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Nova República e a ConstituinteNova República e a Constituinte

Nova República e a Constituinte

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No final do período ditatorial, os educadores dispunham de importantes entidades acadêmicas – como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesqui- sa em Educação (ANPEd), o Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes) e a Associação Nacional de Educação (Ande) – e trabalhistas – como a Central

3 Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domi- ciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indiví- duos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade, e a renda de todos os outros indivíduos é nula).

4 IPEADATA, Série revista conforme reponderação divulgada pelo IBGE em 2009. 5 PNUD/IPEA, Evolução do índice de Gini, Desigualdade de renda aumenta em 2 de cada 3 municípios brasileiros, disponível em: www.pnud.org.br/atlas/PR/Press_Release_1.doc, acesso em 7 /7/10.

Única dos Trabalhadores (CUT), o Sindicato Nacional dos Docentes das Insti- tuições de Ensino Superior (Andes-SN), a Federação dos Sindicatos dos Traba- lhadores das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra) e a Confederação dos Professores do Brasil (CPB) –, que, junto com outras,6 constituíram o Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública (FNDEP) em 1986, objetivando interfe- rir na elaboração da nova Carta Magna do país. Lançado em Brasília, em 9 de abril de 1987, com um Manifesto em Defesa da Escola Pública e Gratuita, o FNDEP tinha a denominação inicial de Fórum da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito. A realização da IV Conferência Brasi- leira de Educação, com o tema Educação e a constituinte, na Universidade Fede- ral de Goiás, em Goiânia, em um ensolarado mês de agosto, especialmente lumi- noso como é característico da região Centro-Oeste brasileira, envolvia os debates em uma atmosfera de otimismo. Entre os participantes do evento – estudantes, jovens professores, intelectuais já reconhecidos –, o sentimento de que alternati- vas importantes estavam sendo forjadas era generalizado.

Considerando o modo como a chamada transição democrática foi operada pelos setores dominantes, a partir da demarcação da problemática da ditadura como autoritarismo – e não como um determinado padrão de acumulação opera- do pelas classes dominantes que sustentaram o golpe de 1964 –, a constituinte foi realizada em um contexto marcado por contradições. As frações burguesas dirigentes lograram êxito em impedir uma constituinte exclusiva, mas em um contexto de crise de hegemonia. Em virtude das fricções entre os dominantes e do ascenso da luta social, a revolução dentro da ordem poderia avançar, sob certas condições, fortalecendo a estratégia da revolução fora da ordem (FERNANDES, 1981). Mas não foi isso que aconteceu. A despeito da crise na representação política dos dominantes e da grave crise econômica, o grau de organização dos trabalhadores ainda era incipiente e a estratégia era fragmenta- da e débil. Ao longo do processo de elaboração da Carta, os dominantes se reuni- ram em grupos de interesse (agricultura, educação privada etc.) e em uma coor- denação (Centrão), garantindo uma constituição para a ordem do capital, embo- ra com arestas que ficariam mais evidentes no período de hegemonia neoliberal, quando a reforma constitucional passou a ser uma meta prioritária dos setores dominantes. Entretanto, a despeito da debilidade estratégica, a mobilização so-

6 A composição inicial reunia duas organizações gerais de classe (CUT/CGT), uma represen- tação de categoria profissional (OAB), seis acadêmicas (ANPED/SBPC/SEAE/CEDES/ANDE/ ANPAE), quatro entidades de trabalhadores profissionais da área de educação (ANDES/ CPB/ FENOE/FASUBRA) e duas entidades do movimento estudantil (UNE e UBES).

cial, embora dispersa e limitada por corporativismos, acrescida das fraturas no bloco de poder, favoreceu a aprovação de uma Carta que contém avanços no capítulo dedicado à educação. No que se refere à organização sindical, a despeito de ter mantido o fundamental da estrutura sindical anterior, possibilitou a cria- ção de entidades sindicais no setor público.

O Capítulo III da Constituição Federal de 1988 – Da Educação, da Cul- tura e do Desporto – contém avanços importantes para a educação pública. No que tange ao ensino superior, quatro artigos são cruciais:

i) Art. 207, que confere autonomia didático-científica, ad- ministrativa e financeira às universidades e as conceitua como instituições que “obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão”;

ii) Art. 208, que estabelece o dever do Estado com a educa- ção, garantindo “V- acesso aos níveis mais elevados do ensi- no, da pesquisa e da criação artística”;

iii) Art. 213, § 2o – “as atividades universitárias de pesquisa

e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Públi- co”;

iv) Art. 218, “o Estado promoverá e incentivará o desenvol- vimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. §1o – a pesquisa científica básica receberá tratamento

prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências”.

