• Nenhum resultado encontrado

Ásperos anos 1990: resistências e alternativasÁsperos anos 1990: resistências e alternativas

Ásperos anos 1990: resistências e alternativas

Ásperos anos 1990: resistências e alternativas

Ásperos anos 1990: resistências e alternativas

Ásperos anos 1990: resistências e alternativas

As duas últimas décadas do século XX no Brasil foram singulares. A crença de que o país estava destinado ao desenvolvimento constante, apesar dos percalços – uma ideia recorrente desde a década de 1930 –, sofreu profundo abalo com a explicitação do fracasso do Plano Cruzado (1986). A descrença no desenvolvimentismo foi um constructo elaborado pelos organismos internacio- nais, notadamente o Banco Mundial, em consonância com os países centrais diri- gidos por governos neoliberais. O ataque do governo Reagan a todo aparato da Organização das Nações Unidas (ONU) relacionado ao desenvolvimento – Confe- rência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), Orga- nização Mundial da Saúde (OMS), Organização das Nações Unidas para a Edu- cação, Ciência e Cultura (Unesco), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), PNUD etc. – é ilustrativo dessa tendência. O objetivo subjacente a este movimento foi atingir frontalmente o Estado social, difundindo o ethos neoliberal também na agenda educacional.

Fernando Collor de Mello foi o primeiro governo a assumir plenamente a agenda neoliberal. Eleito por uma débil coalizão de forças resultante de um arranjo fortemente orientado pelo pragmatismo (impedir a vitória do PT em 1989) e com o apoio de alguns dos maiores grupos de comunicação do país (Organizações Globo e Vitor Civita), seu governo logo se revelou capaz de colo- car o projeto neoliberal em risco. Embora os setores dominantes tenham cedido alguns quadros para gerir o novo governo, o despreparo de Collor para operar a governabilidade necessária ao capital se revelou inaceitável, levando os setores dominantes a apoiar seu impeachment.

O governo Collor tentou implementar a política do Banco Mundial para a universidade. Os operadores de seu governo, basicamente membros de um “centro de influência” gestado dentro da Universidade de São Paulo – o Núcleo de Pesquisa de Ensino Superior (Nupes/USP) –, elaboraram as linhas mestras do projeto de universidade do novo governo. Em poucas palavras, o projeto objetivava diferenciar as instituições de ensino superior e diversificar as suas fontes de financiamento – uma iniciativa que fora ensaiada na “Nova República”, através do Grupo Executivo Para a Reformulação da Educação Superior (Geres), no qual atuaram membros do Nupes. A combinação dessas duas orientações blo- quearia, de fato, a construção de uma política unitária de educação que possibi- litasse a generalização da universidade pública e gratuita, assentada no princípio da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Entretanto, Collor ignorou que a agenda dos organismos internacionais precisaria ser recontextualizada em função da história das instituições e da existência de enti- dades dispostas a lutar em defesa da instituição.

Para favorecer o crescimento do setor empresarial, o seu governo remo- veu o controle público sobre as instituições privadas que, deste modo, passa- ram a ser reguladas pelo mercado. O resultado dessa política foi (e continua sendo) a explosão de instituições privadas. As públicas, por sua vez, deveriam ser reconfiguradas conforme suas “vocações”: como “unidades de ensino” ou como “unidades de serviços educacionais e de adequação tecnológica”, chama- das de “centros de excelência”. Ademais, o orçamento das universidades, con- forme o novo cânone, deveria ser fortemente reduzido. Para implementar essas medidas, seu governo apresentou a Proposta de Emenda Constitucional 56-B (PEC-56-B) com o propósito de remover pontos centrais da Constituição de 1988 considerados, em seu conjunto, um acidente histórico anacrônico, tais como: gratuidade, autonomia constitucional, indissociabilidade entre o ensi- no, a pesquisa e a extensão e regime jurídico único – aspectos que, em seu conjunto, configuram o que o Banco Mundial denomina pejorativamente “mo- delo europeu” de universidade.

Todas essas medidas acendem o conflito na área educacional, em particu- lar nas universidades federais que deflagram massiva greve. O Andes-SN foi uma das primeiras entidades a reivindicar, em decisão congressual, o impeachment de Collor. Para além das denúncias de corrupção, o que levou os setores dominan- tes a apoiar a saída de Collor foi a constatação de que, com ele no governo, os movimentos sociais, incluindo aqui partidos da esquerda, sindicatos e demais

movimentos, conheceriam novo ascenso e, fortalecidos, poderiam impedir ou dificultar de modo importante o avanço da agenda neoliberal.

