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1 METACOGNIÇÃO, TRANSFERÊNCIA LINGÜÍSTICA E COMPREENSÃO LEITORA: UMA ALIANÇA TEÓRICA LEITORA: UMA ALIANÇA TEÓRICA

1.3 Aquisição de segunda língua (AL2)

1.4.2 Âmbitos, manifestações e tipologias

Quanto aos âmbitos lingüísticos em que ocorre, segundo Hawkins e Towell (1994), a transferência se manifesta em vários planos da língua: fonético/fonológico, sintático, morfológico, lexical e discursivo. Manifestando-se em âmbitos gramaticais distintos, a transferência também é evidente em diferentes habilidades lingüísticas como compreensão auditiva, fala, leitura e escrita, bem como pode manifestar-se em distintas direções, da L1 para a L2, da L2 para a L1, da L2 para a L3, da L3 para a L2, assim por diante.

Além disso, no tocante aos grupos que atinge, para Brown (2001), o fenômeno se expressa principalmente em adultos, mais propensos a aprender uma segunda língua de forma sistemática, elaborando regras lingüísticas e desenvolvendo raciocínios em L2 baseados na informação lingüística prévia. Ademais, a transferência não é socialmente motivada e está ligada à proficiência lingüística menor (ELLIS, 1994), vinculada principalmente a aprendizes de níveis iniciais, mais vulneráveis a partir do conhecimento lingüístico disponível, a L1. Entretanto, mesmo que a proficiência lingüística se desenvolva, havendo uma tendência de diminuição da transferência, segundo Odlin (1989), algum grau de interferência lingüística sempre existirá.

Além de a transferência se manifestar principalmente nos iniciantes, conforme explicitado acima, também existem diversas variáveis que a influenciam como a idade (ODLIN, 1989), o nível de evolução da interlíngua4 do aprendiz, as percepções sobre os aspectos semelhantes e diferentes entre línguas em interação (SHARWOOD e SMITH, 1994), o ambiente, a situação de aprendizado e o emprego de atividades em que se estimula o uso da L1 (ELLIS, 1994), a identificação sócio-cultural com uma língua (CARROLL e SINGH, 1979) e a última língua aprendida (RINGBOM, 1987). Quanto às circunstâncias em que se manifesta a transferência, a língua nativa seria empregada pelo aprendiz como uma estratégia comunicativa nas circunstâncias em que o aprendiz apresenta falha na competência lingüística em L2 (ODLIN, 1989).

A transferência é um fenômeno amplo. Pode se falar em vários tipos de transferência, não apenas lingüística, mas também sociolingüística, metodológica, pragmática, etc. Quanto aos tipos de manifestações da transferência, na visão de Ellis (1994), os estudos da transferência se modificaram ao longo do tempo, pois inicialmente acreditava-se que tal fenômeno se expressava apenas sob a forma de erros, mas com a evolução dos estudos sobre a transferência, as tipologias começaram a ser ampliadas incluindo a evitação, o superuso e a facilitação, por exemplo.

4 Interlíngua refere-se à separabilidade de um sistema lingüístico em segunda língua do aprendiz, um sistema que tem um estado estruturalmente intermediário entre as línguas nativa e alvo. No original: “Interlanguage

refers to the separateness of a second language learner´s system, a system that has a structurally intermediate status between the native and target languages (BROWN, 2001, p.215).

Além da classificação behaviorista de transferência positiva e negativa, existem outras classificações como a de Odlin (1989) que trabalha com uma tipologia que inclui a baixa produção ou subprodução, superprodução, erros de produção e interpretação errônea. Quanto à baixa produção, os aprendizes podem não produzir ou produzir poucas amostras de uma determinada estrutura na língua estrangeira, pois ela é infreqüente, muito distinta ou inexistente na sua língua-mãe, o que é chamado de baixa produção. Isso pode ser uma evidência da avoidance, evitação, ou seja, o processo de evitar certas formas na língua-alvo.

