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Problemas e desafios roblemas e desafios roblemas e desafios roblemas e desafios roblemas e desafios

O que vem sendo apresentado nos últimos anos como uma inflexão do neoliberalismo para o neodesenvolvimentismo apaga o fato fundamental de que os pilares do neoliberalismo seguem guiando o padrão de acumulação (KATZ, 2006). A especialização regressiva da economia hipertrofia o peso do setor in- tensivo em recursos naturais no conjunto da economia brasileira. Com isso, vão

31 Dados consultados na matéria “Educação é pasta mais afetada em corte no Orçamento”, , , , , de Renata Veríssimo e Edna Simão, na Agência Estado, publicada em 31 de maio de 2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,educacao-e-pasta-mais-afetada- em-corte-no-orcamento,559625,0.htm>. Acesso em: 10/07/2010.

se consolidando vastos setores de menor complexidade em termos de cadeias produtivas e que requerem menos força de trabalho qualificada, pois o grosso do processo é movido pelo trabalho simples. Mesmo as filiais das corporações multinacionais que atuam em setores mais sofisticados incorporam muito menos força de trabalho qualificada do que em suas matrizes. O chamado neodesenvolvimentismo tem como pressuposto que o custo da força de traba- lho siga sendo rebaixado. Como visto neste estudo, no período do governo social-liberal não houve reversão da queda salarial dos anos 1990, nem em termos do salário real médio, nem na participação do trabalho no PIB. A elevada exploração do trabalho é uma vantagem comparativa para a competitividade do complexo produtivo voltado para as commodities e para as plataformas de exportação.

Evidentemente, o conceito de trabalho simples, subjacente ao pa- drão de acumulação, é histórico. Alguma qualificação é necessária, mas longe de um padrão europeu e mesmo asiático, como no caso do leste da Ásia e da China. Por isso, no contexto do debate sobre a revogação do Decreto n° 2208/1997, o governo Lula da Silva não pôde se posicionar em favor da formação profissional integrada. Isso iria colidir com todas as es- tratégias de formação profissional do Ministério do Trabalho e mesmo com as políticas de expansão dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifets) do MEC. A expansão das universidades federais apoiada nos balizamentos do Processo de Bolonha caminha na mesma direção: uma formação adequada ao trabalho flexível e desregulamentado atenderia às necessidades dos setores produtivos.

A comemorada melhoria da escolarização no Brasil nos últimos 25 anos em nada difere, grosso modo, da verificada nos demais países latino- americanos. Visto em detalhe, é possível afirmar que o avanço na escolarização não significa, necessariamente, democratização do conhecimento. Ademais, embora decrescente, o analfabetismo ainda é extremamente alto, atingindo perto de 10% da população de dez anos ou mais. Os analfabetos funcionais somam 22% da população com 15 anos ou mais. No Nordeste, alcançam 34,4%. Isso faz do Brasil um dos países da América Latina com os índices mais altos de analfabetismo, sem a complexidade de ter de alfabetizar grandes contingentes que utilizam idiomas de seus ancestrais, como a Bolívia e o Peru, países que igualmente possuem analfabetismo na ordem de 9,5% (CEPAL/PNUD/OIT, 2008). A despeito da melhoria dos índices de escolarização, em 2009, 2,8 milhões frequentavam o ensino fundamental

em programas de EJA. A rigor, caso a baixa escolaridade fosse um problema de grande monta para a acumulação do capital no Brasil, o fato de apenas 12% da População em Idade Adulta (PIA) possuir educação pós-secundária seria um grave problema nacional.

A política educacional focalizada não objetiva elevar o domínio da ciên- cia, da tecnologia, da arte, da cultura e da cultura histórico-social. Talvez por isso não cause estranheza que a melhoria nos índices educacionais não tenha se refletido de modo relevante na qualidade e no padrão salarial dos postos de traba- lho. São dois problemas interligados a serem considerados: os postos de trabalho não estão requerendo força de trabalho com bom nível de conhecimento, e a elevação da escolaridade não está correspondendo à elevação da cultura científi- ca, tecnológica e histórico-social das crianças e jovens, em particular as das clas- ses trabalhadoras.

A elevação da escolaridade formal e os programas de formação profissional que proliferam nas periferias, muitos em parceria com entidades privadas vincu- ladas às corporações, podem ser um requisito para garantir que o trabalhador tenha certas disposições disciplinares e determinada sociabilidade, mas não co- nhecimentos sobre os fundamentos do trabalho. A delegação de estratégicas tarefas educacionais aos representantes diretos do capital almeja difundir na massa trabalhadora a pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005). A expropriação do conhecimento dos trabalhadores é vista, antes, como positividade, pois con- dição para a manutenção do grau de exploração do trabalho existente no país. No capitalismo dependente, vale a fórmula: expropriação somada a exploração é igual a maior taxa de extração de mais-valia, possibilitando mais lucros a serem distribuídos aos donos do capital.