Após o mandato-tampão de Itamar Franco, as frações das classes dominan- tes comprometidas, direta ou indiretamente, com o Consenso de Washington criaram o Plano Real, para o qual necessitavam de um governo sem o rosto da direita, investindo na candidatura de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Esse governo poderia viabilizar a aplicação da agenda do Consenso, uma reivindica- ção de forças importantes do bloco de poder em consolidação. Cumpre registrar que, desde 1990, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP, 1990) vinha sustentando uma agenda idêntica à do Consenso. Em fina articula- ção com as forças dominantes da burguesia mundial, em especial dos Estados Unidos, uma coalizão orgânica entre diversas frações das classes dominantes brasileiras foi costurada pelo Partido da Frente Liberal (PFL) e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), produzindo a unidade de classe e de pro- jeto perdidas desde o final do governo militar. É possível verificar aqui propósi- tos claramente hegemônicos desse sistema de alianças. A elevada inflação brasi- leira no curso do desmanche do governo Collor e a crise do México em 1994 prepararam o terreno para o ajuste empreendido pelo Plano Real (1994). A partir da eleição de Cardoso (1995-2002) é possível aprofundar, com maior consistência política e jurídica, a implementação do decálogo de medidas do Consenso de Washington em conformidade com o FMI e o Banco Mundial. Os quadros que ocuparam os postos-chave do governo, muitos deles recrutados na burocracia dos organismos internacionais, já estavam convencidos do suposto ana- cronismo do projeto desenvolvimentista-keynesiano e haviam abraçado o ideário neoliberal. Desse modo, os elaboradores do governo Cardoso puderam recontextualizar o Consenso objetivando adequá-lo a realidade brasileira sem per- der de vista a correlação de forças entre os setores dominantes e os subalternos.

Para tornar pensáveis as orientações da política educacional empreendi- das pelo período Cardoso, é crucial captar as transformações do mundo do traba- lho verificadas nos últimos anos no Brasil. É preciso considerar também as trans- formações no âmbito do Estado em virtude das reformas neoliberais (ajuste es- trutural) e as implicações da supremacia do capital rentista (pagamento de juros da dívida pública) para as políticas públicas (redução do orçamento social). A partir dessas considerações é pertinente desenvolver a indagação: quais as de- mandas educacionais engendradas por essas transformações econômicas? O mer- cado está demandando conhecimento avançado, como apregoam os adeptos da Nova Economia (ou da dita Sociedade do Conhecimento ou, ainda, do Capita-

lismo Intelectual) e, consequentemente, o aprimoramento das instituições que produzem conhecimento novo?

A chamada globalização é a ideologia mais insistentemente evocada para justificar a inevitabilidade das reformas estruturais de feição neoliberal. Em seu último ato de campanha, em 30 de setembro de 1998, FHC afirmou enfatica- mente: “Sim à globalização, não à marginalização”. Dois anos antes, em discur- so na Índia, asseverou que os países que não querem ficar excluídos do fluxo hegemônico do tempo terão que promover as reformas estruturais requeridas pelo mundo “globalizado”:

O mundo pode ser dividido entre os países que partici- pam do processo de globalização e usufruem os seus frutos e aqueles que não participam. Os primeiros estão geralmente associados à ideia de progresso, riqueza, melhores condições de vida; os demais, à exclusão, à marginalização e à miséria. (CARDOSO, 1996)

No caso dos países latino-americanos, não há como dissociar a ideologia da globalização das políticas encaminhadas pelo Banco Mundial. De fato, as proposições do Banco Mundial são muito representativas do pensamento siste- matizado como o Consenso de Washington (DEZALAY; GARTH, 1998). De acordo com o Presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn (BOARD Of GOVERNORS, 1995), as transformações das políticas econômicas em curso nos países “subdesenvolvidos” estariam configurando uma nova “era”: a “era do mercado” ou a “globalização”. Conforme as proposições dos homens de negócio difundidas nos jornais e revistas dedicados à economia:

As mudanças que nos rodeiam não são fenômenos passa- geiros, mas o produto de forças poderosas e ingovernáveis: a globalização, que tem aberto imensos mercados novos com seu corolário inexorável, uma enorme quantidade de compe- tidores novos; a difusão da tecnologia da informação e o cres- cimento desordenado das redes informáticas (...). (STEWART, 1998, p. 33)

