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3 RELAÇÃO DE EMPREGO

5.3 Suporte fático amplo

A teoria do suporte restrito concentra-se na definição do que é protegido e o que é uma intervenção estatal, excluindo determinadas condutas de antemão do âmbito de proteção do direito fundamental.

Aqui, desloca-se o foco da argumentação.

272 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 417- 427.

273 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais, conteúdo essencial restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 100-101.

274 O próprio Müller recorre à concordância prática sempre que se de demonstre a necessidade imperiosa de exercer o direito fundamental nestas circunstâncias fronteiriças. (NOVAIS, Jorge Reis. As

restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra:

Coimbra Editora, 2003, p. 418).

275 ALEXY, Robert.Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 321.

Para a teoria ampla da previsão normativa, qualquer atividade, conduta ou comportamento, aos quais se possam invocar razões de direitos fundamentais, estão

prima facie protegidos pelo direito fundamental. Logo, caso possa argumentar que

determinado comportamento está inserido no âmbito de proteção da norma, que ele se enquadra em uma perspectiva de direito fundamental, automaticamente se conclui que se está diante de uma conduta que expressa um exercício de direito fundamental.276 Todas as hipóteses que possam teoricamente caber na previsão do direito não podem, à partida, ser excluídas do direito.277

O suporte amplo preocupa-se com a fundamentação no momento da intervenção. As condutas, a priori, são abarcadas pelo âmbito de proteção, mas dependerão de ponderação no caso concreto para decidir acerca da proteção definitiva.278 Essa técnica determinará, no plano dos fatos, o que é por ele protegido.

Determinadas condutas que são excluídas do suporte fático pela teoria do suporte restrito podem ser, pelo menos em princípio, objeto de restrição em uma teoria de suporte amplo.279

Mas então “o que é protegido prima facie por esse direito”?280

Para o alemão Alexy (2008), é toda conduta ou situação que apresente uma característica que, considerada isoladamente, seja suficiente para integrar o suporte fático, mesmo que outras características estejam presentes.281

Assim, para essa teoria, por mais absurdo que possa parecer, efetuar sacrifícios humanos está, a priori, contido no âmbito de proteção do direito à liberdade religiosa; matar um ator no palco para dar mais veracidade a cena está, a priori, contido no âmbito de proteção do direito de liberdade artística.

Volte-se ao exemplo do Partido Liberal, que, em 2001, entrou com a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 2566 alegando que o art. 4º da Lei nº 9612/1998, que proíbe “o proselitismo de qualquer natureza” na programação da radiofusão

276 NOVAIS, Jorge Reis. Conteúdo retirado da aula ministrada no curso de Mestrado, na Universidade de Lisboa, anos 2013/2014.

277 ALEXANDRINO, José Melo. Direitos Fundamentais. Introdução geral. 2. ed., Cascais: Princípia, 2011, p. 120.

278 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais, conteúdo essencial restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p 94 e 109.

279 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 326.

280 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais, conteúdo essencial restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 109.

281 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 322.

comunitária, consistiria em censura inconstitucional e feriria, dentre outros, a liberdade de expressão, liberdade de crença e liberdade de imprensa. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello, vencidos, entenderam que fazer proselitismo é sim exercer a liberdade de expressão e de imprensa e rejeitaram a exclusão do proselitismo do suporte fático da liberdade de expressão e de imprensa. Para eles, proibir antecipadamente a veiculação de algo é censura. Proselitismo faz parte do âmbito de proteção dessas liberdades.282

Jorge Miranda (2010) rejeita a teoria ampla da previsão normativa. Para ele, primeiro precisa-se definir o objeto que se pretende restringir para depois falar em restrição. É juridicamente óbvio que determinados comportamentos ou pretensões não se encontram cobertos pela proteção concedida pela norma constitucional: a liberdade de profissão não protege a prostituição ou a atividade contrabandista; a liberdade de expressão não permite insultar outrem. E, ainda que existam zonas de incertezas, haverá sempre condutas, comportamentos ou situações cuja localização fora do âmbito de proteção é incontroversa. Quando da restrição, ocorre uma compressão legal do âmbito de proteção (potencial) do direito até se alcançar o seu conteúdo efetivamente protegido. A restrição somente inicia-se quando termina a demarcação do âmbito de proteção, o traçar das fronteiras externas do próprio direito. É uma operação situada no plano interpretativo, mas que pode projetar-se em lei (regulamentadora, concretizadora ou confortadora, mas não restritiva).283 Ainda, noticia que a teoria defendida por Alexy parte de uma visão irrestrita do suporte fático,

Como se os direitos fundamentais fossem manifestações indiferenciadas de uma liberdade pré-estatal e mesmo pré-jurídica, esquecendo a necessária inserção sistemática dos direitos, o efeito diferenciador e conformativo que resulta da sua positivação constitucional (…). Fechando a possibilidade de uma exclusão prévia do âmbito de proteção do direito de condutas e pretensões que claramente não merecem qualquer tipo de tutela constitucional, esta corrente de pensamento conduz a situações juridicamente claudicantes.284 (MIRANDA, 2010, p. 368).

