Âmbito de proteção e suporte fático

As normas que estabelecem direitos fundamentais protegem certos “bens” ou “domínios existenciais” (por exemplo a vida e a religião). Esses “âmbitos” ou “domínios” amparados pelas normas garantidoras de direitos fundamentais possuem várias nomenclaturas: “âmbito de proteção” (Schutzbereich), “domínio normativo”

(Normbereich), “pressupostos de fato dos direitos fundamentais” (Grundrechtstatbestände).243

O âmbito de proteção abarca os diferentes pressupostos fáticos instituídos pela respectiva norma jurídica244_{, isso é, “trata-se do bem jurídico protegido, ou seja,}

do objeto tutelado”245_{, que nem sempre se afigura de fácil identificação,}

principalmente em razão das indeterminações semânticas presentes nos textos que concebem direitos fundamentais246.

Sérvulo Correia (2009) defende que o âmbito de proteção de um direito não decorre somente da tipificação de dados pré-normativos, mas que guarda relação com certos objetivos constitucionalmente ancorados e vinculados a determinados valores, ressaltando a complexidade do procedimento de identificação e mesmo de reconstrução do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, haja vista que, mesmo se tratando do perfil “prima facie do direito fundamental”, que ainda não considere as restrições legítimas, há um perfil normativamente pré-determinado a ser respeitado.247

Definir o conceito de suporte fático acarreta consequências na forma de conceber o conteúdo dos direitos fundamentais.

A norma jurídica é composta por uma hipótese e por uma consequência. Nessa senda, se o evento jurídico ocorre no caso concreto, a hipótese é preenchida

243 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed., 2003, Coimbra: Almedina, p. 1262.

244 K. STERN, Die Grundrechte und ihre Scranken apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos

direitos fundamentais. 10. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 387.

245 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 387.

246 SARLET, Ingo Wolfgang e outros. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 198.

247 CORREIA, Sérvulo. O Direito de manifestação apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos

e a consequência ocorrerá. Com efeito, pode-se dividir o suporte fático em abstrato e concreto.

Suporte fático abstrato é a previsão normativa e suporte fático restrito é a ocorrência concreta dos atos e fatos previstos na norma. Neste trabalho, preocupa- se apenas com o suporte fático abstrato, pois “a verificação da ocorrência do suporte fático em sentido concreto dependerá (…) da sua configuração em abstrato”.248

Robert Alexy (2008) noticia que suporte fático e âmbito de proteção podem coincidir totalmente quando se trata de normas permissivas. Suporte fático seria o bem protegido. Todavia, essa coincidência não se mostra adequada quando se fala de normas que garantem direitos de defesa (direitos à ação negativa – a não realização de intervenções em determinados bens protegidos – por parte do destinatário da norma), uma vez que, caso houvesse uma coincidência, o suporte fático deixaria de se opor à própria restrição em si. Logo, o suporte fático deve ser composto por dois elementos: o bem protegido e a intervenção estatal.249

Jorge Reis Novais (2003) entende que, nesta fase de definição do suporte fático, por opção metodológica, não se devem considerar os interesses opostos em que se fundam eventuais limitações do âmbito de proteção dos direitos fundamentais.250

Para Robert Alexy, a necessidade da incorporação da intervenção ao conceito de suporte fático se demonstra “(...) pelo fato de que a abrangência da proteção prima

facie depende, em igual medida, da extensão do conceito de bem protegido e da

extensão do conceito de intervenção”.251

Já Klaus Stern (2009) sustenta que o âmbito de proteção de um direito fundamental não é determinado pela mera caracterização do bem protegido (vida, dignidade humana etc.), mas será obtido, geralmente, mediante a diligente interpretação e análise, que observem os elementos do suporte fático, pois apenas quando da determinação do âmbito de proteção do direito, estará definido se alguma situação ou bem jurídico se encontra jusfundamentalmente assegurada, assim como

248 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais, conteúdo essencial restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 67-68.

249 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 302-305.

250 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 425.

251 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 305.

será possível determinar qual ou mesmo quais os direitos fundamentais estão em causa.252

Para o brasileiro Virgílio Afonso da Silva (2009), o conceito de suporte fático depende do bem protegido, da intervenção estatal e da ausência de fundamentação constitucional da intervenção, pois somente com esse último pressuposto ativa-se a consequência jurídica – exigência de cessação da intervenção estatal (declaração de inconstitucionalidade e retorno ao status quo ante). Caso haja fundamentação constitucional para a intervenção, o que há, na realidade, é uma restrição constitucional ao direito fundamental, o que impede a consequência jurídica. Com efeito, uma intervenção estatal não fundamentada constitucionalmente implica na necessidade de cessação dessa violação, pois implica uma violação a um direito fundamental. Já uma intervenção estatal fundamentada no âmbito de proteção de um direito fundamental implica em uma restrição, o que impede a consequência jurídica – declaração de inconstitucionalidade.253254

Mas por que esses doutrinadores divergem na simples conceituação de suporte fático? Porque cada um deles é adepto de uma teoria diferente da restringibilidade dos direitos fundamentais e isso influencia deveras na conceituação do suporte fático, haja vista que as teorias da previsão normativa estão intimamente ligadas às teorias restritivas dos direitos fundamentais.