A abertura econômica feita por Cardoso, acrescida das privatizações e da forte entrada de capital estrangeiro, provocou profunda mudança no perfil eco- nômico do país. Houve um intenso processo de aquisições, fusões, jointventures, desnacionalizações de empresas importantes. Em comum, embora não tenha provocado desindustrialização tout court, rearranjou a economia tornando-a mais dependente de produtos direta ou indiretamente extraídos da natureza –

as commodities – para fortalecer as exportações. Com efeito, essas mudanças foram impulsionadas pela dependência crescente de exportações para tentar fechar os profundos déficits provocados pelo tributo neocolonial da dívida, pelas remessas dos lucros, saídas de capital e importações que desequilibrassem a balança de pagamentos.

A internacionalização crescente da base produtiva e de serviços é empre- endida pelas corporações de modo a ampliar as taxas de exploração em relação às suas matrizes. Como assinala Marques (2002), o uso de força de trabalho nas filiais brasileiras é significativamente inferior nos setores de maior valor agrega- do. O uso de força de trabalho no Brasil para cada U$ 1 milhão de vendas em 31 corporações estudadas por Marques (2002, p.77), quando comparada com suas respectivas matrizes, deveria prever 156 mil empregos no Brasil para que a rela- ção faturamento/emprego fosse a mesma das matrizes. Desse modo, a redução dos empregos industriais, com a abertura econômica dos anos 1990, em relação aos níveis existentes nos anos 1970, ocorreu a partir de um patamar bem mais rebaixado e foi muito mais acentuada do que nos países centrais: Alemanha (anos 1970: 47,1; anos 1990: 40,3%); Brasil (anos 1970: 27,5%; anos 1990: 19,6%); Estados Unidos (anos 1970: 33,0%; anos 1990: 24,7%); Japão (anos 1970: 33,7%; anos 1990: 33,7%) (POCHMANN, 1998, p.10, apud MAR- QUES, 2002, p.82). Muitos dos melhores empregos industriais de grandes empresas foram precarizados por terceirizações que, na prática, remuneravam pior os trabalhadores e, frequentemente, burlavam os direitos trabalhistas mais relevantes. Os setores vinculados à produção de commodities, por sua vez, igual- mente foram pouco intensivos em trabalho, visto a inexistência de cadeias pro- dutivas mais completas. Desse modo, ao longo dos anos 1990, o emprego nas empresas de extração mineral caiu 23,5% entre 1992 e 1997, mesma tendência verificada nas instituições financeiras (17%). Os empregos cresceram em ativida- des de menor complexidade, como comércio (3,1% a.a.), alojamento e alimenta- ção (2,7% a.a.), serviços pessoais (5,9% a.a.) e em atividades relacionadas ao serviço público que são intensivas em mão de obra, como educação (3% a.a.) e saúde (3,7% a.a.) (apud BALTAR, 2003, p. 120).

Examinando os indicadores agregados, o número de empregados assalaria- dos em estabelecimentos não agrícolas aumentou de 30,8 milhões em 1989 para 32,3 milhões em 1999, uma média de 157 mil por ano em um contexto em que a População Economicamente Ativa (PEA) cresceu em média 1,3 mi- lhão. O mais grave é que do aumento total de pessoas ocupadas em atividades não agrícolas, quase a metade (46,7%) correspondeu ao aumento do trabalho

por conta própria – que cresceu a uma taxa média de 3,6% a.a., elevando a participação deste segmento para 22,5% na ocupação total (contra a média de menos de 10% nos países centrais). Discriminando por atividades, verifica-se que ao longo dos anos 1990 as que mais cresceram foram o serviço doméstico remunerado (3,2% a.a.) e as atividades não remuneradas (5,1% a.a.). Assim, a participação do emprego assalariado em atividade não agrícola total caiu de 66,8% para 60,1%. Mesmo a atividade agrícola teve redução, sendo, em setembro de 1999, 5,2% menor do que no mesmo mês de 1989 (apud BALTAR, 2003, p.121-123). A despeito de o índice de desemprego aberto ser um indicador que mascara o desemprego real, a taxa explodiu nos anos 1990, passando de 5% da PEA em 1989 para 10,4% em 1999 (id. ibid p. 123).