A reversão desse apartheid educacional classista e racista não se esgota nas lutas educacionais e, por isso, requer organização, tática e estratégia que possi- bilitem transformar a problemática da educação em uma das dimensões da luta de classes no século XXI. Florestan Fernandes defendeu ao longo de toda sua vida a entrada dos trabalhadores organizados na cena histórica da educação. Mas a participação dos trabalhadores nas lutas educacionais não é espontânea. Re- quer obrigatoriamente o protagonismo dos educadores comprometidos com a educação popular que devem contribuir para estabelecer pontes entre os movi- mentos sociais e as lutas educacionais. As condições atuais são favoráveis, pois todos os movimentos antissistêmicos, classistas e autônomos compreenderam que precisam formar seus militantes, abrindo diálogos com os educadores socia-

listas. A mais importante iniciativa nesse sentido é a Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST. Nesses processos, temos uma dialética importante, pois, com base nessas interações, finalmente é possível responder a uma indagação inquietante de Marx, na crítica a Feuerbach (Teses sobre Feuerbach, 1845):

A doutrina materialista de que os seres humanos são pro- dutos das circunstâncias e da educação, [de que] seres huma- nos transformados são, portanto, produtos de outras cir- cunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as cir- cunstâncias são transformadas precisamente pelos seres hu- manos e que o educador tem ele próprio de ser educado.

A formação dos educadores somente se completa na luta de classes, na permanente interação com os movimentos sociais, com o estudo dos problemas concretos colocados para a humanidade.

A melhor formulação estratégica para instrumentalizar os socialistas nes- se embate foi a de Antonio Gramsci. É preciso enfrentar a estratégia burguesa que busca submeter toda educação popular ao seu projeto particularista, classista, objetivando difundir seu próprio americanismo como se este fosse universal. Para o autor dos Cadernos, a defesa da educação pública é parte da estratégia dos subalternos. Mas, para isso, é indispensável superar as crenças pedagógicas libe- rais. No último século, os educadores sustentaram consignas liberais como a gratuidade, a laicidade e o dever do Estado na educação, e isso teve um caráter progressivo. Mas atualmente os liberais convergiram na defesa da educação minimalista para os trabalhadores e, por isso, os educadores comprometidos com a emancipação humana, diante da expropriação e da exploração, precisam rom- per com o quadro ideológico liberal burguês. Por isso é indispensável alargar o campo de alianças, inserindo a luta pela educação pública unitária na agenda das lutas sociais mais amplas contra a mercantilização da educação.

Desmercantilizar a educação é uma consigna abertamente anticapitalista. Para afastar o Movimento Compromisso Todos pela Educação e todo o seu enor- me aparato educativo do controle da educação pública, serão necessárias lutas sociais muito intensas. Este embate nada tem de simples, visto que as entidades neofilantrópicas gozam de apoio e de enorme prestígio nos governos munici- pais, estaduais e federal, operacionalizam programas de formação docente em parcerias com universidades públicas e contam com decidido apoio da grande imprensa. Um eixo fundamental de luta, na ótica dos subalternos, é resgatar o conceito de público. Concretamente, isso significa que a escola unitária referenciada no trabalho como princípio educativo não pode ser encaminhada

pelo Estado educador. Como Marx alertou energicamente na Crítica ao Progra- ma de Gotha, os socialistas não podem delegar a educação do povo ao Estado, pois em virtude de seu caráter classista, é este quem precisa de uma muito rude educação pelo povo. A luta do MST nas escolas públicas é, mais uma vez, uma inspiração. A escola tem de estar vinculada ao poder popular, dialogar com as lutas sociais, ser auto-organizada e autogerida pelos educadores nos conselhos populares. De imediato, a luta pelo financiamento público de modo a atingir 10% do PIB na educação pública é um eixo central. O financiamento tem de ser direcionado para a construção de um sistema nacional de educação pública uni- tário, organizado e dirigido pelo protagonismo dos educadores e de conselhos sociais com ampla participação popular. Ao mesmo tempo, será necessária uma revolução teórica nas instituições educacionais, da educação infantil à pós-gra- duação. Todo o enorme arcabouço positivista e a imensa presença das corporações nos espaços de produção de conhecimento exigem enfrentamentos epistemológicos e epistêmicos. Novamente, o engajamento dos educadores nas lutas sociais e na investigação dos grandes problemas dos povos pode ser uma consistente base para esta renovação do pensamento crítico.