Ao evitar ou pouco utilizar algumas estruturas na segunda língua, o aprendiz poderá exagerar no uso de outras, violando padrões da L2, o que leva o nome de overproduction, superprodução ou também chamada de superuso. Na visão de Ellis (1994), isso pode ocorrer em função da supergeneralização, “[...] processo que ocorre enquanto o aprendiz de segunda língua utiliza a língua-alvo, generalizando uma regra ou item específico na segunda língua – não importa sua língua nativa – além das fronteiras legítimas” (BROWN, 2001, p.96)5.

Freitas (2007), por exemplo, ao fazer um estudo de caso sobre fossilizações, menciona dois casos de erros de transferência, um de subprodução, outro de superprodução. No primeiro, após feedback corretivo quanto ao uso indevido de say em frases como “They said me...”, o aluno passa a não utilizar formas de say e a utilizar o verbo tell em demasia, quando evidencia a subprodução de formas com say e superprodução de formas com tell.

Além desses erros relacionados à freqüência de uso, existem três tipos de erros relacionados às similaridades e diferenças entre duas línguas, os quais são evidenciáveis tanto no discurso oral como no escrito: os calques6, as substituições e as alterações de estruturas. Os calques acontecem quando ocorre a utilização de uma estrutura na L2 da mesma forma que na L1 do aprendiz. Segundo Odlin (1989, p.37),7 “calques são erros que refletem proximamente uma estrutura da língua nativa”. Já as “substituições envolvem um uso de formas da língua nativa na língua-alvo” (ODLIN, 1989, p. 37)8. Isso é comum ao escrevermos rapidamente e

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In second language acquisition it has been common to refer to overgeneralization as a process that occurs as the second language learner acts within the target language, generalizing a particular rule or item in the second language – irrespective of the native language – beyond legitimate bounds (BROWN, 2000, p.96).

6 Neste trabalho, por não haver um termo dicionarizado em português, optou-se por utilizar o termo calques, usado em inglês.

7Calques are errors that reflect very closely a native language structure (ODLIN, 1989, p. 37). 8Substitutions involve a use of native language forms in the target language (ODLIN, 1989, p. 37).

introduzirmos termos da L1 como conetivos. Para Calvet (2002), isso é uma manifestação da mistura ou alternância de códigos (code-switching). As alterações de estruturas, por sua vez, manifestam-se, por exemplo, quando aprendizes de segunda língua trocam estruturas fonológicas, léxicas ou pragmáticas devido à influência da L1.

Além da manifestação em erros gramaticais, a transferência é evidenciável em aspectos como a compreensão leitora e os efeitos cumulativos das similaridades e diferenças entre as línguas. Nesse sentido, quanto ao primeiro aspecto, a interpretação de textos em L2 pode ser determinada pela influência das estruturas da língua nativa do aprendiz, de modo que ele não compreende certas informações, devido a alterações fonológicas, por exemplo. Outro aspecto é que a compreensão leitora pode ser facilitada pela existência de palavras cognatas, ao mesmo tempo em que falsos cognatos podem conduzir a interpretações totalmente equivocadas. Na compreensão leitora é importante também o fator coerência discursiva, já que a forma com que a língua é estruturada pode acarretar diferenças conceituais significativas (PACHECO, 2007). Essas diferenças conceituais podem se manifestar intensamente nas interpretações errôneas, possivelmente manifestáveis quando há diferenças nos padrões sintáticos e nas concepções culturais da língua nativa e da língua-alvo.

Já quanto ao aspectos dos efeitos cumulativos das similaridades e diferenças entre as línguas, os mesmos podem ser observados através da investigação do tempo necessário para a aquisição de uma segunda língua (ODLIN, 1989). Assim, quando é necessário um tempo menor para a aquisição de uma segunda língua, provavelmente o aprendiz tenha encontrado muitas semelhanças com a sua língua nativa, o que facilita o processo de aprendizagem. Já os aprendizes que não encontram essas facilidades, provavelmente precisarão de mais tempo para adquirir uma segunda língua.

O propósito desta seção foi tipificar o amplo fenômeno da transferência lingüística. Como foi reportado anteriormente, uma das manifestações da transferência lingüística ocorre na leitura. Na próxima seção, objetiva-se dar um panorama sobre os estudos relativos à compreensão leitora, incluindo aspectos como a compreensão leitora em língua materna, língua estrangeira e especialmente o uso das estratégias de leitura.