Ao mesmo tempo em que ocorria a especialização regressiva (produtos e processos intensivos em recursos naturais), a abertura aos produtos importados teve impacto negativo nos empregos, como assinalado, e a apreciação do Real, entre 1994 e 1998, retirou dinamismo dos produtos de exportação com maior valor agregado. Setores estratégicos, como o de bens de capital, terminaram a década de 1990 com um nível 20% menor do que o da década anterior (BALTAR, 2003, p.114). A despeito das promessas de que as medidas liberalizantes teriam consequências virtuosas para a economia, o PIB per capita nos anos 1990 cres- ceu somente 5% em toda a década. A renda per capita da população total decres- ceu de R$ 310,00 em 1995 para R$ 295,00 em 1999.

Nos termos bancomundialistas, a premissa econômica básica é a de que um mercado global livre decide melhor quais trabalhos estão localizados em que país (CAUFIELD, 1996, p.294). A consequência da reestruturação neoliberal para o mundo do trabalho é, por conseguinte, imensa. A flexibilização e a desregulamentação do trabalho tornam-se maiores e mais generalizadas, muitos dos melhores postos de trabalho são fechados, o desemprego da juventude se agrava. Tratar-se-ia, por conseguinte, de ajustar o sistema educacional a essa força de trabalho precarizada. É nesse contexto que Cardoso altera em profundi- dade toda a educação brasileira.

O projeto educacional de Cardoso foi conduzido por uma burocracia afinada com a agenda neoliberal. Os principais nomes do Nupes retornaram ao governo, e muitos técnicos brasileiros em atividade em organismos internacio- nais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial foram chamados a compor a equipe de governo liderada pelo ministro Paulo Renato de Sousa, vindo do BID. A política de reconfiguração sistêmica da

educação brasileira se deu no sentido de adequá-la à nova estrutura produtiva do país, que, conforme visto pelos indicadores do trabalho no país, não reque- ria a elevação da formação cultural e científica dos trabalhadores. Nos termos do documento do Banco Mundial TradePolicy in Brazil: the Case for Reform (1989), a inserção internacional do Brasil deveria estar centrada na agricultu- ra de exportação: uma volta ao passado e uma inversão do processo nacional de industrialização (BATISTA, 1994). Entretanto, essa era a avaliação de Cardo- so. Indagado sobre quais eram as prioridades educacionais, respondeu: expan- dir o ensino elementar e frear o crescimento das universidades públicas (ARCHARD e FLORES, 1997).

A reconfiguração da educação brasileira foi sendo empreendida pela com- binação da coerção econômica com ações normativas de diversos níveis: reformas na Constituição Federal – por meio de emendas constitucionais (EC) como a EC no 14/1996, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef); a EC no 19/1998, que faz reformas administrativas; e a EC no20/1998, que reforma a previdência – e um conjunto articulado de leis (Lei do Emprego Público, Exame Nacional de Cursos, Escolha de Dirigentes, PNE etc.), decretos (diferenciação das Insti- tuições de Ensino Superior - IES, reforma do ensino técnico) e portarias (forma- ção profissional, formação de professores etc.). Embora as reformas possuíssem diversos níveis de institucionalização, todas primavam por obedecer a linhas gerais bem demarcadas:

a) Eficiência interna e externa do sistema: o problema da educação brasilei- ra, sustentavam os elaboradores de Cardoso, estava adequadamente equacionado em termos do montante global aplicado em educação. O desa- fio era de natureza gerencial e, por isso, o Estado teria de priorizar a avali- ação da produtividade.

b) Equidade: a política educacional abandonara o referencial universalista do padrão unitário de qualidade, sofrendo uma inflexão em direção ao ensi- no fundamental minimalista e à formação profissional desvinculada da for- mação propedêutica, tidas como as de melhor retorno econômico. A profissionalização integrada ao ensino médio não era considerada uma boa medida, devendo ser abandonada em prol da formação profissional desinte- grada (Decreto nº 2208/1997).