282 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais, conteúdo essencial restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 116-118.

283 MIRANDA, Jorge. Constituição Portuguesa Anotada, tomo I. 2.ed. Coimbra: Coimbra Editora, , 2010, p. 346-347.

5.3.1 Principais críticas à teoria do suporte fático amplo

Assim como as críticas da doutrina à teoria do suporte restrito, as críticas à concepção da previsão normativa ampliativa também são inúmeras, dentre as quais pode-se citar:

a) confere uma proteção constitucional exacerbada, razão pela qual haveria uma paralisação na legislação;285

b) a teoria fere princípios morais (por exemplo, ao sustentar que, prima facie, fazer sacrifícios humanos durante um culto religioso está garantido pelo direito à liberdade religiosa);286

c) a teoria contribui para que ocorra uma “expansão dos direitos fundamentais”, pois quase todo conflito jurídico se torna um caso envolvendo direitos fundamentais e, por consequência, um deslocamento de fundamentação legal para constitucional.287 Todo ato estatal fica situado no domínio dos direitos fundamentais, aumentando as colisões e multiplicando os atos dos Poderes Públicos e a aplicação das exigências do Estado de Direito – “limites aos limites” dos direitos fundamentais seriam aplicáveis em qualquer circunstância; 288289290

d) não há uma suficiente distinção metodológica entre o plano primário da delimitação da previsão normativa e o plano dos limites dos direitos fundamentais. Assim, sobrecarrega o plano dos limites e deposita aí toda a solução dos problemas da compatibilização dos direitos, já que ela não define no primeiro plano o que é que

285 NOVAIS, Jorge Reis. Conteúdo retirado da aula ministrada no curso de Mestrado, na Universidade de Lisboa, anos 2013/2014.

286 Idem.

287 STARCK, Christian Starck.Die Grundrechte des Grundgesetzes. JuS 21,1981, p. 245-246. apud ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 326.

288 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 414-415.

289 Alexy refuta essa crítica diferenciando conflitos reais (“não suscita dúvidas acerca da proteção ou da não-proteção de direitos fundamentais, de forma que não há como não se recorrer a uma argumentação no âmbito dos direitos fundamentais”) e potenciais (“se uma argumentação jurídica no âmbito de direitos fundamentais, embora possível, for totalmente dispensável, por não haver dúvidas acerca da compatibilidade da argumentação jurídica ordinária com os direitos fundamentais”). (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 326-327).

290 Jorge Reis Novais também noticia que os adeptos da teoria contrária rebatem essa crítica baseados no seguinte argumento: recorrem à Justiça Constitucional quem necessita de uma proteção definitiva e não simplesmente para saber se sua conduta está inserida no suporte fático e abrangida por uma restrição. (NOVAIS, Jorge Reis. Conteúdo retirado da aula ministrada no curso de Mestrado, na Universidade de Lisboa, anos 2013/2014).

os direitos fundamentais protegem enquanto garantias jurídicas (conteúdo protegidos dos direitos fundamentais);291

e) confusão entre liberdade geral de ação, liberdade jurídica protegida (liberdade constitucionalmente garantida em Estado Democrático de Direito) e direitos fundamentais. A proibição de matar constitui um constrangimento da liberdade, mas não de uma liberdade juridicamente protegida; não é uma restrição porque não há, em Estado de Direito, o reconhecimento de que cada um pode fazer aquilo que quiser. A liberdade geral de ação deve ser acompanhada dos reconhecimentos dos “limites naturais” que lhe são próprios: os direitos dos outros, a lei moral e a ordem constitucional. A própria natureza jurídica da garantia não dispensa o trabalho de interpretação (de determinação da medida da liberdade);292 e

f) subversão do equilíbrio da separação do poder judicial em termos de sobrecarga do poder judicial e, dentro deste, da justiça constitucional293.