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I. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA UC’s:

3.4 ÁREAS PROTEGIDAS NO CONTEXTO DA POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE.

3.4.1 Áreas protegidas como princípio.

A Política Nacional do Meio Ambiente, no art. 2º, apresenta sua meta e condiciona o alcance desta ao atendimento de um elenco de enunciados-princípios que devem orientar ações para a aplicação daquela. Dessa forma, é necessário observar que a meta imediata é “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida”; mediatamente, em um segundo momento, em um plano secundário, propõe “assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”.

O enunciado no caput do artigo remete ao leitor da norma e, consequentemente, a seu intérprete, a regência do paradigma em que a vida está no centro, ou seja, o biocentrismo. Quando o legislador dispõe sobre “a qualidade ambiental propícia à vida”, transmite a ideia de que se trata da qualidade do “meio ambiente”. E no artigo seguinte, ao definir a expressão

75 O art. 3º da Lei Federal Nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, define: I - meio ambiente, o conjunto de condições,

leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, consolida a ideia de que a proteção jurídica é a da vida em geral. O que necessariamente leva à constatação da quebra de paradigma no direito brasileiro que até então sempre protegia a vida do ser humano, respeitando sempre a orientação de outro paradigma, o antropocentrismo, no qual o ser humano é sempre o destinatário das regras jurídicas.

Sobre o tema da quebra de paradigmas, presente no Direito Ambiental como um divisor de águas no ordenamento jurídico brasileiro, Élida Séguin observa que o objeto do Direito Ambiental está na proteção da vida em todas as suas formas, e que isto, “introduz na Ciência do Direito uma ruptura: os velhos dogmas são derrubados dando vez a um novo instrumental teórico e processual. A angulação fulcrada nos direitos individuais e coletivos cede lugar para a proteção difusa” (SÉGUIN, 2006, p. 94). A autora propõe entender que o estabelecimento de um sistema de proteção ambiental no Brasil foi erguido a partir de princípios internacionais, tendo surgido o Direito Ambiental para abrigar todo esse sistema.

De acordo com o doutrinador Antônio Herman Benjamim “o Direito Ambiental tem aversão ao discurso vazio; é uma disciplina jurídica de resultado, que só se justifica pelo que alcança, concretamente, no quadro social das intervenções degradadoras”. Da mesma forma entende que a Política Nacional do Meio Ambiente, editada antes da Constituição de 1988, já continha normas extremamente avançadas para o contexto nacional vigente, caracterizando-se como um divisor de águas no ordenamento jurídico brasileiro (BENJAMIN, 2007, p. 67 e 68). Depreende-se dessa afirmação conceitual que a proteção ambiental exige um comportamento frente à utilização dos recursos ambientais orientado por princípios e regras, conformados em políticas públicas, que protegem imediatamente o ambiente, o meio físico, o meio construído, a cultura, e, mediatamente, protege o ser humano e sua dignidade, a saúde, seu bem-estar, favorecendo-lhe o meio saudável e dando-lhe condições de desenvolvimento digno de vida. Conforme a seguinte observação:

A ecologia obedece a três princípios básicos: - a interdependência de todas as formas de vida, orgânica e inorgânica; - a complexidade e a diversidade dos ecossistemas como garantia da sua estabilidade; e – o caráter finito dos recursos biofísicos como fator que limita a intensidade e a escala da exploração. Os princípios ecológicos são diferentes dos do Direito Ambiental, pois os primeiros regem as relações dos seres vivos entre si e o seu ambiente, os segundos devem considerar o homem como um ser social que somente atinge a plenitude de seu desenvolvimento no contato com os semelhantes, passando a abranger aspectos artificiais, culturais e do trabalho (SEGUIN, 2006, p. 3-4)

Para José Renato Nalini, a visão biocêntrica está fundada em quatro convicções: - os humanos são membros da comunidade de vida da Terra da mesma forma e nos mesmos termos que qualquer outra coisa viva; - a espécie humana, assim como todas as outras espécies, são elementos integrados em um sistema de interdependência e a sobrevivência de cada ser vivo é determinada pelas condições físicas de seu ambiente e por suas relações com outros seres vivos; - os organismos são centros teleológicos de vida no sentido de que um é um indivíduo único, possuindo seus próprios bens em seu próprio caminho; - e o ser humano não é essencialmente superior às outras coisas vivas. (NALINI, 2001, p. 230).

Contudo, é necessário recordar que a implementação das ações propostas como resposta ao questionamento ambiental, que surge no século XX e que consolida a gestão ambiental, deve observar um conjunto de princípios que orientam a implementação da política ambiental no Brasil, conforme o que foi determinado na Carta de Estocolmo.