c) “Empregabilidade”: a dita teoria do capital humano (TCH) fora ajusta- da ao contexto de elevado desemprego, especialmente de jovens. Na im-

possibilidade de associar a elevação do nível educacional ao aumento da renda do trabalhador, por meio de melhores salários, a chamada TCH foi redefinida a partir da noção de empregabilidade, um atributo que tornaria o indivíduo uma força de trabalho mais vendável no mercado. Mas não havia qualquer promessa de que a qualificação iria produzir melhor ren- da. Era dito que a probabilidade da venda da força de trabalho seria maior, tudo dependeria de uma combinação de habilidade do sujeito para se mover no mercado e de sua sorte, como lembra Hayek (1998). Os argumentos bancomundialista e do governo Cardoso procuravam sustentar, com base na TCH, que o ensino fundamental e a formação profissional desintegra- da eram as modalidades que ofereceriam melhor retorno econômico. Por isso, o Fundef, o Decreto n° 2208/1997 e a proliferação de cursos de curta duração dirigidos aos desempregados, preferencialmente conduzi- dos por sindicatos e financiados por recursos dos próprios trabalhadores, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

d) O secundário propedêutico havia sido concebido como um nível de passagem para o setor privado de ensino superior – por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – e para os cursos pós-médios. e) A universidade pública foi reconceituada como o lócus dos privilegia- dos que desviariam as verbas dos pobres em seu favor. A propósito do ensino superior, o Banco afirmava que continuaria a se concentrar prin- cipalmente no financiamento mais equitativo e justo deste nível de ensino, por meio de bolsas de estudo, como o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) voltadas para o setor privado. O chamado modelo europeu de universidade foi tido como o principal alvo da política do governo, posto sua incompatibilidade com a política eco- nômica para os países periféricos, daí a defesa da educação terciária (BARRETO e LEHER, 2008).

f) Perpassando as linhas anteriores, a perspectiva classista. A educação deveria ser calibrada às condições particulares do capitalismo dependente nos anos 1990, expressando os anseios particularistas das frações domi- nantes no bloco de poder. O governo Cardoso foi pragmático e coerente com as avaliações feitas anteriormente pelo Banco Mundial sobre o futu- ro do trabalho no Brasil. A meta era a formação superficial da massa traba- lhadora, objetivando a difusão de habilidades instrumentais e a socializa- ção de um certo ethos cultural pró-sistêmico, afim ao padrão de acumula- ção então em curso.

Em relação à eficiência interna, o Ministério da Educação (MEC) implementou medidas gerenciais para melhorar o fluxo escolar em todos os ní- veis: nova periodização por meio de ciclos, reformas curriculares, aprovação au- tomática, treinamento de professores, gratificações por desempenho etc. No centro desse processo – e parte axial da reforma do Estado –, foi sendo erigido um amplo sistema centralizado de avaliação dotado de instrumentos diferenciados: o minis- tério outorgou à Capes a avaliação da pós-graduação stricto sensu a partir de indica- dores de produtividade; ampliou a abrangência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) como órgão responsável pelos censos e pela siste- matização dos indicadores educacionais gerais; criou o Sistema Nacional de Avali- ação da Educação Básica (Saeb); e instituiu, ainda, os seguintes instrumentos de avaliação: Enem, Exame Nacional de Cursos (Provão), Perfil Municipal da Edu- cação Básica e o Censo Escolar.

Concebendo os professores como um obstáculo à eficiência do sistema, o MEC criou instrumentos para aprofundar a heteronomia do trabalho docen- te e, por consequência, a expropriação do conhecimento dos professores. Daí a criação da Secretaria de Desenvolvimento, Inovação e Avaliação Educacional (Sediae) voltada para a gestão da qualidade (total) em educação, fortalecendo extraordinariamente o poder regulatório do Estado. Os novos parâmetros curriculares, estabelecidos em 1997, aumentaram o controle sobre o conteú- do veiculado pelas escolas, definindo ditas competências a serem adquiridas pelos indivíduos. A expropriação do conhecimento docente foi uma das reco- mendações do Programa de Promoção da Reforma Educacional na América Latina e no Caribe (Preal)9 e de analistas da – Cepal. De acordo com o pensa- mento de um analista da Cepal:

A causa de su uso intensivo del recurso humano, la educación difícilmente puede mejorar su productividad. Por otra parte, hay obstáculos para modificar las tecnologías pedagógicas: los sistemas tienden a proteger el monopolio de los docentes en la transmisión del conocimiento (...). (LABARCA, 1995, p.171, grifos do autor) (…).No parece fuera de lugar plantear una cambio tecnológico radical en la práctica educativa que lleve a los países de la región a saltarse las tecnologías articuladas en torno al libro y al docente de la escuela clásica. Se trataría de utilizar los avances tecnológicos

9 “As atividades do Preal são possíveis por meio do generoso apoio da Usaid, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da GE Foundation, da International Association for