas para a perpetuação da linhagem- herdar é revezar essa disposições

imanentes, perpetuar esse conatus139, aceitar fazer-se instrumento dócil desse ‘projeto’ de

reprodução” 140.

A construção da persona é fruto das ações educacionais e, para que pudéssemos abordar esse perfil de pessoa, por razões metodológicas, procuramos entender ou mesmo dialogar sobre o processo histórico que veio ocasionar a existência deste grupo em Camamu, o que foi abordado no Capítulo I desta dissertação.

A pessoa que buscamos é o ator social no desempenho dos seus papéis sociais que identificam a etnia Pataxó Hãhãhãi- lembrando que este ator refere-se a ambos os gêneros- a pessoa é o ethos tribal, e é formada- conforme consta no Capítulo II- através da persuasão, do valor do exemplo, do valor da ação, do aprender fazendo e por conseguinte, da sacralização do saber que se dá através do ouvir, do ver, do compartilhar e do provar-se.

Buscamos trabalhar com a auto-imagem que os índios têm deles mesmos a partir da idéia que fazem do que é ser índio, de morar na cidade e de morar na aldeia, e sobre suas origens, e seu dia-a-dia. Essas informações foram tomadas das idéias que eles expuseram através da escrita (os que sabem manejar a escrita) e/ou desenhos, ou mesmo da verbalização.

Partindo da caracterização prévia estabelecida pelos próprios índios de que os índios são

moradores das aldeias, têm que preservar a tradição, e os brancos são moradores das cidades, procuramos identificar as idéias que eles fazem de si, das suas origens e do seu

cotidiano, e de morar na cidade.

Serão analisados os desenhos e os textos escritos pelos índios a partir das categorias acima expressas. Os mesmos serão expostos e comentados dois a dois, obedecendo a produção de um mesmo autor, pois um representa ser índio, e o outro não ser índio. Alertamos para a disposição dos trabalhos dos alunos, pois poderíamos disponibilizar à leitura obedecendo a seguinte ordem: apenas desenhos, apenas textos, ou desenhos e textos. Porém esta

139 Significa projeto, segundo Bourdieu.

140 BOURDIEU, Pierre. “As contradições da herança” In: BOURDIEU, Pierre et alii. A miséria do mundo.

organização quebraria a ordem que os alunos apresentaram seus trabalhos, pois encontra-se de um mesmo autor, tanto apenas desenho para uma representação, quanto desenho e texto para outra representação; e nos interessa a idéia do autor, portanto o seu conjunto.

A atividade foi organizada em duas partes, na primeira apenas o pesquisador estava com os alunos, na sala de aula, e foi solicitado que eles desenhassem ou escrevessem da maneira que eles achassem melhor, sobre o que eles achavam que era ser índio e não ser índio. A segunda parte, já com a presença dos professores, e de alguns membros da comunidade, eles deveriam explicar o que puseram nos seus desenhos ou escritos.

O desenvolvimento da atividade ocorreu da seguinte forma: os alunos pegaram as folhas de papel, os lápis de cor, ou mesmo lápis comuns de grafite e por aproximadamente dez minutos desenharam, escreveram, produziram suas idéias no papel; posteriormente eles iriam, um a um, explicando o que estava no papel. Porém a prática alterou um pouco a idéia programada pelo pesquisador, esta explicação foi no modelo que usualmente eles realizam entre si, um expunha, e outros comentavam, criando diálogo, e não um após o outro individualmente.

Desenho 1

No desenho temos o nome da autora e a seguinte mensagem:

Mensagem original (*) Mensagem traduzida

Eumoro Naudeia Nova Vida o~odeeaJeti Vaiziaci Ecola Escola Paraguaçu o~onticaJetiestuda e aJeti comi madioca iBana iPeizi

Eu moro na Aldeia Nova Vida onde a gente vai à escola.

Escola Paraguaçu

Onde a gente estuda e a gente come mandioca, banana e peixe.

(*) A mensagem original foi retirada diretamente do desenho, enquanto a traduzida visa apenas facilitar a compreensão do leitor.

Desenho 1.1

No desenho temos o nome da autora e a mensagem um pouco apagada:

Mensagem original Mensagem traduzida

Após fazer o primeiro desenho, a aluna explicou:

O índio vive junto da natureza, aqui a gente pode achar tudo que a gente necessita, mas antes não era assim, não... antes era melhor, mais livre... Aqui na Aldeia a gente pode brincar e ajudar “os povo” na roça, lá na represa, na casa de farinha...

Falando sobre o segundo desenho, disse que na cidade não é bom viver, não...Eu fiz até um

carro no desenho, e apaguei porque não gosto de carro, carro é perigoso, mata... Eu prefiro a aldeia, porque aqui eu conheço todo mundo. Na cidade não conheço ninguém.

Desenho 2

No desenho temos apenas a gravura e o nome do autor.

Desenho 2.1

No desenho temos apenas a gravura, e o nome do autor.

Após ter realizado os desenhos, o aluno comentou o que achava, não se preocupando em explicar exatamente os elementos da figura:

Aqui na aldeia a gente pode estar todo mundo junto, tem sempre alguma coisa para fazer, e a gente pode aprender sobre como era antes que o nosso povo vivia, quando os índio vivia no mato e podia caçar e pescar numa boa; e tinha mais árvores, tinha mais espaço...isso aqui na aldeia ainda tem um pouco, na cidade não... na cidade a gente sempre depende dos outros... em Camamu ainda se pode andar na rua, agora em Pau Brasil nem isso se pode fazer...aqui é melhor morar, nas cidades, as casas são tudo umas grudadas nas outras. Mas antigamente não precisava de cidade para viver, todo mundo vivia no mato e era melhor, não tinha tanto preconceito contra o índio.

Desenho 3

No desenho temos o nome do autor e a mensagem:

Mensagem original Mensagem traduzida ViVimão Dioca

BANANA A coa CaSa

casa DeBola

Viver, mandioca, banana, a oca, a casa, campo de bola.

Desenho 3.1

Temos o nome do autor e a mensagem:

Mensagem original Mensagem traduzida Irui Veve ForaDauDe ia

NaciDaDe Ubraco goSta DiViVe NacíDaDe

É ruim viver fora da aldeia, na cidade. O branco gosta de viver na cidade.

O aluno contou, após ter feito os desenhos, que Aqui na aldeia é que se vive, aqui a gente

pode andar, fazer o trabalho do meu povo, brincar, dançar o Toré... aqui todo mundo se conhece... agora, a cidade é coisa para branco, e não para índio... e é como falou aí, tem cidade onde índio não pode nem andar.