Além destes artigos, é preciso considerar também outros mais abrangentes, como o Art. 205 – “educação como direito de todos e dever do Estado” o Art. 206, IV – “gratuidade nos estabelecimentos oficiais” e o Art. 214, que determina a elaboração de um PNE, capaz de, entre outras funções, fixar a política de distribuição dos recursos públicos e as formas de articulação das ações das três esferas do Poder Público.

O Art. 207 da Constituição Federal é um dos pilares da concepção de uni- versidade do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e, mais especificamen- te, do Andes-SN. Na Plataforma Educacional do Movimento Docente para a Constituinte foi explicitado que:

A educação que queremos não se reduz apenas à trans- missão de conhecimentos, mas conjuga saber crítico e com- promisso social. Volta-se, acima de tudo, para o desenvol- vimento da capacidade de pensar, de refletir, de julgar (...) rompendo com os mecanismos sutis de dominação ideológi- ca e desenvolvendo (...) o conhecimento, a consciência críti- ca e a capacitação à vida e ao trabalho em nossa realidade

social. (CADERNOS ANDES, n.4, 1987 apud NAVARRO, 1999)

A autonomia universitária e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, ao serem alçadas a preceitos constitucionais, marcam um momen- to de imenso significado para a universidade brasileira. É importante lembrar que, pouco mais de uma década antes, proeminentes professores foram afasta- dos da universidade pelo AI-5 e muitos estudantes foram jubilados pelo Decre- to n° 477/1969 (LEHER, 2009a).

Se, em 1988, foram possíveis avanços que pareciam “um raio em céu azul”, a reação conservadora organizada pelo lobby das maiores corporações, lide- rado por um banqueiro que, posteriormente, viria a ser o presidente do Banco Central de Lula da Silva, Henrique Meirelles, cobriu as esperanças de transfor- mações sociais com “um céu de chumbo”. Quando a regulamentação dos dispo- sitivos constitucionais teve início, diversas conquistas da Carta foram desfeitas, como poderá ser visto com mais detalhes na seção seguinte.

A destruição de diversos direitos sociais previstos na Constituição come- çou ainda na Nova República, sobretudo na construção das condições para a implementação das políticas neoliberais mais ortodoxas. Em 1989, o Brasil esteve representado na reunião em que foi difundida a expressão Consenso de Washington7 por três dirigentes da Nova República que depois vieram a ter uma participação marcante na vida do país: Marcílio Marques Moreira, Pedro Malan e Luiz Carlos Bresser Pereira.8 Se, de uma parte, os mais proeminentes setores dominantes estavam preparando o terreno para a agenda neoliberal de primeira geração no Brasil, de outra parte, os movimentos seguiram em ascenso na se- gunda metade dos anos 1980. No mesmo ano em que a famosa reunião do Consenso de Washington aconteceu, foram realizadas mais de quatro mil parali- sações no Brasil (MATTOS, 2005).

Na perspectiva dos setores dominantes, a eleição de 1989 seria decisiva. Para derrotar Lula da Silva, então respaldado por um programa democrático-

7 Expressão-síntese do encontro “Latin American Adjustment: How Much Has Happened?”, do Institute for International Economics Participaram deste encontro, realizado em Washington, 1989, dirigentes do Governo dos Estados Unidos, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), bem como economistas latino-americanos comprometidos com as políti- cas de ajuste estrutural na Região.

8 Marcílio Marques Moreira, então embaixador em Washington, foi ministro da Fazenda do Governo Collor, Pedro Malan foi ministro da Fazenda de Cardoso e Bresser Pereira foi minis- tro da Ciência e Tecnologia do Governo Sarney e um dos operacionalizadores da reforma neoliberal do Estado brasileiro no governo Cardoso.

popular que previa reformas inaceitáveis para o capital, as frações de classe domi- nantes tiveram de se valer de um político inorgânico em relação ao núcleo do bloco dominante em processo de construção: Fernando Collor de Mello. De fato, com a vitória de Collor, a via ao neoliberalismo foi aberta. Ao longo dos primeiros anos da nova década, a quantidade de greves e paralisações, embora significativa, sofreu forte redução. Ademais, transformações internas nos sindi- catos desarticularam a capacidade de enfrentamento da classe trabalhadora, e a contrarreforma avançou vigorosamente, alcançando, como não poderia deixar de ser, a educação, a despeito da intensidade das lutas no setor.