A Política Nacional do Meio Ambiente, Lei Federal Nº 6.938, 31.08.1981, no art. 2º, estabelece um rol de princípio. Verifica-se, portanto, que o conteúdo dos enunciados orienta a possibilidade de criação de áreas protegidas, por exemplo, ao dispor no inciso I, como princípio, in verbis:

Ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo.

O legislador, aqui, neste enunciado, orienta o Poder Público a observar a possibilidade de instituir áreas protegidas com fins de assegurar e proteger ambientes para manter o equilíbrio ecológico, fundamentado na consideração do meio ambiente como um patrimônio público, que o torna insuscetível de apropriação, por terceiros, permitindo o gerenciamento e administração para uso coletivo; em outras palavras, a criação de áreas protegidas deve ser orientada por essas justificativas.

Outro princípio igualmente importante e que tem uma relação direta com a instituição das áreas protegidas é o que está previsto no inciso II e que determina a “racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar”. O poder público, portanto, ao instituir áreas protegidas, no contexto da organização do uso do solo e através do estabelecimento dos zoneamentos ecológico-econômico, passa a orientar uma forma de racionalizar o uso do território brasileiro, dos estados e dos municípios.

Nesse contexto, e para melhor entendimento do que propõe o princípio, é necessário saber o significado do termo racionalização76, pois a ação indicada no inciso se consubstancia pelo termo que é composto por duas palavras: racional e ação, que significam uso com inteligência que deve repercutir em menos desperdício, menos custo e consequente restrição de uso de recursos naturais.

Dessa forma, a instituição de áreas protegidas implicaria numa ação de racionalização do uso solo que na prática é a separação de determinada área geograficamente limitada e que tem seu uso restrito ou limitado, ou seja, de uso indireto e direto dos recursos naturais, vinculado a determinadas finalidades, previamente definidas no ato de criação e que ao se consolidar raciona o uso do solo.

A instituição de uma área protegida na categoria de proteção integral, conforme a definição legal, tem por objetivo básico “preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto77dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos em lei”. A definição de uso indireto determina uma restrição de uso do solo, do subsolo, da água e do ar, ou seja, se faz uma reserva de uma parcela da natureza que somente deve ser conhecida e estudada, deixando, assim, parte da natureza para as futuras gerações.

O mesmo se pode dizer para área protegida na categoria de uso sustentável, cujo objetivo básico está definido, juridicamente, como o de “compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável78 de parcela dos seus recursos naturais”. aqui considerando que a sustentabilidade do uso do solo deve assegurar ou garantir a permanência dos recursos ambientais renováveis, bem como a manutenção da biodiversidade.

Essa prática proposta para o uso dos recursos naturais tem por fim consolidar o princípio do desenvolvimento sustentável, que na Amazônia significa o uso dos recursos naturais consorciados com a manutenção das florestas, definido como uma forma de aproveitar todos os recursos florestais através do manejo florestal sustentável79.

76 O conceito de racionalização não é encontrado em dicionários jurídicos, porém o significado dado ao termo no

dicionário como “ato ou efeito de racionalizar”, que sua vez significa “determinar, organizar segundo cálculos ou raciocínio, tornar mais eficaz e menos dispendioso um processo” (LAROUSSE DO BRASIL, 2009).

77As definições de usos previstas na lei que institui o SNUC são: “uso indireto: aquele que não envolve consumo,

coleta, dano ou destruição dos recursos naturais” Esta definição é diferente da outra forma de uso que é “uso direto: aquele que envolve coleta e uso, comercial ou não, dos recursos naturais” (art. 2º, incisos IX e X da Lei Federal Nº 9.985/2000).

78 “Uso sustentável: exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais

renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (art. 2º, inciso XI, da Lei Federal Nº 9.985/2000).

79 “Manejo: todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos

Nesse contexto, a prática proposta é uma forma de racionalização do uso do solo, ou seja, se restringe a alteração dos recursos do solo não permitindo a conversão de uma área de floresta em área de uso alternativo, específica para atividades econômicas como a pecuária, a agricultura ou o monocultura florestal.

Outros dois princípios do mesmo rol, previstos no inciso IV, “proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas”, e no inciso IX, “proteção de áreas ameaçadas de degradação”, implicam em orientação que justifica a criação de áreas protegidas, pois uma vez identificadas as condições ditas nos princípios, torna-se dever de ofício para o Poder Público o ato de instituir tais áreas.

Já o princípio previsto no inciso X, deste mesmo artigo 9º da Política Ambiental brasileira, é também objetivo e instrumento; trata-se da “educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”, orientação que necessariamente acompanha todo o processo de instituição de áreas protegidas, justificando em todas as fases os procedimentos, pois na educação ambiental está implícita a informação, que figura de forma independente como princípio do Direito Ambiental brasileiro.

Elencar os princípios é tarefa que se justifica, pois as ações devem ser orientadas por eles para que as metas sejam atingidas.